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Sexílio, alteridade e reconhecimento: Uma análise teórica sobre o refúgio de LGBTs
Sexílio, alteridade e reconhecimento: Uma análise teórica sobre o refúgio de LGBTs
O Social em Questão, vol. 21, núm. 41, pp. 283-306, 2018
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Resumo: Refugiados emigram forçadamente de seu país de origem para se proteger diante do medo e perseguição. Para muitos refugiados LGBT, a perseguição deve-se à reprodução de orientações sexuais e identidades de gênero fora dos padrões sociais. Contudo, mesmo no Estado de destino, ainda se encontram sucetíveis a antigas e novas formas de opressão, também pelo status de imigrantes. Nesse sentido, o trabalho procura destacar a situação de dupla alteridade e marginalidade social vivida pelos refugiados LGBT. O artigo terá como metodologia a discussão de bibliografia pertinente à migração internacional de sujeitos queer e proposições sobre a condição de exílio territorial.
Palavras-chave: Refugiados LGBT, Sexílio, Imigração, Estado, Outsider.
Sexílio, alteridade e reconhecimento: Uma análise teórica sobre o refúgio de LGBTs
Lucas Felicetti Rezende1
Resumo
Refugiados emigram forçadamente de seu país de origem para se proteger diante do medo e perseguição. Para muitos refugiados LGBT, a perseguição deve-se à reprodução de orientações sexuais e identidades de gênero fora dos padrões sociais. Contudo, mesmo no Estado de destino, ainda se encontram sucetíveis a antigas e novas formas de opressão, também pelo status de imigrantes. Nesse sentido, o trabalho procura destacar a situação de dupla alteridade e marginalidade social vivida pelos refugiados LGBT. O artigo terá como metodologia a discussão de bibliografia pertinente à migração internacional de sujeitos queer e proposições sobre a condição de exílio territorial.
Palavras-chave
Refugiados LGBT; Sexílio; Imigração; Estado; Outsider.
Sexile, alterity and recognition: A theoretical analyses about the refugee of LGBTs
Abstract
Refugees emigrate from their origin country to protect themselves from fear and persecution. For many LGBT refugees, persecution is due to the reproduction of sexual orientations and gender identities outside social standards. However, even in the State of destination, they are still susceptible to old and new forms of oppression, also by immigrant status. In this sense, this work seeks to highlight the situation of dual alterity and social marginality experienced by LGBT refugees. The article will have as methodology the discussion of bibliography pertinent to the international migration of queer subjects and propositions about the condition of territorial exile.
Keywords
LGBT refugees; Sexile; Immigration; State; Outsider.
Artigo recebido em dezembro de 2017.
Artigo aprovado para publicação em fevereiro de 2018.
Introdução
O número de pessoas refugiadas em 2016 é o maior da história. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR, 2017), a atual crise de refugiados supera os fluxos migratórios decorrentes dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e a tendência para os próximos anos é de intensificação. O refugiado é aquele que, segundo a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, por motivos de perseguição relativa à raça, nacionalidade, religião, opinião política e pertencimento a determinado grupo social é impelido a deixar o Estado em que reside para buscar a proteção de outro (ACNUR, 2011). Pela expressão deste fenômeno, se fazem relevantes e necessários estudos que discutam sobre estruturas de dominação e opressão que mobilizam o refúgio devido a estas motivações, e como seus reprodutores se inserem em novos contextos estatais e sociais. Em consonância, o futuro trabalho buscará articular o fenômeno do refúgio, sob as nuances das identidades sexuais de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT), reconhecidos como um grupo social.
A reprodução de identidades sexuais destoantes das normativas socialmente impostas pode ser motivo que instiga formas de desrespeito e perseguições em uma lógica de opressão estrutural. Indivíduos LGBT são alvos frequentes de violências físicas ou simbólicas, como meio de sanções por desviarem das normas culturais e, por vezes, juridicamente efetivas. Segundo a Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA, 2017), em 2017, mais de 70 países criminalizavam de alguma maneira orientações sexuais e identidades de gênero dissidentes, sendo que oito colocavam como possível pena a de morte. Temendo as diversas formas de perseguição – tanto institucionais quanto sociais – e, muitas vezes no imperativo de manutenção e preservação da própria vida, muitos LGBTs refugiam-se de seus países de origem e residência e se exilam em outras nações a fim de reproduzirem suas identidades sexuais em plenitude, na tentativa de não se verem mais coagidos pelas amarras opressivas do preconceito.
