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Entre o difuso e o oculto: o enfrentamento da Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes no âmbito do CREAS
O Social em Questão, vol. 19, núm. 35, pp. 41-62, 2016
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro



Resumo: Este trabalho tem como temática de investigação o fenômeno da Exploração Sexual e Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCCA) e os serviços de atendimento às vítimas no âmbito da política de assistência, tendo por referência uma pesquisa realizada em cinco CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) no município do Rio de Janeiro. Buscou-se caracterizar as estratégias de enfrentamento ao fenômeno, proble- matizando os desafios encontrados. Através de tal pesquisa identificou-se que, embora o fenômeno tenha passado por um processo de politização inegável, alcançando maior visibilidade, seu enfrentamento ainda encontra dificuldades no que tange à invisibilidade no campo da intervenção.

Palavras-chave: Exploração Sexual e comercial, Infância e adolescência, Assistência Social.

Entre o difuso e o oculto: o enfrentamento da Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes no âmbito do CREAS

Joana Garcia1

Daiane Rodrigues C. Pacheco2

Resumo

Este trabalho tem como temática de investigação o fenômeno da Exploração Sexual e Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCCA) e os serviços de atendimento às vítimas no âmbito da política de assistência, tendo por referência uma pesquisa realizada em cinco CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) no município do Rio de Janeiro. Buscou-se caracterizar as estratégias de enfrentamento ao fenômeno, proble- matizando os desafios encontrados. Através de tal pesquisa identificou-se que, embora o fenômeno tenha passado por um processo de politização inegável, alcançando maior visibilidade, seu enfrentamento ainda encontra dificuldades no que tange à invisibilidade no campo da intervenção.

Palavras-chave

Exploração Sexual e comercial; Infância e adolescência; Assistência Social

Between the diffuse and the occult: the fight against sexual exploitation of children and teenagers within the CREAS

Abstract

The research theme of this work is the phenomenon of Commercial Sexual Exploitation of Children (CSEC) and the assistance to victim services as part of welfare policy, with reference to a survey conducted in five CREAS (Specialized Reference Center on Social Assistance) in the municipality of Rio de Janeiro. We sought to characterize the coping strategies to the phenomenon, discussing the challenges encountered. Through such re- search it was identified that, although the phenomenon has undergone a process of unde- niable politicization and it has achieved greater visibility, it still faces difficulties when it comes to invisibility in the field of intervention.

Keywords

Commercial sexual exploitation; Children and adolescents; Social Assistance

Introdução

O presente artigo analisa a exploração sexual e comercial de crianças e ado- lescentes (ESCCA) como uma das demandas a serem atendidas nos Centros de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS). Esta forma de violência sexual, constituída como objeto de intervenção multiprofissional e intersetorial, caracteriza-se como uma relação de mercantilização e abuso sexual de crianças e adolescentes, com formatos distintos e com formas de mediação que variam desde o contato direto entre o explorador e a vítima, até o envolvimento de uma rede mais ampla que se estrutura a partir de relações de poder e interesses econômicos. Quando é intermediada por agenciadores, sua possibilidade de ocultação é maior.

Configura-se como uma violação do direito ao respeito, à dignidade humana, à integridade física, mental e à sexualidade protegida deste segmento. Nesta me- dida, é considerada crime, previsto no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo os perpetradores passíveis de pena de reclusão de quatro a dez anos e multa.

A conversão deste tema em matéria de intervenção profissional na Política de Assistência é o centro do debate que propomos neste artigo. Como forma de contribuir para este debate e para o trabalho social neste campo, apresentamos o resultado de um estudo exploratório sobre o serviço de enfrentamento à ESCCA, desenvolvido pela Política de Assistência Social em âmbito local. A partir de um estudo realizado em cinco CREAS, localizados no município do Rio de Janeiro, buscamos identificar: a) como os casos de exploração sexual e comercial chegam até o equipamento; b) quais as situações de vulnerabilidade social mais frequen- temente associadas ao fenômeno; c) como eram realizados os atendimentos às vítimas e seus familiares nesse espaço de intervenção; d) a existência (ou não) de um trabalho articulado em rede.

A pesquisa valeu-se de uma metodologia predominantemente qualitativa, já que a pretensão de quantificar e sistematizar dados sobre possíveis atendimentos voltados para esta demanda não foram significativos, tornando qualquer estraté- gia de mensuração inapropriada. No primeiro momento, foi realizada uma revi- são bibliográfica acerca do fenômeno da exploração sexual, da trajetória de luta em torno do mesmo e das estratégias de enfrentamento via política de assistência social. A pesquisa bibliográfica sobre a temática em questão nos permitiu encon- trar estudos das últimas décadas que abordam o fenômeno da ESCCA, partindo do mapeamento do perfil das vítimas e problematizando o fenômeno de maneira detalhada, como é o caso do Relatório PESTRAF (LEAL e LEAL, 2002) e o

Mapeamento dos Pontos vulneráveis à ESCCA (BRASIL, 2011). Outros estu- dos buscaram problematizar o outro lado da dinâmica de exploração: os clientes (abusadores) envolvidos com a ESCCA, como foi o caso da pesquisa “Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes: Um Estudo com Caminhoneiros Brasileiros” (MORAIS et al, 2007). Foram encontrados, ainda, estudos avaliativos que analisam a eficiência dos Serviços de enfrentamento à ESCCA oferecidos nos moldes do programa Sentinela, tal como a avaliação do Programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2004. Porém, percebeu-se uma lacuna quanto às reflexões sobre os serviços de atendimento às vítimas da ESCCA nos moldes atuais, ou seja, no âmbito da política assistencial via proteção social especial. Tal percepção foi fundamental no que diz respeito ao delineamento dos objetivos da pesquisa que deu origem ao presente artigo.

Posteriormente, concentramos esforços na reflexão específica sobre as ques- tões observadas em cinco CREAS na cidade do Rio de Janeiro3. A permanência nos CREAS permitiu uma aproximação com a dinâmica do equipamento, possi- bilitando um conhecimento da vivência institucional, da rotina profissional e das ações relacionadas aos casos de exploração sexual, durante o período de fevereiro de 2012 a dezembro de 2012.

