Pensando a racionalidade do trabalho dos assistentes sociais, desafios e alternativas

Sarah Tavares Cortês
IFPB, Brasil

Pensando a racionalidade do trabalho dos assistentes sociais, desafios e alternativas

O Social em Questão, núm. 47, pp. 113-128, 2020

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

PUC-RIO © 1992 - 2020

Resumo: Pensar o trabalho cotidiano a partir da luz do processo de trabalho em Marx, pin- çando dentro dessa categoria elementos que compõem “a atividade orientada a um fim” e os desafios da prévia ideação no trabalho do Assistente Social, é a pro- posta do presente artigo. O objetivo é problematizar estratégias e elementos que são cada vez mais capturados pela organização do trabalho na sociedade capitalis- ta, situando o trabalho do Assistente Social. Para isso, apresenta-se as dimensões teórico-intelectual e investigativa como estratégias ao desenvolvimento do exer- cício profissional. De maneira que, reconhecendo as determinações e desafios do trabalho contemporâneo, essas são fundamentais na construção teleológica das ações político-pedagógicas que tensionam a racionalidade instrumental e prag- mática presente no cotidiano de trabalho dos Assistentes Sociais.

Pensando a racionalidade do trabalho dos

assistentes sociais, desafios e alternativas

Sarah Tavares Cortês1

Resumo

Pensar o trabalho cotidiano a partir da luz do processo de trabalho em Marx, pin- çando dentro dessa categoria elementos que compõem “a atividade orientada a um fim” e os desafios da prévia ideação no trabalho do Assistente Social, é a pro- posta do presente artigo. O objetivo é problematizar estratégias e elementos que são cada vez mais capturados pela organização do trabalho na sociedade capitalis- ta, situando o trabalho do Assistente Social. Para isso, apresenta-se as dimensões teórico-intelectual e investigativa como estratégias ao desenvolvimento do exer- cício profissional. De maneira que, reconhecendo as determinações e desafios do trabalho contemporâneo, essas são fundamentais na construção teleológica das ações político-pedagógicas que tensionam a racionalidade instrumental e prag- mática presente no cotidiano de trabalho dos Assistentes Sociais.

Palavras-chave

Trabalho; Teleologia; Dimensão teórico-intelectual; investigação.

To think about the rationality of social workers' work, challenges and alternatives

Abstract

To think about daily work from the light of the work process in Marx, grasping with- in this category elements that make up “the activity oriented towards an end” and the challenges of the previous ideation in the work of the Social Worker, is the pro- posal of this article. The objective is to problematize strategies and elements that are increasingly captured by the organization of work in capitalist society, situating the professional practice of the Social Worker. For this, the theoretical-intellectual and investigative dimensions are presented as strategies for the development of professional work. Thus, recognizing the determinations and challenges of con- temporary work, these are fundamental in the teleological construction of polit- ical-pedagogical actions that tension the instrumental and pragmatic rationality present in the daily work of Social Workers.

Keywords

Work; Teleology; Theoretical-intellectual dimension; investigation.

Artigo recebido em novembro de 2019 Artigo aceito em dezembro de 2019

Introdução

O trabalho é uma atividade histórica central na construção e (re) construção da sociedade, de caráter coletivo, considerando que a interação por meio do trabalho é determinante na vida dos homens tanto de forma singular (o homem e sua subjetividade) quanto em so- ciedade, na sua objetividade/ materialidade. Essa definição suprime a ideia do trabalho como uma atividade natural, “biologicamente deter- minada”, é uma necessidade do homem enquanto ser social2 inscrito em relações de reprodução e desenvolvimento social.

A categoria trabalho constitui-se de elementos que possibilitam definir a ruptura entre o trabalho e atividade natural. De acordo com Marx (2013, p.328) “os momentos simples do processo de tra- balho são, em primeiro lugar, a atividade orientada a um fim, ou o trabalho propriamente dito; em segundo lugar, seu objeto e, em terceiro, seus meios.”

Partindo da teoria marxista, Braz; Netto (2010) afirmam que as ca- racterísticas constitutivas do trabalho são: a atividade teleologicamen- te orientada (a capacidade de projetar o resultado da ação, antes de efetivada a atividade); a tendência à universalização (as experiências do trabalho provocam uma socialização e generalização dos saberes que o sujeito detém); e a linguagem articulada (o que viabiliza a comu- nicação, sendo condição para o aprendizado).

