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Unidades de Conservação: Reflexões sobre a falácia do desenvolvimento sustentável
Michelle Tinoco Xavier
Michelle Tinoco Xavier
Unidades de Conservação: Reflexões sobre a falácia do desenvolvimento sustentável
O Social em Questão, vol. 21, núm. 40, pp. 161-184, 2018
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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Resumo: O ensaio tem por objetivo tematizar sobre a implementação das Unidades de Con- servação (UCs) previstas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), questionando a centralidade do conceito de desenvolvimento sustentável nas ações voltadas para o meio ambiente. A reflexão posta considera que o aposto “sustentável” não passa de uma “maquiagem verde” para os mesmos anseios desenvolvimentistas, o que se reflete numa gestão autoritária das áreas de conservação, reforçando injustiças ambientais contra as comunidades tradicionais.

Palavras-chave:Desenvolvimento sustentávelDesenvolvimento sustentável,Unidades de conservaçãoUnidades de conservação,Conflitos socioambientaisConflitos socioambientais,Comunidades tradicionaisComunidades tradicionais.

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Unidades de Conservação: Reflexões sobre a falácia do desenvolvimento sustentável

Michelle Tinoco Xavier
Universidade Federal Fluminense, Brasil
O Social em Questão, vol. 21, núm. 40, pp. 161-184, 2018
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Unidades de Conservação: Reflexões sobre a falácia do desenvolvimento sustentável

Michelle Tinoco Xavier.

Resumo

O ensaio tem por objetivo tematizar sobre a implementação das Unidades de Con- servação (UCs) previstas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), questionando a centralidade do conceito de desenvolvimento sustentável nas ações voltadas para o meio ambiente. A reflexão posta considera que o aposto “sustentável” não passa de uma “maquiagem verde” para os mesmos anseios desenvolvimentistas, o que se reflete numa gestão autoritária das áreas de conservação, reforçando injustiças ambientais contra as comunidades tradicionais.

Palavras-chave

Desenvolvimento sustentável; Unidades de conservação; Conflitos socioambientais;

Comunidades tradicionais.

Conservation units: Reflections on the fallacy of sustainable development Abstract

The objective of this essay is to analyze the implementation of Conservation Units (UCs) foreseen by the National System of Nature Conservation Units (SNUC), ques- tioning the centrality of the concept of sustainable development in actions directed to the environment. The posed reflection considers that the "sustainable" bet is only a "green makeup" for the same developmental desires, which is reflected in an au- thoritarian management of conservation areas, reinforcing environmental injustices against traditional communities.

Keywords

Sustainable development; Conservation units; Socio-environmental conflicts; Tradi- tional communities

Artigo recebido: outubro de 2017 Artigo aprovado: dezembro de 2017

Introdução

O texto em questão tem como objetivo problematizar a imple- mentação das Unidades de Conservação (UCs), previstas pelo Sis- tema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) (Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000), refletindo sobre a relação entre Estado e moradores no processo de elaboração dessas áre- as. O foco da discussão considera que a centralidade do conceito de desenvolvimento sustentável, no arcabouço legal voltado para o meio ambiente, é somente uma “maquiagem verde” para tornar mais palatável os já conhecidos anseios predatórios desenvolvi- mentistas. Dessa forma, é possível identificar que a gestão dessas áreas é direcionada pelos valores do mundo moderno que evo- cam a dicotomia natureza/ser humano, a noção de progresso social como domínio do primeiro pelo último, o uso instrumental da ci- ência e sua hierarquia sobre os outros conhecimentos, e por fim, o culto ao estado-nação e ao direito positivado.

A questão ambiental é aqui entendida como questão socioambien- tal, por ser atravessada por projetos societários distintos em relação ao uso e significado do espaço rural ou urbano, não dissociando meio ambiente e uma sociedade marcada por relações desiguais de poder político, material e simbólico sobre os recursos naturais (ACSELRAD, 2002). Assim, é possível identificar que o caráter hierárquico da es- fera pública brasileira faz com que a implementação dessas “áreas de proteção” se desdobrem em mecanismo de controle, criminalização e remoção das chamadas comunidades tradicionais..

Para elucidar o debate, são analisadas as correntes de pensamento preservacionista e conservacionista que influenciam a conformação dos dois tipos existente de UCs – as de proteção integral e as de uso sustentável – demonstrando que a aplicação do modelo na realidade brasileira, por si só, gera injustiças ambientais e conflitos territoriais.

A interpretação desses conflitos deve, necessariamente, passar por uma contextualização da formação social brasileira, compreendendo

suas particularidades e como a incorporação da demanda do desen- volvimento pelo Estado reafirma a posição atual do país na geopolítica mundial, assim como orienta as legislações ambientais.

O tema é relevante na medida em que traz novos enfoques para problemática da concentração fundiária, forte continuidade com o passado colonial predominante até os dias atuais. A partir dos anos 1980, marcado pela emergência de diversas reivindicações, a questão fundiária no Brasil incorpora dimensões socioculturais no que se re- fere à demarcação e homologação de terras indígenas e quilombolas. Como indicado por Little (2002, p. 252):

[...] a questão fundiária no Brasil vai além do tema de redistri- buição de terras e se toma uma problemática centrada nos pro- cessos de ocupação e afirmação territorial, os quais remetem, dentro do marco legal do Estado, às políticas de ordenamento e reconhecimento territorial.

