Resumo: O objetivo do artigo é analisar a mudança no processo de produção de políticas públicas no período contemporâneo. Para tanto, nosso problema de pesquisa é o papel das ideias, do conhecimento técnico e dos valores, e sua materialidade discur- siva nos momentos de crise? A hipótese que perseguimos é que em momentos de crise as ideias, valores e argumentos que penalizam os perdedores adquirem grande audiência e hegemonizam o sistema político, em países sem instituições democrá- ticas consolidadas. A metodologia é hipotética dedutiva, cujos dados são tomados emprestados de fontes secundárias.
Palavras-chave:Políticas públicasPolíticas públicas,ideiasideias,conhecimento e valoresconhecimento e valores,instituiçõesinstituições.
Artigos
Crise, políticas públicas e agenda ambiental
Crise, políticas públicas e agenda ambiental
Hemerson Luiz Pase. Márcio Barcelos. Everton Santos.
Ana Paula Dupuy Patella.
Resumo
O objetivo do artigo é analisar a mudança no processo de produção de políticas públicas no período contemporâneo. Para tanto, nosso problema de pesquisa é o papel das ideias, do conhecimento técnico e dos valores, e sua materialidade discur- siva nos momentos de crise? A hipótese que perseguimos é que em momentos de crise as ideias, valores e argumentos que penalizam os perdedores adquirem grande audiência e hegemonizam o sistema político, em países sem instituições democrá- ticas consolidadas. A metodologia é hipotética dedutiva, cujos dados são tomados emprestados de fontes secundárias.
Palavras-chave
Políticas públicas; ideias, conhecimento e valores; instituições; Brasil.
Crisis, public policies and environmental agenda Abstract
The objective of this article is to analyze the change in the process of producing pu-
blic policies in the contemporary period. For this, our research problem is the weight or role of ideas, technical knowledge and values, and their discursive materiality in times of crisis? The hypothesis we pursue is that in times of crisis, ideas, values and arguments that penalize losers a broad audience and hegemonize the political sys- tem, in countries without established democratic institutions. The methodology is hypothetical deductive, whose data are borrowed from secondary sources.
Keywords
Public policy; Ideas, knowledge and values; Institutions; Brazil.
Artigo recebido: outubro de 2017 Artigo aprovado: dezembro de 2017
Introdução
As teorias sintéticas e da virada argumentativa, que afirmam as ideias, valores e argumentos como variáveis determinantes para a formação das políticas públicas, qualificaram a interpretação do modus operandi do Estado sem, contudo, desprezar a influência dos grupos de pressão e interesse, bem como os check in balances do sistema político.
Depois de quase mais de uma década de desenvolvimento a partir do protagonismo do Estado na América Latina, se percebe um claro movimento de crise política e econômica que tem influenciado so- bremaneira a retomada de velhas narrativas em defesa da efetividade do mercado, inclusive para a prestação de serviços públicos. Isto é bastante evidente no Paraguai com a deposição de Fernando Lugo, na Argentina com a assunção de Macri e no Brasil com a deposição de Dilma e assunção de Temer.
Para além de todas as questões que se apresentam nessa conjuntu- ra, o problema de pesquisa que perseguimos é o papel das ideias, do conhecimento técnico e dos valores, e como tudo isso é materializado discursivamente nos momentos de crise? A hipótese que pretende- mos modular é que em momentos de crise, em países sem institui- ções democráticas consolidadas, as ideias, valores e argumentos que penalizam os perdedores (pobres, excluídos, negros, mulheres, gays, natureza) adquirem grande audiência e influenciam e até hegemoni- zam fortemente o sistema político. A metodologia que utilizamos é a comparativa considerando a mudança na agenda algumas das políti- cas sociais, no período contemporâneo, no Brasil.
Esta análise será feita com base nas teorias sintéticas e da virada argumentativa, que consideram o protagonismo das ideias, valores, conhecimento e argumentos na formação das políticas públicas.
