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Produção de legislação ambiental em dois contextos institucionais
Maria Dolores Lima da Silva
Maria Dolores Lima da Silva
Produção de legislação ambiental em dois contextos institucionais
O Social em Questão, vol. 21, núm. 40, pp. 57-78, 2018
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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Resumo: O artigo analisa a formação da agenda ambiental nos Legislativos do Brasil e da Ar- gentina, no período de 1990 a 2010. A abordagem observa a apropriação das de- mandas sociais por políticas ambientais, pelas lideranças político-partidárias, e o processamento das mesmas nas estruturas de representação do sistema político. Ao longo do período analisamos a representação de interesses na arena legislativa com foco sobre a produção de legislação ambiental. A maior ou menor defesa dessas políticas pelos poderes executivo e/ou legislativo é relacionada à configuração do sistema político de cada contexto social particular sob análise.

Palavras-chave:Legislação ambientalLegislação ambiental,instituições legislativasinstituições legislativas,BrasilBrasil,ArgentinaArgentina.

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Artigos

Produção de legislação ambiental em dois contextos institucionais

Maria Dolores Lima da Silva
Universidade Federal do Pará, Brasil
O Social em Questão, vol. 21, núm. 40, pp. 57-78, 2018
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Produção de legislação ambiental em dois contextos institucionais

Maria Dolores Lima da Silva1 Eugênia Rosa Cabral2

Resumo

O artigo analisa a formação da agenda ambiental nos Legislativos do Brasil e da Ar- gentina, no período de 1990 a 2010. A abordagem observa a apropriação das de- mandas sociais por políticas ambientais, pelas lideranças político-partidárias, e o processamento das mesmas nas estruturas de representação do sistema político. Ao longo do período analisamos a representação de interesses na arena legislativa com foco sobre a produção de legislação ambiental. A maior ou menor defesa dessas políticas pelos poderes executivo e/ou legislativo é relacionada à configuração do sistema político de cada contexto social particular sob análise.

Palavras-chave

Legislação ambiental; instituições legislativas; Brasil; Argentina.

Prodution of environmental legislation in in two institutional contexts Abstract

This article analyzes the formation of the environmental agenda intonational Legis-

latives of Brazil and Argentina of the 1990’s to 2010’s. The appropriation of social de- mands for environmental policies are processed in the structures of representation political system. The greater or lesser presence of policies carried forward over the period will be related to the political system configuration of each particular social context under analysis.

Keywords

Environmental legislation; Legislative institutions; Brazil; Argentina

Artigo recebido: outubro de 2017 Artigo aprovado: dezembro de 2017

Introdução

A década de 1990 marca a consolidação da temática ambiental como matéria de interesse permanente nas diversas instâncias ins- titucionalizadas dos Estados. Seja como objeto de políticas públicas dos governos ou de políticas regulatórias desenhadas pelos legisla- dores, a “questão ambiental” não se restringe mais a uma preocupa- ção da população abastada e educada dos países ricos (ALIER, 2011; MacCORMICK,1992; VOGEL, 1993).

Analisando resultados de pesquisas realizadas através do Global Environmental Survey (GOES), Ester et al. (2004) observam que, a despeito das variações observadas nas crenças e percepções sub- jacentes às preocupações ambientais dos cidadãos em diferentes países, o público demonstra sensibilidade à seriedade dos proble- mas ambientais colocando-os no topo de suas preocupações. Nes- se sentido, vale investigar como essas demandas são processadas, comparando dois contextos institucionais para melhor entendermos o envolvimento dos representantes políticos.

A esfera legislativa pode ser rica para análise, porque é onde se pro- cessam conflitos de preferências dos cidadãos acerca de prioridades e meios de atendê-las pelo sistema político. Observando a produção le- gislativa relativa ao meio ambiente podemos avaliar a atuação dos depu- tados em uma arena onde o consenso é obtido a partir do confronto de opiniões, é condicionado pala estrutura institucional na qual se processa o conflito e depende, em grande parte, do interesse e da condução ade- quada do problema pelas forças políticas existentes. Para entendermos a produção legislativa temos que considerar a lógica própria que motiva a atuação dos legisladores e reconhecer as características das questões substantivas que estão à espera de legislação. É necessário relacionar a natureza da questão ambiental com a lógica da ação legislativa, porque isso condiciona o envolvimento dos políticos em sua defesa.