Assim, é fomentada a discussão que diferencia terra e território; em que terra diz respeito ao aspecto físico-espacial, parcela do ter- ritório “associada à categoria de meio (e lugar) de produção” (SAUER; ALMEIDA, 2011, p. 418). Território, por sua vez, remete a mediações mais complexas em que além da reivindicação comum por terra, reivindica-se o reconhecimento de identidades coletivas ligadas ao lugar e suas representações simbólicas para grupos específicos, in- cluindo outros recursos como águas e florestas. Como bem explica Milton Santos (1999, p. 7):

O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser enten- dido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o funda- mento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e

espirituais e do exercício da vida.

Dessa forma, tencionam-se as leis que regulam o direito à pro- priedade, somando a elas a demanda por autonomia e autogestão territorial. Essa discussão é vista ao tratar das UCs de uso sustentá- vel, onde é permitida a presença humana mediante preceitos jurídi- cos para regrar a relação ser humano/natureza naquela área. Almei- da (2008, p.41) elucida a discussão:

Os aparatos de Estado, ao lidarem com as comunidades tra- dicionais, pensam na terra, enquanto as comunidades estão pensando em território. As dimensões não coincidem e a ação fundiária, pensada tão-somente como regularização de imó- veis, pode causar danos irreparáveis aos povos tradicionais ao estabelecerem uma limitação para sua reprodução cultural.

Assim, entende-se que o conceito de desenvolvimento sustentá- vel como norteador do SNUC consagra um consenso impossível na medida em que: 1) A expansão da acumulação capitalista pressupõe a apropriação do espaço (HARVEY, 2005), imprimindo a ele relações sociais incompatíveis com formas de vida sustentáveis; 2) O concei- to de sustentabilidade é empregado de acordo com parâmetros das ciências biológicas e imposto como norte único a ser seguido pelas diversas comunidades tradicionais. Assim, determina-se de antemão que as comunidades locais específicas são incapazes de realizar o manejo dos recursos naturais.

Reclama-se aqui então outra lógica, que garanta a permanência das comunidades que historicamente habitam esses territórios, va- lorizando seus conhecimentos e sua autonomia sobre a gestão dos recursos naturais, assim como seu uso coletivo. Para isso, serão apontadas as dinâmicas econômicas, políticas e sociais conflitantes com a ideia de uma justiça ambiental, assim como algumas expres- sões legais que integram o SNUC e abrem brechas para violações de direitos no interior das Unidades de Conservação.

Desenvolvimento e conflitos socioambientais no Brasil

O processo de apropriação privada da terra foi possibilitado no Brasil ainda no período colonial pelas sesmarias, partindo-se da pre- missa de que as terras eram destinadas a um grupo de investidores capazes de estimular sua produtividade mercantil.. Prado Jr. (1981) aponta que a produção de gêneros de valor para o mercado inter- nacional configura o objetivo central da colonização brasileira. Logo, a produção é alheia às demandas da população, prezando pelos in- teresses da metrópole. O desenvolvimento da economia tem como pilares a monocultura, mão de obra escrava – substituída mais tarde pelo trabalho assalariado, assumindo características capitalistas de exploração – e concentração fundiária – estabelecendo a classe do- minante a partir desses latifúndios.

O controle de setores importantes da produção pelo capital ex- terno é um elemento de continuidade com a colonização a ser ex- plorado neste artigo. O Brasil, assim como o restante da América Latina, experimenta como modelo de desenvolvimento a privatiza- ção e mercantilização da natureza, através da produção e exporta- ção de commodities e do agronegócio. Ou seja, uma política eco- nômica baseada numa intensa exploração de territórios e recursos naturais a serem negociados como mercadorias no comércio inter- nacional. A drenagem de riquezas do Brasil para a China e Estados Unidos, atualmente seus maiores parceiros comerciais, demonstra o processo de reprimarização da economia do país, reforçando sua posição subalterna como imprescindível ao desenvolvimento do capitalismo central.

A ideologia desenvolvimentista, como aborda Castelo (2010), serviu às propostas políticas para o crescimento econômico dos países da periferia do capitalismo, tendo como objetivo criar bar- reiras à expansão do comunismo. Essa teoria, imposta aos países latinos, parte do discurso do subdesenvolvimento a ser superado, alcançando os padrões de desenvolvimento das economias cen-

trais. Para isso, são prescritas diretrizes dos organismos multilate- rais para a superação da etapa arcaica e primitiva que significa o subdesenvolvimento nesta perspectiva, desconsiderando as parti- cularidades da formação social de cada um dos países, como de- monstra Sampaio (2012, p.675):

Por diferentes caminhos, as formulações desenvolvimentistas partiam do suposto de que as estruturas que bloqueavam o desenvolvimento capitalista nacional eram produto de con- tingências históricas que poderiam ser superadas pela “vonta- de política” nacional. Não haveria nenhum obstáculo intrans- ponível que impedisse, inescapavelmente, a possibilidade de conciliar capitalismo, democracia e soberania nacional nas economias da periferia do sistema imperialista. [...] O desen- volvimento nacional supunha a subordinação da acumulação capitalista a uma “vontade” coletiva que integrasse o conjunto da população nos benefícios do progresso técnico. A importân- cia decisiva da intervenção transformadora do homem como único meio de romper o círculo vicioso do subdesenvolvimen- to vinculava, assim, o destino do “desenvolvimentismo” à pre- sença de sujeitos sociais dispostos a enfrentar o problema da integração nacional em todas as dimensões – econômica, so- cial, regional, política e cultural.