Alguns dos principais resultados deste processo de estudo e pesquisa foram sistematizados no presente artigo em três tópicos. No primeiro, buscou-se re- alizar uma breve caracterização do fenômeno da ESCCA no Brasil. O segundo apresenta a Exploração Sexual como objeto de intervenção, refletindo sobre elementos importantes desde o desenvolvimento da política de assistência até a caracterização do serviço realizado no espaço ocupacional do CREAS aos casos de ESCCA. Por fim, o terceiro tópico se destina a problematizar as principais questões observadas na pesquisa empírica sobre o enfrentamento ao fenômeno realizado no âmbito do CREAS, assim como alguns aspectos relacionados à inter- venção profissional neste espaço.

Caracterização da exploração sexual de crianças e adolescentes

Exploração sexual é uma forma diferenciada, mais ampla e mais fundamen- tada de nomear o que antes era chamado sinteticamente de prostituição. As ma- nifestações da ESCCA não se restringem à prostituição propriamente dita, mas incluem o turismo sexual, a pornografia e o tráfico de pessoas para fins sexuais (LEAL apud BELLENZANI et al, 2006). De acordo com Faleiros (2000), o termo

prostituição infanto-juvenil foi suplantado em virtude do aprofundamento dos estudos sobre diversificação do mercado sexual. Para a autora, o turismo sexual e a expansão do sexo via Internet possibilitaram uma maior amplitude do tema e uma abordagem sobre outras formas de exploração de crianças e de adolescentes. Souza e Souza (2009), ao abordarem os dilemas de como nomear o fenômeno, sinalizam a ausência de consenso em relação à nomenclatura utilizada e afirmam que os trabalhos sobre o tema frequentemente se diversificam em função de suas fundamentações teóricas. Segundo tais autoras, houve um esforço para substi- tuir o uso do termo prostituição infanto-juvenil em virtude da carga histórica de preconceito que o mesmo carrega. Sendo assim, a expressão “exploração sexual” foi sendo incorporada pelos mais diversos setores para destacar a violência esta- belecida numa relação desigual, onde não há possibilidades para consentimentos. Como se observa, além do debate estritamente acadêmico, os avanços políti- cos e éticos em torno dos direitos da criança e do adolescente reposicionaram o debate sobre o direito à sexualidade protegida de indivíduos em fase de desenvol- vimento. Neste debate, o termo exploração sexual foi considerado mais preciso. Prostituição é um termo que remete a valores moralistas e tende a indicar a ade- são voluntária de quem a exerce. Por outro lado, exploração sexual sugere uma

inversão desta lógica, caracterizando o envolvido como vítima.

A discussão sobre sua ocorrência, implicações e causalidades foi inserida na agenda política das últimas duas décadas no Brasil e entendida como um grande desafio a ser enfrentado. A politização sobre este tipo de violência sexual ocorreu a partir dos avanços conquistados por diversos movimentos sociais de luta pelos direitos da infância e juventude na década de 1990. Desde então, o Brasil vem desenvolvendo planos, projetos, programas e medidas de enfrentamento ao fe- nômeno. Contudo, ainda existe uma dificuldade de sua identificação, devido ao seu caráter de comércio ilegal, o que também dificulta estudos e mapeamentos precisos dos casos relacionados ao fenômeno.

No ano de 1993, esse tema ganhou visibilidade em virtude da constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as denúncias do comér- cio sexual envolvendo crianças e adolescentes. Essa CPI desvendou que os princi- pais envolvidos no fenômeno da ESCCA eram os pais das crianças e adolescentes explorados, caminhoneiros, policiais e donos de boates.

A despeito dos avanços observados, a exploração sexual se diferencia de ou- tras manifestações da violência sexual, em virtude não apenas de sua ocultação, mas da forma como ainda é qualificada por certos segmentos. O abuso sexual ten-

de a mobilizar indignação, revolta e cobrança por reparação, na medida que é pra- ticado geralmente por alguém da confiança da criança/adolescente, destituindo a imagem de proteção associada à família e à rede de sociabilidade. A Exploração Sexual envolve uma relação mercantil, é considerada um tipo trabalho, definido por escolha, ou resultado de um comportamento lascivo previamente detectado. Nesta medida, a vítima é considerada parte interessada nesta relação e tende a ser, por isso, criminalizada.

Vale considerar que, em relação à exploração sexual de crianças e adolescen- tes, não se considera a questão do consentimento, já que se trata de pessoas em desenvolvimento e sem discernimento completo para decidirem sobre as impli- cações da atividade (ÁVILA apud SOUZA e SOUZA, 2009). Saffioti e Almei- da (1995) defendem que para consentir é necessário disponibilizar uma posição igualitária na relação de poder. Porém, as relações entre homens e mulheres/ crianças e adultos são relações assimétricas e, nesse caso, o consentimento fica comprometido em função da relação desigual.

Saffioti (1989) argumenta que o conceito de exploração implica necessaria- mente em dominação. Essa dominação pode se manifestar de diversas maneiras, sendo que a autora destaca o forte caráter androcêntrico e adultocêntrico pre- sente nas relações sociais, onde a dominação geralmente se estabelece na relação de poder entre o homem e a mulher, além da dominação exercida pelo adulto em geral, seja homem ou mulher, sobre a criança.

Os traços gerais da exploração sexual de crianças e adolescentes revelam um fe- nômeno antigo, recentemente politizado e sujeito a leituras e proposições híbridas: entre a proteção e o descaso, entre a responsabilização legal dos implicados e a jus- tificação econômica do comércio sexual, entre a defesa da sexualidade protegida e a valorização dos corpos em formação. O tema, portanto, exige um esforço de análise interdisciplinar e estratégias de enfrentamento intersetorial. A seguir, problematiza- mos como a política de assistência social o acolheu como objeto de intervenção.

A exploração sexual como objeto de intervenção

Até a implementação da Política Nacional de Assistência Social e do Sistema Único da Assistência Social em 2005, o enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes era realizado no âmbito do Programa Sentinela (Progra- ma de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes).

