Palavras chave: Programa Bolsa Família, Perfil dos usuários, Pobreza, Mercado de trabalho, Questão social
Família às expressões de pobreza em Campos dos Goytacazes
Luciano Batista Rodrigues. Valter Martins.
Resumo
O presente estudo tem por objetivo problematizar o desemprego como expressão da questão social e sua relação com o Programa Bolsa Família em Campos dos Goytaca- zes. Enfatiza a realidade social do município ao abordar temas como o desemprego de longa duração, o trabalho informal e seus desdobramentos para o Programa Bolsa Família do governo federal. Sendo assim, este estudo apresenta um conjunto de ca- tegorias que contribuem para a compreensão da realidade atual do município. Tais categorias refletem algumas expressões da questão social percebidas no município e problematiza como o Estado federativo brasileiro vem desenvolvendo políticas sociais focalizadas e seletivas para amenizar as expressões da pobreza geracional.
Palavras-chave
Programa Bolsa Família; Perfil dos usuários; Pobreza; Mercado de trabalho; Questão
social.
Bolsa Familia Program's institucional response to Campos dos Goytacazes' poverty expressions
Abstract
The present study aims to raises questions about unemployment as an expression of social issue and its relationship with Bolsa Familia Program in Campos dos Goytacazes. It emphasizes the social reality of the city by addressing themes such as long-term unem- ployment, informal working and its development to the federal government's Bolsa Fa- milia Program. Thus, this study provides a set of categories that contribute to the under- standing of the city's current reality. Such categories reflect some of the city's perceived social issues' expressions and discusses how brazilian's federal state has been develop- ing focused and selective social policies to mitigate generational poverty expressions.
Keywords
Bolsa Familia Pragram, User Profile, Poverty, Labor Market, Social Issues.
Artigo recebido em setembro de 2019 Artigo aprovado em dezembro de 2019
Introdução
Ao problematizar as condições de vida da classe trabalhadora, Ia- mamoto e Carvalho (1983) apontam que o desemprego é uma expres- são da questão social, que é subproduto da sociedade capitalista ex- presso no modo de produção surgente com a sociedade burguesa, a gênese da questão social deriva do caráter coletivo do trabalho e da apropriação privada dos meios de produção, essas contradições então, seriam responsáveis pelo conjunto das desigualdades onde o desem- prego e a pobreza são expressões da questão social e um subproduto da sociedade capitalista (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983). A questão social expressa, portanto, para além do desemprego e da pobreza, de- sigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, assim, apresenta-se como parte do processo de expansão capitalista.
Logo, segundo os autores, as sequelas da questão social expres- sas na pobreza, no desemprego e na subalternidade presentes entre os estratos da população pobre, tornam-se alvo de ações focaliza- das e excludentes, fazendo parte desse quadro, a oferta das políticas sociais seletivas, seu reordenamento e sua subordinação às políticas de estabilização da economia, com suas restrições aos gastos públi- cos para a área social.
Iamamoto e Carvalho (1983) compreendem que as transformações na sociedade capitalista ou de mercado, afetam principalmente o uni- verso em torno do trabalho, aumentando os índices de desemprego e a precarização nas suas relações. Deste modo, todos os trabalhadores que se encontram à margem do mercado de trabalho formal, estão in- seridos nesse viés dramático da questão social: o desemprego. Nesse contexto, percebe-se que esse fenômeno social atinge considerável proporção de famílias em Campos dos Goytacazes.
A constatação da precariedade das condições de vida dessas fa- mílias é possível pela demanda que o Programa Bolsa Família recebe, neste sentido, a demanda por renda instigou a curiosidade investi- gativa de compreender esse fenômeno social no município de Cam-
pos. Um número significante de famílias campistas encontram-se, atualmente, sem as seguranças garantidas pelo emprego formal, e buscam proteção social na residual política de Assistência Social, no programa de transferência de renda Bolsa Família, que faz parte de uma “política de enfrentamento e combate à fome e à miséria, e de promoção da emancipação das famílias em situação de maior po- breza em todo território nacional” (BRASIL, 2012). Por isso, este es- tudo pretende focar o olhar nestes beneficiários do Programa Bolsa Família em Campos dos Goytacazes, ao propor-se a compreender o contexto social em que vivem, com base nas análises das informa- ções e dados sócio econômicos do Cadastro Único.