Neste artigo analisamos a produção legislativa de políticas re- lativas ao meio ambiente, no período 1990 a 2010, na Câmara dos

Deputados no Brasil e da Argentina considerando os projetos de lei ordinária que tramitaram no período. Isto envolve certa dificuldade à medida que as propostas políticas dificilmente são direcionadas para uma única matéria, Leis voltadas para atividades industriais ou para a estruturação da vida urbana, por exemplo, podem ter forte impacto sobre o meio ambiente sem que sejam definidas es- tritamente como políticas ambientais. Por isso, o guia metodológico para a seleção dos dados foram os registros da palavra meio am- biente nas ementas dos projetos de lei, e, em segundo lugar, sele- cionamos apenas os projetos que tramitaram pelas comissões de meio ambiente das Câmaras de Deputados do Brasil e da Argentina. Trata-se de um volume representativo de propostas institucional- mente consideradas como próprias da jurisdição da comissão que analisa essa matéria.

A análise de dois contextos diferentes de produção legislativa pre- tende elucidar processos e estratégias na tramitação dos projetos que se transformaram em leis ambientais. Serão significativas as di- ferenças no processo de produção de leis no Brasil e na Argentina? Como as características institucionais de cada país se refletem na produção de leis ambientais desses dois países?

Iniciamos apresentando o contexto em que a temática meio am- biente se torna matéria que ascende às estruturas institucionais dos Estados, demandando regulação. Em seguida apresentamos as di- ferenças e similaridades entre os sistemas políticos do Brasil e da Argentina, com base na literatura institucionalista do campo dos estudos legislativos, que norteará a análise proposta. Na última se- ção mostramos como se manifestam os interesses dos deputados pela produção de leis ambientais nas estruturas institucionalizadas para representação dos interesses dos cidadãos. Por fim, tecemos algumas considerações finais a respeito da necessidade de outros estudos, que aprofundem a análise dos conflitos de interesses que norteiam a questão ambiental.

Estruturando as Relações com o Ambiente

No Brasil a Constituição promulgada em 1988 não poderia deixar de fora de suas linhas o meio ambiente em um momento de relevo mundial dessa questão. Em seu artigo 225 foram consolidadas linhas normativas de fundamentação da atuação de prevenção e recupera- ção do meio ambiente, colocando sob a responsabilidade do Esta- do e da sociedade o papel de zelar por um direito da coletividade. O conceito de meio ambiente foi definido através da Lei 7.804 de 1981, que criou a Política Nacional de Meio Ambiente e instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Com a Lei 7.347 de 1985 ob- teve consistência jurídica prática, pois a proteção dos direitos difusos ficou amparada pela instituição da ação civil pública. A Constituição de 1988 consolidou um processo de construção de legislação sobre o meio ambiente que nos países desenvolvidos adquiriu fisionomia própria ainda na década de 1970. Em seu artigo 225 determinou que:

Todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equili- brado, bem de uso comum do povo e essencial á qualidade de vida, impondo-se ao Poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CONSTITUIÇÂO, 1988).

Estipulou instrumentos previamente criados – a ação civil públi- ca e a ação popular – como mecanismos de proteção desse direito, além de imprimir condicionantes de natureza ambiental em diversos de seus demais institutos. A partir de então novas regulamentações foram feitas para racionalizar a Política Nacional do Meio Ambiente es- tabelecendo a responsabilidade do poder público federal em se arti- cular com os outros níveis de poder, nos estados e municípios, defini- tivamente articulando um sistema. A Constituição estabelece o status de valor fundamental para o meio ambiente, é o ápice de um processo

legal onde o que inicialmente era apenas natureza, teve seu conteúdo ampliado pelo conceito de meio ambiente. Reflete um movimento que não é específico do Brasil, pois nas décadas de 1970 e 1980 os países desenvolvidos construíram instituições e normas jurídicas consonan- tes com as preocupações ambientais expressadas na Conferência de Estocolmo de 1972 (BURSZTYN, 1993). Podemos afirmar, então, que apesar de em termos jurídicos a legislação ambiental brasileira ter se- guido caminho aproximado desses países, em termos práticos, no en- tanto, é só com o impacto da pressão internacional dos últimos anos da década de 1980, marcadamente do ano de 1987 em diante, que práticas de controle ambiental eficazes foram instituídas.