À luz das reflexões de Fernandes (2009), que refuta a ideologia do progresso linear eurocêntrico presente nas teses sobre o desenvolvi- mento, é possível compreender a impossibilidade de uma autocorre- ção gradual do capitalismo periférico para que se integre à dinâmica mundial em pé de igualde com o capitalismo central. O autor demons- tra que essa “debilidade” é tanto histórica como funcional ao modelo implementado, sendo institucionalizada e sinalizando a falta de uma relação dinâmica entre capitalismo e descolonização. As transforma- ções que conduzem a incorporação da economia das nações hege- mônicas no Brasil não rompem simultaneamente com o controle eco- nômico manipulado de fora, que tem raízes no antigo sistema colonial.

Assim, reproduz-se a forma de apropriação e expropriação do capita- lismo moderno, mas com um componente específico: o padrão dual de expropriação, tanto por setores dominantes nacionais quanto pelas economias capitalistas centrais.

A despeito dessas condições objetivas que atravessam a América Latina, o desenvolvimentismo é pautado na possibilidade de um “ca- pitalismo melhor”; a partir da ampliação das forças produtivas junto a mecanismos de redistribuição do produto atendendo aos propósitos das sociedades nacionais. Em outras palavras, admite-se que a ideia de crescimento econômico, como condição do desenvolvimento, é chave contra as desigualdades sociais. Porém, como demonstra Bo- nente (2016), o limite dessa perspectiva modernizante se encontra de- finido pelo próprio modo de produção capitalista:

Quando trata do desenvolvimento capitalista, portanto, Marx está tratando da ampliação da lógica contraditória do capital em suas múltiplas dimensões, tanto em sentido extensivo (i.e., para uma porção mais ampla do globo, submetendo uma quan- tidade maior de formações sociais e seres humanos) quanto em sentido intensivo (comandando momentos mais amplos da convivência social, como a atividade científica, artística, es- portiva, relações afetivas etc.). [...] desenvolver-se significa não apenas o “desenvolvimento da capacidade produtiva, o avan- ço da tecnologia, a diversificação das necessidades humanas, mas também do desenvolvimento da exploração do trabalho pelo capital e do estranhamento”. (BONENTE; MEDEIROS, 2013,

p. 20) Se essas contradições são compreendidas como resul- tado da forma específica assumida pelo trabalho no modo de produção capitalista, a superação dessas contradições tem de passar, necessariamente, pela abolição do valor. Por isso, já em seu tempo, Marx rechaçou teorias estabelecidas no âmbi- to da ciência econômica que defenderam a possibilidade de solucionar os “males do capitalismo” valendo-se da produção ampliada de riqueza e alterando exclusivamente seu modo de distribuição (BONENTE, 2016, p.122).

O papel do Estado nessa dinâmica é explorado por Netto (2011) ao tratar das transformações do capitalismo e sua expansão na fase monopolista no Brasil. Esta fase tem por objetivo aumentar os lucros através do controle dos mercados contando com a intervenção do Estado, que sofre uma refuncionalização para assegurar as condições necessárias para o desenvolvimento dos monopólios. O Estado sem- pre esteve presente nos processos econômicos do capital, porém, com o ingresso do capitalismo em sua fase monopolista, essa inter- venção assume outras funcionalidades. Sua atuação não se restringe mais a momentos pontuais para garantir que os meios de produção sejam propriedade de uma classe: Este atua nas condições externas de produção de forma contínua, controlando e preservando a força de trabalho ocupada e excedente, assumindo também uma função eco- nômica, integrando aparatos privados e instituições estatais. Assim, o Estado no capitalismo monopolista, operando para condicionar um cenário favorável a acumulação do capital, não responde mais apenas coercitivamente as lutas dos trabalhadores.

[...] para exercer, no plano estrito do jogo econômico, o papel de “comitê executivo” da burguesia monopolista, ele deve legitimar-

-se politicamente incorporando outros protagonistas sócio-po- líticos. O alargamento de sua base de sustentação e legitimação sócio-político, mediante a generalização e institucionalização de direitos e garantias cívicas e sociais, permite-lhe organizar um consenso que assegura seu desempenho (NETTO, 2011, p.27).

A intervenção do Estado também se configura pela garantia do capitalismo como relação social, com a mercantilização da vida. Quando se torna dominante, o modo de produção vigente conta com estratégias de legitimação disseminadas nas instituições do Estado burguês, não revolucionando somente as características fundamen- tais da produção, mas difundindo uma nova forma de sociabilidade que naturaliza as relações sociais capitalistas de produção e repro- dução da vida social.

