Resumo: A reforma trabalhista de 2017 foi regulamentada concomitantemente a medidas econômicas de contenção dos gastos públicos em políticas sociais, o que afeta diretamente as relações e condições de trabalho daqueles que ali atuam. Nesse sentido, algumas categorias de trabalhadores são diretamente afetadas pela de- sestruturação dos serviços, assim como pelas alterações na legislação trabalhista, que é o caso dos assistentes sociais que compõem a força de trabalho em esta- belecimentos públicos e privados de serviços sociais. Parte-se da hipótese que esta categoria profissional tem sofrido uma maior intensificação do trabalho, assim como maior precarização nas formas de contratação e remuneração.
Contratação por pregão como expressão da precarização social do trabalho de assistentes sociais no Brasil recente
A precarização das relações e condições de trabalho dos(as) assistentes sociais em tempos de “reforma trabalhista”
Elaine Marlova Venzon Francisco1
Resumo
A reforma trabalhista de 2017 foi regulamentada concomitantemente a medidas econômicas de contenção dos gastos públicos em políticas sociais, o que afeta diretamente as relações e condições de trabalho daqueles que ali atuam. Nesse sentido, algumas categorias de trabalhadores são diretamente afetadas pela de- sestruturação dos serviços, assim como pelas alterações na legislação trabalhista, que é o caso dos assistentes sociais que compõem a força de trabalho em esta- belecimentos públicos e privados de serviços sociais. Parte-se da hipótese que esta categoria profissional tem sofrido uma maior intensificação do trabalho, assim como maior precarização nas formas de contratação e remuneração.
Palavras-chave
Reforma trabalhista no Brasil; Relações e condições de trabalho dos assistentes so-
ciais; Intensificação do trabalho; Trabalhadores no setor de serviços.
The precariousness of relations and working conditions of social workers in times of “labor reform”
Abstract
The 2017 labor reform was regulated concurrently with economic measures to curb public spending on social policies, which directly affect the working relationships and working conditions of those working there. In this regard, some categories of workers are directly affected by the deconstruction of the services, as well as by the changes in labor law, that is the case of social workers that compose the work- force in public and private organizations of social work. It is assumed that this pro- fessional category has suffered a greater intensification of work, as well as greater precariousness in the forms of hiring and remuneration.
Keywords
Labor reform in Brazil; Relations and working conditions of social workers; Intensifi- cation of work; Workers in the service sector.
Artigo recebido em novembro de 2019 Artigo aceito em dezembro de 2019
Introdução
As medidas políticas e econômicas que configuram retirada de direitos sociais e de garantias trabalhistas vêm afrontando os traba- lhadores brasileiros desde os anos 90, através da implementação de políticas marcadas pelo ideário neoliberal. O processo de enxu- gamento, ou redução do Estado, nas diferentes formas de proteção social, seja pela legislação, seja pelas políticas sociais, vem se inten- sificando desde então2.
Essas estratégias foram intensificadas, a partir de 2016, com a Emenda Constitucional 95, que congela gastos com saúde e educação por vinte anos — mas libera investimentos para o capital —, e com a reforma trabalhista aprovada em 2017, que formaliza práticas de pre- carização das relações de trabalho.
Logo, uma grande massa de trabalhadores que hoje se encontra desempregada ou em trabalhos de baixa remuneração e proteção so- cial, também deixa de contar com as políticas sociais públicas de re- produção de sua força de trabalho.
Os assistentes socias, que em sua maioria trabalham dentro da es- trutura de serviços públicos, no terreno das políticas sociais, têm o seu trabalho cotidiano afetado por essa conjuntura, pois há um aumento da demanda por parte da população, principalmente nos campos da assistência social e saúde, mas também é afetado em suas relações e condições de trabalho. É sobre esse segundo aspecto que se debruça a pesquisa e este texto constitui parte do debate teórico que fundamenta- rá a análise dos dados empíricos que ainda estão sendo coletados.