Uma forma de não simplificar a percepção de que a questão am- biental é interesse de todos será discutindo sua inserção no sistema político. A ascensão dessa preocupação a nível global se refletiu, no Brasil, nas esferas do poder executivo e legislativo nos últimos anos da década de 1980. A partir desse período, a necessidade de proteção ambiental deve ser olhada também no exercício cotidiano de repre- sentação dos cidadãos pelos deputados brasileiros.

Na Argentina a incorporação paulatina do meio ambiente ao corpo legal passou por três etapas. A primeira coincide com a elaboração de códigos civis, penais e comerciais modernos, que sem pretensão de produzir uma regulação ambiental se constituíram em normas com consequências sobre o meio ambiente, vinculadas à tutela de inte- resses pessoais e patrimoniais afetados por atividades com incidência negativa sobre seu entorno.

A segunda etapa inicia nos primeiros anos do século XX quando uma legislação setorial com relevância ambiental começa a ser produ- zida para proteger e tutelar componentes individuais do meio ambien- te, bem como os efeitos ambientalmente negativos de certas ativida- des humanas. Diversas normas foram sancionadas como os códigos de água, código rural, normas florestais, de caça e de pesca. Seriam normas conservacionistas pautadas pela perspectiva de uso racional

dos recursos naturais. Caracterizam uma etapa de transição para uma normativa ambiental em que a relação entre homem e meio ambiente muda de conotação, indo em direção a uma perspectiva de interação. Não há ainda uma visão transversal do ambiente.

O início da terceira etapa coincide com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio ambiente, realizada em Estocolmo em 1972. A partir de então normativas ambientais específicas são criadas pautadas em uma perspectiva do meio ambiente como um sistema. Nessa pers- pectiva integradora, o desenvolvimento tem ser ambientalmente sus- tentável. Então, incorporaram à legislação vigente diversas inovações para regular os impactos advindos da ação humana como as leis de proteção à atmosfera, às águas e à saúde humana.

É neste contexto recente que a esfera legislativa vai ser enfocada, a fim de compararmos as prioridades e a participação dos representan- tes dos cidadãos em termos de produção legislativa. Na última década do século XX, as preocupações ambientais já se encontravam globa- lizadas e os diferentes países traçam suas estratégias para alcançar a sustentabilidade ambiental. Na Argentina a Constitución de la Nación Argentina, de 1994, estabelece em seu artigo 41° que:

Todos os habitantes gozam do direito a um ambiente sadio, equilibrado, apto para o desenvolvimento humano e para que as atividades produtivas satisfaçam as necessidades presentes sem comprometer as das gerações futuras, tendo o dever de preser- vá-lo. O dano ambiental gerará, prioritariamente, a obrigação de reparação, segundo estabelecer a lei.

No entanto, cada contexto institucional tem determinações especí- ficas sobre a ação dos legisladores que se posicionam condicionados, tanto pelas demandas sociais do contexto que estão inseridos, quanto pelas possibilidades de atuação que o sistema político oferece.

O sistema político do Brasil e da Argentina em perspectiva comparada

A continuidade democrática, desde a última década do século XX nos regimes democráticos instaurados na América Latina, permite ob- servar semelhanças e diferenças evidenciadas pelos estudos compa- rados, os quais enfatizam o impacto das regras sobre as escolhas políti- cas. As repúblicas federativas presidencialistas do Brasil e da Argentina têm sistema de representação bicameral, com voto proporcional onde os presidentes são eleitos por eleição direta para um mandato de qua- tro anos. Ambos têm poderes constitucionais importantes, como os de veto total e parcial, bem como poder de decreto em algumas áreas específicas. Na Argentina a legislatura constitui-se de 257 deputados e 72 senadores; e no Brasil são 513 deputados e 81 senadores. O sistema de votação, no entanto, é diferente, sendo de lista aberta no Brasil e de lista fechada na Argentina.