Esse processo de trabalho, esse movimento de intervir e modificar, é dotado de um momento que ao mesmo tempo o precede e o per- meia ao longo da atividade, o qual corresponde a prévia ideação sobre o trabalho, o pensar sobre o agir, isto é, a teleologia. Nesse sentido, Iamamoto (2008, p.60) afirma que:

O trabalho é a atividade própria do ser humano, seja ela material, intelectual ou artística. É por meio do trabalho que o homem se afirma como um ser que dá respostas prático-conscientes aos seus carecimentos, às suas necessidades. O trabalho é, pois, o selo distintivo da atividade humana. Primeiro, porque o homem

é o único ser que, ao realizar o trabalho, é capaz de projetar, an- tecipadamente, na sua mente o resultado a ser obtido. Em outros termos, no trabalho tem-se uma antecipação e projeção de re- sultados, isto é, dispõe de uma dimensão teleológica.

Os fundamentos que compõem a ontologia do trabalho irão sofrer determinações substanciais dentro da sociedade do capital, a partir da relação de compra e venda da força de trabalho. Dentre as determi- nações implicadas na mercadorização da força de trabalho, principal- mente a partir da fase monopolista do capital, é a cisão entre o pensar e o executar do processo de trabalho, ou seja, a alienação do trabalha- dor do seu processo elaborativo e criativo ao realizar o trabalho.

Não obstante, o Assistente Social é um trabalhador assalariado, in- serido na divisão sociotécnica do trabalho, requisitado para atuar nas expressões do conflito capital/ trabalho. O Serviço Social assume um compromisso profissional de direção política com a classe trabalha- dora, no processo formativo, na produção do conhecimento e no di- recionamento ético-político das ações profissionais.

Emerge dessa condição histórica da profissão, “uma arena de ten- são entre estrutura e sujeitos profissionais, alimentada pelas contradi- ções sociais inerentes ao processo de dominação burguesa e à própria capacidade teórico-crítica dos técnicos” (BARBOSA; CARDOSO; AL- MEIDA, 1998, p. 113-114).

De maneira que, a dimensão teórico-intelectual e pedagógica do trabalho profissional é cotidianamente ameaçada diante das determi- nações do capital sobre o trabalho, enfatizando nas elaborações do presente artigo, a armadilha que representa o burocratismo às inter- venções e elaborações do trabalho do Assistente Social.

Dimensão teórico-intelectual: conhecimento como estratégia de ação A dimensão teórico-intelectual agrega saberes e conhecimentos necessários para instrumentalizar a profissão, seja nas atribuições e competências cotidianas do assistente social, seja no desenvolvimen-

to das produções e estudos acadêmicos dos diversos aspectos que

permeiam a questão social.

Configurando-se, por sua vez, como referencial que subsidia o exercício profissional, entendendo-a sempre no conjunto da instru- mentalidade, não como abstração, mas como aporte para pensar a realidade, as demandas e o cotidiano do assistente social.

Segundo Santos (2010, p. 27):

Teoria é a apreensão das determinações que constituem o con- creto; e prática é o processo de constituição desse concreto; teoria é a forma de atingir, pelo pensamento, a totalidade, é a expressão do universal, ao mesmo tempo que culmina no sin- gular e no universal. É pela teoria que se podem desvendar a importância e o significado da prática social, ou seja, ela é o mo- vimento pelo qual o singular atinge o universal e deste volta-se ao singular. A prática é constitutiva e constituinte das determina- ções do objeto, gera produtos que constituem o mundo real, não se confunde, portanto, com a teoria, mas pode ser o espaço de sua elaboração. Nesse caso, ela só se transforma em teoria se o sujeito refleti-la teoricamente.

O conhecimento é adquirido por sucessivas aproximações com a realidade, compreendendo que o próprio trabalho tem uma dimensão educativa, possibilitando o desenvolvimento de novos conhecimentos e habilidades, os quais precisam ser articulados à formação teórica para não se limitar a reprodução (NICOLAU, 2005).

