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Resumo: Buscou-se descrever o perfil socioeconômico pessoal das cuidadoras e dos idosos dependentes, identificando os fatores associados à relação de cuidado e as representações sociais acerca da mesma. Entrevistou-se 24 cuidadoras, utilizando-se a técnica SnowBall para a seleção da amostra. Foi realizada a Análise de Conteúdo, fundamentada pela Teoria das Representações Sociais. Os fatores socioeconômicos e pessoais das cuidadoras podem influenciar na relação de cuidado e em suas representações.
Palavras-chave: Mulher idosa, Cuidadora, Perfil Socioeconômico.
Perfil das mulheres idosas cuidadoras e os fatores associados à relação de cuidado1
Alessandra Vieira de Almeida2
Simone Caldas Tavares Mafra3
Emília Pio da Silva4
Solange Kanso5
Sheila Maria Doula6
Resumo
Buscou-se descrever o perfil socioeconômico pessoal das cuidadoras e dos idosos dependentes, identificando os fatores associados à relação de cuidado e as representações sociais acerca da mesma. Entrevistou-se 24 cuidadoras, utilizando-se a técnica SnowBall para a seleção da amostra. Foi realizada a Análise de Conteúdo, fundamentada pela Teoria das Representações Sociais. Os fatores socioeconômicos e pessoais das cuidadoras podem influenciar na relação de cuidado e em suas representações.
Palavras-chave
Mulher idosa; Cuidadora; Perfil Socioeconômico.
Profile of elderly caregiving women and the factors associated with the care relationship
Abstract
The aim was to describe the personal socioeconomic profile of caregivers and dependent elderly, identifying the factors associated with the care relationship and the social representations about it. Twenty-four caregivers were interviewed using the SnowBall technique for sample selection. Content Analysis, based on Theory of Social Representations, was carried out. The socioeconomic and personal factors of caregivers can influence the care relationship and its representations.
Keywords
Elderly woman; Caregiver; Socioeconomic Profile.
Artigo recebido: agosto de 2018
Artigo aprovado: outubro de 2018
Introdução
O notório aumento proporcional do número de pessoas com 60 anos ou mais de idade na população brasileira e mundial já está sendo considerado por Kalache (2014), como uma revolução, o que pode estar atribuído a fatores positivos e prósperos, uma vez que envelhecer não é mais considerado privilégio de poucos (VERAS, 2009), mas também a fatores negativos ou limitantes para o cotidiano dos idosos.
De modo simultâneo à transição demográfica pode-se perceber, também, mudanças no perfil epidemiológico da população, com o aumento do número de doenças crônico-degenerativas, que tendem a comprometer a autonomia e a independência funcional dos idosos, o que pode resultar na elevada quantidade de pessoas idosas dependentes. De acordo com Andrade (2009), essa realidade pode representar uma urgência na prestação de cuidados de saúde e assistência advindos das redes sociais de apoio formal e informal, sendo de suma importância para que a etapa da velhice seja vivida com dignidade.
No entanto, o que torna a prestação de cuidados um elemento preocupante é o fato de muitos dos cuidadores serem mulheres, além de idosas. É o que foi confirmado nas pesquisas de Andrade (2009), Hedler et al. (2016), Fonseca (2014), Mazza (2008) em que os cuidadores eram predominantemente mulheres de meia-idade ou já idosas, sendo elas filhas, cônjuges, noras e/ou irmãs. Segundo Andrade (2009, p.156), as famílias, especificamente, as mulheres, estão sempre exercendo o papel de cuidadora dos mais velhos, “o que pode ser explicado pela maior longevidade das mulheres e pelas mudanças na estrutura e tamanho das famílias”.
O mesmo autor ressalta que as funções e tarefas dos cuidadores principais são diversificadas, porém, contínuas, o que acarreta sobrecarga intensa. As atividades desempenhadas pelos cuidadores vão desde a vigilância e o acompanhamento até à administração de medicamentos, estendendo-se até mesmo à prestação de cuidados que não são aptos a oferecer. Assim, dada a relevância desta temática, este estudo terá como objeto de investigação o cuidado, na perspectiva da idosa cuidadora, tendo como objetivo descrever o perfil socioeconômico pessoal e familiar das idosas cuidadoras e dos idosos dependentes, identificando os fatores associados à relação de cuidado e as representações sociais acerca da da razão de serem as principais cuidadoras.