Na Argentina os partidos são relativamente disciplinados tendo como principais partidos: o Partido Justicialista (PJ), a União Cívica Radical (UCR) e a Frente do País Solidário (Frepaso), mas há também um gran- de número de partidos provinciais. O sistema de votação em lista na Argentina, aliado às perspectivas de carreira política, leva a um sistema partidário relativamente disciplinado (JONES, 2001; DINIZ, 2005).

Já o sistema partidário de lista aberta no Brasil leva a uma forte competição intra lista partidária, o que alimenta o personalismo e, também, o debate sobre o comportamento dos partidos na Câma- ra dos Deputados. Os estudos empíricos realizados mostram que, a despeito do personalismo existente na competição eleitoral, dentro do legislativo os partidos apresentam grau de disciplina suficiente para garantir a governabilidade (FIGUEIREDO, 1999; NICOLAU, 2000; AMORIM NETO & SANTOS, 2001).

Os legislativos de tipo bicameral baseiam suas atividades em um sistema de comissões, composto de acordo com a proporcionalidade de cadeiras obtidas pelos partidos. No Brasil poderes especiais confe-

ridos ao Executivo, como o pedido de urgência para suas propostas e a emissão de medidas provisórias, que se sustentam no presidencia- lismo de coalizão, centralizam as decisões legislativas e conferem forte poder de agenda ao Executivo na aprovação de propostas legislativas. Isso impacta nas atividades de análise das comissões que são atropela- das pelos prazos especiais de tramitação e pelas decisões controladas pelos líderes partidários que majoritariamente apoiam as demandas do governo. Mas, isso não elimina a importância das comissões de mérito que, ordinariamente desenvolvem importantes atividades no sentido de aperfeiçoar as propostas de legislação. Na Argentina, apesar das seme- lhanças em várias dimensões do modelo político institucionalizado, o processo decisório é descentralizado e a agenda legislativa não é forte- mente controlada pelo executivo, apresentando-se um equilíbrio entre a produção legislativa do Executivo e do Legislativo (DINIZ, 2005).

A rotina ordinária dos trabalhos legislativos, nos dois países, inicia-

-se com o encaminhamento das propostas de legislação às comissões para serem analisadas no mérito. Devido às propostas, na maioria das vezes, se relacionarem a vários assuntos cada proposta geralmen- te é encaminhada a várias comissões. A matéria meio ambiente, por exemplo, frequentemente é analisada por várias comissões. Um pa- recer é emitido pela comissão – na Argentina, chamado de dictámen

– que, se for de aprovação, encaminha a proposta para ser votada em plenário. No Brasil o parecer é elaborado por um relator escolhido pelo presidente da comissão, enquanto na Argentina é o próprio pre- sidente da comissão, com o apoio dos demais membros, que elabora o dictámen. Quando há divergência a respeito da matéria é elaborado, também, um dictámen da minoria representada na comissão. Discor- dâncias pontuais na proposta analisada são expressas como dissidên- cias, o que nas leis brasileiras são expressas com pedidos de destaque durante a votação em plenário.

A literatura sobre processo legislativo no Brasil destaca que o Exe- cutivo propõe mais legislações de tipo econômico e administrativo,

enquanto que o Legislativo propõe mais em matérias de tipo social. Isso ocorre também na Argentina, como mostra Diniz (2005). Deve-

-se considerar também, a importância das comissões como locus de representação de interesses e de produção de políticas públicas, onde os legisladores produzem informação sobre as propostas e adéqua o texto da proposta conforme a percepção que tem sobre o conteúdo da política (RICCI, 2003; RICCI & LEMOS, 2004; SANTOS & ALMEIDA, 2005; PRAÇA & NORONHA, 2012). Essas alterações, no decorrer da tramitação vão ser reafirmadas ou negadas pelos demais membros da Casa, tanto no plenário quanto na Casa revisora (Sena- do). As diversas instâncias institucionais do Legislativo podem atuar tanto como instâncias de veto, quanto como canais de aperfeiçoa- mento da legislação produzida (TSEBELIS,1995; EPSTEIN & O’HALLO- RAN, 1999; HAGGARD & McCUBBINS, 2001).

