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Seção livre: Serviço Social e “consultoria” de programas de assistência ao empregado
Seção livre: Serviço Social e “consultoria” de programas de assistência ao empregado
O Social em Questão, vol. 21, núm. 42, pp. 337-356, 2018
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Resumo: Este artigo apresentará resultados parciais de nossa pesquisa realizada no curso de doutorado, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2015), sobre o Serviço Social em empresa, enfatizando a nova forma de prestação de serviços por assistentes sociais, externos aos quadros de trabalhadores das instituições, através de empresas denominadas de “consultorias” especializadas em Programas de Assistência ao Empregado (PAE).
Palavras-chave: Serviço Social, Empresa, Consultoria.
Serviço Social e “consultoria” de programas de assistência ao empregado
Márcia Regina Botão Gomes1
Resumo
Este artigo apresentará resultados parciais de nossa pesquisa realizada no curso de doutorado, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2015), sobre o Serviço Social em empresa, enfatizando a nova forma de prestação de serviços por assistentes sociais, externos aos quadros de trabalhadores das instituições, através de empresas denominadas de “consultorias” especializadas em Programas de Assistência ao Empregado (PAE).
Palavras-chave
Serviço Social; Empresa; Consultoria.
Social work and employee assistance programs “consultancy”
Abstract
This article will present partial results of our research carried out in the doctorate course at the University of the State of Rio de Janeiro (2015), on Social Work in Business, emphasizing the new way of providing services by social workers, external to the cadres of workers of the institutions, through companies called "consultancies" specialized in Employee Assistance Programs (PAE).
Keywords
Social Work; Company; Consulting.
Artigo recebido em junho de 2018
Artigo aprovado em julho de 2018
Introdução
O Serviço Social na área de empresa tem sido objeto de estudo e de pesquisa por intelectuais da profissão desde 1976. A produção de Freire (1983) sobre o Serviço Social organizacional deu início às reflexões realizadas na área sócio-ocupacional empresarial. Naquele momento, parte da categoria profissional se encontrava em fase de aproximação com a perspectiva teórico-metodológica marxista, o que limitou um pouco as análises da época, que foram aprimoradas nas décadas seguintes com importantes contribuições.
A partir da obra de Iamamoto e Carvalho (1982), o debate teórico sobre a profissão – com base na teoria social de Marx – desvelou contradições do Serviço Social e apontou algumas particularidades da área sócio-ocupacional empresarial. Seguindo a mesma perspectiva teórica desses autores, Mota (1986) aprofundou o debate sobre o Serviço Social na empresa, demarcando, dentre outras questões, o aspecto político das requisições profissionais realizadas nas empresas, originando a produção bibliográfica de título Feitiço da Ajuda: as determinações do Serviço Social na empresa, há 32 anos aproximadamente.
Ao longo da década de 1990, ocorreu no meio acadêmico internacional e nacional um intenso investimento em pesquisas sobre a categoria trabalho por diversas áreas do conhecimento. Isso não ocorreu por acaso, mas em decorrência de um conjunto de transformações societárias originais da crise capitalista dos anos de 1970, as quais incidiram articuladamente na reconfiguração do Estado, da cultura, da política e das formas de contratação e gestão do trabalho. Tais aspectos, amplamente debatidos por intelectuais da sociologia do trabalho e de outras áreas acadêmicas, incidem nas profissões de um modo geral.
O Serviço Social sendo uma das profissões que vem sofrendo inflexões das transformações societárias, também congregou – em seus quadros de intelectuais – profissionais com o interesse pelo aprofundamento da pesquisa acerca da categoria trabalho. Nessa conjuntura, a área empresarial, como campo de pesquisa, tornou-se um dos principais espaços sócio-ocupacionais para a apreensão dos processos de reestruturação produtiva em curso.
No conjunto de docentes que pesquisaram o Serviço Social em empresa, na década de 1990, destacamos: Iamamoto (2003), Mota e Amaral (1998), Cesar (1998) e Freire (1998). Essas autoras identificaram mudanças nas requisições e competências profissionais dos assistentes sociais em função da transição do modelo keynesiano-fordista para o modelo de “acumulação flexível”, decorrente das exigências do capitalismo mundializado.