O trabalho tem uma dimensão educativa, uma vez que, pensando a partir da sua ontologia, o “pôr teleológico” constrói novas apreensões da intervenção do sujeito na realidade. Ou seja, a intencionalidade ou- trora idealizada, ao ser posta em movimento pelas práticas humanas, pelo trabalho, vai se confrontar com a realidade dinâmica (causalida- de). O resultado do que foi previamente pensado é atravessado por cadeias causais que ultrapassam o domínio teleológico consciente, mas ao mesmo tempo é por meio desse confronto que se (re)constrói

o conhecimento sobre o objeto e sobre o trabalho (LUKÁCS, 2013).

Portanto, o conhecimento parte de uma intuição ou do senso co- mum, apresentado como primeira resposta a uma “questão proble- ma”. Entretanto, é interessante que não se esgote nessa dimensão; ao contrário, desperte a necessidade de se aprofundar e buscar subsídios para análise. Isso significa agregar informações, construir/desconstruir apreensões sobre a realidade, ou seja, possibilitar uma nova síntese sobre o objeto (GUERRA, 2009).

Em termos epistemológicos, esse corresponde ao processo da dialética, que trata da “coisa em si”. Kosik (1995, p. 15) explica que a realidade é um complexo de fenômenos, os quais, por sua vez, “com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natu- ral, constitui o mundo da pseudoconcreticidade”.

A dialética é a compreensão crítica do concreto, buscando enten- der a essência dos fenômenos que se apresentam na realidade. O processo para o conhecimento crítico parte da realidade (concreto), e continua no processo de decomposição, em que o todo caótico é ressignificado à luz da razão para se compreender o seu fundamento, formando o “concreto pensado” (KOSIK, 1995).

O processo se finaliza na reprodução desse concreto pensado na realidade, transformando e substanciando a atividade prática huma- na. Destarte, a relação teoria e prática forma uma unidade do diverso (SANTOS, 2010), isso significa que:

Temos, portanto, uma contraposição entre teoria e prática que tem sua raiz no fato de que a primeira, em si, não é prática, isto é não se realiza, não se plasma, não produz nenhuma mudança real. Para produzir tal mudança não basta desenvolver a ativida- de teórica; é preciso atuar praticamente. Ou seja, não se trata de pensar um fato, e sim de revolucioná-lo; os produtos da cons- ciência têm que materializar-se para que a transformação ideal penetre no próprio fato. (VÁZQUEZ, 1977, p. 209-210).

Situando esse caminho epistemológico no cotidiano profissional do assistente social, observa-se que os fenômenos se apresentam ao as- sistente social na forma de demandas, imediatas e naturalizadas, sendo fundamental a dimensão teórico-intelectual para subsidiar o trato des- tas, agregando conhecimento crítico-dialético para qualificar o trabalho. É a compreensão teórico-intelectual que possibilita, por exemplo, apreender o usuário que requisita um benefício social na área de assis- tência, como um sujeito que necessita vender a sua força de trabalho e não consegue adentrar o mercado, porque é estrutural do sistema

capitalista ter o exército de força de trabalho reserva.

É diferente de pensar e reproduzir a concepção ideológica do de- semprego e a situação de pobreza como uma vontade subjetiva, su- perável individualmente. Essa percepção, por conseguinte, situa o usuário como sujeito de direitos e a política social como estratégia por melhores condições de vida dos indivíduos.

A teoria não se confunde com um método; ela ilumina as estru- turas dos processos sociais, as determinações contraditórias dos processos que constituem os fenômenos, dissolve a objetivida- de dos fatos pela sua negação, mas não oferece, nem se propõe a isto, os meios ou instrumentos profissionais de ação imediata sobre os fenômenos. (GUERRA, 2011, p.29).

A dimensão teórico-intelectual não deve ser compreendida isolada do exercício profissional, mas, como integrante da instrumentalidade, estando em articulação com as demais dimensões para iluminar inte- lectivamente as escolhas que o assistente social faz no cotidiano, bem como subsidiar conhecimento crítico para reconhecer os processos sociais que o circundam e as mediações estratégicas para a defesa de uma orientação política progressista.