O programa Sentinela começou a ser executado em 2001, sob a responsabi- lidade da extinta Secretaria de Estado de Assistência Social - SEAS, do Ministério

da Previdência e Assistência Social. Seu objetivo principal era o de prevenir e combater a violência, o abuso e a exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes, atuando nos eixos de prevenção e atendimento da Política de Ga- rantia e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes.

Seu objetivo estava em implantar Centros de Referência nos quais deviam ser prestados atendimento, apoio psicossocial e proteção imediata em casos de violência e abuso sexual sofrido por crianças e adolescentes, garantir o acesso destes, bem como de suas famílias, aos serviços da rede; contribuir para as ações coletivas de enfrentamento; contribuir para um sistema municipal de informações (banco de dados) e garantir a qualificação continuada dos profis- sionais envolvidos no atendimento.

Tais Centros de Referência deviam fazer parte de uma rede de proteção social, desempenhando as seguintes ações: recebimento de caso; encaminha- mento à rede; acompanhamento permanente dos casos atendidos junto à rede de serviços, família e comunidade; atendimento multiprofissional; serviços de abordagem educativa às crianças e aos adolescentes explorados sexualmente nas ruas ou pelas redes organizadas; serviço de apoio psicossocial a grupos de famílias e aos vitimados; abrigamento por 24 horas; desenvolvimento de ações de articulação e mobilização das instituições e da sociedade em geral (Relatório de Avaliação TCU, 2004).

Com as mudanças no âmbito da Política Nacional de Assistência, o gover- no federal estabeleceu novas bases de sua regulação através do “Decreto nº 5.085/04, que transforma em caráter continuado os Serviços de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e os Serviços de Atendimento Integral à Família” (BRASIL, 2005). A partir dessa medida, o Programa Senti- nela foi extinto e um novo “serviço” passou a ser executado progressivamente dentro dos CREAS, oferecendo orientação, proteção e acompanhamento psi- cossocial individualizado e sistemático a crianças, adolescentes e suas famílias em situação de risco ou violação de direitos.

Após ter realizado este breve panorama da política de enfrentamento ao fe- nômeno no âmbito nacional, serão destacadas algumas especificidades do Rio de Janeiro, já que a cidade do Rio de Janeiro se constituiu o locus da pesquisa. Sendo assim, optou-se por realizar um breve mapeamento sobre a trajetória de enfren- tamento à exploração sexual no Rio de Janeiro.

A cidade, historicamente, teve grande importância na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, principalmente devido à mobilização que surgiu em

torno das crianças em situação de rua. Em virtude disso, o município contou com importantes instituições sociais governamentais e não governamentais no enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes, tais como: a Fundação para Infância e Adolescência (FIA), ABRAPIA e Associação Benefi- cente São Martinho (ALVES, 2009).

No ano de 2000, o estado do Rio de Janeiro passou a desenvolver o Programa Estadual de Combate à Exploração de Crianças e Adolescentes, buscando traduzi-

-lo como uma política pública a ser operacionalizada pela FIA/RJ. Tal programa se constituiu um avanço fundamental no enfrentamento à violência sexual de crianças e adolescentes, ao assumir o objetivo de atender crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, abuso e exploração sexual.

Alves (2009) ressalta que, para a execução de tal Programa, foram criados os Centros de Referência para a Infância e Adolescência (CRIAs), inicialmente im- plantados nos municípios do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, Angra dos Reis, Volta Redonda, Macaé e Cabo Frio. Além desses avanços, no ano de 2002, o Programa Sentinela foi implantado na cidade do Rio de Janeiro em parceria com o Governo Federal e a ABRAPIA, que executou o programa em dois centros de referência, um em São Cristóvão e outro em Santa Cruz.

Em função das mudanças ocorridas na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), com a implantação do SUAS, a cidade do Rio de Janeiro passou pelo pro- cesso de descentralização político-administrativa, sendo o município responsabi- lizado pela Gestão Plena do SUAS, e consequentemente o Programa Sentinela foi municipalizado. Com isso, tais ações ficaram submetidas à execução da Secretaria Municipal de Assistência Social, que introduziu, em 2006, o Serviço de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual (SECABEX), vinculado aos Centros de Referên- cia Especializados de Assistência Social (CREAS) (ALVES, 2009).

A concepção do SECABEX estava baseada na execução de um conjunto de ações de acordo com os seis eixos estratégicos do Plano Nacional de Enfrenta- mento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. Na fase inicial, tal serviço foi desenvol- vido em dois centros especializados: o Centro Municipal de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes Leila Diniz e o CREAS Padre Guilherme Decaminada, ambos localizados no bairro de Santa Cruz. Posterior- mente, o serviço foi ampliado e em 2008 já existiam na cidade do Rio de Janeiro cinco Centros com execução do SECABEX, sendo os outros três: o SECABEX Ramos (CREAS Nelson Carneiro); o SECABEX Bangu (CREAS Dina Sfat) e o SECABEX Campinho (CREAS Prof. Marcia Lopes).

O SECABEX, enquanto serviço de enfrentamento ao abuso e à exploração se- xual, realizou um mapeamento das áreas de concentração de crianças e adolescen- tes em exploração, com equipe de abordagem noturna. Neste diagnóstico da situa- ção, identificou-se a exploração sexual de criança e adolescente associada à situação de rua e à violência doméstica. Dessa forma, o serviço passou a realizar oficinas coordenadas por psicólogos no horário noturno, além do atendimento técnico.

Com o fim do SECABEX no Rio de Janeiro, as ações de enfrentamento à vio- lência sexual contra crianças e adolescentes no município foram inseridas na am- pla gama de ações previstas para serem oferecidas nos CREAS, com metodologia de trabalho diferenciada. Visto isso, cabe destacar que o “Guia de Orientações do CREAS” de 2003 destacava a oferta de serviço de Enfrentamento à violência, abuso e exploração sexual entre os principais serviços oferecidos no CREAS. Já no Caderno de Orientações Técnicas de 2011 e na Resolução CNAS Nº 109, de 11/11/2009 (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais), o serviço apa- rece abarcado no âmbito do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI).