Considerando o destaque do modo de gestão Toyotista introduzido nas grandes empresas, na década de 1990, Cesar (1998) destacou algumas inflexões no Serviço Social, tais como: 1) os processos de terceirização; 2) flexibilização dos contratos de trabalho; 3) aumento do controle das atividades; 4) a necessidade de demonstrar esforço extra na realização das tarefas desempenhadas; 5) envolvimento com a empresa como se fosse sua propriedade; 6) domínio de tecnologia para a mensuração dos resultados e cumprimento das metas estabelecidas pela empresa; 7) intensificação do trabalho e a tendência à ampliação do trabalho terceirizado por meio de “consultorias”.
Nos dias atuais, faz-se necessário a manutenção do investimento em novas pesquisas sobre esse espaço sócio-ocupacional, pela dinâmica da sociedade, por se tratar de uma área historicamente importante para o mercado de trabalho dos assistentes sociais e por ser um espaço contraditório de luta por direitos da classe trabalhadora. Sobretudo, pelos agravamentos ocorridos nos modos de contratação da força de trabalho ao longo das primeiras décadas do século XXI, dentre os quais destacamos os processos de terceirização, acompanhados da informalidade do trabalho (ANTUNES, 2006; 2013; 2014).
Neste artigo, será priorizado o desenvolvimento do debate acerca dos processos de terceirização sob o formato de “consultorias”, já apontado por Cesar (1998), porém com o recorte nas denominadas “consultorias empresariais”, pois esse modo de inserção nas empresas expressa alterações no trabalho dos assistentes sociais, fragmentando funções, precarizando as formas de contratação, impactando na qualidade dos serviços prestados.
Sendo assim, em um primeiro momento, cabe esclarecer o seguinte: o que tem sido divulgado no mercado de trabalho como “consultoria empresarial” não se trata de uma nova área de atuação profissional, como aparenta ser. Trata-se de processos de terceirização e – em alguns casos – de quarteirização com contratos de trabalho desprotegidos e ocasionais para os trabalhadores que prestam serviços às empresas de variados portes e ramos de atuação. Outro esclarecimento importante se refere à compreensão do termo consultoria, que apesar de ter sido utilizado de forma banalizada, o seu real significado possui outros objetivos e estes não devem ser abandonados pelas profissões.
A concepção de consultoria, adotada neste artigo, supõe que esta competência tem objetivo de qualificação do trabalho desempenhado pelo assistente social ou por outros profissionais. Compreende um nível de atividade com conhecimento especializado, possibilitando formular análises, pareceres, proposições sobre situações de trabalho, envolvendo a instituição contratante, com planejamento, implantação de programas, podendo compreender, ainda, treinamentos de profissionais de quadros internos com o objetivo de ampliar direitos da classe trabalhadora. Porém, sem substituição de trabalhadores contratados por outros subcontratados, como vem ocorrendo nas empresas pesquisadas2.
Dessa forma, a nossa compreensão do termo consultoria vincula-se aos princípios ético-políticos do Serviço Social, portanto, tem por base um significado progressista. O seu conteúdo apoia-se, principalmente, nas produções de: Vasconcelos (1998), Bravo e Matos (2006), Freire (2006) e Botão Gomes (2010; 2015a; 2015b).
Para efeitos de diferenciação entre o real significado do termo consultoria e o seu uso distorcido com finalidade de omissão do trabalho precário, a palavra consultoria será escrita entre aspas. Estabelecer essa diferença é fundamental, pois muitos termos progressistas – tais como: liberdade e democracia – têm sido apropriados por capitalistas ou por seus representantes em favor de seus ideais lucrativos e de acumulação intensa. Essas distorções não se resumem ao uso semântico inadequado, mas consistem em uma estratégia política e ideológica com objetivo de obtenção de consensos da classe trabalhadora, para atenderem aos interesses do capital como se fossem seus. Pensar as “consultorias empresariais” exige de nós um empenho de desmistificar a aparência desse modo de inserção profissional nas empresas, pois não se trata de um fenômeno isolado em si mesmo ou circunscrito ao Serviço Social. Essas novas configurações do Serviço Social na área empresarial são, dentre outros aspectos3, desdobramentos das transformações societárias ocorridas a partir da década de 1970 e 1980 nos países centrais, e 1980 e 1990 no Brasil, transformações estas decorrentes da crise capitalista, que se desdobraram em um conjunto de medidas paliativas e insuficientes para a contenção dessa crise, tornando-se geradoras de novas crises mais graves, como ocorreu em 2008, nos EUA, de acordo com Mészáros (2009).