Nesse contexto, o espaço físico se desenvolve nos países de capita- lismo periférico com o protagonismo dos agentes de grandes organi- zações apoiados pelo Estado, que redefinem territórios e suas formas históricas de ocupação para expansão e acumulação de capital. Este Estado, no contexto do neoliberalismo, assume a função de garantir que territórios e bens de uso comum sejam atrativos para investimen- tos estrangeiros, como descrevem Faustino e Furtado (2013, p. 26-27):

A viabilidade desse desenvolvimento tem sido garantida atra- vés de arrojadas convergências dos esforços institucionais das esferas executiva, legislativa e judiciária, mediante as quais se garante: a flexibilização da legislação ambiental e daque- las relacionadas aos direitos humanos; o direcionamento dos órgãos responsáveis pela execução das políticas que incidem sobre questões ambientais e direitos territoriais para privilegiar os empreendimentos; os investimentos dos recursos públicos para o financiamento, infraestrutura e incentivos fiscais; o his- tórico acesso privilegiado investidores ao Sistema de Justiça; a pressão sobre os Ministérios Públicos; a criminalização e o uso de aparelhos repressivos sobre as organizações e militantes sociais que contestam ou ponderam sobre o modelo de de- senvolvimento; a incidência privilegiada dos agentes do desen- volvimento (Estado e iniciativa privada) no direcionamento das instituições de estudos e pesquisas públicos e privados e sobre o censo comum, mediante a propaganda oficial e o notório ali- nhamento da mídia de massa.

Esse processo não ocorre sem a resistência de setores do campesi- nato, povos indígenas e comunidades tradicionais, que na luta pela sua manutenção nos territórios são massacrados pelo genocídio e etnocí- dio. promovido pelo avanço do que Menegat (2000, p.200) chama de uma “razão bárbara”. Como observado por Luxemburgo (1985, p.255): “O capital não conhece outra solução senão a da violência, um método constante da acumulação capitalista no processo histórico, não ape- nas por ocasião da sua gênese”.

Essa tensão entre o modelo hegemônico de desenvolvimento e a diversidade de modos de vida possíveis pautam os conflitos so- cioambientais, em que grupos étnicos reivindicam não só o direi- to legal aos territórios que historicamente ocupam e passam a ser apropriados de forma privada pelo capital, mas uma cultura política que reconheça suas práticas de existência, negadas pelo advento da noção de progresso.

Como sinaliza Acselrad (2002), os problemas ambientais são in- dissociáveis da forma como o poder sobre os recursos políticos, materiais e simbólicos são distribuídos desigualmente. Ao trabalhar com a noção de injustiça ambiental, o autor aponta ainda que esta é decorrente da natureza inseparável das opressões de raça, gênero e classe. Assim, os locais mais pobres sofrem discriminação não só social, mas também ambiental. Estes estão sujeitos a maiores riscos ambientais devido a sua terra mais barata, fraca organização da população local e representação mínima em agências governa- mentais. Dessa forma, é trazida a tona a lógica social que associa a dinâmica da acumulação capitalista à distribuição discriminatória dos riscos ambientais. Porém, essas relações são mistificadas por empresas e governo, que propagandeiam modernizações utilizan- do o discurso ecológico, mas que de fato tem o objetivo de ati- var mercados vendendo a falsa ideia do controle dos problemas ambientais para conseguir o consenso político, mas sem alterar o modo de produção capitalista e o padrão de modernização pelo progresso técnico (Coletivo Brasileiro de Pesquisadores da Desi- gualdade Ambiental, 2012).

Dessa forma, é possível afirmar que uma transformação real de tais relações de dominação não pode ser reduzida a políticas públi- cas, uma vez que estas não colocam em xeque as relações sociais e de produção capitalista, predatórias em sua essência. Pelo contrário, a principal função do Estado é consolidar e garantir a reprodução dessas relações sociais.

SNUC: Uma crítica ao modelo das unidades de Conservação

A evolução das Unidades de Conservação no Brasil é descrita por Batar- ce (2010) destacando seus momentos marcantes. Em 1967 é criado o Ins- tituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que se torna respon- sável por essas unidades. Em 1973, a Secretaria do Meio Ambiente Federal (SEMA) – órgão que era comprometido com o desmatamento de florestas naturais para implantação de projetos de reflorestamento com fins indus- triais – passa a fazer parte da implementação e administração das UCs. Em 1979, o IBDF idealiza o Plano de Sistemas de Unidades de Conservação no Brasil, com o propósito de estudar áreas para implantação de novas unida- des de conservação e repensar os tipos existentes. Em 1992 é enviada ao Congresso a proposta do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e em 2000, o SNUC é aprovado como lei. Essas UCs podem ser federais, estaduais ou municipais, e são geridas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio). As UCs são definidas, de acor- do com o inciso I do artigo 2º de sua Lei (9.985 de 2000), como:

O espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo poder público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de admi- nistração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção

O SNUC divide as UCs em duas categorias de acordo com os ob- jetivos de manejo e tipos de uso: Proteção integral (estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento natural e refúgio de vida silvestre) e Uso sustentável (área de relevante interesse ecológi- co, reserva particular do patrimônio natural, área de proteção ambien- tal, floresta nacional, reserva de desenvolvimento sustentável, reserva de fauna e reserva extrativista).