No que tange aos procedimentos metodológicos, o presente estudo baseia-se em um estudo exploratório sobre o desemprego no muni- cípio de Campos dos Goytacazes e seus desdobramentos sociais, já que se trata de uma investigação que tem o objetivo de problematizar o desemprego como expressão da questão social e sua relação com o Programa Bolsa Família em Campos dos Goytacazes. E, para materia- lizar o debate sobre o tema, procedeu-se levantamento de informa- ções em textos de autores que produziram sobre a questão social, a pobreza, o perfil dos usuários do programa Bolsa Família, a política de Assistência no Brasil, e o cruzamento de informações sobre as famílias campistas inscritas no Cadastro Único. do Governo Federal com os indicadores de desemprego em Campos (BRASIL, 2017a). Os dados e informações para compor o presente estudo foram coletados obser- vando as normas vigentes da pesquisa científica.
Desta maneira, pretende-se compreender, por esse viés, os efei- tos do desemprego no município de Campos dos Goytacazes e a sua relação com o programa Bolsa Família e com as famílias campistas cadastradas e selecionadas. Entende-se que os dados dessas famílias inseridas no Cadastro Único, identificam particularidades das múlti- plas expressões da questão social. O formulário principal do Cadastro Único contém dados socioeconômicos das famílias cadastradas com
informações criteriosas que permitem identificar e traçar um perfil da regionalidade, dos grupos étnicos, dos tipos de moradia, de composi- ção familiar, do trabalho, da renda, entre outros.
As particularidades do desenho do Programa Bolsa Família
O Bolsa Família é um programa do Governo Federal de transferên- cia direta de renda para famílias pobres e extremamente pobres. Para participar do programa Bolsa Família do Governo Federal, é necessário que a família seja inscrita no Cadastro Único para programas sociais. O Cadastro Único é um conjunto de informações sobre as famílias bra- sileiras em situação de pobreza e extrema pobreza, essas informações são utilizadas pelo Governo Federal, pelos Estados e pelos municípios para implementação de políticas públicas capazes de promover a me- lhoria da vida dessas famílias (BRASIL, 2012).
O Programa é composto de três eixos principais: 1 - transferência de renda; 2 - condicionalidades e; 3 - programas complementares. O primeiro eixo objetiva promover o alívio imediato da pobreza. Já o segundo eixo, as condicionalidades, são compromissos assumi- dos pelas famílias e pelo poder público para que os beneficiários sejam atendidos por serviços de educação, saúde e assistência so- cial, constituindo-se em reforço ao acesso a direitos sociais básicos. Quanto ao terceiro eixo, os programas complementares, estes visam o desenvolvimento das famílias para superação da situação de vul- nerabilidade com ações complementares e com a participação de todos entes federados (BRASIL, 2012).
O perfil das famílias que podem se cadastrar consiste em famílias de baixa renda, que ganham até meio salário mínimo por pessoa; ou as que ganham até 3 salários mínimos de renda mensal total. Os usuários cadastrados passam a ter acesso a diversos programas e benefícios sociais do Governo Federal que utilizam o Cadastro Único como base para seleção das famílias. Entre eles, destacam-se: o Programa Bolsa Família; o Programa Minha Casa, Minha Vida; o Programa de Erradica-
ção do Trabalho Infantil – (PETI); a Carteira do Idoso; a Aposentadoria para pessoa de baixa renda; a Tarifa Social de Energia Elétrica; e a Isen- ção de Taxas em Concursos Públicos (BRASIL, 2012).
Para a família poder se cadastrar é importante ter uma pessoa res- ponsável pelo grupo familiar para responder às perguntas do cadastro. Essa pessoa deve fazer parte da família, morar na mesma casa e ter pelo menos 16 anos. Para ser o responsável pela família, o programa apresenta um corte de gênero importante ao indicar a preferência por uma mulher. É necessário ter o Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou Tí- tulo de Eleitor. Para cadastrar os membros da composição familiar é necessário apresentar pelo menos um documento de todas as pesso- as da família: Certidão de Nascimento; Certidão de Casamento; CPF; Carteira de Identidade (RG); Carteira de Trabalho; ou Título de Eleitor. Trazer um comprovante de endereço, que pode ser conta de água ou luz. Após o cadastramento da família, é preciso manter os dados sem- pre atualizados (BRASIL, 2012).