Segundo Antunes (2014), as mudanças ocorridas no trabalho – a partir da década de 1970 – apontam para a formação de um conjunto multiforme com tendências mundiais de informalização da força de trabalho e de ampliação dos processos de precarização social do trabalho. No Brasil, essa questão torna-se mais intensa por não ter atingido patamares de desenvolvimento produtivo e de proteção social semelhante aos dos países de capitalismo central, assim como não obteve níveis amplos de emprego, conservando traços antigos de sua formação socioeconômica.
Nas últimas décadas, formalidade e informalidade do trabalho têm caminhado cada vez mais próximas. Os processos variados de terceirização têm sido intermediadores dessas relações e, consequentemente, assumem um papel central em nossa sociedade, transformando-se em uma das estratégias principais do patronato (ANTUNES e DRUCK, 2014).
Essa realidade pode ser observada nas chamadas “consultorias empresariais”, nas quais a articulação entre trabalho terceirizado com vínculo formal e trabalho informal, sem garantias mínimas previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), são expressões do aumento da exploração do trabalho vivenciadas por profissionais com nível superior de diversas áreas. As características das contratações desses profissionais revelam a realização de trabalho ocasional, domiciliar, com baixa remuneração, entre outros, sob a aparência de algo moderno, inovador e criativo, mas reduzindo salários, intensificando o controle das atividades e, consequentemente, ampliando a subordinação do profissional contratado com status de “consultoria”.
Por outro lado, isso não significa dizer que não existam possibilidades dos assistentes sociais prestarem consultorias e assessorias com objetivos de melhoria dos serviços, bem como sintonizados com o projeto ético-político hegemônico no Serviço Social assumindo o seu real sentido de qualificação profissional e de ampliação dos direitos das classes trabalhadoras. Essas consultorias podem ser realizadas em diversas áreas de atuação, tais como: saúde, educação, sociojurídica, acadêmica etc.
Em nossa pesquisa de doutorado, privilegiamos o estudo de duas modalidades de “consultoria”: as especializadas em Programas de Assistência ao Empregado (PAE) e as especializadas em Serviço Social4. A reflexão proposta neste artigo se concentrará na primeira modalidade pesquisada, as especializadas em Programas da Assistência ao Empregado (PAE), por ser menos conhecida pela categoria profissional e apresentar maior impacto nas condições gerais de trabalho, com maior redução da autonomia relativa dos profissionais. A exposição será organizada em três momentos: 1) uma breve apresentação dos Programas de Assistência ao Empregado (PAE); 2) os principais impactos para os assistentes sociais e para os usuários desses serviços; e 3) algumas considerações finais.
Programas de Assistência ao Empregado (PAE): uma breve apresentação da sua proposta de trabalho
Os chamados Programas de Assistência ao Empregado (PAE) foram desenvolvidos nos Estados Unidos (EUA), na década de 1940, e são conhecidos internacionalmente como Employee Program Assistence (EAP). São organizados conforme diretrizes de uma associação chamada International Employee Professional Assistence (EAPA)5, que indica um determinado modo de prestar assistência aos trabalhadores, funcionando como uma espécie de protocolo de atendimento a ser seguido. A EAPA fornece treinamentos e certificações dos modelos dos Programas de Assistência ao Empregado6. Em texto publicado no site da Associação, informa-se que:
A International Employee Assistence Professional Association (EAPA) é a maior, a mais antiga e mais respeitada organização de membros do mundo para profissionais de assistência ao empregado, com membros em mais de 40 países ao redor do globo. É a maior fonte de informação e apoio para os profissionais que trabalham com assistência ao empregado. A EAPA publica o Jornal employee Assistence, sedia a conferência mundial anual de EAP, oferece treinamento e outros recursos para cumprir sua missão. A missão da EAPA é promover os mais altos padrões de prática de assistência ao empregado e o contínuo desenvolvimento de profissionais que trabalhem com programas e serviços de assistência. Fonte: site da EAPA de domínio público7. (tradução nossa).