A aprovação das leis é função dos arranjos feitos através de estra- tégias como modificações no texto, uso de regras de tramitação que facilitem decisão rápida e, inclusive, distribuição de benefícios locali- zados em matéria de interesse difuso. Conforme a complexidade da questão substantiva tratada pelos projetos de leis, a tramitação dos projetos terá maior ou menor nível de conflito e envolverá maior ou menor número de ferramentas políticas para torná-lo viável (ARNOLD, 1990; KREHBIEL, 1991).

A produção legislativa de leis ambientais no Brasil e na Argentina

No Brasil a prática institucional de produção legal desprivilegia o processo ordinário dando maior poder de aprovação de legislação ao Executivo. Isso não significa, porém, que os deputados não tenham papel fundamental nos resultados da produção legislativa, propondo e aprovando legislação em benefício dos cidadãos. A atuação dos deputados na defesa de seus interesses políticos se dá condicionada pelas regras que regem a organização dos trabalhos legislativos. É a partir das exigências institucionais para a tramitação de um projeto

que os legisladores poderão construir estratégias que levem à sua aprovação ou rejeição.

Analisando a distribuição dos projetos de leis ambientais apresenta- dos na Câmara dos Deputados do Brasil, de 1990 a 1998, percebemos que a saliência da temática ambiental refletiu-se no comportamento dos parlamentares que foram impelidos a tomar posição a respeito da mesma. O ano de 1991 destaca-se em número de propostas de legis- lação apresentadas no contexto da realização da Conferência das Na- ções Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CONUMAD).

Q1 - Proposições que tramitaram na CD do Brasil (1990-1999)

Fonte: www.camara.gov.br

Q2 - Proposições que tramitaram na CD do Brasil (2000-2010)

Fonte: www.senado.gov.br

Os quadros acima mostram que na última década do século pas- sado houve uma atividade mais intensa que a primeira década do sé- culo XXI no sentido de propor legislação. Nos anos eleitorais (1990, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010) os deputados se interessam menos por produção legal, devido estarem ocupados com campanhas políticas, sendo menos intensas suas atividades legislativas. O ano de 1994 des- taca-se com um número muito pequeno, o que talvez se deva, tam- bém, ao fato de ser posterior ao intenso movimento que antecedeu a CONUMAD (ECO-92) quando cresceu o interesse pela temática am- biental, muitas vezes usada como mecanismo simbólico de tomada de posição (MAYHEW, 1974).

No contexto do final da década de 1980 temos o início da institu- cionalidade democrática que coincide com a globalização da preocu- pação ambiental. Até 1992 foi crescente a apresentação de projetos de lei (PLs), com a instalação da rotina democrática em 1988. A partir de 1993 até o ano de 1998 o fluxo de PLs sofre uma diminuição, mas mantém-se a demanda em forma de projetos apresentados na Casa.

Os PLs que se transformam em lei sugerem que as questões trata- das não são substantivamente conflitantes, muitos foram aprovados através de votação simbólica ou por poder conclusivo da comissão, quando o projeto de lei não precisa ir a plenário. Entretanto, alguns projetos passaram por duas ou três legislaturas, sugerindo resistên- cia dos deputados à ausência de resposta institucional. Os pedidos de tramitação urgente aparecem como um forte recurso na agilização dos trabalhos legislativos e, eram assinados pelos líderes dos partidos da situação e da oposição.

Regras que dão primazia de fato aos projetos do executivo explicam as dificuldades em concluir a análise dos projetos de leis ambientais no tempo compreendido por apenas uma legislatura. Votações sim- bólicas e unanimidade podem nos levar a crer que as dificuldades são fundamentalmente institucionais e que, a matéria ‘meio ambiente’ im- plica em consenso entre os deputados. No entanto, tomando a vota- ção nominal como indicador de conflito, identificamos que as discor- dâncias estão em pontos específicos da legislação que foram votados como destaque para votação em separado.