Métodos
a) Caracterização da pesquisa e local do estudo
Este estudo é de natureza qualitativa, com abordagem exploratória e descritiva, tendo como estratégia de pesquisa o estudo de caso.
A pesquisa foi realizada no município de Viçosa, MG, uma vez que conta com 11,03% de pessoas idosas em sua população total, sendo este valor representativo ao se comparar com o percentual desta faixa etária no Brasil, ou seja, 10,8% da população. Destaca-se que a população idosa viçosense possui maior número de mulheres, cuja porcentagem foi de 6,1%, com um diferencial de 1,2% a mais do que os homens idosos no município (4, 9%) (IBGE, 2010). Esses dados mostram que a referida cidade é propícia para os estudos em envelhecimento.
b) Sujeitos da pesquisa
A pesquisa envolveu, especificamente, as mulheres idosas que ofertavam o cuidado a idosos(as) dependentes em suas atividades de vida diária, com debilidades motoras e/ou mentais. O critério para inclusão na pesquisa é ser familiar da pessoa demandante de cuidado.
Para a definição da amostra foi utilizada uma das técnicas de amostragem chamada snowball sampling, também conhecida como cadeia de informantes ou método da bola de neve, segundo Biernacki e Waldorf (1981). Esta técnica permite definir a amostra de sujeitos da pesquisa por referência, ou seja, a partir de uma pessoa com o perfil para a pesquisa buscam-se as demais por indicação da mesma e, assim, sucessivamente. Desde modo, a pesquisa teve uma amostra não probabilística, não podendo ter seus resultados generalizados, e sim analisados para os indivíduos participantes da pesquisa.
c) Procedimento para coleta de dados
Inicialmente, a pesquisadora buscou em sua rede de amigos uma idosa cuidadora, sendo que esta fez a indicação de outra(s) que pertencia(m) ao seu ciclo de amizades e assim aconteceu sucessivamente, formando um grupo de idosas cuidadoras a serem entrevistadas, até que a pesquisa alcançasse o seu ponto de saturação. Deste modo, o método da bola de neve apoiou a técnica de coleta de dados principal deste estudo, a entrevista semiestruturada, ou seja, o questionário com perguntas abertas e fechadas. Para a realização das entrevistas, foram feitas visitas às casas das cuidadoras que aceitaram participar, com dia e horário marcados, segundo a possibilidade das mesmas, onde procedeu-se a execução da pesquisa.
A entrevista abordou o perfil socioeconômico pessoal e familiar do(a) idoso(a) dependente de cuidado e da idosa cuidadora, sendo as informações referentes ao idoso fornecidas pela própria cuidadora. Além disso, foram abordados fatores relacionados ao cotidiano da relação de cuidado. A construção do roteiro de entrevista baseou-se em Andrade (2009), Miranda (2014) e Mazza (2008) cujos estudos abordaram o cuidado em contexto domiciliar, a qualidade de vida dos idosos e o cuidado sob o olhar do idoso, respectivamente.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), cujo parecer corresponde ao número 1.956.311, enviado em 09/03/2017. Em resposta à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, juntamente à entrevista foi anexado o TCLE para que as idosas pudessem assinar e permitir sua participação voluntária.
d) Análise dos dados
Para os dados dos perfis socioeconômico, pessoal e familiar dos(as) idosos(as) dependentes e das cuidadoras, foi realizada a análise descritiva e, para uma das questões aberta com maior conteúdo e diversidade textual e semântica, foi utilizada a Análise de Conteúdo Temática Categorial, fundamentada na Teoria das Representações Sociais (TRS).
Por meio de métodos sistematizados e objetivos, a Análise de Conteúdo descreve a totalidade do significado das mensagens, indicadores qualitativos e quantitativos, o que possibilita a produção do conhecimento em relação à percepção das variáveis. Além disso, proporciona o desmembramento do texto em categoriais agrupadas analogicamente (BARDIN, 2011). Segundo a mesma autora, a Análise de Conteúdo perpassa por etapas, como a pré-análise, a exploração do material a ser estudado, o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação das mensagens. Para este estudo, a categoria e as subcategorias foram definidas a posteriori por meio da codificação das entrevistas transcritas.
