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As Redes Migratórias Político-Comunitárias tecidas pelas Mulheres Vítimas do Desplazamiento na Colômbia
O Social em Questão, vol. 21, núm. 41, pp. 265-282, 2018
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Artigos



Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar as redes político-comunitárias articuladas por mulheres vítimas do deslocamento interno na Colômbia por meio da análise teórico-metodológica da configuração de redes no contexto da globalização e desenvolvimento com os recursos do Ethnos Barroco. Os resultados apontam que as mulheres vítimas do desplazamiento vêm desenvolvendo estratégias organizacionais em redes contra-hegemônicas articulando-se como atores políticos de forma a alcançar reconhecimento e empreender, junto com a sociedade colombiana, a construção do país e da América Latina. Esta análise faz parte da pesquisa Traduzindo Testemunhos de Mulheres Vítimas do Desplazamiento na Colômbia, Tese de Doutorado, EICOS-UFRJ (2015), financiada pela Capes.

Palavras-chave: Migração Forçada, Psicossociologia de Comunidades, Redes Sociais, Militância Política, Conflito Interno Colombiano.

As Redes Migratórias Político-Comunitárias tecidas pelas Mulheres Vítimas do Desplazamiento na Colômbia

Catalina Revollo Pardo1

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as redes político-comunitárias articuladas por mulheres vítimas do deslocamento interno na Colômbia por meio da análise teórico-metodológica da configuração de redes no contexto da globalização e desenvolvimento com os recursos do Ethnos Barroco. Os resultados apontam que as mulheres vítimas do desplazamiento vêm desenvolvendo estratégias organizacionais em redes contra-hegemônicas articulando-se como atores políticos de forma a alcançar reconhecimento e empreender, junto com a sociedade colombiana, a construção do país e da América Latina. Esta análise faz parte da pesquisa Traduzindo Testemunhos de Mulheres Vítimas do Desplazamiento na Colômbia, Tese de Doutorado, EICOS-UFRJ (2015), financiada pela Capes.

Palavras-Chave

Migração Forçada; Psicossociologia de Comunidades; Redes Sociais; Militância Política; Conflito Interno Colombiano.

The Political-Community Migration Networks woven by Women Victims of Displacement in Colombia

Abstract

This article aims to analyze the political-community networks articulated by women victims of Desplazamiento in Colombia through the theoretical-methodological analysis of the configuration of networks in the context of globalization and development with the resources of Ethnos Barroco. The results show that the women victims of the displacement have been developing organizational strategies in counter-hegemonic networks to face in a different way their victim’s situation, articulating themselves as political actors in order to achieve recognition and to undertake together with the Colombian society, the construction from the country and Latin America. This analyze is part of the doctoral thesis research Traduzindo Testemunhos de Mulheres Vítimas do Desplazamiento na Colômbia, EICOS-UFRJ (2015), financed by Capes.

Keywords

Forced Migration; Psychosociology of Communities; Social Networks; Political Militancy; Colombian Internal Conflict.

Artigo recebido em dezembro de 2017.

Artigo aprovado para publicação em fevereiro de 2018.

Introdução

O deslocamento interno é um fenômeno de migração forçada que acontece no interior de uma nação, o documento dos Princípios Reitores Relativos aos Deslocados Internos, produzido em 1998, dá suporte ao direito internacional humanitário e aos instrumentos relativos aos direitos humanos vigentes. Porém, não podem ser interpretados de maneira que sejam limitantes, modifiquem ou subestimem as disposições dos instrumentos internacionais dos direitos humanos, do direito internacional humanitário e dos direitos concedidos às pessoas pelo direito interno de seu país.

Neste artigo a categoria deslocamento será mantida em língua espanhola: desplazamiento, pela impossibilidade que achei em traduzir este fenômeno de maneira literal ao português, pois os tipos de desplazamientos vivenciados no território colombiano possuem caraterísticas particulares que justificam a não tradução, assunto que trabalhei com o Professor Carlos Walter Gonçalves no decorrer do I Encontro Internacional Pensando América Latina desde o Brasil, “Colombia al derecho y al revés” e IV “Diálogos desde el sur: Brasil-Colombia”, realizado na UNIRIO em agosto de 2014.