As duas categorias são modelos orientados pela influência das cor- rentes que dividiram o movimento ambientalista norte-americano no final do século XIX: o preservacionismo e o conservacionismo.

A corrente preservacionista, fundada pelo proprietário rural esco- cês John Muir, acredita que a interferência humana é essencialmente nociva ao meio ambiente. Nesse sentido, defendeu a criação de áre- as de proteção integral que limitem o contato do ser humano com esses espaços à apreciação paisagística para evitar o desequilíbrio ambiental. Essa lógica é adotada pelos Estados Unidos no contexto de acelerada expansão urbano-industrial, de forma a garantir espa- ços preservados contra esses avanços, adotando valores estéticos e éticos de uma “natureza virgem”. Dentro dessa proposta, em 1872 é criada nos Estados Unidos a primeira unidade de conservação, o Parque Nacional de Yellowstone. O modelo é importado pela Amé- rica Latina; no Brasil, em 1934, o Código Florestal passa a delinear os parques nacionais. Esse modelo é concretizado pela primeira vez no país com a criação do Parque Nacional de Itatiaia em 1937 como um incentivo à pesquisa científica e ao lazer das populações urbanas. Só na década de 1930 são criados três Parques Nacionais. Ou seja, a materialização desse protótipo no país acontece em um período de grandes idealizações para o desenvolvimento nacional..

Em oposição ao preservacionismo, ganha destaque nos Estados Unidos a corrente conservacionista criada pelo engenheiro florestal Gifford Pinchot. Num contexto de mercantilização da natureza, Pin- chot questiona o desenvolvimento a qualquer custo defendendo um uso racional de recursos naturais que garanta a qualidade de vida no presente sem comprometer as gerações futuras. Essa corrente ques- tiona a dicotomia ser humano/natureza, entendendo o ser humano como figura atuante no processo de manejo do meio ambiente. Po- rém, ainda está presente nesse pensamento, como alerta Nash (apud DIEGUES, 1996, p.29), a ideia de desenvolvimento como primeiro princípio da conservação. Essa abordagem ganha destaque nos anos 1970 nos países de capitalismo central, e passa ser incorporada às discussões sobre os rumos do desenvolvimento sendo o alicerce para o conceito de desenvolvimento sustentável.

Para a realidade latinoamericana, como ressalta Diegues (1996), os dois modelos de áreas de proteção são especialmente perversos pela remoção das populações indígenas e comunidades tradicionais de seus territórios ancestrais, assim como a imposição de regras de organização, com o discurso de proteger essas áreas da ação necessa- riamente prejudicial do ser humano. Essa afirmação pode ser coerente com estilo de vida do homem dos centros urbanos norte-americanos, mas não faz sentido para os povos das florestas tropicais que não tem uma relação de externalidade com o meio ambiente. Gomez Pompa e Kaus (apud DIEGUES, 1996, p.36) fazem essa reflexão:

O conceito de “wilderness” (mundo natural/selvagem) como terra intocada ou domesticada é, fundamentalmente, uma per- cepção urbana, uma visão de pessoas que vivem longe do am- biente natural de que dependem como fonte de matéria-prima. Os habitantes da zona rural têm percepções diferentes das áre- as que os urbanos designam como wilderness, e baseiam seu uso da terra em visões alternativas. Os grupos indígenas dos trópicos, por exemplo, não consideram a floresta tropical como selvagem: é sua casa. Muitos agricultores entram numa relação pessoal com o meio ambiente. A natureza não é mais um ob- jeto, mas um mundo de complexidade em que os seres vivos são frequentemente personificados e endeusados mediante mi- tos locais. Alguns desses mitos são baseados na experiência de gerações e suas representações das relações ecológicas podem estar mais perto da realidade que o conhecimento científico. O termo conservação pode não fazer parte de seu vocabulário, mas é parte de seu modo de vida e de suas percepções das re- lações do homem com a natureza.

Diegues (1996) então realiza uma crítica ao mito moderno da natu- reza intocada, demonstrando a falácia do discurso que prega a pro- teção da natureza apartando-a dos povos que nela habitam mile- narmente: “Mediante grande conhecimento do mundo natural, essas populações foram capazes de criar engenhosos sistemas de manejos

da fauna e da flora, protegendo, conservando, e até potencializando a diversidade biológica” (DIEGUES, 1996, p.15). Assim, o contexto de imposição de propriedades ou espaços públicos. sobre os espaços comunais com início na década de 1930 – período de regime autori- tário no Brasil – é suficiente para elucidar como essas medidas foram implementadas de cima para baixo.