Ao refugiarem-se buscam a sobrevivência, bem como a livre e desimpedida reprodução de suas identidades sexuais. Contudo, se deparam com alteridades sociais, culturais e políticas que lhes impõe grandes desafios e adversidades. Enquanto deslocados forçados internacionais, se veem submetidos à condição de imigrantes, situação que tende a abarcar dificuldades de integração, adaptação, estigma e preconceitos por parte dos que na nova terra estão socialmente estabelecidos. Além disso, formas de controle de seus matizes sexuais, mesmo que de maneiras distintas, se perpetuam diante da sociedade receptora, de compatriotas e outros imigrantes refugiados e, quando se é o caso, inclusive, das institucionalidades responsáveis que regulamentam e concedem o status jurídico de refugiado. Nesse sentido, justifica-se o presente trabalho ao abordar os desafios que um sujeito LGBT enfrenta em situação de refúgio, alguém que vive em um contexto de dupla alteridade: deslocado geográfico e dissidente sexual.
Como objetivo principal, procura-se evidenciar a situação de dupla alteridade e marginalidade social vivida pelos refugiados LGBT. A fim de sustentar a argumentação e possibilitar a exposição da temática central do trabalho, também, será abordada a maneira como orientações sexuais e identidades de gênero desviantes podem engrenar a emigração (o sexílio: o exílio sexual); como se estrutura o sistema jurídico de proteção internacional à pessoa em situação de refúgio, com foco no sujeito refugiado LGBT; e como viver em situação imigratória pode trazer desafios ao sujeito deslocado. Para alçar tais objetivos serão feitas revisões bibliográficas que elucidam sobre a condição de imigrante e desviante sexual, sobre a situação de refúgio, debates sobre o sexílio, análise de instrumentos jurídicos e institucionais sobre o instituto do refúgio, bem como relatos sobre imigrantes e refugiados homossexuais, bissexuais e transexuais.
Elementos causais do sexílio e refúgio
O filósofo francês Didier Eribon (2008), ao se ater sobre formas de violência e estruturas sociais de dominação direcionadas à população homossexual argumenta que a linguagem guarda representações de hierarquias sociais. A linguagem, como instituição primeira que rege a relação entre os indivíduos em sociedade, além de possibilitar a comunicação os faz lembrar constantemente de seus posicionamentos hierárquicos na estrutura social. Nesse sentido, Eribon é tácito ao argumentar que: “No começo há injúria. Aquela que todo gay pode ouvir num momento ou outro da vida, e que é o sinal de sua vulnerabilidade psicológica e social” (2008, p. 27).
A injúria como um xingamento, uma violência simbólica direcionada aos não reprodutores de identidades heterossexuais e cisgêneros, é maneira encontrada por quem ofende de evidenciar não apenas sua situação de dominante na hierarquia social, mas também para submeter o ofendido, descrever-lhe sua posição no mundo enquanto ser dominado e de menor valor: “A injúria me fez saber que sou alguém que não é como os outros, que não está na norma. Alguém que é ‘viado’: estranho, bizarro, doente. Anormal” (ERIBON, 2008, p. 28). Nesse sentido, as orientações sexuais2 e as identidades de gênero3 que vão de encontro aos padrões reproduzidos pelos grupos dominantes são estigmatizadas. São vistas como “culpas de caráter individual, [...] vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais” (GOFFMAN, 2004, p. 7).
Howard Becker (2008) pontua que os grupos dominantes têm o poder de delimitar regras – sejam elas institucionais ou tradições e costumes informais – que os favoreçam e permitam a manutenção de suas situações enquanto superiores na hierarquia social. Os sujeitos que não se adequam às normas socialmente instituídas são tidos como outsiders, desviantes e são passíveis de sanções e punições. Sanções que, no caso de LGBTs, vão de olhares de reprovação, pequenas injúrias a violências fatais, sendo perseguições civis e, inclusive estatais. Vive-se uma realidade de diferença dos padrões socialmente impostos quando outsider sexual encontra-se em situação de alteridade.
As colocações de Becker (2008) sobre o recebimento de sanções como forma de controle social e suas consequências para a identidade do sujeito se assemelham às proposições do filósofo Axel Honneth (2003) sobre a negação de reconhecimento identitário. Entendendo-se por reconhecimento uma ação recíproca entre sujeitos que interagem no meio social a fim de alçar uma consciência comum e perceber, assim, o outro sujeito e a si próprio como iguais merecedores de direitos, estima social e afeto na totalidade de sua identidade, o autor afirma que “um indivíduo só está em condições de identificar-se integralmente consigo mesmo na medida em que ele encontra para suas peculiaridades e qualidades aprovação e apoio também de seus parceiros de interação” (HONNETH, 2003, p. 56).
O autorreconhecimento só se estabelece na medida em que se reconhece o parceiro de interação e que, em consonância, este o reconhece reciprocamente. O reconhecimento identitário de um sujeito em sua totalidade e a consequente formação de sua identidade pessoal se estruturam em etapas (afeto, direitos e estima social), por meio de padrões de reconhecimento recíproco pelos quais o indivíduo passa ao longo de sua vida. Tais formas são interligadas, sendo que a institucionalização de uma – ou a sua falta – na subjetividade do indivíduo influi em como as outras se estruturaram, em constante simbiose e construção.