O desplazamiento na Colômbia representa uma crítica situação migratória de caráter humanitário regional e global, pois possui a taxa mais alta de migração forçada do hemisfério ocidental e uma das mais elevadas do mundo, gerada pelo flagelo do conflito político, social, econômico e armado interno colombiano. Esta é uma crônica problemática com a que convivem este país e a região há mais de seis décadas. Deve-se destacar, porém, que o acordo de paz assinado entre o grupo guerrilheiro as FARC-EP e o governo do Presidente Juan Manuel Santos em 2016, gerou um marco jurídico para a paz, a justiça e verdade, materializou a desmobilização desta guerrilha com a reinserção de seus membros na sociedade civil, com a criação do partido politico a FARC (Fuerza Alternativa Revolucionaria del Común2); o que é sem dúvida um importante passo no caminho para a construção de um possível pós-conflito, mas o conflito colombiano é extremadamente complexo, e os atores vão além das já desmobilizadas FARC-EP; também estão no frente outros grupos insurgentes, grupos paramilitares, atores do Estado e membros da sociedade civil (como empresários, transnacionais e narcotraficantes) que ainda estão operando na violenta lógica do conflito.

O desplazamiento na Colômbia é um fenômeno de migração interna forçada com várias causas e diferentes modalidades, ao longo da história do país tem acontecido inúmeros desplazamientos de pessoas (a nível rural e urbano, interurbano ou intraurbano). Este fenômeno migratório não é uma consequência linear de fuga da população camponesa para salvar suas vidas dos confrontos armados, aproxima-se da afirmação do professor Héctor Mondragón (2002): “Não só há desplazados porque há guerra, se não (especialmente) há guerra para que se tenham desplazados”.

As vítimas do desplazamiento fogem da violência do conflito político social econômico e armado colombiano, o qual se alimenta transversalmente pela produção e tráfego de drogas, pelos interesses do governo em explorar os recursos naturais para acolher investidores transnacionais no território e pelos interesses político-geográficos dos Estados Unidos na região. Estas atividades econômicas estão inseridas na lógica da globalização, que visa ocupar territórios rurais. Tudo isso, para poder manter-se no intento da produção, o que justifica a presença das empresas transnacionais, em consequência, a população camponesa é obrigada a desplazar-se para as cidades, fugindo pela expropriação violenta de suas terras.

A experiência vivenciada pela maioria das vítimas do desplazamiento mostra que este fenômeno não é um evento que começa com a desapropriação e termina com a chegada à cidade aonde vai se assentar. Para esta migração forçada acontecer há um longo processo que começa com a exposição a ameaças, intimidações, enfrentamentos armados, massacres e outras modalidades de violência. Desta forma, a presença dos grupos armados nas regiões quebram as rotinas do cotidiano dos camponeses, como consequência ocorre o fenômeno da saída destes territórios, segundo o informe ¡Basta Yá! do Centro Nacional de Memoria Histórica (2013); as pessoas vítimas do desplazamiento enfrentam longos e difíceis períodos para estabilizar suas vidas, sendo vítimas da escassez econômica; da superlotação dos espaços; da estigmatização pelos cidadãos não desplazados; da rejeição em contextos comunitários e laborais nas cidades; da violência sexual; do sofrimento pelas perdas, feridas (físicas e emocionais) e traumas que são causas dos acontecimentos vivenciados anteriores e durante o desplazamiento. As mulheres, por sua parte, ao ficar viúvas ou com a ausência de seus parceiros devem assumir intensos afazeres para conseguir a subsistência e manter o lar. Já os jovens e crianças, contam com mais facilidades para se adaptar, sofrem menos com a integração urbana, mas sofrem com a superlotação e a falta de espaço. As mulheres, as crianças, as comunidades indígenas e as afro-colombianas, são acometidas de maneira diferenciada, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), em 2000, já destaca a necessidade de se trabalhar a problemática do desplazamiento com um enfoque diferenciado de gênero e étnico.

Sendo assim, o objetivo deste artigo é analisar as articulações das redes sociais político-comunitárias, feitas pelas mulheres vítimas do desplazamiento na Colômbia, por meio da análise psicossociologica das categorias: desplazamiento, redes sociais político-comunitárias e militância política das mulheres desplazadas no contexto teórico-metodológico da crítica decolonial latino-americana e crítica pós-colonial, e os resultados da pesquisa Traduzindo Testemunhos de Mulheres Vítimas do Desplazamiento na Colômbia, Tese de Doutorado, EICOS-UFRJ (2015).