O quadro abaixo mostra que o contexto analisado é de constru- ção de um arcabouço legal diversificado pelo legislativo brasileiro. Os projetos propostos pelos deputados geralmente tem tramitação mais lenta que as propostas do Executivo, que dispõe de maioria de apoio a suas demandas e utiliza o pedido de urgência com frequência. No entanto, a produção legislativa deve, também, ser avaliada no contex- to de saliência dessa temática no início da década de 1990, quando se consolidou o ambientalismo no Brasil (ALONSO et al., 2007).

Quadro 3 – Leis que tramitaram na Câmara dos Deputados do Brasil

Fonte: www.camara.gov.br

Algumas questões importantes, mas não consideradas urgentes, tramitam normalmente nas comissões, mas necessitam de interfe-

rência dos lideres partidários para que finalize a votação. E o caso da Lei 9.433 de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídri- cos, proposta pelo Poder Executivo. O PL 2249/1991 foi apresentado à Mesa da Câmara no final de 1991 com 23 artigos, mas sofreu alte- rações durante a tramitação nas comissões. Foi encaminhado a duas comissões de mérito: Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Am- biente e Minorias (CDCMAM) e a Comissão de Minas e Energia (CME) que, junto às comissões de admissibilidade, tinham poder conclusi- vo. Durante a votação em plenário, alguns deputados da oposição tentaram rejeitar a versão da CME e fazer valer o texto apresentado pela CDCMAM. Contudo, os dispositivos destacados para votação em separado foram todos rejeitados.

Propostas de leis ambientais aparentemente simples, ao serem analisadas em seu conteúdo expressam conflitos de interesses ine- rentes às mesmas. Como exemplo, a Lei 9.497/1997 que estabelece limites ao Parque Nacional dos Guararapes (PE). Proposta em 1991, o PL 1069/1991 teve o intuito de resolver os problemas fundiários criados pela ocupação desordenada do Parque Histórico Nacional dos Gua- rarapes que criado em 1975, ao longo do tempo veio sendo ocupado irregularmente. Conciso, o projeto original propunha diminuir a área do Parque para excluir as áreas que já tinham ocupação humana no momento de sua implantação e, onde houvesse ocupação nas áreas históricas, propunha a remoção dessa população. Foi aprovado por unanimidade na CDCMAM, que tinha Poder Conclusivo, mas findou a legislatura sem a aprovação da CCRJ. Desarquivado na legislatura se- guinte, foi analisado e aprovado na CCJR e, encaminhado ao Senado, tramitou rapidamente e foi sancionado em 1997.

A Lei de crimes ambientais (Lei 9.605/1998) começou a tramitar em 1991 através do projeto 1164/1991 do Executivo. Em janeiro de 1995 o projeto estava aprovado na CDCMAM e CCJR, que tinham po- der conclusivo. No Senado foi aprovado um substitutivo, em 1997, com mudanças importantes, voltando à Câmara para tramitar em

segundo turno. Os líderes partidários apresentaram requerimento pedindo urgência, mas logo voltaram atrás. Em janeiro de 1998 – du- rante sessão extraordinária do Congresso – a urgência foi aprovada e os pareceres das comissões foram proferidos em plenário. A vo- tação, em segundo turno na Câmara, mobilizou os deputados que não aceitaram facilmente algumas mudanças decididas pelos líderes partidários, bem como posicionou os partidos no quadro situação versus oposição. Em votação bastante tumultuada a maioria da Casa conseguiu aprovar a Lei 9.605/1998.

Quase sempre as Leis aprovadas passam por duas ou três legisla- turas. Aquelas que são consideradas prioritárias arregimentam acordo entre os lideres partidários para entrarem em votação. Os casos de poder conclusivo, também, dependem do consenso dentro da comis- são para que a mesma seja aprovada com rapidez.

Na Argentina é possível afirmar que a produção legislativa foi con- siderável a partir das leis produzidas de 1990 a 1998, destacando-se o ano de 1996 que teve 8 Leis sancionados.