A análise das políticas públicas
O conceito de política pública não é inequívoco, pois oscila de acordo com o enfoque teórico adotado e o contexto político e social ao qual
ele se aplica, usualmente é identificado com programas ou projetos que determinam ações específicas do Estado. De outro lado, a análise de po- líticas públicas, diz respeito a uma área acadêmica e cientifica com abor- dagem teórica e metodológica sobre a política pública. Mesmo marcado pela falta de institucionalização, fragmentação e incipiência, o campo de estudos das políticas públicas apresentou formidável expansão nas úl- timas décadas adquirindo progressivamente sua autonomia como dis- ciplina no interior da Ciência Política e, atualmente, dispõe de razoável acervo de conhecimentos que concebe aos estudos de política pública importante potencial no apoio a intervenções na realidade social.
Para compreender este objeto apresentamos duas definições bas- tante importantes. Thomas Dye (1984) define políticas públicas como aquilo “o que o governo escolhe fazer ou não”, implicando questio- namentos sobre o que o governo, em suas interações políticas com os atores da sociedade civil e do mercado, escolhe fazer ou deixar de fazer; por que o faz; como faz; que diferença suas escolhas fazem; e quem se beneficia com esse fazer. Harold Laswell (1936) afirma que decisões e análises sobre políticas públicas implicam responder a questões do tipo: quem ganha o quê; por quê; e que diferença isso faz? É importante notar que as distintas abordagens teóricas do campo de análise de políticas públicas evidenciadas anteriormente, guiam o olhar para o locus onde os embates em torno de interesses, preferên- cias e ideias se desenvolvem, isto é, os governos (SOUZA, 2006, p.25). Por esse mesmo viés, Romano (2009) afirma que as políticas pú- blicas se constituem no dispositivo de governo responsável pela im- portante relação do Estado com a sociedade e o mercado. Para o au- tor, as políticas públicas acabam por assumir uma função estratégica ao: definirem os parâmetros e as modalidades de interação entre o público e o privado; permitirem visualizar o nível de autonomia da ação pública e; ao definir quais os assuntos que alcançam o status de interesse público, ou seja, quais políticas que serão introduzidas na
agenda de ação do governo.
Os modelos explicativos das políticas públicas são inúmeros, bem como suas variações analíticas e, abordá-los em sua totalidade é tare- fa tortuosa. Aqui optamos por sintetizar somente alguns modelos em- penhados em elucidar os processos de definição da agenda das polí- ticas públicas, ou seja, modelos que procuram explicar porque alguns temas ou questões prosperam enquanto política pública e outros não. Pretendemos discutir o neoinstitucionalismo e as teorias que valoriza as ideias e o conhecimento.
Instituições
As instituições possuem importância crucial para a decisão, for- mulação e implementação de políticas públicas, particularmente em países com sistemas políticos pouco consolidados. Adquirem notável papel no momento em que são responsáveis pela manutenção de re- gras gerais e entendimentos que prevalecem sobre cada sociedade, exercendo influência decisiva em interpretações e no próprio agir das pessoas. Possuem ainda, duas virtudes principais: diminuem os custos de decisão ao dispensar grandes esforços para mapear as possibilida- des de ação e, de outro lado, estimulam e exigem previsibilidade do comportamento premiando ou sancionando as ações adequadas ou inadequadas. É fato que os atores políticos agem de acordo com seus próprios interesses, entretanto, as regras, deveres e direitos estimu- lados e garantidos pelas instituições formais do Estado, como o con- gresso, a presidência, o judiciário, as burocracias estatais, influenciam (MARCH e OLSEN, 2008; SKOCPOL, 1995).
Os atores políticos não agem somente de acordo com seus inte- resses pessoais a partir de um cálculo racional que objetiva maximizar resultados e minimizar custos, como afirma a teoria da Escolha Racio- nal, mas regrados por instituições que oferecem estabilidade ao pro- cesso. Não são somente os indivíduos ou grupos sociais que detém a força relevante na influência do rumo de certas políticas públicas, mas, igualmente, as regras formais e informais que regem as instituições
podem conduzir a certa direção e privilegiar determinados grupos, em detrimento de outros.