Na primeira parte do artigo, realizei uma análise do fenômeno do desplazamiento desde a perspectiva do desenvolvimento e da globalização. Num segundo momento, dando continuidade a esta perspectiva, desenvolvo uma análise metodológica a partir das redes sociais e as caraterísticas do Ethnos Barroco3, contextualizando as cenas em que estas redes se articulam, problematizando o conceito de redes dos movimentos sociais e o que vou denominar redes político comunitárias; destrinchando as redes em rede das mulheres vítimas do desplazamiento em Bogotá, e as redes que se configuraram durante o desenvolvimento da pesquisa.

Desconstruindo o Fenômeno do Desplazamiento: desde a perspectiva da Globalização e do Desenvolvimento

A migração esta relacionada à lógica da globalização e do desenvolvimento4; o consumo, a produção-exploração de recursos, as alianças estratégicas econômico-militares entre Estados e regiões, a discriminação étnica de gênero e epistemológica, num contexto altamente globalizado têm gerado processos de usurpação dos territórios, do chamado “terceiro mundo”, deixando uma grande massa de pessoas vítimas do desplazamiento forçado (ESCOBAR, 2004).

Segundo Quijano (2005), o caráter basicamente político da chamada “globalização” é o resultado de um amplo e prolongado conflito pelo controle do poder, do qual saíram vitoriosas as forças que representam a colonialidade e o capitalismo, ligadas ao desenvolvimento do modelo do sistema-mundo capitalista/patriarcal moderno/colonial/adulto.

Na América Latina a lógica do poder não finalizou com o fim dos vínculos coloniais entre as colônias e os países europeus, a presença do elo colonial ainda está presente na atualidade das relações internacionais e internas onde pequenas “europas” habitam o interior das nações latino-americanas, com poderosas estratégias políticas e econômicas ligadas às tendências capitalistas neoliberais do desenvolvimento, que pretendem criar um sistema de governo baseado no sentido da carência em relação aos padrões econômicos políticos e sociais dos países desenvolvidos (QUIJANO, 2014; SANTOS, 2008; CASTRO-GÓMEZ & GROSFOGUEL, 2007).

A divisão internacional do trabalho (centros-periferias) e a hierarquia étnico-racial da população, não se transformaram significativamente com o final do colonialismo e a formação dos Estados-nação na periferia. O fenômeno parece uma transição do colonialismo moderno à colonialidade global. O que remete a um processo que tem alterado as formas de dominação implantadas pela modernidade, mas não transformou a estrutura das relações centro-periferia na escala mundial (CASTRO-GÓMEZ & GROSFOGUEL, 2007).

A globalização é o atual modelo de poder mundial, o qual é indispensável compreender para o caso colombiano, em particular. Quijano (2014) questiona que ninguém pode explorar a ninguém se não o domina, faz sentido que a força e a violência sejam requisitos para a relação de dominação; nesses termos, é importante destacar, que na sociedade moderna, seu exercício não se manifeste de maneira explícita e direta, uma vez que são encobertas pelos Estados.

O desplazamiento é um fenômeno migratório relevante à globalização hegemônica, uma vez que os processos econômicos, sociais e políticos desenvolvidos por este sistema levam à expulsão de pessoas de seus territórios para dar prioridade à lógica do desenvolvimento. A Colômbia é um país onde estas dinâmicas aparecem com mais acuidade que em outros lugares, já que conta com exuberantes recursos naturais e minerais, além de ser um ponto estratégico dos Estados Unidos na América Latina para controlar o continente5.

Segundo Escobar (2004), as guerras civis e os desplazamientos massivos, muitas vezes acontecem com o propósito de abrir regiões completas para promover a entrada do capital transnacional e para explorar os recursos. Estas guerras são frequentemente utilizadas pelas máfias dos “poderosos” e tem como objetivo a globalização macroeconômica, é evidente como a globalização articula uma “expansão pacífica” da economia e do livre mercado com um fundo de violência onipresente no regime da globalidade econômica e militar.

O erguimento de muralhas entre o centro e a periferia, produto da globalização hegemônica, traz consequências delicadas para a população mais vulneráveis, como exemplo as vítimas do desplazamiento. Como afirma Boaventura de Sousa Santos (2008) desde a proposta da crítica pós-colonial, a globalização hegemônica tem aumentado à vulnerabilidade das regiões, nações, grupos sociais subordinados ou oprimidos, o fascismo social se posiciona como regime social, sendo um perigo real para a sociedade, já que é pluralista e coexiste facilmente com os Estados democráticos, e seu espaço-tempo privilegia a lógica do desenvolvimento global.