O Bolsa Família consiste em um complemento da renda para as fa- mílias com uma renda mensal por pessoa de até R$ 85,00 (família em estado de extrema pobreza) e de renda mensal por pessoa entre R$ 85,01 e R$ 170,00 (família em estado de pobreza). Todos os meses, as famílias atendidas pelo Programa recebem um benefício em dinheiro, que é transferido diretamente pelo governo federal através da Caixa Econômica Federal (BRASIL, 2012).
Todavia, programas de transferência de renda são alvos de críti- cas de diversos autores. Entende-se que programas desta natureza, apesar de trazer visibilidade à pobreza, caracterizam-se pela ação pa- ternalista do Estado e inibidoras de políticas reformadoras estruturais que promovam, de fato, melhora na distribuição da riqueza social- mente produzida. Portanto, segundo Silva (2012, p. 231-232):
Consideramos que, embora a implantação de programas de transferência de renda na América Latina venha propiciando maior visibilidade à pobreza no Continente, as determinações
estruturais geradoras da pobreza e da desigualdade social são escamoteadas. Nesse aspecto, os programas sociais focali- zados, entre estes os programas de transferência direta de renda, podem contribuir mais para restringir a reflexão e a in- tervenção social à obtenção limitada de melhorias imediatas das condições de vida dos pobres, desenvolvendo uma pos- tura política que contribui, sobretudo, para manter a pobreza num patamar de mera reprodução de um estrato da popula- ção no nível da sobrevivência, movido pelo consumo margi- nal e alimentando a ilusão de que a pobreza será erradicada apenas com programas sociais. Trata-se de uma postura que mais controla do que elimina a pobreza, servindo mais para potencializar a legitimação do Estado, de modo que os pila- res de natureza estrutural como a concentração da renda do trabalho e da propriedade e o incremento da renda do capital, continuam praticamente inalterados.
Além dessas questões percebidas no programa Bolsa Família, outro problema que merece destaque é a adoção do critério da elegibilidade baseado no recorte de renda, a fim de definir as famí- lias pobres e extremamente pobres que estarão habilitadas e sele- cionadas pelo programa. Além de ter como base um corte de renda considerado muito baixo, esse critério não leva em conta o caráter estrutural e multidimensional da pobreza, excluindo do programa muitas famílias inseridas na questão do desemprego e da precari- zação do trabalho informal, mas que não terão acesso ao benefício, devido ao critério da renda, se a renda per capita dessas famílias ultrapassar “um centavo” do valor estipulado pelo governo federal. Além disso, há uma crítica de que o benefício monetário transferido às famílias é considerado extremamente baixo, sendo insuficiente para promover a dignidade destas famílias e produzir impactos sa- tisfatórios na superação da pobreza por essas famílias. Os benefí- cios são classificados como básicos e variáveis, conforme o quadro 1, na sequência:
Quadro 1- Tipos de benefícios do Programa Bolsa Família
Fonte: Sistematização com base em informações contidas no website do Ministério de Desenvolvimento Social, 2017a.
As famílias em situação de extrema pobreza podem acumular o benefício Básico, o Variável e o Variável Jovem, até o máximo de R$ 372,00 por mês. Como também podem acumular 1 (um) benefício para superação da extrema pobreza. Portanto, em decorrência da transfe- rência de renda às famílias pobres e extremamente pobres, com os benefícios do programa Bolsa Família e pela oferta de ações comple- mentares, é percebido um alívio, ao que se pode considerar, da po- breza. No entanto, considera-se insuficiente a concepção de pobreza adotada pelo governo federal, com o recorte de renda, pois descon- sidera a sua perspectiva multidimensional e sua determinação socio-
econômica estrutural, assim, acaba por limitar a amplitude e a ação desenvolvida por esses programas a: 1- alívio imediato das condições de vida dos pobres, pela concepção limitada de pobreza pelo recorte de renda; e 2 – pela criação de oportunidades para gerar capacitações laborais, transferindo aos próprios pobres a responsabilidade pela su- peração da pobreza a que estão submetidos (SILVA, 2016).