Este modelo de atendimento ao trabalhador, chamado de Programa de Assistência ao Empregado (PAE), afirma privilegiar quatro áreas principais: psicológica, social, financeira e jurídica (exceto o direito do trabalhista). Para que o trabalhador e seus familiares tenham acesso aos serviços, devem acessar uma linha telefônica gratuita, 0800, disponibilizada pela denominada “consultoria”, que possui um serviço de call center funcionando 24h. Ao telefonar, o trabalhador será atendido por um denominado “consultor social”, com formação de nível superior em diferentes áreas. Esse suposto “consultor social” fará uma triagem do atendimento e passará a demanda para um segundo profissional, conforme a questão identificada. Por exemplo: se o “consultor” analisar que se trata de uma solicitação de natureza psicológica, encaminhará o atendimento para um psicólogo, ainda por telefone. Esse trabalhador poderá ser encaminhado a um consultório para atendimento presencial se o psicólogo atendente do “call center” avaliar que existe essa necessidade, caso contrário, fornece uma orientação apenas. O mesmo procedimento é válido para as outras áreas profissionais.
A definição do escopo do Programa é feita pelas empresas contratantes dos serviços, que podem escolher as especialidades de interesse, seguindo uma lógica flexível. O número de atendimentos presenciais tem sido limitado a uma média de seis encontros, podendo variar de acordo com o contrato estabelecido entre as empresas. Para um tratamento contínuo, o trabalhador deverá recorrer a um psicólogo cadastrado no plano de saúde da empresa, na rede pública ou nos institutos e associações.
A “consultoria” pesquisada por nós é uma das mais desenvolvidas no Brasil, possuindo vinculação com grupos internacionais privados da área da saúde. A sua estrutura contém um núcleo de profissionais terceirizados integrantes das equipes de call center, os chamados “consultores sociais”, e um grupo de profissionais integrantes de uma rede credenciada para a prestação de atendimentos presenciais, são os “consultores associados”. Até o ano de 2015, havia no cadastro da empresa, aproximadamente, 3.000 profissionais inscritos. Esses “consultores sociais” que trabalham no call center possuem vínculo de trabalho com carteira assinada, recebem remuneração mensal fixa entre três e cinco salários mínimos, além de salários indiretos, como plano de saúde, vale-alimentação e transporte.
Os profissionais prestadores de serviço que realizam os atendimentos presenciais não possuem vínculo empregatício com carteira de trabalho assinada, trabalham conforme demanda de serviços, recebendo salários por hora de trabalho, de acordo com a tabela dos conselhos federais. Esses profissionais sofrem maiores perdas dos direitos trabalhistas, integrando o grupo de trabalhadores informais, ocasionais.
Os sites institucionais das empresas que comercializam os PAE’s apresentam muitas semelhanças nas formas de divulgação de suas propostas, pois seguem o modelo difundido pela EAPA. Em geral, informam que o PAE é um serviço que atende 24h, sete dias por semana, para auxiliar os funcionários a resolverem seus problemas pessoais dentro e fora do trabalho, a fim de evitar que esses problemas afetem negativamente a produtividade, segundo as empresas prestadoras dos serviços.
As “consultorias” destacam a confidencialidade como um incentivo à busca pela ajuda do programa, por parte dos trabalhadores. Destacam que a empresa pode manter o foco na produtividade, enquanto a chamada “consultoria” cuida do que elas consideram serem problemas do trabalhador.
A ênfase no sigilo profissional tem sido um dos argumentos para a contratação do trabalho precário tanto do ponto de vista do vínculo estabelecido, quanto do ponto de vista das condições gerais para a realização das atividades. A ideia de o atendimento externo à empresa ser um elemento de confiança é falaciosa, pois o sigilo faz parte dos princípios profissionais independente da inserção sócio-ocupacional.