O fascismo social é um conjunto de processos de exclusão de qualquer tipo de contrato social. Como alternativa, contra a expansão do fascismo social, está à construção de um novo padrão de estratégias sociais, nacionais e transnacionais; suportadas nos princípios do reconhecimento, que destaca a diferença e a redistribuição na luta pela igualdade. Tais relações devem surgir desde o que o autor denomina globalização contra-hegemônica (SANTOS, 2008), a qual gera um equilíbrio tenso e dinâmico entre a diferença e a igualdade, entre a identidade e a solidariedade, entre a autonomia e a cooperação, entre o reconhecimento e a redistribuição da riqueza.

Aprofundar na análise crítica feita sobre a globalização e o desenvolvimento é fundamental para a compreensão do conflito social, político, econômico armado colombiano, e as dinâmicas de migração forçada derivadas deste. Uma oportuna introdução para a complexidade deste fenômeno migratório, que se opõe aos discursos capitalistas extrativistas do desenvolvimento, sensacionalistas (que apontam só a “crise migratória”), e militaristas, em que se prioriza a solução bélica ao conflito, como foi durante os governos do ex-presidente Alvaro Uribe (2002 a 2006; 2016 a 2010).

O Ethnos Barroco e a Configuração de Redes Sociais Políticas Comunitárias das Mulheres Vítimas do Desplazamiento

O conceito de redes nas ciências sociais e humanas é muito amplo, na segunda metade do século XX a tendência do estudo de redes começa a marcar uma importante presença nas diferentes áreas do conhecimento nas ciências sociais e humanas com um caráter polissêmico de difícil delimitação (DA SILVA; FIALHO; SARAGOSA, 2013, p. 91). Nesta análise estou denominando as redes desde a perspectiva de redes sociais político-comunitárias, já que as estratégias que expôs a continuação revelam como fatores comunitários e políticos atravessam o desenvolvimento destas redes sociais.

Nesta lógica, é pertinente analisar o conceito de redes a partir da problematização desenvolvida pela crítica pós-colonial do Ethnos Barroco (SANTOS, 2008), no enquadramento da globalização contra-hegemônica, com a finalidade de refletir a lógica do que é viver num paradigma referente à Nuestra América6, como metáfora para o contexto em que as mulheres vítimas do desplazamiento constroem as redes sociais político-comunitárias. Este paradigma implica viver permanentemente em trânsito, cruzando fronteiras e criando espaços de fronteira; estando habituados ao risco e acostumados a viver com um nível de baixa estabilidade e maleáveis expectativas causadas pelas brutais desigualdades sociais, produto da arbitrariedade do poder colonial. Mas, paradoxalmente, capaz de substituir o risco de viver na pulsão por um otimismo visceral perante a potencialidade coletiva. A América Latina no pensamento da crítica pós-colonial não é local das vítimas, é o continente de líderes que trabalham em concordância com a globalização contra-hegemônica.

Nuestra América é um local confortável para invadir terras, ter mão de obra barata e sustentar o sistema do capital, em oposição, é importante realçar que nas diferentes atmosferas da matriz colonial do poder e do saber – os legados do colonialismo – estão sendo questionados e desplazados pelos legados das indígenas, das negras, das mulheres camponesas e das mulheres mestiças.

Segundo Santos (2008) neste continente surgem todos os dias estratégias na atmosfera da militância dos movimentos sociais, da educação popular ou da economia solidária, que provam como a globalização contra-hegemônica se manifesta em oposição à hegemonia do sistema, experimentando temporalidades diferentes. É assim que surge a metáfora do barroco para explicar este tipo de fenômeno bem próprio da América Latina.

Para Santos (2008), a subjetividade barroca é contemporânea de todos os elementos que a integram e ligada à temporalidade da interrupção. O anterior é importante a dois níveis: (a) porque permite a flexibilidade (pela ausência de mapas) e (b) porque permite a surpresa (que deriva do suspense da suspensão pela interrupção). A subjetividade barroca intensifica a vontade e estimula a paixão; a interrupção provoca espanto e novidade, impede o acabamento e o fechamento, pelo que o barroco não pretende representar um estado perfeito, mas sim seguir um processo incompleto e um momento em direção ao seu acabamento.