Parte-se da hipótese que esta categoria profissional tem sofrido uma maior intensificação do trabalho devido tanto ao aumento da de- manda de serviços sociais por parte da população quanto pela não contratação de novos profissionais, somado às alterações nas formas de contratação e remuneração possibilitadas pela reforma trabalhista. Assim, o artigo, que é parte das reflexões teóricas acerca do tema, está estruturado em três itens, sendo o primeiro referente ao
entendimento do trabalho do assistente social no âmbito do traba- lho coletivo e na esfera da reprodução social; o segundo, sobre as alterações impostas aos trabalhadores no setor de serviços e, por fim, alguns impactos da reforma trabalhista para os trabalhadores, entre eles os assistentes sociais.
O trabalho dos assistentes sociais no âmbito da reprodução da força de trabalho
A relação entre as determinações político-econômicas que definem novas racionalidades na formulação e execução das políticas sociais públicas e a realização do trabalho profissional no cotidiano dos es- paços institucionais é assim explicitada por Almeida e Alencar (2011):
As mudanças decorrentes do processo de mundialização do ca- pital e que atravessam diferentes dimensões da vida social sob o traço marcante da hegemonia financeira, alteram também as formas de sociabilidade existentes, na medida em que necessi- tam de novos suportes políticos, ideológicos e culturais. Impri- mem novas racionalidades às formas de organização do Estado e das políticas públicas alterando os processos de distribuição do fundo público e, consequentemente, os modos de organiza- ção e prestação dos serviços sociais. (p.143).
Logo, essas transformações se expressam no cotidiano dos servi- ços, através das atividades profissionais dos diferentes sujeitos que realizam a materialidade das instituições e dos serviços sociais. Os diferentes processos de trabalho em que os assistentes sociais se inserem, assim como o conjunto dos demais processos de trabalho realizados por todos os demais trabalhadores neste segmento dos serviços sociais, e as diferentes formas de cooperação que formam o trabalho abstrato nesse segmento, ganham concretude através de atividades realizadas a partir da inserção desses sujeitos em relações sociais. Como afirma Iamamoto:
O assistente social ingressa nas instituições empregadoras como parte de um coletivo de trabalhadores que implementa as ações institucionais, cujo resultado final é fruto de um traba- lho combinado ou cooperativo, que assume perfis diferencia- dos nos vários espaços ocupacionais. Também a relação que o profissional estabelece com o objeto de seu trabalho – as múltiplas manifestações da questão social, tal como se expres- sam na vida dos sujeitos com os quais trabalha –, dependem do prévio recorte das políticas definidas pelos organismos em- pregadores, que estabelecem demandas e prioridades a serem atendidas. (2007, p. 421)
Essa dimensão mais imediata de realização da produção de um serviço é determinada pelas racionalidades econômicas e políti- cas das instituições. É formatada também pelas características e peculiaridades culturais que permeiam esses espaços, além de in- formada pelos conteúdos e valores hegemônicos em cada especia- lidade profissional e técnica, mas, principalmente, é regulada pe- las relações de trabalho. Essas relações, no âmbito do capitalismo contemporâneo, ainda na predominância das relações contratuais assalariadas, molda e restringe o âmbito e as formas de ação dos sujeitos profissionais.
Analisar o exercício profissional a partir da dupla dimensão do trabalho, enquanto trabalho concreto e trabalho abstrato, ou seja, trabalho produtor de um determinado serviço que tem valor de uso e que é, concomitantemente, atividade medida em tempo de tra- balho socialmente necessário, computado em sua quantidade, no conjunto do trabalho coletivo (MARX, 2013), tem permitido analisar as diferentes determinações que incidem sobre o trabalho do as- sistente social na sociedade brasileira atual. Portanto, cabe atentar para o impacto das transformações sobre a força de trabalho em suas relações e condições de trabalho enquanto fragmento do tra- balho coletivo do qual faz parte.
Transformações nas relações e condições de trabalho no terreno das políticas sociais
Para os trabalhadores em geral, as mudanças no âmbito da ino- vação tecnológica e organizacional dos diversos setores produtivos e, também, das políticas econômicas de base neoliberal, que têm orientado grandes transformações nos mercados e nas funções dos Estados nacionais, a partir dos anos 1990, são processos que re- percutem diretamente em suas relações e condições de trabalho. Assim, incidem sobre as formas e o conteúdo do trabalho, além de produzirem novas formas de aviltamento, exploração e expropria- ção da força de trabalho.