Assim, da mesma maneira que a teoria sem prática não promove mudanças, a prática sem teoria é vazia e dominada pelo pragmatismo, o qual tem sido a lógica empregada nas relações de (re)produção so- cial. O pragmatismo segue o princípio de que:

Para atingir uma clareza perfeita em nossos pensamentos em relação a um objeto, pois, precisamos apenas considerar quais os efeitos concebíveis de natureza prática que o objeto pode envolver – que sensações devemos esperar daí, e que reações devemos preparar. Nossa concepção desses efeitos, seja ime- diata, seja remota, é, então, para nós, o todo de nossa concep- ção do objeto, na medida em que essa concepção tenha afinal uma significação positiva. (JAMES, 1979, p.18).

Isso significa que o pragmático é desarticulado da totalidade, com o foco no individual (no objeto), vislumbra apenas a natureza prática, a aplicabilidade de determinada ação, desconsiderando-

-se o caráter político do trabalho. Nesse sentido, as mediações possibilitadas pelo conhecimento crítico são cada vez mais su- bordinadas a uma razão instrumental3, ou seja, à racionalidade “subjacente às formas de ser, pensar e agir na ordem social capi- talista” (GUERRA, 2012, p.62).

O pragmatismo e a razão instrumental têm fundamento na organi- zação do trabalho para a sociedade atual, principalmente a partir da sua fase monopolista. O controle sobre o trabalhador é controle so- bre suas ações, logo o trabalho coletivo é compartimentado (os que pensam e os que executam), ficando o conhecimento do processo de trabalho em um lugar exterior e estranho ao trabalhador (BARBO- SA; CARDOSO; ALMEIDA, 1998).

Como o pragmatismo e a razão instrumental se impõem ao pro- cesso de trabalho que se insere o Assistente Social?

Primeiramente é importante pensar que o Assistente Social realiza seu trabalho a partir de uma relação de compra e venda da sua força, este depende dos recursos financeiros, materiais e organizacionais da entidade empregadora. “Ora, se assim é, a instituição não é um condicionante a mais do trabalho do assistente social. Ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa” (IAMAMOTO, 2008, p. 63, grifo da autora).

Na sociedade de valorização do capital, mesmo o trabalho im- produtivo da esfera de serviços, como do assistente social, vai as- sumir características de dominação e simplificação do trabalho, ex- propriando o elemento intelectual e político da atividade. No caso do Assistente Social, o burocratismo tem se manifestado como forte expropriador do exercício profissional, como expressão do pragma- tismo e da razão instrumental.

O burocratismo imprime à prática do assistente social um receituá- rio, expresso, por exemplo, na presença de manuais como referências cotidianas para atuação, ou mesmo, reflete um perfil fiscalizador ou corporativo no momento da utilização dos instrumentais, como a visi- ta domiciliar ou a entrevista.

Então, observa-se uma tendência a submissão da elaboração das estratégias em relação às táticas no exercício cotidiano dos assisten- tes sociais. O assistente social se torna refém das táticas e não amplia, estrategicamente, as ações.

Por tática se entende a ação que tem um fim em si própria, não tem, portanto, a possibilidade de dar a si mesma um projeto global, apenas aproveita ocasiões e opera “golpe por golpe” (CERTEAU, 2003, p. 100). Já as estratégias implicam preparar expansões futuras, significa utilizar um saber no reconhecimento do espaço e das relações de força, para “incluir sua visão”, prever e se antecipar (CERTEAU, 2003).

Tais premissas remetem a uma prática exaurida de objetivos pro- fissionais, pautada nas ações táticas cotidianas, impregnada da rotina institucional empirista e burocrática que embaça a dimensão teleoló- gica e macroestrutural das relações sociais.

O desafio é re-descobrir alternativas e possibilidades para o traba- lho profissional no cenário atual; traçar horizontes para a formulação de propostas que façam frente à questão social e que sejam solidá- rias com o modo de vida daqueles que a vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam pela preservação e conquista da sua vida, da sua humanidade. (IAMAMOTO, 2008, p. 75).

Para o desafio de re-descobrir alternativas é fundamental ter no horizonte algumas ferramentas importantes para tensionar o espaço das intervenções profissionais, imprimindo, com maiores ou menores doses, o posicionamento político da profissão. São aliados nesse pro- cesso: a investigação e a clareza da dimensão pedagógica do trabalho.