O extremismo com que o barroco trabalha devora as formas, esta voracidade ocorre em dois processos: (a) o sfumato e (b) a mestiçagem. O sfumato permite criar o próximo e o familiar entre inteligibilidades diferentes, tornando assim os diálogos interculturais possíveis e desejáveis. São como imãs que atraem formas fragmentárias para novas direções (esta é a militância anti-fortaleza). A mestiçagem opera através da criação de novas formas de constelações de sentido, que à luz de seus fragmentos constitutivos são irreconhecíveis; é a construção de uma nova lógica partindo da destruição. Este processo produtivo-destrutivo tende a refletir nas relações de poder entre as formas culturais originais (os grupos sociais que as sustentam), já que as relações de poder são substituídas pela autoridade partilhada (SANTOS, 2008).

A perspectiva de redes sociais pode ser passada pela lente das caraterísticas do Ethnos Barroco, pois o sfumato e a mestiçagem incentivam a construção de redes, e a globalização contra-hegemônica esta constituída pelas redes e alianças locais e transnacionais entre movimentos, lutas e organizações locais ou nacionais em todos os cantos do globo, as quais se mobilizam para lutar contra o fascismo social (SANTOS, 2008). Os movimentos sociais, ou o associativismo localizado ou setorizado, perceberam a necessidade de se articular com outros grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania. Neste processo de articulação atribuem legitimidade às esferas de mediação (fóruns e redes) entre movimentos e o Estado, procurando construir redes com certa autonomia (SCHERER-WARREN, 2006).

A sociedade civil organizada no novo milênio tende a ser uma sociedade de redes organizacionais, inter-organizacionais e de redes de movimentos sociais, de formação de parcerias entre as esferas públicas, privadas e estatais; criando novos espaços de governança com o crescimento da participação cidadã. A aproximação ao conceito de rede neste artigo parte do conceito de redes nos movimentos sociais de Scherer-Warren (2006), já que se entende que os movimentos de vítimas vão além do comunitário, pois são movimentos sociais com uma pauta política.

A potencialidade do emprego das redes na análise das relações entre Estado e sociedade permite mostrar os padrões dos vínculos entre indivíduos, grupos e organizações que explicam inúmeros fenômenos da política, particularmente aqueles relacionados ao poder posicional e institucional, tentando explicar a centralidade das organizações civis e seu valor no cenário da ação coletiva (LIMA; MENDES, 2014). Nesta análise das relações das redes dos movimentos sociais das mulheres vítimas do conflito armado colombiano, se evidenciam particulares processos de articulação de redes político-comunitários limítrofes da sua condição de migrantes forçados.

A população, vítima do conflito social político e armado na Colômbia, não têm ficado conformada frente à categoria de vítima emitida pelo aparelho do Estado colombiano7. As vítimas na Colômbia vêm ativamente configurando movimentos e processos políticos para reivindicar seus direitos e lutar de uma maneira ativa e digna. Seus processos políticos se levantam com os movimentos populares contra-hegemônicos ao sistema, e pretendem por meio de sua luta superar o conflito social político econômico e armado com novas alternativas e transformações para as estruturas desiguais e injustas geradas pelo modelo neoliberal capitalista do país (REVOLLO PARDO, 2015).

Para a população, a categoria de vítima está ligada aos processos de militância política, nos quais se constroem as redes sociais político-comunitárias para viabilizar e articular seus processos. As vítimas tecem suas redes sociais político-comunitárias de acordo aos seus vitimizadores e aos tipos crimes sofridos, num cenário de organizações, atores políticos, líderes do movimento de vítimas, membros das bases do movimento, instituições do Estado e organizações do setor popular transitando entre as políticas públicas e os processos contra-hegemônicos da luta popular – ligados aos processos dos movimentos sociais da sociedade civil organizada nas cidades de acolhida e aos processos políticos das suas regiões prévias ao desplazamiento.