Q4. Leis ambientais sancionadas na Argentina (1990-1998)

Fonte: www.congreso.gov.ar

Comparando o número de Leis sancionadas pela Câmara no perí- odo 1990-1998 e o número de Leis de 1999-2010 na tabela abaixo ve- mos que a produção legislativa caiu na primeira década do século XXI.

Q5: PLs e Leis ambientais sancionadas na Argentina (1999-2010)

Fonte: www.congreso.gov.ar

Das 26 Leis aprovadas no período 1990-1998, seis foram propostas por diferentes siglas partidárias e três propostas pelo Poder Executivo. A maioria tramitou em quatro comissões diferentes e teve tramitação sem grande conflito. São propostas que deram origem a leis sobre criação de parques, sobre regulação de uso de aerossóis que destro- em a camada de ozônio, sobre datas comemorativas relacionadas à proteção ambiental entre outras. As comissões fizeram alterações na proposta originalmente apresentada e, aprovada na Câmara foram en- caminhadas para o senado que, em alguns casos também propôs alte- rações. Algumas Leis eram de alcance bem localizado, como aquelas direcionadas a áreas atingidas por vulcões. Outras se destacam por serem características da construção de um arcabouço legal contem- porâneo a globalização ambiental, tais como as Leis de proteção de espécies animais, de proteção das águas e de homenagem ou de ape- lo à consciência ambiental. A maioria das leis aprovadas tramitou nas

duas Casas em dois anos, com algumas exceções que foram aprova- das no mesmo ano ou que passaram dos três anos, geralmente nestes casos o projeto era apresentado no final do ano e só começava a tra- mitar no ano seguinte. No quadro abaixo mostramos o teor de algumas leis importantes aprovadas durante o período analisado.

Q6: Leis ambientais aprovadas na Argentina (1990-2010)

Fonte: www.congreso.gov.ar

Em 1995 uma proposta de lei que deu origem à Lei 25018/1998 que trata de resíduos radioativos, começou a tramitar em meados de 1996 e foi enviada ao Senado ainda neste ano; como foi alterada voltou a tramitar na Câmara em 1998 quando foi sancionada. Vemos que esse caso demandou maior envolvimento dos deputados, visto que foi aprovada por votação nominal na primeira fase de tramita- ção na Câmara dos Deputados e sofreu alteração nas duas casas. O tempo que levou para ser definitivamente sancionada também é

um indicativo da complexidade da questão. Outras duas propostas que igualmente enfrentaram votação nominal foram do ano de 1996, uma novamente sobre atividade nuclear (Lei 24804/1996) que teve dissidências da maioria e da minoria parlamentar, e outra proposta pelo Executivo (Lei 24.857/1997), que determinou estabilidade fiscal por 33 anos para atividades florestais e de preservação de bosques; esta foi aprovada com modificações nas duas Casas, mas a Câmara insistiu em sua primeira sanção por votação nominal. Em 1997 outra proposta do Executivo que previa incentivos financeiros para bos- ques cultivados (Lei 25080/1998), também passou por modificações na Câmara e teve duas dissidências.

As propostas transformadas em Lei do período 1999-2010 tive- ram tramitação bem mais simples. São leis protecionistas e de ges- tão de resíduos, gestão de águas, de proibição de caça e de fabri- cação e importação de alguns tipos de pilhas, etc. Nesse período a Lei 26.331/2007, proposta em 2006, que trata de “pressupostos mí- nimos ambientais para a proteção dos bosques nativos”, demonstra um envolvimento mais intenso dos deputados. Vários representantes pediram a inclusão de seu nome em apoio à mesma, a requisição para que passasse, de forma direta, das comissões ao plenário para ser votada (consideração sobre tablas) foi primeiramente negada e depois aprovada. E, por fim, alguns artigos da lei tiveram que ser vo- tados por votação nominal, o que indica falta de consenso em tor- no de algumas determinações da Lei. Tal como acontece no Brasil, quando os deputados não entram em acordo recorre-se à votação é nominal, onde se identifica como cada parlamentar votou.