Principais aspectos sobre o enfrentamento à ESCCA no âmbito do CREAS

O presente tópico se destinará a problematizar o modo como as ações voltadas ao enfrentamento da exploração sexual vêm ocorrendo nos CREAS, dando ênfase ao exame da articulação com a rede de serviços intersetoriais, a uma análise das principais dificuldades enfrentadas e a proposição de questões importantes para o campo.

Os serviços oferecidos pelo CREAS estão estruturados, basicamente, na for- ma de Programas, sendo estes: o Serviço de Proteção e Atendimento Especia- lizado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); o Serviço Especializado em Abordagem Social; o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), e de Prestação de Serviços à Comu- nidade (PSC); o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Embora o CREAS ofereça outros serviços, esses quatro programas/serviços foram identi- ficados na pesquisa como os principais, tendo em vista que toda a equipe técnica está sistematicamente organizada em torno dos mesmos.

Ao caracterizar as ações realizadas com mais frequência no âmbito da Pro- teção Social Especial, os profissionais entrevistados apontaram a violência física e psicológica, a negligência, o abandono, a violência sexual (abuso e explora-

ção), a situação de rua e o trabalho infantil, como atos infracionais e fragilização ou ruptura de vínculos familiares e comunitários.

Levando em consideração que o PAEFI é o programa que abarca o serviço de enfrentamento à violência sexual, buscou-se realizar uma breve apresen- tação do mesmo, destacando aspectos importantes de sua operacionalização, observados durante a pesquisa de campo.

O atendimento no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Fa- mílias e Indivíduos (PAEFI) é realizado por meio da atividade de plantão técni- co, realizado diariamente pelos técnicos para o serviço de acolhimento, escuta, orientações, encaminhamentos e acompanhamento especializado às famílias com membros em situação de ameaça ou violação de direitos. A população usuária deste serviço tem acesso ao CREAS através de demanda espontânea, encaminhados por outros serviços socioassistenciais, Equipes da Proteção So- cial Básica e demais Órgãos do Sistema de Garantia de Direitos (SGD).

A operacionalização deste serviço foi a mais difícil de visualizar, pois o perfil da população usuária dos outros programas é muito abrangente e diversificado (população de rua; crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil; adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa) e as demandas do programa são variadas. De acordo com uma assistente social, o PAEFI funciona como um “guarda-chuva” dos serviços oferecidos pelo CREAS, ou seja, as ações referentes a este serviço também estão associadas aos demais Programas ofer- tados pelo equipamento. Este fato pode explicar a ocorrência de números tão elevados no que tange aos atendimentos do Programa.

Como mencionado anteriormente, a organização dos serviços oferecidos pelo equipamento se expressa sob a forma de programas. Este fato, embora tenha um lado positivo – tendo em vista que um programa sugere um pla- nejamento sistemático, com cumprimento de metas e objetivos específicos para sanar uma determinada demanda – também tem um lado negativo, pois tende a atrair os profissionais às funções previamente determinadas por cada programa, em geral ações burocráticas (preenchimento de planilhas, cumpri- mento de metas, construção de relatórios), podendo facilitar um processo onde o profissional se torne basicamente executor e pouco propositivo. Uma ilustração de tal situação se refere ao posicionamento dos profissionais entre- vistados ao sinalizarem que não se baseiam em nenhum projeto de interven- ção, mas apenas em normativas diretamente relacionadas a cada programa/ serviço em específico.

Outro ponto passível de problematização é o fato de os Programas serem direcionados a um determinado público e isso provocar, consequentemente, uma “peneira” entre quem é perfil do serviço e quem não apresenta as caracte- rísticas necessárias para participar. O problema é que não existem programas suficientes para abarcar todas as demandas que chegam ao CREAS. É neces- sário compreender que o sujeito encaminhado à Proteção Especial de Média Complexidade não traz necessariamente uma demanda para algum dos quatro programas/serviços considerados como principais.

De acordo com uma psicóloga que atende no PAEFI, no que se refere aos casos de exploração sexual, a intervenção se traduz na realização de grupo com adolescentes em situação de risco. A profissional sinalizou que, naquele mo- mento, participavam do grupo seis adolescentes em situação de abuso sexual e/ou exploração sexual e afirmou que, nos casos de abuso, tem um sentimento de angústia por não identificar o que deve ser feito. Contudo, o mais alarmante é que ainda que tal serviço possa ser considerado incipiente, foi o mais expres- sivo em relação à exploração sexual, se comparado com todos os outros quatro CREAS pesquisados.

No CREAS 1, com base no levantamento mensal e anual, não foi possí- vel encontrar dados nas entrevistas e na pesquisa documental que sinalizassem qualquer atendimento ao fenômeno. Todos os profissionais entrevistados afir- maram que tal fenômeno não aparece como demanda para o equipamento. Tais técnicos mencionaram uma desconfiança de que os casos não chegam até o CREAS por uma ausência de encaminhamentos do Conselho Tutelar e demais órgãos da rede. Segundo os profissionais, eles atendem muitos casos de abuso sexual e atribuem essa procura ao fato de o PAEFI ter acoplado o serviço de enfrentamento ao abuso desenvolvido pelo antigo SECABEX.

Buscou-se saber se na abordagem social a equipe busca observar a exis- tência de casos de exploração sexual, tal como está previsto nos documentos e normativas (assim como a tipologia) que tipificam os programas, serviços e atividades previstas para o CREAS. Neste caso, todos os profissionais sinali- zam que não destacam a violência sexual em específico, sendo o objetivo da abordagem a busca de um mapeamento territorial da situação de rua. Quando questionados sobre a origem dos casos, apenas uma profissional sinalizou que a busca ativa aconteceria durante o trabalho de Abordagem Social que identifica locais de Exploração Sexual e notifica aos órgãos competentes como a justiça e a delegacia, tendo em vista que a ESCCA é crime.

No CREAS 2, uma psicóloga entrevistada mencionou que durante o SECA- BEX havia um trabalho intenso de busca ativa relacionado à ESCCA e isso amplia- va a quantidade de casos atendidos. A mesma sinalizou que no SECABEX havia um trabalho mais especifico e direcionado a tal violência e julgou que, com o fim do SECABEX, o trabalho ficou pulverizado. Sendo assim, os CREAS fazem atendimentos considerados incipientes ou encaminham para ONGs, que realizam algum tipo de trabalho associado ao tema.