Desde os anos 1980, tanto a produção industrial, como a produção de serviços, vêm sofrendo alterações tecnológicas e organizacionais que privilegiam a diminuição quantitativa da força de trabalho empre- gada, assim como os setores têm experimentado uma forte interação, como é o caso do agronegócio e dos serviços produtivos, onde os di- ferentes setores da economia se fazem presentes no mesmo processo produtivo, com uma articulação tecnológica viabilizada pelos sistemas informatizados (ANTUNES, 2018, p. 34).
Um dos resultados dessas mudanças é o deslocamento da força de trabalho para o setor de serviços. No Brasil, entre 1980 e 2008, este setor passou a responder por dois terços de toda a produção nacional3 e concentra o maior número de postos de trabalho, ainda que o emprego criado no setor seja de baixa qualidade, tanto em termos de qualificação quanto em termos de relações e condições de trabalho4. Braga destaca:
Em larga medida, a combinação entre formalização e precari- zação do trabalho, característica da era Lula, transformou o tra- balhador terceirizado na síntese dessa verdadeira nova preca- riedade que se enraizou no regime de acumulação pós-fordista. Ademais, a terceirização empresarial antecede formas ainda mais degradantes de assalariamento, como o trabalho intermi-
tente e o trabalho contratado por falsas cooperativas. (BRAGA,
2017a, p. 169).
Além disso, algumas categorias profissionais vêm passando por transformações profundas, tanto no sentido numérico, com uma forte redução da quantidade de trabalhadores empregados5, quanto de suas principais funções e atribuições, como é exemplar o caso dos bancá- rios (JINKINGS, 2006). Outras categorias profissionais sequer existiam nos anos 1980, como é o caso dos trabalhadores de call centers, em- presas criadas no bojo dos processos de privatização das empresas estatais de telefonia que, segundo Braga (2012): “Trata-se de uma in- dústria apoiada em um jovem precariado6 pós-fordista e localizada na confluência entre a terceirização empresarial, a privatização neoliberal e a financeirização do trabalho” (p. 187).
Segundo Antunes, “nas últimas décadas os capitais vêm impondo sua trípode destrutiva em relação ao trabalho: a terceirização, a infor- malidade e a flexibilidade se tornaram partes inseparáveis do léxico das empresas corporativas” (2018, p. 37 – Grifos do autor). Antunes e Druck (2013) já haviam demonstrado como a terceirização constitui, mais do que uma forma de redução dos custos com a força de traba- lho, em uma estratégia fundamental para a acumulação de capital, na atual fase do modo de produção, em que os processos de produção, circulação e consumo, precisam se dar em tempo cada vez mais re- duzido. Nesse sentido, além de ser uma estratégia do setor industrial, passa a ser utilizada também nos serviços, largamente ampliados a partir dos processos de privatização de empresas estatais:
A explosão de empresas terceirizadas tem sido um importante propulsor de mais-valor. As empresas públicas que no passado recente eram prestadoras de serviços, sem fins lucrativos, após a sua privatização e mercadorização tornaram-se partícipes (direta ou indiretamente) do processo de valorização do capital, incre- mentando e ampliando as modalidades de lucro e de criação ou realização do mais-valor. (ANTUNES, 2018, p. 32 – grifos do autor).
Essas transformações têm se constituído em objeto de investigação e análise no campo das ciências sociais, desde os anos 1980, exata- mente pelos seus impactos sobre os trabalhadores, seja em relação às alterações no mercado de trabalho – através da terceirização, sub- contratação, trabalho em tempo parcial e várias formas de desassa- lariamento7 –, seja em relação ao redimensionamento do Estado e o consequente desmonte de políticas e direitos sociais, através da flexi- bilização da legislação trabalhista, o que deixa os trabalhadores ainda mais vulneráveis às exigências do mercado de trabalho.