A década de 1970 é marcada pelo aumento das UCs, o que ocor- re pela propagação da ideia de desenvolvimento sustentável. Uma série de acordos e reuniões, como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (1972) que tematizou sobre meio ambiente e desenvolvimento, influenciaram a discussão pública so- bre a questão ambiental no Brasil. Em meados da década de 1980, no período de “redemocratização” do país, com o fim da ditadura militar, os movimentos sociais rurais se articulam a corrente ambien- talista dando origem ao socioambientalismo brasileiro. Essa articu- lação política foi de suma importância para defesa da permanência das populações tradicionais nas áreas de conservação, ressaltando a relação de complementariedade entre natureza/sociedade ao in- vés de sua oposição. Também garantiu incorporação da temática do meio ambiente no artigo 225 do capítulo VI da Constituição de 1988. Em seguida, o forte debate sobre o meio ambiente no período pode ser observada pela maciça presença de chefes de Estado na Rio-92.. O relatório do Brasil para a Conferência se baseou na ideia de subde- senvolvimento a ser superado para deixar explícito que as demandas ambientais seriam um entrave ao desenvolvimento econômico, a ser tratado com prioridade.

Continua vigente o argumento de que o crescimento econômico e a melhoria da qualidade de vida da população brasileira não podem estar subordinadas, acriticamente, à manutenção de um meio ambiente mundial mais saudável e de uma melhor gestão dos recursos naturais do planeta (BRASIL, 1991, p.20-21).

O documento até reconhece a necessidade de tomar medidas con- tra o que chama de uma “desordem ecológica”, porém essas estraté- gias devem fazer parte do programa voltado para o desenvolvimento, não atrapalhando seus rumos.

Com essa premissa, o conceito de desenvolvimento sustentável passa a direcionar políticas públicas ambientais brasileiras que in- corporam o discurso da falsa conciliação entre progresso e proteção dos recursos naturais. O conceito traz consigo uma carga positiva ludibriante, porém com um olhar atento, que esmiúce tanto o vocá- bulo quanto o cunho dessas políticas públicas, é possível perceber que estas só expressam mais do mesmo do desenvolvimentismo sob novas roupagens. As ponderações feitas acima, nos dão pistas sobre como as estratégias desenvolvimentistas assumem uma maquiagem ecológica moldando as legislações e políticas públicas ambientais brasileiras. Ao analisar o SNUC, é possível perceber alguns elemen- tos para essa afirmação.

É relevante analisarmos o artigo 36 do SNUC, que versa sobre o licenciamento ambiental e os mecanismos de compensação previstos:

Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreen- dimentos de significativo impacto ambiental, assim conside- rado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/ RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Pro- teção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.

§ 1o O montante de recursos a ser destinado pelo empreende- dor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendi- mento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licen- ciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.

§ 2o Ao órgão ambiental licenciador compete definir as uni- dades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreende- dor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação.

§ 3o Quando o empreendimento afetar unidade de conserva- ção específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua adminis- tração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo. (BRASIL, 2000)

O que podemos perceber é a clara mercantilização dos territó- rios: a legislação, desde seu surgimento, trabalha com a possibilida- de de negociar licenciamentos para empreendimentos de impacto ambiental significativo – leia-se irreparável. Assim, basta atribuir um valor monetário a ser pago pela perda de toda a biodiversida- de de uma região, caso, de acordo essa lógica instrumental, haja benefícios para sociedade. É explícito no inciso 2 da legislação que esse mecanismo de compensação é indicado como uma fonte de financiamento para criação de novas UCs, demonstrando a lógica que naturaliza a apropriação dos territórios e seus recursos pelo Estado baseando-se na ideologia do desenvolvimento sustentável. A descrição de Dourado (2010, p.7) sobre o Princípio do Poluidor-

-Pagador, implícito nessa prática, também elucida o debate:

O princípio do poluidor-pagador, fundamento da compensa- ção ambiental, é aquele em que se buscou internalizar as ex- ternalidades ambientais negativas produzidas por um determi- nado empreendimento. Isto é, procura-se, através do princípio, apontar os responsáveis pela poluição como os mesmos que devem suportar os custos oriundos dela, evitando-se com isso que a coletividade suporte tais custos – visto que ela já é pri-

vada do uso daquele ambiente por um particular (lembrando: “meio ambiente é bem de uso comum do povo”, caput do artigo 225 da CRFB) e ainda teria que sofrer as consequências (as ex- ternalidades) deste uso.

Os custos a serem pagos pelos empreendedores são apenas um adicional ao preço do investimento no território que pagam para des- truir. Dessa forma, a biodiversidade e o território necessários a re- produção social dos grupos que habitam as áreas delimitadas, como UCs, são transformados em mercadoria, contando com o apoio fi- nanceiro e político do Estado. Assim, os moradores do interior das UCs pagam um custo que não é, sequer, considerado por aqueles que calculam com números o valor de um ecossistema.

Portanto, ao contrário da afirmação feita pelas teses desenvolvi- mentistas, que associam o crescimento econômico à superação das desigualdades sociais, argumenta-se aqui que esse modelo é respon- sável pela produção da escassez.

Como debate Marx (1985), a separação ser humano/natureza acar- reta a venda da força de trabalho nas condições de exploração capi- talista como única forma do sujeito responder às suas necessidades. Dessa forma, o trabalho alienado, que se objetifica no capitalismo, é responsável pela desumanização do ser humano, pois carece de uma liberdade que é fundamental para estimular o desenvolvimento da potência humana e se colocar a serviço do coletivo.