A investigação como premissa

Como mencionado anteriormente, o conhecimento parte da realida- de que se apresenta, do concreto. A investigação é exatamente o pro- cesso de busca para, com o substancial auxílio da dimensão teórico-in- telectual, desvendar as relações macro e microssocietárias que acercam o objeto de intervenção do assistente social, como “um elemento cons- titutivo do seu trabalho profissional, como precondição do exercício profissional competente e qualificado” (GUERRA, 2009, p.703).

A investigação difere da pesquisa científica, visto que essa última obedece a um rigor metodológico, objetivando fundamentar estudos acadêmicos e a formação em Serviço Social. A investigação se direcio- na à atividade técnico-operativa do assistente social – não impedindo que essa investigação se desdobre em um estudo mais elaborado, e venha a ser apresentado em espaços acadêmicos ou se transforme em indicativo para futuras pesquisas científicas – não possuindo critérios metodológicos rígidos para a sua realização.

No âmbito das competências e atribuições profissionais, da Lei nº 8662/1993, encontra-se a dimensão investigativa, no inciso VII do ar- tigo 4º, que dispõe como competência do assistente social: “planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para análise da re- alidade social e para subsidiar ações profissionais” (CFESS, 2011, p. 45). Portanto, a investigação aparece como competência para o assis- tente social baseada no princípio de que é necessário conhecer para intervir, e deve-se considerar, principalmente, a dinamicidade da re- alidade. As novas demandas são apresentadas e as antigas são ree- ditadas de acordo com o modo de (re)produção da vida social, com

a resposta do Estado através das políticas sociais e as conquistas (ou não) da classe trabalhadora na luta de classes.

Iamamoto (2011, p. 200) afirma essa importância da pesquisa in- vestigativa no cotidiano do exercício do assistente social:

Nos diferentes espaços ocupacionais do assistente social é de suma importância impulsionar pesquisas e projetos que favore- çam o conhecimento do modo de vida e de trabalho – e corres- pondentes expressões culturais – dos segmentos populacionais atendidos, criando um acervo de dados sobre os sujeitos e as expressões da questão social que as vivenciam. O conhecimento criterioso dos processos sociais e de sua vivência pelos indivídu- os sociais poderá alimentar ações inovadoras, capazes de propi- ciar o atendimento às efetivas necessidades sociais dos segmen- tos subalternizados, alvos das ações institucionais.

Destarte, como no âmbito do teórico-intelectual, e, sendo a inves- tigação uma premissa para a construção do conhecimento, a razão instrumental atinge, também, essa dimensão, visto que as respostas interventivas cotidianas do assistente social necessitam ser cada vez mais rápidas, imediatas, não sendo permitido ao profissional a efe- tivação de reais estudos sobre suas demandas, ficando o objeto de intervenção no âmbito da pseudoconcreticidade.

Vale, então, enfatizar a importância da investigação como media- ção estratégica para se produzir um diferencial no exercício, ou mini- mamente na concepção sobre os processos sociais, atendendo a re- quisição por informações/intervenções atuais capazes de responder à dinâmica do real. Nas palavras de Guerra (2009, p.714):

Aqui se coloca a dimensão investigativa: ela é a dimensão do novo – questiona, problematiza, testa as hipóteses, permite revê-las, mexe com preconceitos, estereótipos, crenças, su- perstições, supera a mera aparência, por questionar a “posi- tividade do real”. Permite construir novas posturas visando a uma instrumentalidade de novo tipo: mais qualificada, o que

equivale a dizer: eficiente e eficaz, competente e compromis- sada com os princípios da profissão.

Nesse sentido, vislumbra-se que a dimensão investigativa está na natureza do exercício profissional, é componente constituinte da ins- trumentalidade e exerce um papel fundamental para o serviço social, sendo um diferencial determinante para a intervenção por interferir no conhecimento acerca da questão social e, portanto, no domínio do objeto ao qual irá se exercer a atividade.

Por isso, é uma prática que deve estar articulada aos sentidos da curiosidade em desvendar os fenômenos rotineiros, à necessidade de ir além das explicações corriqueiras e ideológicas, num esforço de abstrair a essência e a totalidade do objeto no qual se realizará a intervenção profissional.