Também o Estado, em sua condição de empregador, passa a lançar mão da terceirização como forma de destinar fundo público ao capital, justificado pelo discurso da eficiência e redução de custos8. Em rela- ção à participação do Estado nesse processo e as consequências em termos de precarização das relações de trabalho, Braga (2017a) afirma:
Não deixa de causar surpresa que, muitas vezes, seja o próprio Estado que promova direta ou indiretamente a terceirização por meio, sobretudo, do recurso às cooperativas de trabalho, orga- nizações não governamentais e organizações sociais. (p. 169).
Esse processo sofreu uma inflexão nos dois primeiros governos do Partido dos Trabalhadores (PT) sem deixar, no entanto, de concretizar a implementação das medidas necessárias à acumulação do capital, através dos processos de privatização do Estado e de intensificação da exploração dos trabalhadores. Segundo Antunes, entre 2003 e 2010, essa política econômica foi apenas “nuançada por uma variante so- cial-liberal” (2018, p.121)9.
Braga (2012) constata ainda que, neste período, houve geração de emprego, mas de baixos salários e relações precárias. Em 2015, segundo Mattos (2019), 82% dos trabalhadores ocupados recebiam até três salários mínimos e, em torno de 44% deles, trabalhavam na informalidade, chegando-se a 12,7% da população ativa desempre- gada (p.85-87).
Assim, ocorreu um aumento da produtividade do trabalho com diminuição dos rendimentos da classe trabalhadora ou uma “cres- cente divergência entre os ganhos do trabalho e a produtividade, com a última crescendo mais rápido que os salários na maior parte do mundo”10, principalmente, através da terceirização e das mudan- ças na legislação trabalhista.
Conforme análise de Alves (2017),
o neodesenvolvimentismo de Lula não apena paralisou o des- monte da CLT e da Constituição de 1988. Pelo contrário, conse- guiu avançar na efetividade de parte social da Constituição de 1988 ao implementar o SUS e SUAS por meio do crescimento do gasto público e programas de transferência de renda. É cla- ro, dentro dos limites miseráveis de um governo constrangido
pelo Estado neoliberal.
Com essa ampliação das políticas de proteção social, há um au- mento significativo do número de trabalhadores na execução dessas políticas, através da contratação direta ou indireta e através de Orga- nizações Sociais (O.S.) que passam a fazer a gestão dos equipamen- tos socioinstitucionais11.
Entre os diversos trabalhadores desse segmento do setor de servi- ços, encontram-se os assistentes sociais12, na condição de trabalhador assalariado, cujo âmbito de inserção profissional se localiza, prioritaria- mente, no Estado, através do planejamento, gestão e execução de po- líticas sociais públicas, assim como no âmbito privado em organizações prestadoras de serviços sociais, entidades filantrópicas, Organizações não Governamentais (ONGs) e empresas privadas de produção indus- trial e de serviços (IAMAMOTO, 2007; ALMEIDA e ALENCAR, 2011).
O próprio mercado de trabalho do assistente social é uma expres- são das transformações provocadas pelos processos de reestruturação do capital e pela implementação de políticas neoliberais. O espaço so- cioinstitucional das ONGs como prestadoras de serviços, por exemplo,
é uma das expressões mais visíveis da introdução de políticas de corte neoliberal e a consequente redução do Estado no atendimento às de- mandas sociais através da prestação de serviços sociais à população. Espaço esse inexistente até os anos 1980 (ALMEIDA; ALENCAR, 2011).
No entanto, se esse espaço profissional foi criado, outros deixaram de existir, como é o caso dos setores ou departamentos de Serviço Social, existentes em empresas privadas e públicas, em unidades de serviços públicos e privados de saúde e educação, assim como em autarquias, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo. Nas empresas, os processos de reestruturação empresarial, ao enxugarem níveis hierárquicos e terceirizarem as funções que não caracterizavam a atividade fim, os setores que atuavam junto aos trabalhadores, deno- minados de Recursos Humanos ou Gestão de Pessoas (a depender da referência teórica), foram terceirizados ou quarteirizados13.