Ideias, valores e conhecimento
As teorias que consideram a prevalência das ideias, dos valores e do conhecimento na definição da agenda e produção de políticas pú- blicas partem de uma posição crítica em relação às abordagens plura- listas e incrementalistas e seus pressupostos de que a livre competi- ção entre grupos que agem movidos pelos seus interesses é a melhor forma de explicar os processos de decisões públicas. A forma como os diferentes atores (individuais ou coletivos) se envolvem, participam e buscam influenciar nos processos de decisão política é um aspecto central para entender a construção de políticas públicas. Entretanto, a trilha aberta por autores como Schattschneider (1960), Cobb e Elder (1983), dentre outros, apontaram caminhos que levaram a uma maior preocupação com o papel das ideias nos processos que dão vida às políticas públicas. Nesse sentido, é necessário levar em conta a forma como as pessoas constroem suas imagens e percepções sobre o mun- do, e como essas imagens e percepções dão formas e contornos a um conjunto de preferências políticas. Serão decorrentes dessas prefe- rências as ações, estratégias e escolhas que serão levadas a cabo nos processos de construção de políticas públicas.
As teorias sintéticas, bem como as abordagens pós-empiricistas, concebem as preferências dos atores como construídas socialmente. Da mesma forma, “problemas”, “questões de política pública” e as “al- ternativas” escolhidas pelos tomadores de decisão não estão dadas, são construídas na relação e nas trocas entre os atores. E essas trocas são mediadas por discursos, argumentos, construção de percepções e entendimentos em relação aos mais variados temas (CAPELA, 2010). Estas abordagens mantêm em comum uma posição crítica em re- lação à concepção de homo economicus. Nas abordagens sintéticas considera-se que os atores realizam cálculos de perdas e ganhos, e
agem estrategicamente. Entretanto, suas crenças e visões de mundo são anteriores a estas estratégias, e conformam suas escolhas e ações. Já nas abordagens pós-empiricistas há uma ênfase nos discursos, considerando-se assim que as ideias conformam a ação dos atores sociais. Isto nos leva a destacar a centralidade da noção de “argumen- to” para estas teorias.
Para as abordagens sintéticas, seja a Teoria dos Fluxos Múltiplos (KINGDON, 2011), o Modelo das Coalizões de Defesa (SABATIER, 2007), ou a Teoria do Equilíbrio Pontuado (BAUMGARTNER e JONES, 1991 e 2009), a agência está nos atores. Os atores agem com base em suas ideias e crenças, e a partir daí desenvolvem estratégias buscando influenciar nos processos de construção das políticas públicas. Já nas abordagens pós “virada argumentativa”, a agência está nos discursos. Ou, em última análise, nas ideias. As ideias precedem os atores. Nesse sentido, o discurso é constitutivo. Ele constrói os agentes, dá direção e enquadra as possibilidades de ação, de pensamento e visão de mundo dos atores sociais. E em última análise, está ligado diretamente à di- mensão do poder (STONE, 1997).
Encruzilhada da política ambiental
O debate teórico anterior ajuda a discutir três questões principais,
(i) demonstrar a complexidade do processo de produção de políti- cas públicas, particularmente no que tange a definição da agenda, (ii) demonstrar o protagonismo das instituições que compõe o Estado. neste processo e (iii) chamar a atenção para o papel das ideias, valores e conhecimento que quando configurados como pensamento único, torna-se a ideologia que hegemoniza a sociedade através da domina- ção simbólica e institucional.
Em relação à primeira questão resta pouco a ser dito, pois as nar- rativas das teorias aqui apresentadas a demonstram fortemente. Considerando a máxima econômica que as demandas são crescen- tes é inevitável considerar um mistério, ou uma caixa preta, a razão
pela qual algum tema, problema ou questão domine a agenda go- vernamental e produza políticas públicas. Se fizermos um pequeno esforço podemos imaginar que, dado que cada indivíduo ou cidadão possui desejos, interesses e preferências que quer ver realizadas; e o Estado é a instituição responsável por regular como será essa reali- zação, é evidente que numa democracia o gestor público é abarrota- do de demandas, dia após dia. Se isto é verdadeiro, qual o mecanis- mo, instrumento, teoria, ideia que o faz escolher, ou seja, tomar uma demanda e colocá-la na agenda?