Contudo, entende-se que o conceito de pobreza é muito mais am- plo, e que, apenas o recorte de renda familiar dado pelo governo fe- deral para o programa Bolsa Família não é capaz de atender e solu- cionar todas as necessidades e problemas humanos originados pelo fenômeno da pobreza e da desigualdade. Compreender este fenôme- no exige o aprofundamento do tema.. Para Yazbek (2012) a pobreza mostra-se como uma barreira que dificulta o acesso das pessoas às suas necessidades biológicas, culturais, espirituais e materiais, além de ter origens complexas e contraditórias, dentro das possibilidades da totalidade humana. Portanto, segundo Yazbek (2012, p. 288-289) a pobreza é “expressão direta das relações sociais, certamente não se reduz às privações materiais”. A autora segue exclamando que se trata de “uma categoria multidimensional, e, portanto, não se caracteriza apenas pelo não acesso a bens, mas é categoria política que se traduz pela carência de direitos, de oportunidades, de informações, de pos- sibilidades e de esperanças”.
A abordagem dada pelo governo federal que considera apenas o recorte de renda, configura-se como uma visão limitada do fenômeno, atribuindo a condição de pobreza apenas aos aspectos financeiros. To- davia, a pobreza é resultado, não só de estruturas econômicas, mas de uma “teia de significados” (GEERTZ, 1978, p.15) complexos, de nature- za multidimensional, ligada à subjetividade humana, não podendo ser classificada simplesmente como insuficiência de renda (SILVA, 2010). Contudo, o enfrentamento à pobreza no Brasil, pelo governo fede- ral, tem atualmente, o corte de renda familiar como critério de acesso a programas de transferência de renda. Assim, os governos recentes
do Brasil passaram a adotar programas sociais que prestassem assis- tência aos mais pobres, focalizando as ações de combate no controle das expressões de pobreza, dado pelo corte de renda. Essa linha de intervenção que focaliza a assistência aos mais pobres e extremamen- te pobres tem por objetivo, desde os anos de 1990, além da redução da pobreza, diminuir a instabilidade social e de criar condições favo- ráveis à expansão do Capital, atendendo recomendações do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Gradativamente, os go- vernos brasileiros ampliaram esses benefícios sociais de transferên- cia de renda para as famílias mais vulneráveis, através de programas como o Bolsa Família, visando diminuir os índices negativos que o país sempre apresentou (BEHRING, 2008).
O Papel das condicionalidades na arquitetura do Programa
Desde 2003, com criação do Bolsa Família, o acesso aos benefí- cios é mediado pela renda per capita, sendo parte das diretrizes do programa a obrigatoriedade das famílias cumprirem alguns compro- missos (condicionalidades), ou seja, testes de meio, a priori objeti- vam reforçar o acesso à educação, à saúde e à assistência social, mas que nada avançam se não em reafirmar que o Estado se responsabi- lize pela criação e acompanhamento da formação da força de traba- lho, pois será essa mesma população atendida pelo programa Bolsa Família que será priorizada nos cursos de capacitação profissional. Numa realidade com 13,5 milhões de desempregados, capacitar mão de obra atende apenas aos interesses de rebaixar o custo da mão de obra, ao ampliar a massa sobrante para o capital. O governo enten- de, com o seu discurso, que, assim, as futuras gerações tenham mais chances de superar a pobreza pelo acesso à educação e à saúde, rompendo os ciclos de pobreza e da extrema pobreza que acompa- nham as famílias pobres.
As condicionalidades são as exigências do programa para que a família receba o benefício. São compromissos que as famílias
assumem junto ao governo federal e são critérios para a manu- tenção do programa e do benefício. As condicionalidades são na área de Educação e Saúde e devem ser cumpridas para que o benefício não seja cancelado, bloqueado ou suspenso (BRASIL, 2012). Essas condicionalidades articulam o programa de transfe- rência de renda com a democratização de serviços sociais bási- cos, principalmente nos campos da Educação e da Saúde para as famílias beneficiárias do Bolsa Família. Trata-se, portanto, de uma ação do Estado na aplicação de serviços essenciais para a forma- ção e desenvolvimento de crianças e jovens até os dezoito anos, como garantia de acesso aos sistemas de Saúde, de Educação. Esta dimensão do programa tem por objetivo contribuir que os jo- vens venham romper com o ciclo de pobreza que marca a história dessas famílias (SILVA; LIMA, 2012).
Na área da Educação, os responsáveis devem matricular as crianças e os adolescentes de 6 a 17 anos na escola; a frequência escolar deve ser de, pelo menos, 85% das aulas para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos e de 75% para jovens de 16 e 17 anos, todo mês (BRASIL, 2012).