Nesse processo, não apenas as relações de trabalho se alteram completamente, mas também há uma reatualização de atribuições destinadas a esses profissionais, principalmente nas empresas14.
Além das transformações no mercado de trabalho, observa-se a degradação das relações e condições de trabalho. Já nos anos 1990 era possível identificar a intensificação da jornada, provocada pelas novas formas de gerenciamento desta força de trabalho, seja pela introdução da remuneração variável vinculada ao alcance de metas de produtividade, seja pela multifuncionalidade, com o necessário atendimento de demandas variadas por parte de trabalhadores e gerências (CESAR, 2010). No âmbito do serviço público, a preca- rização das relações e condições de trabalho se dá pelos cortes orçamentários, planos de demissão voluntária, contratação por re- gime de plantão, entre outros.
Esse conjunto de transformações tem se aprofundado, revelando uma forte precarização, tanto nas relações quanto nas condições de trabalho15. Expressões desse processo podem ser identificadas pe- las contratações via pregão16 e pelo atendimento a usuários através de
teleatendimento (BOTÃO GOMES, 2018), duas manifestações tanto da precarização das formas de contratação e de remuneração quanto da introdução de novas tecnologias que intermediam e passam a formatar novas condições de trabalho, alterando, obviamente, seu conteúdo.
Os impactos da reforma trabalhista de 2017 sobre a precarização das relações de trabalho
A legislação trabalhista no Brasil, consolidada em 1943, ao regula- mentar as formas e condições de exploração da força de trabalho, ex- pressou também o resultado de um longo processo de lutas entre as classes fundamentais durante o período de industrialização do país. No dizer de Braga:
Quando nos referimos à CLT, estamos falando sobre um momento decisivo de um longo ciclo de mobilizações dos grupos subalter- nos brasileiros que, em termos globais, vai da Greve Geral de ju- nho-julho de 1917, até meados dos anos 1930, com a mal sucedida insurreição comunista contra a ditadura do Estado Novo. A pro- mulgação da CLT coroou este ciclo por meio de uma série de con- cessões materiais aos trabalhadores e que foram estratégicas para o esforço industrializante do país. Além disso, a legislação traba- lhista delimitou, pela primeira vez na história brasileira, um espaço de conflitos políticos reconhecido como legítimo para as classes subalternas. Em outras palavras, por meio da mobilização pela efetivação dos direitos trabalhistas, existentes na forma da lei, mas ausentes na realidade das empresas, os subalternos apropriaram-
-se de uma gramática política que foi largamente empregada nas lutas sociais dos anos 1950, 1960 e 1970. Isso sem mencionar a in- fluência desta dinâmica coletiva na conquista dos direitos sociais universais garantidos pela Constituição de 1988. (2017b)
Por isso mesmo, desde então, constitui-se em alvo constante de ataques por parte do empresariado, de modo que, ao todo, já foi atu- alizada em torno de 85% do seu texto original17. Segundo estudos do Juiz do Trabalho, Jorge Souto Maior:
grande parte das mudanças aconteceu durante o regime militar para, entre outros motivos, conter a organização sindical que era prevista na CLT original e estava muito fortalecida até a deposi- ção do presidente João Goulart, em 1964. "Essas mudanças na CLT também atendiam o modelo econômico neoliberal seguido pelo regime militar", diz. (DIAP, 2017).
Com o avanço das políticas de corte neoliberal ao longo dos anos de 1990 e, principalmente, com o rompimento da política de concilia- ção de classes iniciada pelos governos do PT18, cujo ápice se dá com o processo de impeachment da Presidenta Dilma Roussef, em 2016, tem início uma ofensiva ainda mais incisiva sobre essa legislação, que se expressa na Reforma Trabalhista de 2017, cuja Lei 13.467/2017 passou a ser implementada a partir de novembro daquele ano19.
Muitas foram as alterações em relação a férias, sindicatos e jorna- da de trabalho, entre vários itens20. Algumas alterações vieram insti- tucionalizar práticas já em curso no mercado de trabalho, tais como o trabalho intermitente.