Assim, a investigação, no cotidiano dos espaços sócio-ocupacio- nais não é desinteressada; ela é um importante veículo para reafirmar o projeto profissional, uma vez que os participantes da pesquisa são, principalmente, os sujeitos do compromisso ético-político, e a busca por conhecer as demandas e a realidade aproxima relações com as necessidade dos usuários/as, subsidiando mediações valorativas que incidem sobre a direção social e o posicionamento do assistente social no momento da intervenção (BARROCO, 2009).

Diante do exposto, observa-se que a base investigativa subsidia uma importante relação com o conhecimento estratégico à ação pro- fissional. Essa relação dialética alimenta a primeira etapa do processo de trabalho: atividade orientada a um fim. Uma vez que, a construção e reflexão sobre o concreto, o desvendar da realidade, substanciam a racionalidade do trabalhador no momento que põe em movimento as energias para realizar seu trabalho.

Não pode perder de vista as determinações da sociedade capitalista ao trabalho, por isso, voltando às palavras de Iamamoto, é desafiador lançar alternativas que tensionam a ideologia dominante impregnada nos espaços da política social, inclusive pública. Por isso, a necessida-

de de realizar as mediações pela investigação e os arcabouços intelec- tuais de contraponto ao burocratismo e a razão instrumen

Considerações finais

O assistente social inserido na esfera dos serviços, públicos, prova- dos ou do terceiro setor, intervém nos modos de vida da classe traba- lhadora. Desde seu processo de reconceituação, assumindo o com- promisso de defesa dessa classe, presente no direcionamento político e pedagógico que orienta o exercício profissional.

Assim, pensar o trabalho cotidiano é reafirmar o compromisso éti- co e a existência real da autonomia de trabalho, ainda que relativa. É entender as condições e o processo de trabalho, organizados pela instituição, como o terreno em que irão ser geradas as formulações e alternativas “que façam frente à questão social e que sejam solidárias com o modo de vida daqueles que a vivenciam” resgatando as pala- vras já citadas de Marilda Iamamoto (2008, p75).

Esse terreno pode ser fértil, pode ser arenoso, pode ser de pedre- gulhos ou mesmo uma rocha, fazendo uma analogia as dificuldades que o serviço social enfrenta em realizar suas propostas. Pode ser que seja período de chuva ou de seca, pensando os cenários históricos de avanços e retrocessos da conjuntura das políticas sociais. E, para plan- tar, é preciso conhecer o terreno, o período e as plantas certas para cada terreno; mas, jamais é possível saber o que irá brotar sem tentar plantar, relacionando esse ato de plantar as proposições profissionais. A questão central, portanto, não se trata de entender o profis- sional “livre” das condições de trabalho na sociedade capitalista. Trata-se de problematizar o lugar que o cotidiano de trabalho tem submetido a dimensão político pedagógica, dentro de uma raciona- lidade de reprodução ideológica, e as ferramentas que o profissional pode dispor para tensionar esse lugar, utilizando-se da sua relativa autonomia para a produção do conhecimento e da teleologia no seu

Por essa direção política pedagógica, entende-se a “incidência dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos na referida ação” (ABREU; CARDOSO, 2009, p. 595). Materializa-se de diversas maneiras, em projetos ou atitudes, de modo que reafirma a não conformidade, o questionamento da profissão ao que está posto.

Ela embasa e é embasada em um processo dialético com o tra- balho, sendo substancial à direção que assume as ferramentas que desafiam a razão instrumental e o pragmatismo: a investigação e o aporte teórico-intelectual.

Assim, a dimensão político pedagógica plasma no exercício profis- sional cotidiano o direcionamento presente, seja de reprodução da ide- ologia dominante, seja de orientação dentro do projeto ético-político da profissão e, portanto, tensionamento do referido espaço institucional.

Referências

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Notas

2 É importante assinalar que o trabalho é apenas uma das objetivações, das aspira- ções do ser social, porque esse se realiza por completo apenas em interação com outros aspectos da vida como a ciência e a arte. Esse conjunto de objetivações do homem transcendem o universo do trabalho, mas não o suprime.
3 Termo cunhado por Adorno e Horkheimer, para se referir a dominação da ide- ologia e racionalidade burguesa, que transforma as relações humanas em rela- ções entre coisas/ mercadorias. Ou seja, a reificação da consciência do homem. (SILVA, 1997).
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