Visto isso, é possível identificar que a ausência de um programa específico é entendida como inexistência do serviço em tal espaço ou como se tal fenômeno não fosse demanda do CREAS. Esta leitura reflete baixa capacidade propositiva no atendimento, estando os profissionais mais responsivos em relação às orienta- ções da política de atendimento municipal ou mesmo federal.

Alguns profissionais julgaram que faltavam ações organizadas e planejadas por parte do Estado, argumentando que não existia um trabalho estruturado e os avanços conquistados em relação ao enfrentamento à ESCCA sofreram retrocessos com o fim do SECABEX. Uma psicóloga afirmou que não era reali- zado nenhum trabalho relativo à ESCCA no CREAS e sinalizou que se chegasse algum caso de exploração sexual no CREAS, este seria atendido como todos os outros casos de violência.

No CREAS 3, em entrevista com uma assistente social, foi mencionado que a ESCCA representa um percentual muito pequeno no CREAS. Fazendo uma relação destes casos com o abuso sexual, ela afirmou que cerca de 10% dos casos eram de ESCCA e 90% correspondiam a situações de abuso sexual.

Diante disso, vale considerar que apesar de a pesquisa não ter apontado núme- ros significativos de casos registrados de ESCCA no CREAS durante todo o ano de 2012, existem dados externos ao equipamento que apontam a existência do fenômeno mesmo com toda a dificuldade de notificação e identificação do mesmo. O levantamento de pontos vulneráveis à exploração sexual nas rodovias fede- rais, realizado em 2011, registra a existência de 32 (trinta e dois) pontos com in- dícios e 13 (treze) pontos confirmados na região sudeste, ficando atrás apenas da região nordeste. No que se refere à distribuição de pontos vulneráveis por unidades da federação, no Rio de Janeiro, o mapeamento aponta a existência de 98 (noventa

e oito) pontos em 2009/2010 e 48 (quarenta e oito) pontos em 2011/2012.

O relatório do Disque Direitos Humanos, conhecido como Disque 100, aponta que o estado do Rio de Janeiro nos últimos anos (de 2011 a 2014) tem se situado entre os três estados com maior número de incidências de exploração

sexual de crianças e adolescentes. Em 2011, o estado do Rio de Janeiro foi o segundo com maior número de denúncias, com 1.157 (mil cento e cinquenta e sete) casos, sendo antecedido apenas pelo estado da Bahia, que apresentou o maior número de denúncias de exploração sexual contra crianças e adolescentes nesse período4 (BRASIL, 2011). Em 2012, o estado do Rio de Janeiro aparece em terceiro lugar com 1.164 (mil cento e sessenta e quatro) casos, sendo antecedido pelos estados da Bahia e de São Paulo. Em 2013, o Disque 100 aponta o estado do Rio de Janeiro como primeiro com maior incidência de exploração sexual, com 1.122 (mil cento e vinte dois) casos. Já em 2014, o estado do Rio de Janeiro cai para terceiro lugar novamente com 684 (seiscentos e oitenta e quatro) casos. Tendo em vista tais dados, nota-se que, apesar da existência de casos no estado, os mesmos não chegam ao equipamento especializado para atendimento.

Observou-se que o enfrentamento à violência sexual contra crianças e ado- lescentes ficou diluído no âmbito do PAEFI, com ações voltadas para as famílias com membros em situação de violação de direitos. Ainda assim, quando os profis- sionais se referiam a algum trabalho em relação à violência sexual contra crianças e adolescentes, foi nítida a discrepância em relação aos casos de abuso sexual. O abuso sexual, embora protegido pelo escudo da família, é mais denunciado e se apresenta como objeto de intervenção mais frequente que a ESCCA, a qual, além de enfrentar resistências em função da tendência de culpabilização das vítimas, também enfrenta dificuldades quanto à identificação da ocorrência.

Cabe destacar a dificuldade – para a equipe técnica – de compreensão das particularidades do fenômeno da ESCCA em relação às demais violências. O “Guia de orientação do CREAS” destaca que algumas normativas devem dar base às ações profissionais neste contexto, sendo elas: a LOAS, a PNAS, a NOB/SUAS, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. Ressalta que, ao lidar com fenômenos complexos e multideterminados, que envolvem fatores muito diversos, é imprescindível a qualificação permanente das equipes envolvidas. Uma formação generalista nem sempre se constitui uma condição suficiente para uma atuação propositiva neste campo.

Ao buscar captar a percepção dos profissionais sobre o fenômeno da Explo- ração Sexual contra Crianças e Adolescentes, observou-se uma dificuldade de compreensão do fenômeno e de suas particularidades, o que, além de dificultar a intervenção, também tem reflexos na forma como os dados são apresentados de modo confuso entre abuso e exploração.

Outro aspecto fundamental da dinâmica profissional observado durante a pesquisa diz respeito ao registro das atividades. Em relação ao atendimento aos envolvidos, o Caderno de Orientações Técnicas destaca que o CREAS deve utilizar procedimentos individuais e grupais, conforme for indicado, e deve ser conduzido levando em consideração a manutenção de prontuários, com o his- tórico do atendimento prestado, atualizado e preservado, de forma a garantir a privacidade e o sigilo. O documento também destaca que os profissionais devem buscar conhecer as condições socioculturais, a história, os valores, os vínculos e a rede social de apoio com que os indivíduos atendidos contam, para, a partir daí, construir em conjunto um Plano de Acompanhamento que proponha estratégias adequadas à superação das situações de violação de direitos, definindo os tipos de ações, a periodicidade de atendimento e as finalidades pretendidas.

Neste quesito, vale mencionar que, durante a pesquisa, enfrentou-se diversas dificuldades no que diz respeito ao acesso a documentos e relatórios de atendi- mento aos casos de exploração sexual. No CREAS 1, a pesquisa documental, tomando como base os dados do CIT5, revelou que havia um número de 12 (doze) crianças e adolescentes em situação de exploração sexual que foram atendidos no ano de 2012. Porém, observou-se um descompasso entre tais dados e as in- formações coletadas através das entrevistas com profissionais, e a ausência de relatórios de atendimento sobre tais casos. Foram entrevistados dois psicólogos que atuavam no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e In- divíduos (PAEFI). Estes informaram que nunca haviam atendido casos de ESCCA no CREAS e, por isso, desconheciam os dados dos formulários.