O modo de produção capitalista, enquanto sistema que rege as relações sociais, não explora somente a força de trabalho, mas também o solo e os recursos naturais. Portanto, ao tratar da ques- tão ambiental, é preciso contextualizar o debate na sociedade de classes que imprime interesses antagônicos ao espaço físico e re- cursos naturais, modificando as relações de produção e reprodu- ção das populações locais.

Conclusão

O objetivo dessas reflexões foi discutir as UCs como medidas que cercam um território e seus bens de uso comum com o dis- curso de proteção à natureza, mas que só reafirmam o caráter ex- cludente do espaço público reforçando a apropriação de recursos e territórios de maneira desigual. Essa é fundamentalmente a lógi- ca do desenvolvimento sustentável, que longe de trazer qualquer transformação estrutural no trato com o meio ambiente, reforça a ideia que natureza é uma instância autônoma a ser dominada pelos anseios de expansão do capital.

Enquanto o SNUC abre brechas para entregar áreas aos empre- endimentos mediante o estabelecimento de preços para o que é inegociável, comunidades que constroem vínculos de pertenci- mento com esse território e, do ponto de vista ecológico, intera- ções benéficas com a natureza, são realocadas para regiões eco- logicamente diferentes ou sofrem restrições no uso dos recursos naturais. Essa imposição sobre as áreas configuram mecanismos de controle – por coerção ou consenso – evidenciando o caráter au- toritário do Estado que ignora os princípios da autogestão e regras produzidas localmente.

Como contribui Accioly (2013), o discurso de proteção da natu- reza que não questiona a apropriação privada dos recursos natu- rais por poucos, legitima a noção de que assim eles serão melhores gerenciados. Quando se fala em recursos naturais e enfatiza-se seu caráter de bem comum, busca-se tornar evidente a lógica de que as condições materiais de reprodução da vida na terra, como o acesso a terra e a água, teve seu uso restringido com o passar do tempo. Essas expropriações se dão por um sistema de leis, o que torna seus pres- supostos inquestionáveis. Portanto: “Questionar a proteção ou des- truição da natureza sem questionar estes pressupostos é deixar de lado o debate central relativo à questão ambiental e, por conseguin- te, almejar a soluções meramente paliativas” (ACCIOLY, 2013, p.12).

Dialogando com a autora e constatando as brechas para diversas violações contra as comunidades tradicionais na implementação das UCs é pertinente realizar uma breve reflexão sobre a funcionalidade do sistema jurídico para o Estado Moderno, que atua como uma forma específica de difundir valores que assegurem as relações de domina- ção, como aborda Santos (2007, p.20):

Ao direito moderno foi atribuída a tarefa de assegurar a ordem exigida pelo capitalismo, cujo desenvolvimento ocorrera num clima de caos social que era, em parte, obra sua. O direito mo- derno passou, assim, a constituir um racionalizador de segunda ordem da vida social, um substituto da cientifização da socieda- de, o ersatz que mais se aproximava – pelo menos no momento

– da plena cientifização da sociedade que só poderia ser fruto da própria ciência moderna. Para desempenhar essa função, o direito moderno teve de se submeter à racionalidade cognitivo-

-instrumental da ciência moderna e tornar-se ele próprio cientí- fico. A cientifização do direito moderno envolveu também a sua estatização, já que a prevalência política da ordem sobre o caos foi atribuída ao Estado moderno, pelo menos transitoriamente, enquanto a ciência e a tecnologia a não pudessem assegurar por si mesmas. [...] A transformação da ciência moderna na racio- nalidade hegemônica e na força produtiva fundamental, por um lado, e a transformação do direito moderno num direito estatal científico, por outro, são as duas faces do mesmo processo his- tórico, daí decorrendo os profundos isomorfismos entre a ciên- cia e o direito modernos.

Desse modo, as comunidades tradicionais têm suas demandas despolitizadas pelo poder estatal, que trata da categoria buscando in- tegrá-la à lógica de sua subjugação civilizatória.

Diante dessas relações desiguais é possível afirmar que mensagens, que enunciam que todos são responsáveis pela degradação ambiental ou que todos são igualmente afetados pela devastação do meio ambiente (na medida em que se ocupa o mesmo planeta), são generalizações que neu-

tralizam o debate. O esvaziamento da dimensão política evita a discussão sobre o desenvolvimento do espaço físico obedecendo a lógica preda- tória do capital e a necessidade de sua expansão geográfica para a acu- mulação (HARVEY, 2005), a apropriação privada e desigual dos recursos naturais e o conflito com perspectivas diferenciadas de populações locais em que se implementam projetos que objetivam o crescimento econô- mico – o que gera conflitos pelo uso e significado do território.

Assim, a discussão sobre impactos ambientais não está restrito a preservação ou não do meio ambiente, mas envolve diretamente o processo de produção e reprodução capitalista e como este sistema reordena geograficamente espaços como o de comunidades no inte- rior das UCs. Como denuncia o Coletivo Brasileiro de Pesquisadores da Desigualdade Ambiental (2012), é necessário desobscurecer o proces- so de acumulação capitalista em que grandes corporações identificam, para seus investimentos, locais com condições políticas favoráveis, como governos dispostos a flexibilizar leis ambientais – consideradas um entrave para o desenvolvimento econômico – e sociedade menos organizada ou representada nos espaços de decisões políticas. O co- letivo aponta que as políticas neoliberais promovem uma competição pela oferta de ambiente a poluir como forma de atrair investimentos internacionais num contexto de flexibilidade de regulações ambientais e desregulação econômica. Assim, a noção de desigualdade ambien- tal expõe que com sua racionalidade especifica o capitalismo faz com que os benefícios e malefícios, decorrentes do desenvolvimento eco- nômico, sejam distribuídos de forma desigual beneficiando os grandes interesses econômicos, bem como produzindo escassez e degradação para grupos sociais marginalizados.