No formato proposto pelo PAE, os atendimentos telefônicos são privilegiados ao proporcionarem uma economia com o custo da força de trabalho, mas não necessariamente para as empresas contratantes dos serviços. Nesse sentido, observa-se que – para além das questões econômicas – essas propostas de atendimento ao trabalhador fora do ambiente de trabalho atendem, também, interesses de natureza político-ideológica, uma vez que as demandas dos trabalhadores são tratadas isoladamente e externamente aos processos de trabalho, enfraquecendo o potencial de organização e de reivindicação coletiva, despolitizando as relações.
O recurso telefônico pode significar uma aproximação ágil entre o trabalhador e o profissional que presta o atendimento em qualquer horário, por outro lado esse recurso sendo priorizado causa um distanciamento entre assistente social e sujeitos atendidos, com consequência para a qualidade dos serviços prestados. Essa análise não descarta a possibilidade de os atendimentos impactarem positivamente a vida do trabalhador, mas pretende evidenciar que os seus limites não são poucos.
Os chamados Programas de Assistência ao Empregado (PAE’s) têm sido transformados em potenciais mercadorias para o capital – inclusive internacional – com grande potencial de venda para empresas de diferentes segmentos e portes, pois a sua lógica individualizante vai ao encontro dos interesses do capital, que tem investido no desenvolvimento de uma cultura individualista e desmobilizadora da classe trabalhadora.
Também tem sido disseminado nos sites institucionais o argumento de que está comprovado que os profissionais com problemas familiares têm o rendimento no trabalho significativamente prejudicado, por isso o PAE deve ser extensivo aos dependentes. Essa afirmação reforça a ideia de que não é o trabalho que afeta a saúde, mas são os problemas privados dos trabalhadores que afetam a empresa.
A noção de indivíduo social apresentada por Iamamoto (2010), apoiada em Marx, nos fornece elementos para desmistificar a aparência de que as diferentes expressões da “questão social”, muitas vezes reveladas individualmente, não são desconectadas do conjunto social.
“O ponto de partida é a produção material de um grau determinado de desenvolvimento social, em uma dada época histórica: produção de indivíduos sociais” (IAMAMOTO, 2010, p.346, grifo da autora). Esses indivíduos formados por dimensões objetivas e subjetivas, ao mesmo tempo em que são frutos de condições e relações sociais, são criadores da sociedade, portanto não são apenas dados da natureza ou sujeitos independentes.
As análises de Linhart (2007; 2014) e de Alves (2014) nos revelam como os processos de gestão empresarial, especialmente o Toyotismo, têm originado doenças físicas e mentais decorrentes de processos de isolamento social. Isso não quer dizer que nos modelos de gestão taylorista-fordista não houvesse controle ou adoecimento dos trabalhadores, a diferença essencial está no fato desse controle atualmente ocorrer com a aparência de maior liberdade do trabalhador, exigindo um alto nível de cobrança e de eficiência que antes era exercido principalmente pelos gerentes. A competitividade instaurada nas relações de trabalho tem feito do autocontrole um instrumento que impulsiona a produtividade a níveis cada vez mais elevados.
A contradição estabelecida entre a produção social e as formas de avaliação individual também foi destacada pela autora Daniele Linhart (2007) como uma das principais fontes de sofrimento no trabalho, gerando sentimentos angustiantes, como solidão, fracasso e incapacidade diante das metas de produtividade estabelecidas pelas empresas contratantes. A manifestação mais aguda desses processos tem sido o suicídio.
Os profissionais dos PAE’s afirmam que esse Programa tem sido uma ferramenta eficaz na prevenção das taxas crescentes de suicídio no mundo. Não descartamos a possibilidade dessa contribuição, porém esse recurso é insuficiente. Trata-se de um Programa pontual, que lida com as “questões sociais” de modo emergencial, individualizado, negando a relação com o trabalho, personalizando o suposto problema, o que culpabiliza ainda mais o sujeito social adoecido.
Segundo Linhart (2007), o trabalho moderno se caracteriza por uma hiperpersonalização. Isso não ocorre por acaso, mas possui fundamentação sócio-histórica, dentre elas, os acontecimentos de maio de 1968 na França. Apoiada nas análises de Chiapello e Boltanski (1999 apud LINHART, 2007), Linhart afirma que as reivindicações realizadas nesse período, sobretudo na greve geral que durou três semanas, ocasionaram um “contragolpe” do patronato, a individualização.