No CREAS 4, a pesquisa com base no CIT revelou apenas um caso de ESC- CA atendido em maio de 2012, porém a ausência de relatório e dados sobre tal atendimento nas entrevistas impossibilitam maiores informações e sinalizam um problema com a prática de produção de registros no espaço de intervenção.

O CREAS 5, que se apresentou de modo diferenciado em relação à violên- cia sexual, de 34 (trinta e quatro) casos de violência sexual contra crianças e adolescentes atendidos durante o ano de 2012, apenas dois atendimentos foram relativos à exploração sexual, o que aponta novamente para restrita visibilidade do fenômeno da ESCCA nos CREAS. Um dos casos se refere à exploração sexual de duas adolescentes e uma criança do sexo masculino, onde a responsável pela violência era avó do menino e madrasta das meninas. O caso chegou ao CREAS através de encaminhamento do CRAS, em março de 2012, e foram realizados dois atendimentos sem registro sobre as medidas realizadas pela equipe técnica.

Na pesquisa documental, apenas foi encontrada uma ficha com endereço e telefo- ne, porém sem relatos consistentes sobre o caso.

Notou-se certa contradição entre tais observações e o discurso dos profissio- nais que, quando questionados sobre as atividades realizadas, sempre menciona- vam a produção de relatórios e o registro de dados como algo importante para a intervenção. Quando questionados se realizam registro de atividades, pratica- mente todos responderam que sim, apenas um da área administrativa respon- deu que não. A maioria identificou que seus registros são realizados em livro ata, relatórios, prontuários e fichas de atendimento. Sobre a finalidade de tais registros, alguns profissionais mencionaram: subsidiar as ações, planejar, avaliar e encaminhar ao nível central ou a outras instituições da rede (como aVara da Infân- cia). Sendo assim, é possível dizer que o discurso das profissionais do CREAS em relação à produção de relatórios se diferencia da realidade com a qual a equipe se deparou durante a pesquisa documental.

Por fim, outra questão de extrema importância que apareceu entre as prin- cipais críticas dos profissionais ao trabalho no CREAS diz respeito à articulação de uma rede de proteção. Uma profissional informou que sua principal crítica se refere à dificuldade do trabalho em rede e exemplificou dizendo que existe toda uma propaganda de tratamento aos usuários de drogas e quando o usuário chega no CREAS não tem para onde encaminhar. Os profissionais consideraram a rede de serviços muito precária: uma psicóloga citou como exemplo a saúde, que não possui atendimento psicológico quando encaminha adolescentes, e a educação, que frequentemente apresenta problemas para conseguir vagas em escolas.

Ainda sobre o trabalho em rede, outra profissional destaca que a equipe do CREAS faz um trabalho articulado com as Secretarias de Assistência Social, Saú- de, Educação e Habitação. A mesma ressalta que, no que se refere à ESCCA, a situação da habitação é uma dificuldade, por conta da proximidade entre a re- sidência e os pontos de Exploração, o que dificulta o rompimento com esta vi- vência. Contudo, a articulação com a Secretaria de Habitação é muito frágil, e é muito difícil conseguir um novo local de moradia para estas famílias. Para além das secretarias, normalmente a rede é formada por Promotoria da Infância e Ju- ventude, Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DECAV),Vara da Infância e Juventude da Comarca da Capital e ONGs (principalmente para conseguir opor- tunidades de cursos profissionalizantes).

No CREAS 5, uma profissional entrevistada mencionou um caso atendido que se referia a um adolescente do sexo masculino de 15 anos que vivenciou explora-

ção sexual, abandonou a escola e estava envolvido com uso de drogas. Ela diz que o adolescente chegou à instituição por demanda espontânea, foi atendido apenas uma vez por uma assistente social, em conjunto com sua mãe, e foi encaminhado para o Conselho Tutelar, mas não teve nenhum tipo de retorno sobre a situação do adolescente, desde meados do mês de junho de 2012 até o término da pes- quisa, no final do ano de 2012. Este caso sinaliza o quanto o trabalho em rede é incipiente, tendo em vista a questão da evasão escolar, das drogas, mesmo tendo sido encaminhado pelo órgão especializado para o atendimento ao órgão de tria- gem responsável por identificar a violação e encaminhar para a rede. Observa-se que, além de uma inversão da rede, ocorre também uma ausência de contatos que impossibilita acompanhar os resultados do trabalho desenvolvido com a vítima.

No CREAS 2, a profissional de Psicologia mencionou que o trabalho em rede se dava quando o caso era encaminhado por um órgão e, ao final do atendimento realizado, era elaborado um relatório emitido ao órgão que solicitou o acompa- nhamento. Além disso, ela sinalizou que, ao identificar alguma outra necessidade de saúde, pedagógica, ou mesmo um acompanhamento psicoterápico mais pro- longado, o CREAS acionava a rede e frequentemente encaminhava para o Núcleo de Atenção à Criança e ao Adolescente (NACA). A profissional afirmou que esse trabalho articulado em rede era constituído por contatos realizados pessoalmente entre os profissionais das instituições parceiras e exemplificou isso através de um estudo de caso que foi realizado na Vara da Infância, Juventude e Idoso.

Do mesmo modo, em entrevista com um Conselheiro Tutelar da mesma área programática, o mesmo afirmou que para estes casos a rede é muito limitada e que há muitas dificuldades na realização de um trabalho em conjunto com a mes- ma. O profissional mencionou:

Às vezes fazemos encaminhamentos para instituições que depois retornam o caso para o Conselho informando que o que foi encaminhado não corresponde à demanda que eles atendem. Particularmente, eu não sei dizer muito bem o que o CRAS oferece além do Programa Bolsa Família. Sinto falta de conhecer melhor esta rede. Nossa rede tem sido o MP, a 4ª CRE, CREAS, NACA,VIJ, DECAV, DP, CRAS, Hospitais e abrigos. Existe articulação, mas esta atualmente é muito frágil. Realiza-se por meio de contato por telefone e por encaminhamento de ofícios (Conselheiro Tutelar).