Redes em Rede: um desenho das Redes da Pesquisa Traduzindo Testemunhos de Mulheres Vítimas do Desplazamiento na Colômbia

Dando continuidade a análise da construção do que denomino redes sociais político-comunitárias construídas pelas mulheres vítimas do desplazamiento em Bogotá é relevante explicitar que o desenvolvimento da pesquisa acontece na articulação de redes acadêmico-políticas binacionais Brasil-Colômbia. Estreitar os laços destas redes e circular entre elas levou-me a conhecer algumas líderes dos movimentos de mulheres vítimas de desplazamiento em Bogotá, com quem desenvolvi o campo da pesquisa nos dois cenários: o colombiano e o brasileiro, assim a articulação desta rede levou ao desenvolvimento de atividades político-acadêmicas no Rio de Janeiro8 com membros das redes dos dois países. Estes encontros geraram importantes trocas e vínculos para a articulação e suporte de sua luta em Bogotá, incrementando a polifonia das redes do movimento destas mulheres, agora também com um viés acadêmico internacional.

Os novos modos de articulação também estão relacionados ao caráter comunitário destas redes, já que acontece uma troca entre diferentes migrantes colombianos: as migrantes forçadas desplazadas e os migrantes voluntários acadêmicos que moram no Rio de Janeiro, acolhendo os membros das organizações que configuram as redes entre Colômbia e o Brasil, gerando, o que chamo, desde a perspectiva da psicossociologia de comunidades, vínculos político-afetivos9 entre migrantes voluntários e foçados, membros destas redes.

Em resumo, as redes sociais político-comunitárias são redes extremadamente complexas, não são meramente redes de movimentos sociais articuladas para viabilizar suas causas e pautas ou simplesmente redes migratórias. São redes de múltiplas formas, pela complexidade da condição da migração forçada, envolvendo o político, o comunitário e o acadêmico, para conseguir articular a tarefa diária da população desarraigada no meio da luta política do movimento de vítimas.

Minha análise está centrada nos processos das mulheres vítimas do desplazamiento no período de assentamento e permanência em seus novos endereços após o desplazamiento, observando o complexo contexto do emaranhado de redes construídas, as organizações, os atores políticos, as instituições do Estado (nacionais, regionais, municipais e distritais), os partidos políticos, a sociedade civil organizada e as organizações internacionais. Debelando que a articulação e comportamento destas redes têm como objetivos: (a) desenvolver estratégias para articular seus cotidianos como militantes políticas desde uma perspectiva de gênero; (b) desenvolver os processos da militância política, o que também implica proteger os processos de luta em que estão inseridas para dar visibilidade à realidade colombiana a nível nacional e internacional, utilizando diferentes meios e estratégias de articulação que operam desde a lógica do testemunho; (c) elaborar coletivamente dinâmicas e estratégias comunitárias para articular o cotidiano das migrantes; e (d) contribuir com a construção da memória sobre o conflito social, político, econômico e armado colombiano.

A modo de conclusão - As Linhas das Redes Sociais Político-Comunitárias do Movimento de Mulheres Vítimas do Desplazamiento em Bogotá: a Militância Política

As vítimas são novos atores políticos na cena colombiana, os processos de militância política dão sentido às suas vidas em Bogotá. A construção da categoria de vítima desde a perspectiva das mulheres participantes da pesquisa surge a partir da construção coletiva, pois é nesta coletividade onde se desenham as redes sociais político-comunitárias, na luta coletiva pelos seus direitos e pela participação da construção do país (REVOLLO PARDO, 2015).

A militância política é o fio para tecer as redes sociais político-comunitárias do movimento de mulheres vítimas do desplazamiento, para elas a militância é uma atividade concreta de trabalho e um estilo de vida, que tem modificado seus cotidianos e a maneira como elas, através de seus processos, se relacionam com o sistema-mundo.

O caráter comunitário destas redes é dado em oposição à forma de atenção ineficaz do sistema Estatal de atenção às vítimas (em comparação com as necessidades veementes de uma população que migro forçadamente pelo que precisa ser atendida com urgência). As mulheres participantes da pesquisa se aproximam destas organizações formadas pelas mesmas vítimas do desplazamiento, precisando de orientação para resolver suas necessidades iniciais próprias dos migrantes forçados (abrigo, emprego, orientação para realizar os trâmites burocráticos nas instituições do Estado, cuidado dos menores e adultos da terceira idade, proteção e ajuda aos familiares que ficaram nas regiões de risco, entre outras). Assim, aos poucos elas vão se articulando dentro da rede da organização (e por sua vez, dentro da rede de mulheres da organização) de forma que estas estão articuladas em redes de organizações, ficando engajadas em processos políticos de militância – em rede – que transcendem os limites do comunitário.