As representações sociais revelam e expressam o senso comum com o qual um grupo de indivíduos formula o significado de um determinado objeto que está compartilhado na interação cultural em que vivem no cotidiano (MOSCOVICI, 2009). Parte-se do princípio de que o cuidador, como ator social, ligado ao grupo social família, por meio de suas relações internas e externas, provenientes de suas experiências, possa construir o seu constructo representacional (FONSECA, 2014). Vale ressaltar que a Análise de Conteúdo permitiu identificar os sentimentos, valores, pensamentos, opiniões, atitudes, crenças, entre outros fatores atrelados à relação de cuidado vivenciada pela mulher idosa e o(a) idoso(a) dependente que respaldados pela TRS contribuíram para aprofundamento do presente estudo.
Resultados e discussão
Nessa seção serão apresentados os dados que se referem aos perfis socioeconômico, pessoal e familiar das idosas cuidadoras e dos(as) idosos(as) dependentes, além das informações que dizem respeito aos aspectos significativos do contexto da relação de cuidado.
a) Perfil socioeconômico das idosas cuidadoras
O presente estudo contou com a participação de 24 idosas cuidadoras informais, com idade média de 68 anos de idade, tendo uma variação de 60 a 87 anos. A Tabela 1 apresenta o perfil das cuidadoras, em que se pode observar a predominância de mulheres casadas (n=16), de cor branca (n=16), católicas (n=19), com baixa escolaridade (n=9), aposentadas (n=17) e com renda de um salário mínimo (n=16).
Tabela1 – Características socioeconômicas das idosas cuidadoras, Viçosa, 2017
Fonte: Dados da pesquisa, 2017.
A faixa etária das idosas destaca a prevalência de cuidadoras em idades propensas a maiores demandas de suporte social, psicológico e físico, caracterizando uma fase em que emergem fragilidades e necessidades próprias do processo de envelhecimento, o que denota que o cuidador pode ser alguém que está também em situação de debilidade ou de adoecimento (CAVALCANTE, 2010). Os estudos de Fonseca (2014), Hedler et al. (2016) e Ramos (2012) também revelaram a maior parte dos cuidadores na faixa etária adulta e idosa.
Destaca-se o fator religião nessa pesquisa, por notar que Deus era mencionado como a força motriz para aquelas idosas na tarefa de cuidar, sendo visto como quem as fortalecia nesse papel, além de verem o cuidado como uma vocação, chamado de Deus e também como uma resposta a Ele, como pode ser visto nas falas:
“As pessoas me falam: ah, como é que você dá conta? Amor. Amor, graça de Deus e fé” (Ent. 19).
“Fui escolhida por Deus para tomar conta dela, não casei!” (Ent. 5).
“Eu sou uma pessoa católica e trabalhei muito ajudando o lar dos velhinhos, eu acho que não adianta cuidar de alguém lá fora e deixar ele aqui jogado. [...] Cuido por amor a Deus.” (Ent. 12).
Segundo Fonseca (2014), a fé direciona as atitudes humanas e, no processo saúde-doença, isso não é diferente. Em muitos casos, percebe-se que a religião atua como suporte, o que pode ajudar a contornar ou superar determinada situação vista como sendo de difícil e até mesmo impossível resolução. Além disso, os resultados apontados por Hedler et al. (2016) revelaram que a disponibilidade e a dedicação do cuidador familiar estão fundadas no simbolismo tradicional da dedicação incutido pela religião e a religiosidade.
A baixa escolaridade e a baixa renda podem ser vistos como fatores intrínsecos, uma vez que a baixa escolaridade limita o acesso ao mercado de trabalho com melhor remuneração. É importante ressaltar que essa realidade no cotidiano das cuidadoras pode acarretar limitações ao próprio desempenho do cuidado ao idoso. Mayor et al. (2009) destaca a importância do nível de escolaridade dos cuidadores familiares, uma vez que este pode influenciar na habilidade de interpretação e execução das orientações dadas pela equipe médica com relação ao cuidado direcionado ao idoso dependente. Além disso, conforme Sequeira (2010), os cuidadores de classes sociais menos favorecidas, ou seja, com baixa escolaridade, baixos rendimentos e até piores condições habitacionais, tendem a atingirem maiores níveis de sobrecarga, dificultando ainda mais a tarefa de cuidar.