Na área da Saúde, os responsáveis devem levar as crianças me- nores de 7 anos para tomar as vacinas recomendadas pelas equipes de saúde e para pesar, medir e fazer o acompanhamento do cresci- mento e do desenvolvimento; as gestantes devem fazer o pré-natal e ir às consultas na Unidade de Saúde (BRASIL, 2012).
Com essas condicionalidades e contrapartidas exigidas dos bene- ficiários, constata-se que o tratamento dado à pobreza pelo governo federal é naturalizado e visto como uma condição inerente à socieda- de brasileira. Entendida como falta de capacidade pessoal e de opor- tunidades, só sendo reduzida, de modo estrutural e cíclico, mediante a criação de oportunidades para aumentar os recursos dos pobres, de modo a desenvolver suas capacidades para inserção no mercado de trabalho (SILVA, 2016).
A configuração do programa Bolsa Família no município de
Campos dos Goytacazes
O Cadastro Único para Programas Sociais reúne informações so- cioeconômicas das famílias brasileiras de baixa renda – aquelas com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa. Essas informa- ções permitem ao governo conhecer as reais condições de vida da população e, a partir dessas informações, selecionar as famílias para diversos programas sociais. No Município de Campos dos Goytacazes, o total de famílias inscritas no Cadastro Único em outubro de 2017 era de 58.411 (BRASIL, 2017b).
Tabela 1 – Perfil de renda das famílias inscritas no Programa Bolsa Família em Campos
dos Goytacazes
Fonte: Elaborado com base nos dados do IGPBF, Brasil, 2017b.
Atualmente, 33.282 famílias, com 103.206 pessoas, estão na extre- ma pobreza em Campos dos Goytacazes, representando um número expressivo de famílias que vivem com renda per capita de até R$ 85,00 por mês, esses dados expressam que todas essas famílias estão em vul- nerabilidade social, pois acredita-se que esse valor de renda não atenda às necessidades básicas para que uma pessoa possa viver com digni- dade. Esse número de famílias na extrema pobreza representa mais da metade do total de famílias cadastradas no Cadastro Único em campos dos Goytacazes que é de 58.411 famílias (BRASIL, 2017b).
O PBF beneficiou, no mês de outubro de 2017, 34.627 famílias, que equivalem, aproximadamente a 19,53% da população total do muni- cípio de Campos dos Goytacazes, representando uma cobertura de 93,72% da estimativa de famílias pobres no município. As famílias re-
cebem benefícios com valor médio de R$ 197,53 e o valor total transfe- rido pelo governo federal em benefícios às famílias atendidas alcançou R$ 6.839.853,00 no mês (BRASIL, 2017b).
Tabela 2 – Corte de renda das famílias inscritas no CadÚnico em Campos dos Goytacazes
Fonte: Elaborado com base nos dados do IGPBF, Brasil, 2017b.
A tabela acima traz dados do total de pessoas e famílias e suas res-
pectivas faixas de renda, que estão inseridas no Cadastro Único, nota-
-se que uma fração significativa da população campista, que segundo dados do IBGE (2010) é de aproximadamente 463.731, está cadastra- da no Cadastro Único do governo federal. Este número representa 37
% da população total do município. Percebe-se também o número
expressivo de famílias consideradas extremamente pobres, cerca de
33.282 famílias com renda per capita entre R$ 0,00 e R$ 85,00.
Tabela 3 – Benefícios repassados
Fonte: Elaborado com base nos dados do IGPBF, Brasil, 2017b.
A tabela acima demonstra o total de famílias que recebem, por cada benefício. Observa-se que 19.557 famílias recebem o Benefício de Su- peração da Extrema pobreza. Esse benefício é pago, quando a família, mesmo recebendo o Bolsa Família, não supera a faixa de renda da extre- ma pobreza que é de R$ 85,00. Nesses casos o governo federal transfere esse benefício adicional para que a família supere a extrema pobreza.
Tabela 4 - Histórico de valores repassados às famílias beneficiárias do PBF em 2017
Fonte: Elaborado com base nos dados do IGPBF, Brasil, 2017b.
A tabela acima traz os valores totais repassados pelo programa Bol- sa Família em campos dos Goytacazes às famílias beneficiárias. Do mês de janeiro ao mês de outubro de 2017 a média de repasse foi de aproximadamente R$ 6.300.000,00. Na tabela se pode constatar que a crise econômica e política tem lançado mês-a-mês mais pessoas para abaixo das linhas de pobreza.