A consequência dessa estratégia empresarial tem sido a precarização subjetiva das classes trabalhadoras, que se tornam mais dependentes das empresas e mais concorrentes entre si, buscando reconhecimento constante para permanência no trabalho e melhoria do nível salarial. Alves (2014) enfatiza nessas relações de trabalho a disputa pelo intangível como uma das principais estratégias do capital na era da mundialização. Destaca que a “captura da subjetividade” do trabalhador não se encerra nas empresas, mas afeta todo processo social.
A alienação do trabalho e de si mesmo tem sido um dos elementos essenciais para a compreensão de diferentes expressões da “questão social”, que, por sua vez, vêm afetando o conjunto dos trabalhadores, no qual os assistentes sociais estão incluídos. Nas “consultorias empresariais” mencionadas, os assistentes sociais desempenham suas atividades, principalmente, de forma isolada, seja nos atendimentos telefônicos ou nos atendimentos presenciais fragmentados, a depender da modalidade de contratação.
Sobre o ponto de vista contratual, a inserção dos assistentes sociais nos Programas de Assistência ao Empregado (PAE’s), tem ocorrido de duas formas: 1) com vínculo formal de trabalho; e 2) pela prestação de serviços sem vínculo de trabalho. As funções desempenhadas não coincidem com o título dos seus cargos funcionais, ou seja, os assistentes sociais – chamados de “consultores sociais” ou “associados” da rede credenciada de serviços – têm suas funções desempenhadas de forma fragmentada, externa às empresas contratantes das “consultorias”. São contratos de trabalho terceirizados com ou sem vínculo empregatício, com salários mensais ou pagamentos por serviços.
Sobre as principais demandas dos trabalhadores para o Serviço Social, destacam-se: orientações sobre dependência química; violência contra mulher, idoso e criança; orientação sobre recursos públicos; saúde mental; relações de trabalho; questões de saúde em geral; endividamento etc. Além dessas demandas historicamente frequentes na profissão, inclui-se outras mais complexas, dentre as quais, destacamos o suporte a familiares de vítimas de violência urbana e o atendimento a pessoas com altos níveis de depressão, com risco de suicídio. No caso dos atendimentos a pessoas que relatam níveis de depressão agudos, com possibilidade de cometer suicídio, as orientações prestadas lembram a atuação da instituição Centro de Valorização da Vida (CVV)8.
Em contexto de precarização do trabalho e, também, de precarização subjetiva para o conjunto dos trabalhadores, as demandas para o Serviço Social têm se apresentado cada vez mais complexas. Essa “complexificação” das expressões da “questão social” tem sido parte dos argumentos de venda dos serviços dos PAE’s, que apresentam em seus sites institucionais uma relação entre a contratação do serviço e possíveis reduções de gastos com saúde e aumento da produtividade.
Do ponto de vista da organização e do fluxo do trabalho, o processo tem início a partir do contato telefônico feito pelo trabalhador aos “consultores” do call center. Nesse instante, é realizada uma triagem; no segundo momento, o “consultor” encaminha o usuário para um profissional específico, considerando a demanda do usuário e as quatro especialidades principais (Serviço Social, Direito, Psicologia e Finanças). Em todos os casos, a orientação da consultoria é priorizar a solução do atendimento à distância. Segundo dados da empresa pesquisada por nós, 70% dos atendimentos são realizados e encerrados por telefone.
Os assistentes sociais que trabalham no call center são limitados à prestação de orientações breves, que podem originar a contratação ocasional de assistentes sociais ou de outros profissionais da rede credenciada de serviços, a depender da necessidade do trabalhador atendido e autorização da coordenação do programa, mediante negociação. Não há autonomia dos assistentes sociais para efetivação desse encaminhamento.
A utilização de recursos tecnológicos pelas “consultorias” tem garantido uma economia com a contratação de profissionais, diante do trabalho à distância e da intensificação das funções, com controle excessivo no desempenho das atividades. No caso dos contratados para o call center, existe um sinal luminoso indicando que há outro usuário aguardando a linha telefônica para atendimento. Essa pressão exercida tem gerado impactos em diferentes dimensões para os profissionais.