Os resultados do presente estudo apontaram que todas as idosas, exceto duas, aprenderam a cuidar de seus familiares sozinhas, no dia-a-dia, por tentativa e erro, com o tempo, sem nunca terem feito um curso para cuidadora; o que pode ser explicado pela baixa escolaridade, pela baixa renda ou até mesmo pelo difícil acesso a informações. Estes foram os mesmos resultados encontrados por Hedler et al. (2016) e Fonseca (2014). Nesse sentido, Jede e Spuldaro (2009) afirmam que em muitos casos, os cuidadores familiares não estão hábeis a assumirem as atividades exigentes do cuidado, o que demanda informações e orientações adequadas para os procedimentos necessários diante da nova condição de seu familiar enfermo.
Do total das cuidadoras, notou-se que vinte e uma delas referiram enfrentar algum problema de saúde, sendo a hipertensão arterial (n=15), o diabetes (n=9) e as doenças osteoarticulares (n=8) as mais mencionadas (Figura 1). Com esse fato, evidencia-se que as idosas cuidadoras já podem estar vivenciando situações que carecem de assistência e atenção. Os resultados apresentados por Marques et al. (2011) mostram que um dos efeitos negativos do cuidado sobre a vida, principalmente, dos cuidadores principais, caracteriza-se pelos danos na saúde, como lesões na coluna, enxaqueca, surgimento da hipertensão arterial e depressão. Os autores ainda reforçam que os cuidadores são levados a renegar sua própria saúde, priorizando o cuidado ao seu familiar.
Figura 1: Estado de saúde das idosas cuidadoras, Viçosa, 2017
Fonte: Dados da pesquisa, 2017.
As características apresentadas permitiram compreender o perfil das idosas cuidadoras abordadas neste trabalho, sendo possível diagnosticar as suas necessidades e fragilidades individuais e aquelas relacionadas com a prestação de cuidado. Sendo assim, pode-se refletir sobre as vivências cotidianas de uma idosa cuidadora que enfrenta desafios diários no desempenho do seu papel. É importante dizer que, este se refere a um estudo de caso, mas que aponta para os diversos contextos dos espaços relacionais de cuidado.
b) Fatores relacionados ao cuidado
No que se refere à prestação de cuidados, os dados revelaram que, entre as principais cuidadoras, as cônjuges eram a maioria (n=11), seguindo-se das filhas (n=8), das irmãs (n=2) e da mãe (n=1). Houve duas idosas que ofertavam o cuidado a dois idosos, simultaneamente, sendo cônjuge/filha e cônjuge/sobrinha o grau de parentesco das mesmas. Ramos (2012), Sequeira (2010), Borghi et al. (2011) e Mazza (2008) também observaram que as principais agentes do cuidado dos familiares mais próximos eram as cônjuges e as filhas. Pode-se inferir que essa realidade é significativa pelo fato da esposa e da filha, na maioria das vezes, coabitarem com a pessoa dependente de cuidado, ficando a cargo das mesmas a tarefa de cuidar.
Quanto aos idosos carentes de cuidado, a idade mínima encontrada foi de 60 anos e a máxima de 99 anos, com idade média de 82 anos. Vale ressaltar as causas que os levaram ao estado de dependência, destacando-se as doenças como o Alzheimer, Parkinson, Acidente Vascular Cerebral (AVC), entre outras, como, o diabetes, doenças respiratórias, problemas osteoarticulares, implicações de acidente e cirurgia, falta de circulação, insuficiência renal e os problemas psíquicos. Observou-se que todas essas enfermidades geraram deficiência cognitiva e/ou motora persistente e progressiva na vida dos idosos. A maioria (n=19) convivia com duas ou mais dessas debilidades, o que dificultava ou incapacitava a realização das atividades de vida diária (AVD), demandando a presença da cuidadora para que os auxiliasse e suprisse as suas necessidades cotidianas.
De acordo com Ramos (2012), um idoso é ou não dependente, ao considerar sua necessidade de apoio na realização das atividades básicas de vida diária (ABVD) e das atividades instrumentais de vida diária (AIVD), que são agrupamentos das AVD. As ABVD consistem na prática do autocuidado, como a higiene pessoal, vestir-se, alimentar-se, mobilizar-se e o controle dos esfíncteres. Já as AIVD indicam a capacidade de viver independente em meio a sociedade, realizando as funções domésticas, fazer compra, usufruir dos meios de transportes e administrar os próprios medicamentos.