Toda a produção sobre políticas públicas procura responder essa questão, particularmente, aquela que se debruça sobre a agenda setting. Todo o sistema político concorre para essa escolha e essa produção de política pública, todas as instituições em conjunto ou, às vezes individualmente e, até, contraditoriamente. As ideias e ideologias dos políticos e dos partidos, dos grupos de pressão e interesse e as ideologias.
A segunda questão também já foi bastante desenvolvida, senão vejamos: embora a enorme quantidade de instituições e complexi- dade nas relações que definem a agenda das políticas públicas, é o Estado, em geral, e os governos executivos, em particular, que tem a palavra final para produzir políticas públicas e implementá-las direta ou indiretamente. Isto implica que a concepção predominante tanto quanto os compromissos políticos e econômicos assumidos defini- rão os temas prioritários da agenda das políticas públicas, bem como o viés sob o qual serão tratados.
A terceira questão pode ser analisada mais diretamente a partir das políticas públicas de meio ambiente, cuja atribuição é do Ministério do Meio Ambiente e Secretarias Estaduais e Municipais, que agem di- retamente ou através de outras agências como IBAMA, Fundações e outros. Estas políticas públicas entram em confronto com decisões emanadas de outros órgãos congêneres, como é o caso do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, da Fazenda, cujas con-
cepções (ideias, conhecimentos técnicos ou acadêmicos e valores) podem ser (e na maioria das vezes são muito) distintos e contraditó- rios. Por exemplo, o mesmo Estado que regula e proíbe a exploração de areia nos rios é aquele que estimula a construção civil e as grandes obras, intensivas nesse “insumo”.
Esta situação tem produzido no Brasil paradoxos muito interes- santes, tais como um investimento em fontes “alternativas” (eólica, solar) de energia para diminuir o uso intensivo de combustíveis fós- seis, ao mesmo tempo em que se estimula a indústria automotiva e da linha branca a vender e produzir mais, aumentando o consumo, tudo sob o argumento da necessidade de crescimento econômico e garantia ou ampliação do emprego. Cada uma dessas agências de- senvolve suas ações através das instituições a sua disposição que, contudo, estão dominadas por determinadas ideias, conhecimentos e valores. Não obstante os valores e conhecimentos do Ministério do Meio Ambiente são bastante distintos daqueles do Ministério da Fazenda ou da Agricultura.
No caso brasileiro a utilização exclusiva da teoria neoinstitucio- nalista, como instrumental analítico, tem se mostrado bastante li- mitado, haja vista um conjunto de acontecimentos onde as institui- ções não conseguem garantir aquilo que prometem, e outros onde as instituições são rearrumadas e rearranjadas de forma a produzir a decisão desejada pelo polo dominante da elite política. Isto ocor- re em razão das ideias, conhecimentos e valores que embebem os atores que dominam o campo em disputa. Alguns exemplos do primeiro fenômeno são a descoberta de uma floresta de araucária depois da concessão da licença de operação na Usina Hidrelétrica de Barra Grande na divisa entre os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina; a mudança do eixo da Usina Hidrelétrica de Belo Monte em 9 km, sem licença ambiental; o rompimento da barragem de rejeitos de minério do Fundão da SAMARCO em Minas Gerais (PASE, ROCHA e LOCATELLI, 2014).
Considerações finais
Existe todo um conjunto normativo e institucional no executivo, legislativo e judiciário que, contudo, possui o seu equivalente para possibilitar a não responsabilização e não reparação para aqueles mais fortemente atingidos: as populações mais pobres e a natureza, aquilo que Jessé Souza chama de “perdedores” do capitalismo brasi- leiro. Ao que tudo indica esse processo está numa trajetória de apro- fundamento, ou seja, em momentos de crise política a “ideologia” que predomina é a que penaliza os perdedores, para restabelecer o crescimento econômico.
Esta parece ser a narrativa política brasileira atual, Estado fraco para regular a economia, fazer políticas sociais e preservar o meio ambiente e Estado forte para garantir alta lucratividade e concentração de renda e riqueza, segurança e ordem para segmentar os muitos excluídos. Ou seja, vivemos uma hegemonia da ideologia neoliberal, cuja dominação simbólica é irresistível, como diria Perry Anderson.