O poder de reconhecimento ou não do parceiro de interação mescla-se com potências hierárquicas de dominação social. Segundo Honneth (2003, p. 208) as interpretações culturais, sobre o que é reconhecido ou não, são “determinado pelos interesses que os grupos sociais possuem na valorização das capacidades e das propriedades representadas por eles”. Além disso, é possível afirmar que, ao serem rotuladas como errôneas e fora das delimitações propostas pelos grupos dominantes, às ações e características dos ditos desviantes não são reconhecidas. O não reconhecimento de suas ações as invalidam como potencialmente construtivas e estimadas pelos parceiros de interação. Por conseguinte, o indivíduo que tem o reconhecimento negado é rotulado pelo seu desvio e sofre as consequentes formas de desrespeito a partir de uma lógica estigmatizadora.
Sendo as qualidades que norteiam as questões de sexualidade e gênero aspectos identitários fundamentais na consolidação da subjetividade e individualidade de um sujeito enquanto ser humano, quando tais qualidades são tidas como desviantes, ao indivíduo que as apresenta e reproduz é negado o reconhecimento e, por isso, suscetível se torna às formas de desrespeito e estigma. Ser queer4 – ou se orientar e/ou identificar com quaisquer sexualidades ou gêneros que vão de encontro aos padrões sobrepostos pela sociedade – é conviver com o estigma, é ser desviante.
Ser tido como desviante sexual catalisa um processo de estigmatização que o marginaliza, sendo todo este incessante processo tangenciado em uma estrutura hierárquica de dominação que o submete a incontáveis formas de violência que atravessam os mais variados meios sociais dos quais integra. Na tentativa de amenizar os efeitos limitadores e opressores – tanto indiretos quanto diretos – da condição de outsiders nos locais onde se é estabelecido, espacialmente, muitos sujeitos LGBTs optam por deixarem suas casas, cidades e até países como imperativo para a sua própria sobrevivência e reprodução plena de sua identidade (MOGROVEJO, 2017).
O Sexílio
Assim como muitos teóricos sociais do fenômeno migratório, Abdelmalek Sayad (1998) fundamenta as motivações individuais para a migração, principalmente, a partir de questões econômicas e laborais. Everett Lee (1966, p. 102) destaca que: “fatores pessoais, local de origem, local de destino, obstáculos são fatores que influem na decisão de se migrar ou não”. Para muitos sujeitos queer, a migração transcende a primazia econômica e laboral. O ato de migrar – voluntário ou não – por vezes, se configura como exílio, fuga de perseguições e temores que os assolam a partir de estruturas de dominação e de preconceito arraigadas nas localidades de onde são originários. A possibilidade de vivência plena e sem receios de orientações sexuais e identidades de gênero desviantes é fator que influi de maneira contumaz na emigração destes indivíduos reprimidos.
O pesquisador porto-riquenho Lawrence La Fountain-Stokes (2004) evidencia o papel preponderante e histórico da migração como instrumento catalisador de liberdade e sobrevivência para dissidentes sexuais. Seja da dicotomia geográfica tradicional das áreas rurais para os grandes centros urbanos, de uma região para outra em um mesmo território nacional e no atravessar de fronteiras internacionais, a mudança espacial para o sujeito queer representa uma nova oportunidade de reproduzir suas identidades distantes de estruturas de coerção sexual e de gênero que vigoram em terras natais. Este movimento de autoexílio, estruturado em torno da ânsia pela vivência plena de orientações sexuais e identidades de gênero desviantes, é denominado por sexílio.
Partindo das vivências etnográficas de Manuel Guzmán (1997) em uma boate para o público gay porto-riquenho em Nova York e de suas conceituações e terminologias, La Fountain-Stokes (2004; 2005) coloca que o sexílio se justifica e tem como causas e objetivos fundamentais: o distanciar da família e comunidade natal que reproduzem estruturas de dominação, estigma e violências direcionadas aos sujeitos queer; reestruturar a própria existência em localidades novas, onde não tem história e redes de socialização previamente firmadas; rumar a um local que seja conhecido por ser mais tolerante, receptivo e acolhedor aos dissidentes sexuais; local que haja comunidades e grupos consolidados de outros LGBTs; e onde seja possível e viável o tratamento médico para HIV/AIDS.
Em afinidade às proposições de La Fountain-Stokes (2004), Jon Binnie (2004) e Didier Eribon (2008) fazem importantes colocações que enriquecem e complementam o debate teórico sobre o sexílio.