Quando uma família entra no programa, ela e o poder público as- sumem compromissos para garantir o acesso de suas crianças e ado- lescentes à saúde e à educação. Esses compromissos são conheci- dos como condicionalidades. A transferência de renda é condicionada a determinadas exigências que devem ser cumpridas pelas famílias, com destaque às áreas da educação e da saúde (SILVA; LIMA, 2012).
QUADRO 2: Tipificação das condicionalidades na Saúde e Educação
Fonte: Elaborado com base nos dados do IGPBF, Brasil, 2017b.
Relacionada à condicionalidade à Educação, em Campos dos Goyta- cazes, 36.561 crianças e jovens de 6 a 17 anos do Bolsa Família precisa- vam ter a frequência escolar acompanhada no último bimestre. Dessas, foram acompanhadas 32.203 crianças e jovens. Portanto, 88,08% das crianças e jovens de 6 a 17 anos do Bolsa Família tiveram a informação de frequência escolar registrada nesse período (BRASIL, 2017b).
O acompanhamento da frequência escolar, com base no bimestre de maio de 2017, atingiu o percentual de 83,9%, para crianças e ado- lescentes entre 6 e 15 anos, o que equivale a 26.076 alunos acompa- nhados em relação ao público no perfil equivalente a 31.087. Para os jovens entre 16 e 17 anos, o percentual atingido foi de 87,9%, resultando em 4.463 jovens acompanhados de um total de 5.075 (BRASIL, 2017b). Relacionada à condicionalidade na área da Saúde, 29.936 famílias foram acompanhadas no último semestre de 2017. As famílias que devem ser acompanhadas na saúde são aquelas que possuem crian- ças de até 7 anos e/ou mulheres gestantes. O município conseguiu acompanhar 23.885 famílias, o que corresponde a um acompanha- mento de 79,79%. A média nacional de acompanhamento na saúde é
de 72,76% (BRASIL, 2017b).
Já o acompanhamento da saúde das famílias, na vigência de de- zembro de 2016, atingiu 81,5 %, percentual equivale a 24.051 famílias de um total de 29.528 que compunham o público no perfil para acom- panhamento da área de saúde do município (BRASIL, 2017b).
As famílias que descumprem as condicionalidades podem sofrer efeitos gradativos, que variam desde uma advertência, passando pelo bloqueio e suspensão do benefício quando o descumprimento é rei- terado, até seu cancelamento em casos específicos. Esses efeitos são considerados sinalizadores de possíveis vulnerabilidades das famílias, pois demonstram que elas não estão exercendo seus direitos sociais básicos à saúde e à educação, determinando a priorização dessas fa- mílias no Acompanhamento Familiar realizado pelas equipes da Assis- tência Social no município (BRASIL, 2017b).
O município apresenta 200 famílias em fase de suspensão no pe- ríodo acompanhado (maio de 2017). Dessas, 61 famílias apresentam registro de Acompanhamento Familiar no Sistema de Condicionali- dades do PBF (SICON). Esse registro é necessário para que essas fa- mílias não deixem de receber os recursos do Bolsa Família, se for o caso (BRASIL, 2017b).
Considerando a concepção das condicionalidades, o programa Bol- sa Família é uma forma de combinar transferência direta de renda e in- serção social com contrapartidas dos beneficiários (SILVA; GUILHON; LIMA, 2013). As condicionalidades tentam inserir os beneficiários nas duas maiores, principais e mais complexas políticas sociais do país: Educação e Saúde. Contudo, essa inserção é obrigatória e condição para recebimento do benefício. O objetivo, assim entendido, é res- ponsabilizar as famílias pelo compromisso assumido ao entrarem no programa, contudo não há garantias de que o poder público irá asse- gurar a oferta desses serviços básicos (SILVA; GUILHON; LIMA, 2013). Por essa dimensão o governo federal tem o propósito de romper com a pobreza entre gerações, para isso, constitui um dever dos que recebem o benefício: as visitas semestrais aos centros e postos de saúde, para fa- mílias com crianças de 0 a 7 anos; assim como assegurar que seus filhos tenham a frequência mínima exigida cumprida na escola, para crianças e jovens de 6 a 17 anos. Caso haja o descumprimento, o benefício pode
ser bloqueado, suspenso, e até cancelado (BRASIL, 2017a).