Vale notar que a dificuldade de realizar um trabalho articulado em rede, a escassa ou a não existência de casos de exploração sexual nos equipamentos

pesquisados e a consequente restrição de dados sobre os serviços e atendimen- tos no que se refere à ESCCA foram os resultados mais expressivos desta mo- dalidade de aproximação empírica com o fenômeno. Inicialmente, tal dado foi considerado frustrante, pois em princípio inviabilizou o alcance de objetivos específicos da pesquisa quanto ao atendimento do fenômeno nos CREAS. No entanto, revelou aspectos de extrema importância para a política de enfrenta- mento ao fenômeno, principalmente no que se refere à intervenção via Política de Assistência Social no Rio de Janeiro.

Dessa forma, é possível afirmar que, o fato de a atual organização da Proteção Especial na Política de Assistência Social não prever programas ou serviços espe- cíficos voltados ao enfrentamento das diversas formas de violência sexual contra crianças e adolescente que elucidem suas particularidades, dificulta a intervenção profissional e o enfrentamento do fenômeno.

Indicações Finais

O estudo aqui apresentado evidencia aspectos importantes para a intervenção social no que diz respeito ao enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes no município do Rio de Janeiro, no âmbito da Política de Assistência Social. Tanto as informações coletadas, como as observações realizadas, apresen- taram extrema relação com as reflexões teóricas abordadas ao longo da pesquisa. Ao tratar do enfrentamento à ESCCA, importa destacar o quanto a mo- ralização em torno do tema da sexualidade ainda é forte e contribui para a ocorrência deste tipo de violação. Considera-se, por isso, que o tratamento estritamente legal não seja suficiente. As visões moralizadoras sobre a ocorrên- cia da exploração sexual na adolescência são recorrentes, incidindo inclusive na relativização desta etapa como uma fase do desenvolvimento que deve ser protegida. E também, por tal razão, o enfrentamento ao abuso sexual encontra maior adesão do que à exploração sexual como uma manifestação da violência e violação de direitos. Considerando que a exploração sexual possui as dimensões de invisibilidade e naturalização exacerbadas, faz-se necessário promover ações permanentes de conscientização para proteção principalmente ao adolescente

em situação de exploração sexual.

Uma das questões centrais apontadas pelo presente estudo diz respeito à inex- pressividade do fenômeno da exploração sexual de crianças e adolescentes no campo da intervenção. Através de pesquisa documental e bibliográfica, identi- ficou-se que o fenômeno passou por um processo de politização inegável, pelo

menos nas duas últimas décadas, passando a ter maior presença tanto no debate acadêmico, como na pauta política e, consequentemente, sendo objeto de cam- panhas de sensibilização, planos de ação e projetos/programas de intervenção. Contudo, o presente estudo, ao se propor mapear questões relativas à interven- ção social realizada nos Centros Especializados da Assistência, se deparou com uma questão que aparentemente havia sido superada: “a invisibilidade do fenô- meno”. Ou seja, a exploração sexual ganhou visibilidade enquanto violação de direito e pauta estratégica na agenda política, porém tal destaque não se traduziu em oferta e/ou demanda por serviços e programas. Cabe refletir se tal onda de campanhas em torno do fenômeno tem se traduzido, de fato, em prioridade no que se refere às estratégias de ação. Contudo, também é importante considerar que a ausência por demanda de proteção é o principal dificultador e um desafio no que se refere aos serviços existentes.

Parece que ultimamente muito tem sido investido em mapeamentos, pesqui- sas e estudos sobre o fenômeno, dando base a campanhas educativas de prevenção e grandes ações repressivas. Contudo, através da pesquisa realizada nos CREAS, nota-se que tais resultados não estão sendo utilizados para criar estratégias que alcancem os casos existentes de exploração sexual e realizar intervenções eficazes na garantia de direitos de tal segmento.

Outra questão de suma importância evidenciada neste estudo se refere ao des- conhecimento dos próprios técnicos dos CREAS sobre as especificidades do fenô- meno, demostrando certas confusões ao tratar abuso e exploração como expressões equivalentes. Parece faltar elementos e capacitações para os profissionais que atuam nos CREAS sobre todas as questões demandadas a este espaço, fazendo com que alguns profissionais entendam muito de uma violação ou programa específico, mas não compreendam os demais. Durante a pesquisa nos CREAS, diversos profissio- nais demonstraram não ter esclarecimentos suficientes sobre os casos de exploração sexual e sobre o enfrentamento ao fenômeno de forma específica.

Observou-se uma confusão entre os profissionais sobre a intervenção pro- fissional no âmbito do CREAS após a incorporação do serviço de combate ao abuso e exploração sexual ao PAEFI. Ficou claro que, com o fim do SECABEX, os profissionais perderam o direcionamento do que se constitui ou não demanda do CREAS no que se refere à ESCCA. Tendo observado isso, cabe sinalizar a necessidade de capacitação mais frequente com o corpo técnico e da realização de reuniões para esclarecer as atribuições do Centro de Referência no que diz respeito à ESCCA após SECABEX.

No que diz respeito ao trabalho em rede, também observou-se certa difi- culdade de construção de um trabalho articulado. A pesquisa evidenciou que os poucos casos de exploração atendidos não estão sendo priorizados para a inclusão em programas na rede e que a tentativa de parceria com políticas setoriais de suma importância no enfrentamento ao fenômeno não tem obtido sucesso. Além disso, notou-se também uma quase “inexistência” de encaminhamentos de casos de ESCCA por outras instituições da rede para os CREAS.

Neste caso, parece existir duas questões importantes. A primeira se refere à ausência de instituições que realizam o serviço de enfrentamento à ESCCA de modo específico e especializado e, em função dessa ausência, os órgãos existen- tes ficam sem saber para onde encaminhar. A segunda questão tem relação com o fato de o CREAS, após o SECABEX, não se identificar e não ser identificado como a instituição da rede responsável por esta intervenção especializada e, por isso, não receber encaminhamento, assim como não realizar busca ativa à ESCCA através da abordagem social.