Jon Binnie (2004) coloca que a principal motivação norteadora da migração de sujeitos LGBT é a vontade de reproduzir livremente a identidade sexual reprimida, qual ele nomeia de queer self. Mesmo que haja fortes elementos econômicos e laborais que sustentem a migração, o anseio pela possibilidade de reprodução e vivência do queer self se faz, em certa medida, presente para os dissidentes sexuais que aparentam não reproduzir o sexílio em stricto sensu. De acordo com o autor, muitas vezes, as migrações por motivações econômicas são vistas como oportunidades desencadeantes de um processo que possibilita a reprodução do queer self. Para evidenciar tal fenômeno, Binnie argumenta que o processo de industrialização nos países centrais no século XIX e os consequentes intensos fluxos migratórios para seus emergentes centros urbanos, como Paris, Londres e Nova York, potencializavam a vivência em ambientes com oportunidades de trabalho e que possibilitavam a liberdade sexual.
Para Didier Eribon (2008) os crescentes centros urbanos se configuravam como espaços onde era possível viver em situação de anonimato. A numerosa população e o dinamismo intrínseco das grandes cidades possibilitavam que o indivíduo sexilado reproduzisse seu queer self à distância de familiares e redes de entreconhecimento que o oprimiam na terra natal. O espaço urbano se consolidou como local de reprodução do queer self (BINNIE, 2004). Por conseguinte, emergiram nas grandes cidades do século XIX enclaves e comunidades que reproduziam a dita subcultura gay, tornando-as cada vez mais atrativas a sujeitos queer do meio rural, pequenas localidades e até outros países (ERIBON, 2008). Cria-se no imaginário dos indivíduos LGBT o que Eribon nomeia de “mitologia da cidade”:
Essa mitologia da cidade – e, portanto, da migração para a cidade – durante muito tempo coexistiu com uma mitologia mais geral da viagem e do exílio, não mais para a capital, mas para outros países, outros continentes. Houve – e, com certeza, ainda há – uma fantasmagoria do ‘outro lugar’ nos homossexuais, um ‘outro lugar’ que ofereceria a possibilidade de realizar aspirações que tantas razões pareciam tornar impossíveis, impensáveis, em seu próprio país (ERIBON, 2008, p. 33).
O Refúgio
Os dispositivos jurídicos que regem internacionalmente a instituição do refúgio e suas conceituações teóricas são essencialmente ligados ao sexílio, quando evidenciados os sujeitos queer. Contudo, existem diferenças práticas e conceituais que precisam ser pontuadas a fim de que sejam estudados com mais afinco os sujeitos desta pesquisa: os refugiados LGBT.
Ao teorizar sobre as proposições de La Fountain-Stokes (2004), Norma Mogrovejo (2017) coloca o sexílio como busca pela livre identidade sexual a partir da imigração, distanciando-se de perseguições diretas ou indiretas quanto ao gênero e sexualidade na terra natal. Tais colocações enquadram o exílio sexual como um tipo de imigração essencialmente forçada, distanciando-se da realidade de outros imigrantes queer que se deslocaram espacialmente por sua própria vontade, sem um caráter imperativo e urgente pela sua sobrevivência ou temeroso a possíveis violências, mas também almejando a livre reprodução de seus queer selves.
Eribon (2008) coloca que todo sujeito gay é, em algum momento vítima de injúrias, mesmo que se perceba ou afirme como não destinatário delas. Nesse sentido, nem todas as pessoas queer percebem a perseguição e preconceito quanto suas realidades de desviantes sexuais em perspectiva homogênea, afinal, como David Bell e Jon Binnie (2000) colocam, existem várias representações e formas conceituadas e percebidas de vivências queer pelo globo. Com isso, não são todos os que reproduzem o sexílio que estão a fugir por temores e perseguições eminentes, sendo que alguns como coloca Eribon: “procuraram deixar o lugar onde nasceram e onde passaram a infância para vir se instalar em cidades mais acolhedoras” (2008, p. 31). A exemplo já comentado, Binnie (2004) argumenta sobre os que migraram para grandes centros urbanos sob pretexto econômico, mas com traços de sexílio incorporados no deslocar, sem a necessária evidência de perseguições e violências intensas.
Diferentemente do sexílio, o refúgio é uma modalidade imigratória que, por excelência, refere-se apenas aos deslocamentos forçados. Contudo, são difíceis as distinções entre movimentos migratórios originários da própria vontade do sujeito em deslocamento ou se estes foram coagidos a transitar sob fronteiras. As migrações forçadas, por isso, são colocadas como as que apresentam elementos de coerção, incluindo ameaças à vida e bem-estar do migrante, sejam por questões antrópicas ou naturais (REED et al, 2016). No caso específico do instituto internacional jurídico do refúgio, os refugiados são deslocados forçados devido a perseguições odiosas e o temor fundado destas, estando excluídos os migrantes forçados unicamente por questões naturais e econômicas (ACNUR, 2011).
Considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, como instrumento capital de proteção às pessoas em situação de refúgio, traz a definição jurídica de “refugiado” e institui quem pode ser protegido pelo status de refugiado. De acordo com o artigo 1º (2) do Estatuto, o termo “refugiado” se aplica à pessoa:
Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele (ACNUR, 2011, p. 49).
Apesar de sua importância histórica e seu valor inestimável à proteção de sujeitos que se refugiam de seus territórios nacionais como forma de evasão de cenários de perseguição e um constante temor destas, o Estatuto dos Refugiados de 1951 apresenta limitações. Ele foi instituído para solucionar situações críticas específicas de pessoas deslocadas forçadas em solo europeu por perseguição à época – como os refugiados da Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945) e deslocados à força de crises localizadas e pontuais. Demais pessoas que não se adequavam às delimitações geográficas e cronológicas, não estavam aptas a gozar da proteção deste instrumento (ACNUR, 2011).
Pelo eclodir de novas situações críticas, onde diversas pessoas careciam da proteção de outro Estado que não os de origem, mas que não estariam sob os efeitos jurisdicionais do Estatuto de 1951, houve a emergência de ampliar o escopo de sujeitos capazes de solicitar refúgio. Por conseguinte, institui-se o Protocolo, em 1967, relativo ao Estatuto dos Refugiados que desmonta as delimitações territoriais e temporais do Estatuto de 1951, possibilitando o reconhecimento de quaisquer indivíduos perseguidos, ou temendo perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou pertencimento a determinado grupo social em escala global (ACNUR, 2011).
Os sujeitos que se refugiam por perseguição ou temor fundado em razão da orientação sexual e identidade de gênero podem ser reconhecidos como pertencentes a um determinado grupo social, como já mencionado, e, por isso, passíveis são da concessão do status de refugiados. O Estatuto de 1951 e o Protocolo de 1967 não trazem definições minuciosas sobre o que pode ser considerado como um grupo social, nebulosidade que flexibiliza a contingência de adequação ao termo para inúmeras situações de perseguição. Segundo o ACNUR, um grupo social específico é aquele que seus indivíduos tidos como pertencentes, além do fundado temor pela perseguição e como são percebidos pela comunidade da qual faz parte e seus perseguidores, têm em comum uma característica inata, “imutável ou que é fundamental para a identidade, consciência ou exercício dos direitos de um indivíduo” (ACNUR, 2011, p. 86). A orientação sexual e a identidade de gênero de um indivíduo, além de imutáveis, são aspectos fundamentais de sua subjetividade e, por isso, a livre reprodução delas deve ser assegurada e protegida, justificando a apropriação do instituto do refúgio para resguardá-lo de deslocados forçados vítimas de perseguição LGBTfóbica.
Apesar de buscar atender às necessidades das pessoas perseguidas, o processo de solicitação de refúgio pode trazer vários obstáculos aos solicitantes. Em um primeiro momento, é necessário que o indivíduo esteja dentro dos limites territoriais do país qual deseja a proteção para requerer o refúgio, o que pode tornar o processo dispendioso e, muitas vezes perigoso, o que endossa as colocações Eithne Luibhéid (2005) sobre como o sistema de refúgio comtempla sua proteção aos que tem meios de acessá-lo. A autora, ao comparar dos sistemas de refúgio e de controle migratório ordinário nos Estados Unidos, pontua que ambos são mais acessíveis a sujeitos homens, heterossexuais, economicamente privilegiados e de particular raça e nacionalidades. Em relatório, a Organization for Refuge, Asylum, and Migration (ORAM, 2012) estima que menos de um por cento do total de LGBTs vivendo em situação de perseguição consegue solicitar e receber o a proteção enquanto refugiados5.
O ACNUR, apesar de ter a premissa de “conduzir e coordenar ações internacionais para a proteção dos refugiados” (2010, p. 4), o processo de reconhecimento do status de refugiado é tutelado por autoridades migratórias do Estado receptor. No caso brasileiro, o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, é responsável pela análise das solicitações de refúgio para o país. A fim de solicitar a concessão do status de refugiado, é preciso que o imigrante se dirija a uma unidade da Polícia Federal, preencha um formulário contendo informações relevantes ao processo de avaliação, como evidenciando as formas de perseguição sofridas, qual a trajetória percorrida até chegar ao Brasil, o que lhe aconteceria caso retornasse ao Estado de origem, entre outras6. Após essa primeira etapa da solicitação, o sujeito ganha o direito de permanecer no território nacional com documentos provisórios até a decisão final do CONARE, que se dá após uma entrevista com representantes do órgão (ACNUR, 2010). É preciso que o solicitante, durante a entrevista, evidencie as formas de perseguição que sofreu ou que temia em seu local emigratório, situação que, muitas vezes pode ser constrangedora – principalmente para sujeitos vulneráveis como LGBTs evadidos – se mal guiada pelos indivíduos representantes do Estado de solicitação (ANDRADE, 2016). Janna Wessels (2011) denuncia os embates enfrentados por solicitantes LGBT, quando não respeitadas suas especificidades enquanto minorias sexuais pelas estruturas burocráticas nacionais. A auotra evidencia tratamentos inadequados dos representantes institucionais a respeito da comprovação de homossexualidade, culpabilização do solicitante pelo refúgio por não ter “escondido bem” sua identidade sexual.