Portanto, o cumprimento das condicionalidades do programa Bolsa Família, não pode ser visto de modo isolado. Tais cumprimentos, por parte dos beneficiários, deveriam considerar a capacidade dos gover- nos federal, estaduais e municipais em oferecer os serviços que garan- tem a inserção das famílias nas políticas de educação e saúde (SILVA; GUILHON; LIMA, 2013). Neste sentido, entende-se que para a exigên- cia do cumprimento das condicionalidades, deve-se levar em consi- deração a deficiência desses serviços sociais básicos e obrigatórios pelo poder público, por parte dos estados e dos municípios brasileiros.
Dados sobre o Cadastro Único no município de Campos dos Goytacazes
O Cadastro Único é o sistema que registra as informações sobre cada família de baixa renda, identificando seus membros e suas con- dições econômicas e sociais. O governo federal utiliza os dados do Cadastro Único para conceder benefícios de programas sociais, como: Tarifa Social de Energia Elétrica, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Programa Bolsa Família, entre outros. Todos os municípios bra- sileiros já operam o Cadastro Único. Os dados do Cadastro Único tam- bém podem ser utilizados para o planejamento das ações e para a se- leção de beneficiários dos programas sociais geridos pelo município.
O município de Campos dos Goytacazes já vem realizando as ativi- dades de cadastramento e possui:
Tabela 5 – Famílias inseridas no Cadastro Único em Campos dos Goytacazes
Fonte: Elaborado com base nos dados disponíveis no site do Ministério do Desenvolvimento Social, Brasil, 2017b.
Existe uma estimativa de 56.138 famílias com renda mensal de até
½ salário mínimo por pessoa vivendo no município de Campos dos Goytacazes e todas deveriam estar cadastradas. Considerando que somente os cadastros atualizados podem ser utilizados para conces- são de benefícios e participação em programas sociais, ainda faltam 89 cadastros a serem incluídos para que a estimativa de famílias po- bres esteja devidamente coberta pelo Cadastro Único em Campos dos Goytacazes (BRASIL, 2017a).
A atualização cadastral é muito importante para que o Cadas- tro Único esteja válido. É necessário atualizá-lo, obrigatoriamente, de dois em dois anos ou quando há alguma alteração na vida das famílias, como mudança de: renda, composição familiar, endereço, escola, entre outras. Caso o governo federal encontre alguma incon- sistência nas informações prestadas ou se o cadastro estiver desa- tualizado por mais de dois anos, e se a família for beneficiária do programa Bolsa Família, existe o risco do benefício ser bloqueado ou cancelado pelo governo federal.A Taxa de Atualização Cadastral (TAC) do município é de 71,75%, enquanto que a média nacional en- contra-se em 73,16% (BRASIL, 2017a).
Dentre todas as famílias que podem ser incluídas no Cadastro Úni- co, são prioritárias para o PBF aquelas que possuem renda familiar de até ½ salário mínimo por pessoa.
Tabela 6 – Ocupações das pessoas cadastradas no Cadastro Único em Campos dos
Goytacazes
Fonte: Elaborado com base nos dados do SAGI, Brasil, 2017a.
Em recente matéria produzida pelo jornal Folha da Manhã, trazem-
-se informações sobre o desemprego em Campos dos Goytacazes. Segundo a matéria, na “capital do açúcar e do petróleo”, o universo populacional é de 463.731, segundo o último Censo, em 2010. Já a Po- pulação Economicamente Ativa (PEA) de Campos está em torno de 270 mil trabalhadores. Desses, 135 mil são formais nos setores pú- blico e privado, o que representa apenas metade do contingente dos trabalhadores ativos. A outra metade se refere aos trabalhadores por contra própria (bico) (25%), informais sem carteira assinada (10%), tra- balhadores domésticos (10%) e empregadores (5%). Contudo a maté- ria chama atenção para o “contingente de desocupados” que está em torno de 30 mil famílias. Estes dados são da Relação Anual de Infor- mações Sociais (RAIS) com base em 2016 e do último Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do ministério do Traba- lho. No último CAGED, a construção civil e o comércio foram os que mais demitiram (PAES, 2017).