Conclui-se então, que as estratégias de gestão dos bens comuns devem desafiar a colonialidade do poder., incorporando mecanismos e concepções que disputem com a lógica do capital, e não busquem conciliações que reforcem sua hegemonia. Buscou-se, neste artigo, realizar a leitura de uma realidade complexa e as estratégias de ação

sobre ela, trazendo elementos para que sejam pavimentados cami- nhos coletivos de conquistas sem cair nas mistificações do capital. Não indicamos, portanto, procedimentos de transformações determi- nados a priori, mas consideramos que as alternativas são geradas na contradição do movimento do real através de alianças que reforcem a luta dos povos indígenas, setores camponeses e comunidades tradi- cionais pela manutenção de seus territórios.

Material suplementar
Bibliografia
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Notas
Notas
1 Assistente Social. Mestranda do Programa de Pós de Graduação em Serviço So- cial e Desenvolvimento Regional (PPGSSDR) da Universidade Federal Fluminense (UFF, Niterói, Brasil). Nº ORCID 0000-0003-4326-5028. E-mail: michelle_tino- coo@hotmail.com
2 É importante pontuar que não entende-se, aqui, tradicional como estático, pres- supondo uma essência identitária. Little (2002, p. 256) já indica que “o território de um grupo social determinado, incluindo as condutas territoriais que o sus- tentam, pode mudar ao longo do tempo dependendo das forças históricas que exercem pressão sobre ele”.
3 Santos (2012) discorre sobre a funcionalidade esse padrão produtivo no Brasil para as relações capitalistas internacionais: O “desenvolvimento desigual” propi- ciado pela aliança social e política entre imperialismo e as oligarquias nacionais conferia ao país o papel de produtor de matérias-primas a baixo custo, sendo vendidas por preços razoáveis para quem os comprava, e para as classes pro- dutoras nacionais, estabelecendo assim, um tratado que proporcionava uma ele- vação das taxas de lucro dos países centrais. A partir dessas características já é possível delinear os traços de uma determinada sociedade formada no Brasil, marcada pela tradição civilizatória europeia e pela apropriação privada de gran- des extensões de terras.
4 Clastres (1982) diferencia o genocídio do etnocídio pelo primeiro se referir ao extermínio físico do outro com base na diferença referente à raça. Já o etnocídio diz respeito ao extermínio ligado ao espírito em que a negação do outro conduz a uma identificação com o modelo que lhe é imposto. Portanto, “é a destruição sistemática dos modos de vida e pensamento de povos diferentes daqueles que empreendem essa destruição” (Clastres, 1982, p.56).
5 Diegues (1996) indica a implementação de áreas protegidas significou também uma arma política para os setores dominantes de países do Terceiro Mundo para obter ajuda financeira externa. “Um exemplo recente é o debts wapt for natu- re (conversão de dívida externa por conservação), mediante o qual parcelas da dívida externa de países do Terceiro Mundo são adquiridas (a taxas reduzidas) por entidades ambientalistas internacionais ou agências bilaterais, em troca da implantação de projetos conservacionistas (pagos em moeda nacional pelo Go- verno), em geral geridos e administrados por organizações não-governamen- Importar tabla -tais. Os resultados desse mecanismo não foram tão positivos como os espera- dos, uma vez que beneficiaram principalmente os bancos internacionais (Utting, 1993)” (DIEGUES, 1996, p.17).
6 Para Quijano (1988), no contexto latino-americano, os conceitos de público e pri- vado são duas faces da mesma razão instrumental, uma vez que seus agentes, o Estado e a burguesia, disputam o lugar de controle e poder reproduzindo a mes- ma lógica excludente.
7 A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – também conhecida como Rio-92 ou Eco-92 – foi uma conferência organizada pelas Nações Unidas, realizada de 3 a 14 de junho de 1992 na cidade do Rio de Janeiro para debater os problemas ambientais mundiais. O principal documento produzido na reunião foi a Agenda 21, em que os países afirmavam seu compro- misso com o desenvolvimento sustentável.
8 Para Quijano (2010) este é um eixo central, somado a modernidade, do sistema de poder capitalista mundial. A expressão significa a imposição de uma classifi- cação racial étnica do mundo para dominação em dimensões materiais e sub- jetivas, da existência cotidiana e de escala societal. Para o autor, as múltiplas manifestações da existência foram articuladas numa só ordem cultural global sob a hegemonia europeia: “Como parte do novo padrão de poder mundial, a Europa também concentrou sob sua hegemonia o controle do todas as formas de con- trole da subjetividade, da cultura e em especial do conhecimento, da produção de conhecimento” (QUIJANO, 2010, p.79).
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