Por outro lado, o argumento de que a Reforma Trabalhista aumen- taria o número de empregos também não se confirmou, conforme a constatação da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA, em nota divulgada em setembro de 201821:
As promessas de que a “Reforma Trabalhista” traria o aqueci- mento do mercado de trabalho, não se concretizaram. Pelo con- trário, os reflexos da extrema precarização do mercado trabalho já podem ser computados. Pouco tempo após o início da vigência da nova lei, ocorreram demissões em massa de trabalhadores e o índice de desemprego não diminuiu de forma significativa, já que ainda representa cerca de 13 milhões de pessoas. As poucas vagas de emprego geradas colocam os trabalhadores na cate- goria de subutilizados, que são os que trabalham menos do que gostariam ou do que seria necessário para o sustento próprio ou da família, segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística. Além disso, em um ano, houve acentua- ção histórica, de 17%, do número de “desalentados”, que são as pessoas que desistiram de procurar emprego, devido ao longo período de tempo em que estão desempregadas, totalizando 4,8 milhões de pessoas e também houve o aumento dos subutili- zados, somando 6,6 milhões de pessoas. Segundo o IBGE, falta trabalho para 27,6 milhões de brasileiros e brasileiras.
Na verdade, constata-se aumento da informalidade e a maior precarização das vagas de trabalho.
A extrema pobreza entre os brasileiros aumentou em 11,2% de 2016 para 2017, como aponta levantamento realizado a par- tir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD, do IBGE. (pp. 1-2)
Esse quadro de desemprego e emprego precário se acentua ain- da em 2019, em que, segundo a ANAMATRA, “as estatísticas di- vulgadas também contemplam vagas de trabalho intermitente e de trabalho a tempo parcial22.
Nesse sentido, é possível afirmar que a intensificação deste contex- to com baixa geração de empregos, e de baixa qualidade em termos contratuais, difunde-se de forma democrática entre trabalhadores dos diversos setores de produção industrial e de serviços, de modo que re- percute também sobre a categoria profissional. Ainda que se constitua em uma categoria com elevada taxa de formalização contratual23, pode-
-se indicar um aumento das formas de contratação via pregão, contra- tos temporários e contratos informais, entre os assistentes sociais.
Outro elemento que se agrega às relações precárias de trabalho em termos de jornada, é o achatamento salarial, pois, a inserção dos assistentes sociais no mercado formal se dá, majoritariamente, no âmbito dos serviços sociais públicos, seja pela contratação como servidor público, seja via o contrato através de organizações sociais que prestam serviço ao Estado. Como ressalta o DIEESE (2015): “So- bre os rendimentos médios reais, de 2004 a 2013 os da categoria teve crescimento inferior ao verificado no mercado de trabalho como um
todo”. Isso pelo fato de que a maioria dos empregos gerados se deu na esfera dos municípios, cujos salários são inferiores aos das esferas estadual e federal.
Além disso, os servidores públicos, em geral, têm amargado um “congelamento” de salários, com reajustes abaixo da inflação, sem obtenção de ganhos reais24. Assim, para os assistentes sociais que são servidores públicos, o achatamento salarial se dá tanto pela via da política de reajustes quanto pelas alterações em planos de carreira funcional. Para aqueles contratados via organizações sociais, o acha- tamento se dá pelo rebaixamento do salário mínimo e pela adoção de estratégias de contratação com remuneração variável a partir de metas de produtividade, por exemplo.
A Reforma Trabalhista de 2017 traz ainda a possibilidade de maior precarização das condições e relações de trabalho dos assistentes so- ciais, devido à flexibilização da regulamentação do trabalho da gestante e da lactante em locais insalubres25 e do trabalho em domicílio, tendo em vista que a categoria é composta majoritariamente por mulheres26.
Outro elemento da Reforma que contribui nesse processo é a regu- lamentação da jornada intermitente. Como já existe a inserção deste profissional em estações de teleatendimento e em atendimento por telefone a partir do domicílio (BOTÃO, 2018), a formalização do traba- lho intermitente pode ampliar largamente esse tipo de contrato27.