Jon Binnie (2004) cita o caso de um sujeito romeno que, por não conseguir provar sua homossexualidade, não teve a solicitação de refúgio aceita pelo Reino Unido, pois ele não conseguiu, segundo a instituição responsável pela concessão do status, provar que era perseguido. Em uma outra tentativa, o mesmo sujeito entrou com o pedido de refúgio por baseado perseguições de outra natureza e obteve uma resposta positiva. Isadora França (2017) evidencia situações de coerção e constrangimento de autoridades migratórias espanholas e brasileiras para com refugiados sexilados, nas quais há uma necessidade de comprovação da sexualidade dos sujeitos, ao ponto de lhes serem questionados sobre o papel “ativo” ou “passivo” durante o intercurso sexual. Sobre tal questão, Gorisch et al. (2016, p. 14) pontuam que a “autodeterminação tem que ser garantida [...]. Os refugiados LGBTI fazem parte de um grupo ainda mais vulnerável e tem que receber tratamento diferenciado pelo benefício da dúvida”.
Condição de Refugiado LGBT
Os desafios e dificuldades enfrentados pelos refugiados LGBT não se findam ao serem reconhecidos enquanto sujeitos protegidos por um Estado que não o próprio. O estigma de desviante das normas sexuais e de gênero acompanham os refugiados sexuais nas mais diversas espacialidades em que se inserem, seja nos locais de origem ou destino imigratório. Além disso, fora de seu espaço nacional, enquanto imigrantes, estão sujeitos a estigmas e sanções destinados aos não estabelecidos geográficos na nova localidade. Soma-se à condição de outsiders sexuais a de outsiders geográficos.
Se analisado pela perspectiva das relações interestatais, é perceptível o reconhecimento do direito ao refúgio, na mesma medida em que há um movimento contrário dos próprios Estados receptores em coibir a entrada de novos sujeitos em seus territórios, vide os casos evidenciados na seção anterior. Neste sentido, o questionamento de Nancy Fraser (2009) nas discussões sobre justiça, em relação à efetividade de estruturas analíticas fundamentadas em pressupostos estatais e territoriais se faz importantes. A filósofa evidencia que a globalização catalisa a expansão de lutas por demandas distributivas e por reconhecimento, antes constituídas no cerne de instituições políticas nacionais, para a esfera internacional.
Como reflexo à readequação de lutas por justiça em um mundo globalizado, questiona-se a conceituação de cidadão em transcendência a concepções ligadas estritamente à condição de nacional. Os crescentes debates sobre a proteção de direitos humanos em perspectiva internacional dão ares transfronteiriços às reflexões sobre cidadania. E quando focalizados na insurgência sobre a adequação da proteção dos direitos humanos relativos aos nuances identitários de gênero e sexualidade – que tem ganhado espaço nas arenas de discussão e deliberação das Nações Unidas desde a década de 1980 (GORISCH, 2014) –, evidencia-se uma chamada “cidadania sexual” (BELL; BINNIE, 2000). A criação da imagem do “cidadão sexual” no jogo político internacional traz à tona um enquadramento positivo em relação a identidades sexuais dissidentes por parte, principalmente, dos Estados ocidentais. A inserção de pautas relativas à defesa dos direitos humanos de indivíduos queer na agenda política internacional de democracias ocidentais configura, segundo o sociólogo francês Eric Fassin (2011), a constituição de “democracias sexuais”.
Para Eric Fassin e Manuela Salcedo (2015), o crescimento das agendas políticas em torno das questões de gênero e sexualidade nas ditas “democracias sexuais” é elemento que viabiliza a instituição do sistema jurídico que abarca o refúgio para as populações LGBT. Apesar de ser possível gozar da proteção jurídica de outro Estado que não o de origem desde 1951 (ACNUR, 2011), as primeiras solicitações de refúgio baseadas na perseguição ou fundado temor destas por razões de gênero e sexualidade ocorreram apenas na década de 1990 (WESSELS, 2011). Contudo, o alavancar de estruturas protetivas para o “cidadão internacional queer” evidencia um caráter ambíguo das ditas “democracias sexuais”. A valorização de pautas e políticas sexuais pelos Estados ocidentais é usada para fins de controle da soberania e identidade nacionais. No administrar de fronteiras e no manejo de políticas migratórias, a “democracia sexual”, como uma faca-de-dois-gumes2, torna possível a proteção estatal dos solicitantes LGBT, mas avalia seus casos a partir de pressupostos identitários etnocentrados, com base em uma concepção de identidade sexual LGBT padronizada e como forma de barrar e limitar certas identidades culturais e raciais preteridas (FASSIN, 2011).