No caso dos assistentes sociais, destacamos dois aspectos centrais, embora existam outros; 1) aumento da subordinação e do controle do trabalho, na medida em que as condições para a realização do trabalho profissional – com a redução das possibilidades de ressignificação das requisições institucionais – torna o trabalho profissional pontual, rotineiro e de difícil resolutividade, sobretudo das situações mais complexas, gerando angústias e sentimento de incapacidade; 2) aumento do processo de alienação do trabalho, uma vez que a condição de isolamento dos assistentes sociais – do local para onde presta os serviços – e dos trabalhadores atendidos reduz o contato com as áreas contratantes das empresas, prejudicando possíveis negociações e elaboração de propostas. Algumas assistentes sociais que trabalham no call center não sabem para quantas empresas prestam serviços, perdem completamente a noção desse quantitativo e também do qualitativo.
Sobre o processo de trabalho dos profissionais da rede credenciada – aqueles que são cadastrados para eventuais prestações de serviços –, se inicia quando o profissional que atendeu o trabalhador no call center identifica a necessidade de um atendimento presencial. Esses atendimentos podem ocorrer na empresa de “consultoria”, em domicílio, em hospitais ou até mesmo nas empresas contratantes, mas este último não tem sido o mais frequente. Após o término do trabalho, esses prestadores de serviços devem emitir um relatório para a “consultoria”, constando todas as atividades desenvolvidas.
Diante deste panorama geral sobre as configurações dos PAE’s nas empresas, cabe destacar quatro aspectos: 1) os modos de precarização dos contratos de trabalho; 2) as condições de trabalho com propostas pré-formatadas, as quais intensificam o número de atendimentos prestados aos trabalhadores de variadas empresas; 3) o isolamento dos assistentes sociais com relação ao conjunto de trabalhadores atendidos e às empresas para onde prestam seus serviços; e 4) a ampla fragmentação no trato das questões apresentadas com mínima ou quase nenhuma articulação entre os profissionais prestadores de serviços.
Nos quatro elementos destacados estão presentes questões objetivas e subjetivas do trabalho, afetando as relações de trabalho e de reprodução dos trabalhadores. Apesar dos avanços do Serviço Social após a década de 1980 e da persistência de muitos assistentes sociais em manterem seus compromissos ético-políticos, prioritariamente com a classe trabalhadora, diante de contextos societários adversos, identificamos o aumento das dificuldades e desafios para os profissionais que atuam nos Programas de Assistência ao Empregado (PAE’s).
Impactos dos Programas de Assistência ao Empregado para os assistentes sociais e para os trabalhadores atendidos
Diante das reflexões apresentadas, pode-se afirmar que a proposta de assistência ao empregado, disseminada como PAE’s, tem impacto para os assistentes sociais em todos os modos de contratação, afetando as dimensões objetivas e subjetivas.
Existem perdas financeiras, pois o assistente social “consultor” do call center recebe em média R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais mensais) e quando tem um bom desempenho, para os objetivos da empresa de consultoria, pode ser promovido e passar a receber uma média mensal de 3.000,00 (três mil reais), mas a sua carga horária de trabalho, nesse caso, é modificada de 30 horas para 40 horas semanais, porque deixa de ser um atendente do call center9. Para se obter uma dimensão real deste prejuízo, é necessário comparar esses salários com as remunerações dos profissionais substituídos nas empresas, incluindo as diferentes formas de proteção social.
Além das questões financeiras, pode haver impactos na saúde física e mental, pois o risco sócio-ocupacional pode ocasionar perda de audição, visão, comprometimento do aparelho fonador, da coluna vertebral, com possibilidade de desenvolver lesões por esforço repetitivo, passando-se, assim, a ser uma realidade desta condição de trabalho. Pois, apesar do título do seu cargo na empresa ser “consultor”, esse profissional é um atendente de call center com formação em Serviço Social.
Para os assistentes sociais que trabalham nas redes credenciadas de serviços, destacamos a incerteza do trabalho e da remuneração, visto que a prioridade do atendimento nesses programas é a solução por telefone.