No que se refere aos tipos de cuidado ofertados, os mais mencionados pelas idosas foram a alimentação, banho, administração dos medicamentos, mobilização do idoso pela casa, retirada e acomodação do idoso no leito, acompanhamento nas consultas médicas, companhia, atenção, troca de roupa e de fralda e cuidados pessoais como fazer a barba, cortar as unhas, o cabelo e a higiene bucal. De acordo com Imaginário (2008), os cuidados podem ser de natureza instrumental e expressiva, formais e informais. Deste modo, os tipos de cuidado encontrados podem ser denominados instrumentais, de ordem física e prática e também expressivos, de ordem afetiva, além de informal, por ser a cuidadora um familiar do idoso dependente e não haver nenhuma espécie de remuneração.
Na perspectiva da maioria das cuidadoras (n=12), todos os tipos de cuidado que prestavam eram considerados importantes, sendo que para 4 delas o banho era o mais importante e para 3 delas, a administração dos medicamentos (Tabela 2). Ao serem questionadas sobre a dificuldade na prestação de cuidados, 13 idosas afirmaram não encontrar nenhuma dificuldade, alegando terem se acostumado com as atividades desempenhadas. Já para 5 cuidadoras, dar o banho era um tipo de cuidado de difícil execução, bem como a locomoção pela casa para duas das cuidadoras (Tabela 2).
Tabela 2: Características da idosa cuidadora relacionadas com a prestação de cuidados
Fonte: Dados da pesquisa, 2017.
Observou-se que a maioria das cuidadoras (n=21) vivia juntamente com os idosos que dependiam dos seus cuidados, apenas duas idosas não corresidiam e em um caso a idosa cuidava do seu marido, com quem morava, bem como dos seus pais em outra residência. Desta forma, o cuidado ao idoso se tornou rotina na vida das idosas estendendo-se por curto, médio ou longo espaço de tempo.
Pode-se notar que o tempo de cuidado tinha um mínimo de 10 meses e máximo de 30 anos, uma vez que algumas das cuidadoras já vinham cuidando do seu familiar desde muito tempo. Na Tabela 2 é possível observar que 16 cuidadoras ofertavam o cuidado há menos de 6 anos, sendo que duas delas cuidavam de mais de uma pessoa com margem de tempo diferente, justificando a frequência n=26 no total representado. Além disso, notou-se que 8 idosas exerciam o cuidado há 7 anos ou mais. Ressalta-se que a prestação de cuidados era majoritariamente de forma contínua (n=24), ou seja, todos os dias, destacando a participação de duas idosas no cuidado a mais de uma pessoa. Apenas duas cuidadoras prestavam cuidados 2 vezes e 3 vezes na semana, realizando-o durante todo o dia (Tabela 2).
Ao longo do diálogo realizado com as idosas cuidadoras, percebia-se que o cuidado havia se tornado rotina em suas vidas e o sentimento de resignação era preponderante. Para aquelas que assumiram o cuidado há pouco tempo, era um misto de medo e coragem diante do que se tornava realidade em suas vidas, mas, sempre com aceitação. Para aquelas que cuidavam há muitos anos, notava-se o cansaço, mas também o sentimento de dever cumprido e a entrega total aquela tarefa diária.
No entanto, não se pode negar que o cuidador se depara com necessidades ou dificuldades em sua atividade rotineira de cuidar, entre elas, a sobrecarga. Saraiva (2011) afirma que os efeitos da dependência contínua e progressiva do idoso potencializam o aumento da sobrecarga e a perda de qualidade de vida dos cuidadores, que podem ser afetados de modo psicossocial, socioeconômico e na saúde física. São José (2012) corrobora com essa discussão ao afirmar que a disponibilidade de tempo de quem é cuidador decorrente da inatividade profissional e vinculada à ausência de outros familiares que desempenhem o papel de cuidador principal e, ainda, à insuficiência de recursos financeiros, concretizou-se numa dedicação exclusiva ao cuidado, o que resulta em cansaço físico e psicológico. Ramos (2012) acrescenta que essas implicações na vida do cuidador são ainda mais intensas quando o cuidador informal é também idoso, como é o caso da presente pesquisa.