A proteção de sujeitos, direitos e identidades internacionais é causa sólida e estruturada quando pensada a partir da dinâmica política do jogo internacional pelos Estados, mas o ingressar do “outro” em territórios socialmente organizados, traz vigor à defesa por estruturas fronteiriças, sejam elas sociais, geográficas ou políticas. O “outro”, seja ele um refugiado LGBT, ou “outro” não nacional, se insere na problemática social de estabelecidos e outsiders evidenciada por Norbert Elias e John Scotson (2000). Ao estudarem a população de uma pequena cidade industrial inglesa, perceberam que os habitantes de uma das zonas que compunham a comunidade local eram estigmatizados pelos moradores de outras regiões. Atendo-se às motivações das críticas, exclusões e preconceitos direcionados aos habitantes da zona em questão, os pesquisadores evidenciaram que os estigmatizados eram imigrantes recém-chegados à localidade, enquanto os das outras zonas já eram estabelecidos há anos na região. Os imigrantes, outsiders na nova localidade, eram um grupo menos coeso, com redes de solidariedade menos firmadas entre os seus, o que ampliava os efeitos das formas de exclusão promovidas pelos estabelecidos em prol da manutenção do status quo de dominantes na comunidade:
Viver em situação de imigração é ser outsider, é estar submetido a hierarquias de dominação enquanto o elo mais vulnerável no contexto social. Em consonância com as descobertas de Elias e Scotson (2000) e Fassin (2011), Abdelmalek Sayad (1998) coloca que o imigrante, pela via do trabalho, se insere nessa estrutura de dominação geradora do estigma e exclusão. Para o sociólogo argelino, a mão-de-obra proporcionada pelo imigrante é o único elemento justificante da presença de um outsider em terras estrangeiras. E sua própria presença é situação que denuncia sua dominação.
Aos imigrantes são reservados os postos de trabalho menos valorizados, não importando suas habilidades, títulos e conhecimento. Trabalhos estes tidos como não dignos para os nacionais estabelecidos. A essa maneira, a presença do imigrante denuncia a própria colocação como subalterno e marginalizado, responsável pelas funções menos quistas na sociedade, via uma estrutura de dominação promovida pelos estabelecidos, que no desconforto de receber outsiders em seus locais de soberania, necessitam da mão-de-obra estrangeira para exercer funções não dignas (SAYAD, 1998).
A noção da existência da migração como denúncia da própria dominação que a permeia se assemelha às “democracias sexuais” de Fassin (2011), no sentido em que aceitam refugiados LGBT em seu território como forma de satisfazer anseios da comunidade internacional, mas sendo impreterível a inserção destes em posições sociais desvalorizadas, a fim de proteger a soberania e identidade nacionais. Somando-se a esta estrutura de dominação, o sujeito em imigração depara-se com uma realidade divergente da sua de origem, encontra-se em situação de alteridade. Segundo Sayad (1998), o imigrante se vê “perdido” no destino imigratório, distante de redes de solidariedade e estruturas de comportamento e pensamento às quais está acostumado e, na mesma medida, tendo o imperativo de se adaptar às novas realidades sociais, políticas e culturais da localidade atual. É preciso balizar constantemente novas e velhas referências em sua subjetividade a fim de capacitar sua vivência no horizonte que emerge. Ao ver-se ver diante desta situação que contempla formas de dominação, estigma e vivência em um contexto de alteridade, o imigrante presencia os efeitos de elghorba, termo utilizado por Sayad (1998) para se referir a uma realidade que abarca a sensação de perda, distância, exílio e isolamento.
Valendo-nos das proposições de Axel Honneth (2003) sobre as formas de reconhecimento recíproco que possibilitam um estruturar positivo do autorreconhecimento identitário do indivíduo e de sua percepção enquanto sujeito de valia por quem com ele atua socialmente, são perceptíveis os percalços dos imigrantes em suas trajetórias de vida no meio social no qual está inserido.
Na seara do reconhecimento jurídico, aos outsiders é reservado o não reconhecimento enquanto sujeitos pertencentes à comunidade social de seus parceiros de interação e, por isso, lhes são negados direitos e formas de proteção de suas subjetividades, o que, segundo Sayad (1998), justifica a economia do Estado na proteção do sujeito não estabelecido. E no espectro da estima social, por não serem pertencentes ao grupo, não são percebidos como potencias agregadoras à comunidade e, como consequência, suas ações, aspectos e nuances identitários, situações, condições e a totalidade de seus seres não são vistos como positivos pelo meio social de origem ou que é residente (HONNETH, 2003).