Em todos os modos de contratação, não há um projeto para o exercício profissional nas instituições, embora possa haver por parte dos profissionais um compromisso ético-político com a profissão e com os usuários dos serviços. Este trabalho se aproxima mais de uma possibilidade de complementar a renda de um trabalhador com emprego mal remunerado, caracterizando o pluriemprego, ou uma oportunidade para o ingresso no mercado de trabalho no início de carreira ou posterior à aposentadoria.
Para os assistentes sociais que trabalham nos quadros funcionais das empresas contratantes, chamamos a atenção para os riscos de substituição dos postos de trabalho por programas pontuais e emergenciais, imediatamente ou gradativamente, a depender do grau de estabilidade no emprego.
Para os trabalhadores usuários dos serviços, também existem impactos, apesar do programa oferecer alguns benefícios, ao terem um atendimento rápido com soluções objetivas de curto prazo. Podem ter prejuízos na qualidade do atendimento no caso de demandas mais complexas. A elaboração de programas e de projetos novos é reduzida, pois os atendimentos numa perspectiva individualizante tende a privilegiar um enfoque clínico e não coletivo.
O profissional ao entrar em contato com uma linha telefônica 0800 não escolhe e não conhece quem irá atendê-lo. A inibição de falar somente por telefone é uma realidade, em poucos casos esse anonimato pode ser um facilitador do atendimento, mas não é a maioria, foi relatado por uma assistente social que, nos casos de violência doméstica, o anonimato favorece a vítima. Contudo, as soluções apresentadas são pontuais e sem a garantia da continuidade do atendimento.
Considerações finais
As mudanças ocorridas no âmbito do trabalho e na configuração do Estado afetaram os assistentes sociais em todos os espaços sócio-ocupacionais, sejam eles públicos ou privados. Na área empresarial, destacamos as “consultorias empresariais” como uma das questões principais ocorridas no início do século XXI. Atualmente, não é possível analisar o Serviço Social na empresa sem considerar as mudanças nas formas de contratação e organização do trabalho dos assistentes sociais.
Destacam-se como essas novas configurações de trabalho dos assistentes sociais nas empresas têm reduzido o potencial de resistência às orientações conservadoras e neoconservadoras diante de argumentos sensibilizadores, como é o caso da prevenção ao suicídio por meio de escuta e acolhimento. As “consultorias especializadas” nos PAE’s são instituições formais para o exercício do Serviço Social informal e sem vínculo de trabalho nas empresas de variados portes.
As empresas, desde a década de 1940, têm se configurado como áreas de trabalho onde o assistente social lida diretamente com o trabalhador no exercício das suas funções, observando seus processos de trabalho diferentemente de muitas outras áreas para onde prestam serviços. Porém, a partir desses intensos processos de terceirização com tendência à externalização do trabalho dos assistentes sociais, essa particularidade tem sido alterada. Considerando esses aspectos, alguns esforços de resistências precisam ser realizados pela categoria profissional:
1) A elaboração de análises sobre a área sócio-ocupacional que considere as suas particularidades conectadas ao movimento da sociedade de modo mais amplo, especialmente as relações de trabalho estabelecidas, o estágio atual do capitalismo.
2) Valorizar o debate entre profissionais de Serviço Social que trabalham em empresas de diversos ramos de atuação e portes. Esse exercício tem sido realizado pelo Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro (CRESS-RJ), aproximando as assistentes sociais de inúmeras empresas, incluindo as empresas de “consultoria”. Nesses espaços de troca, tanto as profissionais inseridas no mercado de trabalho têm contribuído com as nossas reflexões, como nossa pesquisa tem auxiliado muitas profissionais a compreenderem o modo de sua inserção.
3) Buscar a articulação do trabalho profissional do Serviço Social nas empresas com as demais áreas de atuação profissional, pois os sujeitos atendidos são principalmente os trabalhadores e as empresas não são ilhas isoladas da realidade.
4) O investimento em pesquisas para a atualização dos conhecimentos acerca das requisições profissionais nas empresas, da complexificação das demandas dos usuários, tais como o aumento do suicídio, o atendimento a profissionais expatriados contratados por multinacionais, entre outras.
Referências
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