O Programa Bolsa Família possibilita uma distribuição da renda e o acesso a algum tipo de renda, de forma regular, à população em situa- ção de desemprego de longa duração ou trabalhadores informais, em situação de pobreza e extrema pobreza. Contudo, essa transferência direta de renda não tem conseguido promover o acesso dos benefici- ários à superação da pobreza e romper com as barreiras para o acesso ao trabalho formal, com suas exigências que o mercado de trabalho impõe (ALMEIDA; MONTEIRO, 2011).
Além disso, a manutenção dos critérios de renda per capita de R$ 85,00 (extrema pobreza) até R$ 170,00 (pobreza), cria uma lógica que exclui uma parcela significativa de trabalhadores ao programa de transferência de renda. Este formato de pensar a pobreza e extrema pobreza, apenas como um recorte de renda torna-se um equívoco, pois insuficiência de renda é apenas um elemento, dentro das demais determinações estruturais, sociais e históricas. Portanto, percebe-se que essa visão focalizadora e excludente tem sido a tendência dentro do contexto neoliberal para as políticas públicas, que não erradica a pobreza, nem a trata como múltipla expressão das contradições so- ciais. Essa ação por parte do Estado brasileiro não erradica “os meca- nismos que produzem e reproduzem a desigualdade social no país” (ALMEIDA; MONTEIRO, 2011, p. 28).
Conclusão
O programa Bolsa Família tem se destacado no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como mecanismo de proteção so- cial e como importante instrumento no combate à pobreza de renda no Brasil, através da transferência monetária direta às famílias consi- deradas pobres e extremamente pobres, pelo recorte de renda do go- verno federal (BRASIL, 2012). Contudo, através dos referenciais teóri- cos, da observação realizada na literatura, na política de Assistência foi possível perceber, a crítica feita ao programa por diversos autores, e que se faz necessário avançar e aprofundar as questões e reformas es- truturais políticas e econômicas que promovem as desigualdades so- ciais no Brasil, presentes em seu contexto histórico (SILVA; LIMA2012). A questão social e sua associação ao processo de produção capi- talista e seus desdobramentos, no decorrer da história, vem se de- senvolvendo, através da evolução dos meios de produção e da re- lação entre Capital e trabalho, evidenciando relações entre classes sociais antagônicas, gerando contradições e tensões (IAMAMOTO, 1998). Essas contradições se configuram no desemprego estrutural,
na precarização e flexibilização das relações de trabalho, na pobre- za, entre outras expressões da questão social, que se apresentam de diferentes formas.
Yazbek (2012), ao fazer uma análise da questão social, considera que esta questão na verdade se redefine, se reformula na atualidade, contudo, ela não é uma nova questão social, mas permanece a mes- ma em sua essência “por se tratar de uma questão estrutural, que não se resolve numa formação econômico social por natureza excluden- te” (YAZBEK, 2012, p. 33). A autora destaca que na conjuntura atual a questão social no Brasil se reconfigurou, destacando as transforma- ções no mundo do trabalho e a perda dos padrões de proteção social dos trabalhadores e das populações mais vulnerabilizadas da socieda- de: os desempregados e subempregados.
O modelo de produção capitalista neoliberal tenta impor uma nova relação entre o sujeito e o trabalho. A motivação governamental desdobra-se em práticas que motivem os beneficiários de progra- mas de transferência de renda absorver a cultura do empreendedo- rismo, o que é compatível com a hegemonia da ideologia capitalista. O indivíduo deve, neste novo cenário de crise econômica, desem- prego e informalidade, tomar as suas próprias decisões, fazer as suas escolhas, para resolver seus problemas com a questão da falta de empregabilidade, o que transfere para ele a responsabilidade por sua integração ao mercado econômico.
Apesar de todas as contradições, o programa Bolsa Família tem tra- zido algum auxílio às famílias beneficiárias em Campos dos Goytacazes. Todas essas questões trazem desafios para o poder público e so- ciedade civil, pois se percebe mais claramente as potencialidades e as limitações do programa Bolsa Família em termos de seus impactos
sobre a redução da pobreza e da desigualdade social.
Referências
ALMEIDA, Érica Terezinha Vieira de; MONTEIRO, Rayana Fonseca F. de Sá. O Programa Bolsa Família em Campos dos Goytacazes/RJ – algumas conside- rações e desafios. In: V Jornada Internacional de Políticas Públicas (JOINPP), São Luis (MA). Estado, Desenvolviemnto e Crise do Capital, 2011.
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Notas