Em duas décadas de produção legislativa temos 39 Leis de juris- dição da comissão de meio ambiente, cuja tramitação em sua maior parte foi célere. Deve-se ressaltar, no entanto, que de 1999 em diante um menor número de leis foram aprovadas e o conteúdo das mesmas, também foi interpretado pelos deputados como menos polêmico. O que nos leva a questionar se isso decorreria de um consenso entre os

deputados a respeito da importância das questões propostas para a área ambiental, ou se questões mais complexas com impacto ambien- tal não tramitam pela comissão de meio ambiente. Várias temáticas se cruzam com a matéria ambiental, tais como questões agrícolas, indus- triais, comerciais e enérgéticos, por exemplo, que não foram tratadas nesta análise porque definimos como caminho metodológico a sele- ção de matérias que tramitaram nas comissões de meio ambiente.

Considerações Finais

A importância das questões de natureza ambiental generalizou-se no mundo desenvolvido e nos países em desenvolvimento. No Bra- sil a globalização da questão ambiental se refletiu na arena legislati- va através de expressiva apresentação de projetos de lei na Câmara dos Deputados, a maioria de iniciativa dos próprios deputados (SILVA, 1999). Há grande utilização da temática ambiental como mera tomada de posição pelos deputados e/ou como pedido de crédito aos manda- tos legislativos. Mas se antes a proteção do meio ambiente parecia es- treitamente ligada à preservação da natureza, da década de 1990 em diante é possível observar a criação de leis sobre crimes ambientais, sobre poluição atmosférica, sobre uso de produtos nocivos à saúde, sobre educação ambiental etc., demonstrando o escopo mais amplo relacionado à proteção do meio ambiente.

A maioria das Leis criadas no final da década de 1980 tramitou em regime de urgência, refletindo no Legislativo a importância atribuída a essa questão a partir desse período. A análise privilegiou os aspectos institucionais na explicação dos resultados legislativos, concluindo que regras como o regime de urgência, que dão primazia de fato aos pro- jetos do executivo, explicam as dificuldades em concluir a análise dos projetos de leis ambientais de forma mais célere. Contudo, restrita ao percurso institucional, a análise só possibilita perceber a relevância da questão ambiental no exercício da representação, não sendo possível visualizar em profundidade os conflitos de interesses entre os deputa-

dos durante a avaliação de um projeto de lei. Os PLs que são trans- formados em leis aparentam tratar de questões consensuais que ultra- passam as instâncias institucionais de veto, não evidenciando interesses substantivamente conflitantes. Esses conflitos só são percebidos com a análise detalhada da produção de regulação (SILVA, 2007).

Na Argentina também observamos um intenso envolvimento dos deputados com a produção de leis ambientais a partir da década de 1990. Além da criação de áreas protegidas, como parques, e de pro- teção de espécies, vemos leis mais abrangentes do ponto de vista da sustentabilidade, como a Lei geral do ambiente (Lei 25675/2002) e a Lei de informação ambiental na administração pública (Lei 25831/2003). A matéria meio ambiente é, fundamentalmente, um assunto da agenda dos deputados, tal como no Brasil, mas o Executivo também propôs legislação importante, como a Lei de incentivo financeiro para bos- ques cultivados (Lei 25080/1998). O tempo que desde o início da tra- mitação até a sanção definitiva da Lei é bem mais curto do que no Brasil, a maioria dentro do período de dois anos.

Vale destacar que, tanto no Brasil quanto na Argentina os deputados participam alterando as propostas originais de legislação ambiental e aprovam, geralmente, por votação unânime. No entanto, isso não sig- nifica que não existam conflitos de interesses ou diferenças de pontos de vista a respeito da matéria. Esses conflitos são observados em ca- sos que aparecem dissidências no momento da votação, destaques de pontos específicos para votação em separado e votação nominal, tanto no Brasil quanto na Argentina, o que expõe o posicionamento individual dos legisladores e também partidário a respeito do assunto tratado.

Material suplementar
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Notas
Notas
1 Doutora em Ciência política, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará - Brasil, ORCID 0000-0002- 0067-5038. Nº ORCID: E-mail: mdls@ufpa.br
2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará- Brasil, ORCID 0000-0002=7601-1465. Nº ORCID: E-mail: erca- bral@ufpa.br
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