A partir do não reconhecimento na forma da estima social é válido dizer que, a orientação sexual e a identidade de gênero do imigrante, enquanto importantes elementos constituintes da identidade de um indivíduo, não são tidas como positivas, agregadoras e construtivas para o meio social. À medida que sofre com o estigma e não reconhecimento social como imigrante, sua identidade sexual é negada, marginalizada e passível se torna de violências e estigmas.
O refugiado LGBT foge de uma estrutura de dominação que o violentava em térreas natais, mas se insere em uma nova estrutura que o submete à marginalidade pela sua condição de outsider geográfico, sem relevar sua condição de outsider pelo seu queer self. Situação evidenciada no documentário “Sexual Exiles” (1999) de Irene Sosa. Sem colocar em evidência as etnias e nomes dos entrevistados no decorrer do documentário, Irene Sosa articula diversas falas e vivências (inclusive as próprias) expressadas que, apesar de distintas em muitos aspectos, guardam semelhanças essenciais: todos os entrevistados expõem as dificuldades que os fizeram sair, os problemas e questões que impossibilitam ou dificultam o retorno à terra natal e os impasses enfrentados enquanto imigrantes.
Um homem de origem latina, logo na primeira cena do documentário afirma tenazmente: “Eu não posso voltar” (tradução livre). Muitos que relatam suas histórias em “Sexual Exiles” (1999) colocam as dificuldades de se viverem na dissimulação e omissão de seus desejos, afetos e identidades nos países de origem. Por medo da violência, do preconceito, suas identidades sexuais eram reprimidas para família, amigos e comunidade. Outro homem latino relata se sentir como um turista em sua terra natal, não pertencente e nunca aliviado por omitir sua realidade. Uma mulher entrevistada, que a época da produção do documentário, trabalhava como militante das causas lésbica e negra, afirma poder viver fora do “armário” nos Estados Unidos, sem medo de ser assassinada, mesmo sendo “butch” (reprodutora de trejeitos ditos como masculinos). Assim como vários outros entrevistados, essa mesma mulher que atua como militante afirma sentir muitas saudades de seu país e de seu lar, mas sabe que terá que se dissimular para voltar, a fim de evitar que seja morta.
A mesma mulher que festeja poder militar pelas causas negra e lésbica em solo norte-americano, afirma que o racismo nos Estados Unidos é velado, mas é muito forte, sendo necessário para ela ter de escolher conviver em contextos de opressão por sua orientação sexual, ou por sua raça e nacionalidade. Ela reconhece que pode viver nos Estados Unidos, mas que nunca será uma cidadã, nunca será norte-americana, afinal ela “tem sotaque” (tradução livre). Um outro homem latino entrevistado desabafa sobre seus desapontamentos após refugiar-se: “Vindo de um lugar onde você é excluído, você espera encontrar seu próprio clube [grupo], suas expectativas estão muito altas para isso. Mas quando percebe regras que te excluem [...], é desolador” (tradução livre). A própria Irene Sosa relata se sentir, enquanto mulher lésbica e exilada devido a sua orientação sexual, minoria e inferior dentro do meio social em que está inserida. Diz que o pouco de abertura para viver sua sexualidade tem o preço de não se sentir bem-vinda e aceita em muitos dos novos lugares, por não ser geograficamente estabelecida nos Estados Unidos, e à medida que continua sua vida no exterior, sente que seu lugar de origem está cada vez mais distante. Ao final do documentário, uma mulher aparentemente mais velha diz se esforçar para fazer São Francisco seu lar e seus amigos família, mas sabe que as relações afetivas com o local de origem e familiares não podem ser substituídas. Contudo, afirma que se refugiar em solo norte-americano valeu a pena por não mais necessitar suprimir sua identidade sexual (SEXUAL EXILES, 1999).
Considerações finais
Ao longo do trabalho foi possível, por meio de sobreposições teóricas e a exemplificação via relatos, evidenciar a dupla situação de alteridade e marginalidade social vivida por refugiados LGBT: desviante sexual e outsider espacial. Foi possível compreender os mecanismos que engendram o sexílio, sendo a vontade de vivenciar a identidade sexual em plenitude e a fuga de perseguições LGBTfóbicas as principais motivações. Fomos capazes de delimitar as nuances específicas do refúgio, como migração forçada e instituto jurídico, dentro do universo que abarca a temática do sexílio. Além disso, foi explanado sobre a condição de ser um imigrante, bem como as formas de dominação hierárquicas que a compõe e como ela afeta a vivência do sujeito em migração.
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