Elencamos aqui, brevemente algumas alterações das relações e condições de trabalho postas pela reforma trabalhista e que devem repercutir sobre o mercado de trabalho para os assistentes sociais. Somadas à reforma, o contingenciamento dos gastos em serviços sociais públicos de saúde, assistência, educação e moradia, entre outros, aliado à estratégia da terceirização para a execução de ser- viços através de O.S. ou de ONGs, anuncia um cenário de maior precarização para esta categoria profissional. Nesse sentido, cons- tituem elementos para subsidiar a análise de dados empíricos junto à categoria profissional.
Considerações finais
A Reforma Trabalhista implementada no Brasil, no final de 2017, ex- pressa uma das estratégias do capitalismo em sua atual fase de acu- mulação, tal como se realiza em nossa sociedade periférica. Expressa também a finalização de um interregno, dentro do projeto neoliberal iniciado nos anos de 1990, com o retorno incisivo de pautas políticas direcionadas à retirada de direitos sociais da classe trabalhadora e de desmonte do Estado, de modo a garantir alguma retomada do proces- so de acumulação em mais uma crise estrutural.
Neste texto, trouxemos algumas reflexões que buscam flagrar esse processo a partir da experiência de um segmento particular da classe trabalhadora, que é o dos assistentes sociais. Essas reflexões consti- tuem os pressupostos teóricos sobre a inserção dos assistentes sociais na divisão sociotécnica do trabalho e seu papel no processo de re- produção social da classe trabalhadora, assim como aqueles afetos às alterações no âmbito do setor de serviços sociais públicos no contexto das políticas neoliberais a partir dos anos de 1990.
Esses dois eixos possibilitam analisar os impactos que a Refor- ma Trabalhista de 2017 pode gerar sobre as relações e condições de trabalho desta categoria profissional, frente às profundas mudanças pelas quais tem passado a sociedade brasileira na conjuntura mais recente, principalmente se considerarmos as políticas de contingen- ciamento de gastos para as políticas sociais frente ao aumento do desemprego e o consequente aumento de demanda por parte dos trabalhadores aos serviços sociais públicos.
Ou seja, passamos a ter uma categoria profissional que vê a demanda pelos serviços aumentada diante do aumento do desemprego e da cria- ção de empregos precários, sem proteção social, de modo a colocar mais trabalhadores na dependência de serviços sociais públicos. A esse quadro se soma a redução de recursos institucionais e o desmonte dos serviços, consequências dos cortes orçamentários, inclusive com a não renovação do quadro de profissionais, o que gera maior intensificação do trabalho.
Esse contexto passa a ser atravessado também pelas alterações na legislação trabalhista, de modo que essa força de trabalho tem não apenas as suas condições de realização do trabalho comprometidas, mas também vê comprometidas as suas formas de reprodução social, enquanto trabalhador, em suas diferentes formas de remuneração.
Esse quadro coloca desafios à agenda de pesquisa no sentido de captar a magnitude desse processo no interior da categoria profissional dos as- sistentes sociais, tendo em vista o processo de desassalariamento dessa força de trabalho que se expressa, entre outras formas, pela contratação via pregão; pela remuneração para serviços pontuais - como as “asses- sorias” flagradas por BOTÃO GOMES (2018) –; e as mais diferentes formas de contratação que exigem a pejotização28 dessa força de trabalho.
Essa linha de investigação ganha relevância se levarmos em con- sideração que se trata de uma categoria profissional que, historica- mente, apresenta um alto nível de formalidade nas formas de con- tratação, principalmente porque se localiza no âmbito do serviço público, mas que, também, ocupa uma posição de subalternidade no mercado de trabalho, devido à conformação majoritariamente fe- minina, recrutada entre os segmentos médios e/ou pauperizados da classe trabalhadora. Diante disso, esse processo de intensificação do trabalho e de precarização das relações de trabalho, constitui uma agenda necessária para se pensar os rumos da atuação profissional, assim como das condições de reprodução social desse segmento da classe trabalhadora na conjuntura atual em nosso país.