A gestão dos recursos para a efetivação e o desenvolvimento dos processos de militância leva à configuração de redes entre organizações de vítimas, fazendo gestão com as instituições do Estado e outras organizações politicamente parceiras da luta popular (sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais) ou a gestão informal dos membros da organização ao interior de seus bairros e comunidades (como é o caso da gestão das creches comunitárias para cobrir a necessidade do cuidado das crianças enquanto as mães trabalham).

A vida política que elas assumiram depois do desplazamiento gerou novas dinâmicas familiares, modificou os laços entre os membros da família, ao tecer redes de apoio entre as organizações e as famílias dos membros das organizações. A recursividade das mulheres (caminhando pelos novos contextos urbanos) é característica do jeito como elas articulam seu local de vítimas, aproveitando os espaços das organizações para criar espaços mais próprios para as mulheres.

Nos testemunhos sobre como eram suas vidas antes do desplazamiento, revelaram que estavam enquadradas em vínculos patriarcais com elevados níveis de controle, dominação e violência. O que não muda após o desplazamiento, pois depois da migração forçada mantêm as tarefas de cuidado familiar, mas são adicionadas as responsabilidades econômicas da manutenção do lar, sobrecarregadas com processos pessoais e do coletivo familiar para a recuperação dos impactos dramáticos prévios e do mesmo desplazamiento, também devem assumir as jornadas dos trâmites (para conseguir o reconhecimento e recursos de sua situação de vítimas frente ao Estado). Por estar em circunstâncias de ocupação nas casas e nos locais de trabalho, estas mulheres e suas famílias, estão em risco de serem vítimas de múltiplas outras agressões. Deve ser notada a variável da violência sexual nos corpos e psiques das mulheres, a qual é constante nos diferentes contextos do conflito colombiano. As mulheres são vítimas de violência sexual em seus contextos familiares, nos contextos dos confrontos armados, no momento do desplazamiento, em seus processos de militância e no contato com a institucionalidade do Estado (a qual na maioria dos casos é operada por sujeitos machistas não preparados nas temáticas de gênero, subestimando os fatos do quadro da violência sexual).

As denúncias e questionamentos das mulheres vítimas do desplazamiento no contexto da militância política, bem como a construção de redes dentro da organização (e entre as organizações) geraram a construção de redes de mulheres vítimas, com espaços próprios para a reflexão feminista, sendo ponto de partida a um processo de militância política propriamente de mulheres, alcançando (com os anos) abrir uma pauta legislativa para o reconhecimento nas políticas nacionais e na legislação da população de mulheres vítimas do desplazamiento.

As redes político-comunitárias das organizações de mulheres vítimas do desplazamiento, também, estão articuladas com organizações culturais, empreendendo iniciativas em rede para o desenvolvimento de atividades culturais com reconhecidas companhias de teatro da cena local e nacional. O teatro é importante para a representação da sua militância, bem como para a configuração de processo de memória coletiva dos legados da memória do conflito social, econômico, político e armado colombiano.

Segundo Revollo Pardo (2015), a militância das mulheres vítimas do desplazamiento (pelo reconhecimento, a reparação, o retorno e o melhoramento do nível de vida em seus cotidianos) está entrecruzada com os empreendimentos da construção da memória do conflito. Elas narram o que aconteceu no país, são as testemunhas sobreviventes dos combates e carregam os legados da memória do conflito (JIMENO, 2010), seus testemunhos são um veículo para a emergência dos legados de memória na sociedade colombiana e internacional.

As vítimas estão trabalhando na articulação de suas redes migratórias político-comunitárias e acadêmicas, para se integrar (desde sua condição) na construção do país que as vitimou, mas não estão dispostas a suportar outra vitimização. A cena política colombiana esta ajustando uma fase de pós-conflito, as vítimas são as protagonistas desta proposta política, sendo indispensável que elas mesmas continuem lutando articuladamente para ficar posicionadas em redes que permitam desenvolver seus projetos políticos para a construção da paz com justiça social, onde a globalização contra-hegemônica luta contra o fascismo social, por meio da construção de redes locais, regionais e transnacionais, com diferentes características e sujeitos, na articulação dos processos do movimento de mulheres vítimas do desplazamiento na Colômbia e na região.

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