Além disso, outro ponto fundamental no que diz respeito ao enfrentamento ao fenômeno se refere à notificação e registro dos casos. Existe uma subnotificação dos casos de ESCCA e uma dificuldade muito intensa com relação aos registros, o que dificulta o reconhecimento tanto do fenômeno, quanto dos serviços prestados. Esta questão se apresentou como um limite ao estudo aqui realizado, sendo inte- ressante notar que, no discurso, os profissionais reconheceram a importância dos registros, porém durante a pesquisa documental nos deparamos com um descom- passo entre informações contidas nos formulários e entrevistas realizadas.

Com base nessa experiência, vale refletir que enquanto o fenômeno continua “invisível”, a quantidade de crianças e adolescentes que não recebem nenhum tipo de atendimento se mantém. Portanto, se faz urgente a criação de estratégias para alcançar tais vítimas. É preciso investir no mapeamento de dados que possam dar base a novas estratégias de prevenção e enfrentamento. Para que a notificação contribua com planejamento e proposições de ações que visem intervir de fato na realidade apresentada, é necessário investir em sistemas de notificação qualifica- dos e capacitação para consolidar tal prática.

Através da pesquisa nos CREAS foi possível notar que os dados sistematizados por tipo de violência são incipientes, havendo ainda um descompasso entre as in- formações obtidas através de entrevistas com profissionais e dados registrados nos instrumentos de notificação dos atendimentos realizados por tipo de violência (CIT) nos CREAS. Observou-se também que os profissionais nem sempre com-

preendem a importância desses instrumentos como base para o planejamento e consequente elaboração de estratégias eficientes de intervenção. Muitos profis- sionais demonstram entender tais instrumentos como uma demanda estritamen- te burocrática, definida de modo vertical pelos gestores, representando acrésci- mo de trabalho. No universo de 62 (sessenta e dois) profissionais, pelo menos um terço deles argumentou que a finalidade de seus registros é enviar para o nível central, para outras instituições, ou não souberam responder.

Sabe-se que o atendimento a casos de violência sexual é idealizado para ser executado através de uma rede de serviços e políticas intersetorias (saúde, edu- cação, assistência, trabalho, cultura, lazer, profissionalização) e por ONGs que atuem na área. Tal intervenção prevê não só o acesso às políticas sociais, como o cumprimento de determinações de defesa de direitos e de responsabilização. Contudo, em relação à ESCCA parece haver uma lacuna acerca das estratégias de atendimento e intervenção. O fluxo de atendimento foi pouco acionado e, quando acionado, se restringiu a uma entrevista ou a uma participação em gru- pos. Não houve monitoramento com as vítimas e famílias, nem foram realizados encaminhamentos significativos.

Cabe destacar que, em virtude da complexidade do fenômeno, seu enfrenta- mento requer a engajamento de diversos setores e políticas. Sendo assim, as po- líticas de educação, cultura, esporte/lazer são de suma importância na mudança das condições de vida dos adolescentes, embora não tenham sido identificadas como ações significativas no fluxo de encaminhamentos, o que demonstra a falta de informação do papel de cada instituição no enfrentamento da violência sexual.

Dentre as políticas mencionadas, destacam-se a profissionalização e a geração de renda, o que traduz uma tendência da política de assistência a tratar a questão da violência pela ótica moralizadora do trabalho. A política de assistência social foi destacada como fundamental devido à possibilidade de redução das vulnerabilida- des e, consequentemente, na redução das possibilidades de envolvimento com o fenômeno ou no fortalecimento para romper com a violência.

Outra política de extrema importância diz respeito à segurança pública, que é fortemente necessária no enfrentamento ao fenômeno. Porém, assim como as demais políticas, não pode ser compreendida como condição suficiente.

A problemática da ESCCA demanda ações articuladas em torno da prevenção, da repressão e da intervenção. Sendo assim, se faz urgente um trabalho integrado entre diversas instituições e que todas as políticas intersetoriais estejam compro- metidas com tal questão.

A condição difusa do fenômeno da exploração sexual de crianças e adolescen- tes, ou seja, o reconhecimento genérico de sua existência, combinada com sua não localização ou, em muitos casos, em sua ocultação, justificam a importância de manter este tema entre os de máxima prioridade na agenda da defesa dos di- reitos de crianças e adolescentes no Brasil.

Finalmente, cabe considerar que este estudo se situa na transição entre um tempo de anonimato e descaso em relação a certos segmentos infanto-

-juvenis para outro tempo – já em curso – de consolidação da cidadania e da valorização destes segmentos. Que nos tempos que chegam, o debate sobre o enfrentamento à violência sexual ceda lugar a outros que reforcem o em- poderamento e a participação crescente destes segmentos na cena pública. Não pelo ocultamento ou invisibilidade, mas pela inexpressividade ou não ocorrência desta forma de violência.

Referências

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Notas

1 Assistente Social. Professora da Escola de Serviço Social da UFRJ. E-mail: joanag@hotmail.com
2 Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela Escola de Serviço Social da UFRJ. E- -mail: daianess.ufrj@hotmail.com
3 Com o objetivo de preservar os profissionais implicados na pesquisa, os CREAS não serão identificados. Vale ressaltar que a pesquisa foi autorizada pelo setor de supervisão de pesquisa da Prefeitura do Rio de Janeiro, bem como pelos entrevistados diretos. Os resultados da pes- quisa foram divulgados em seminários parciais e final com os equipamentos pesquisados, antes da publicação deste artigo.
4 Relatório Disque Direitos Humanos - Módulo Criança e Adolescente. Secretaria de Direi- tos Humanos da Presidência da República, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, 2011.
5 Resolução da Comissão Intergestores Tripartite (Secretaria Nacional de Assistência Social) que institui parâmetros nacionais para o registro das informações relativas aos serviços ofertados nos Centros de Referência da Assistência Social - CRAS e Centros de Referência Especializados da Assistência Social – CREAS. Artigo recebido em dezembro de 2015 e aprovado para publicação em fevereiro de 2016.


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