Nesse sentido, a tarefa do cuidado pode gerar transformações exteriores e interiores no cotidiano de quem cuida. O cuidador se conforma a nova realidade buscando ajustar o tempo, renunciar planos e projetos individuais e familiares, alterar a rotina, entre outras mudanças. Também ocorrem movimentos interiores e, até mesmo, desconhecidos pelos cuidadores diante do novo que se apresenta, surgindo sentimentos como o medo, a angústia, a impotência, a confusão e a solidão, por exemplo. De repente, os cuidadores percebem-se cuidando de quem um dia cuidou deles e até mesmo cuidando de quem eles nunca imaginavam ou desejavam cuidar. Nesse sentido, é importante dizer que o cuidado pode ser visto como um ato inerente à vida humana e está envolto de sentimentos, pensamentos, valores, afetos, memória e história.
Na perspectiva das idosas cuidadoras abordadas, notou-se que 13 delas apresentavam pouco interesse em realizar as suas atividades de vida diária, ou seja, desânimo, além de se sentirem tristes e/ou deprimidas em virtude dos desafios encontrados na relação de cuidado, sendo que esses fatos aconteciam no mínimo 2 vezes na semana (Tabela 3).
Tabela 3: Sentimentos provenientes da relação de cuidado das idosas cuidadoras, Viçosa, 2017
Fonte: Dados da pesquisa, 2017.
Segundo Mazza (2008), o cuidado gera desgaste e estresse para o cuidador, uma vez que este tende a renunciar à sua própria vida em função do outro. Sendo assim, cuidar de um idoso pode causar-lhe desordens pessoais, profissionais, físicas e mentais, além disso, o trabalho, muitas vezes, solitário do cuidado, ocasiona a sensação de desânimo e impotência diante da vida.
Diante desse contexto, vale ressaltar que podem ser diversas as razões pelas quais são levados os cuidadores informais de idosos a desempenharem esse papel, sendo que muitas vezes, estão ocultas. Para o presente trabalho, buscou-se identificá-las a partir da análise do conteúdo das falas das cuidadoras entrevistadas, fundamentando-a com a TRS. Assim, buscou-se investigar o que o sujeito da pesquisa, a idosa cuidadora, (re) pensa e/ou (re) apresenta, por determinado objeto social, neste caso, a razão de ser cuidadora, a partir das relações e interações que foram estabelecidas entre os mesmos. A seguir, serão apresentados o tema, as categorias, as subcategorias e as unidades de registo (UR) decorrentes da análise.
Quadro 1: Razões que levaram as idosas ao papel de cuidadora, Viçosa, 2017.
Fonte: Dados da pesquisa, 2017.
A análise do conteúdo das falas deu origem a sete categorias que evidenciaram as representações sociais das idosas em relação às razões de serem as cuidadoras, a saber: Por obrigação; Por amor; Por retribuição; Ausência de outro cuidador; Necessidade do cuidado; Medo da perda e Sentimento de pena. Além disso, as duas primeiras categorias ainda apontaram subcategorias: Por obrigação (Por ser esposa, Por ser filha e Por ser mãe) e Por amor (À pessoa dependente e a Deus). Destacaram-se as categorias Por amor (à pessoa dependente), Cuidado por obrigação (Por ser esposa), Necessidade do cuidado e Ausência de outro cuidador.
Notaram-se por meio das UR algumas características peculiares das relações de cuidado entre filha/mãe e esposa/marido, principalmente. Pode-se observar representações e significados diferenciados sobre o cuidado, uma vez que ambas o exercem em posições diferentes, o que pode influenciar suas percepções, sentimentos, maneiras e razões de cuidar. Ao mencionarem que cuidam “por amor”, a maioria das cuidadoras se referia à mãe, reforçando o carinho pela mesma, a responsabilidade pelo seu bem estar, o que estava também ligado à “retribuição”, a “ausência dos irmãos” e até mesmo o “medo da perda”. Assim, notou-se que as representações sociais das filhas estavam associadas ao vínculo materno/filial arraigado, ou seja, a razão de ser a cuidadora da mãe era muito significativo, visto até mesmo como uma troca por tudo que já receberam, reforçando os sentimentos de afetividade e reciprocidade.
Quanto às idosas que disseram cuidar “por obrigação”, destacaram-se as que ofertavam o cuidado aos seus maridos. A maioria delas revelou que a “obrigação” estava atrelada ao compromisso que fizeram um com o outro e demonstravam em suas falas que o casamento e o dever de cuidar eram indissociáveis. Por outro lado, algumas cuidadoras demonstravam que estavam prestando o cuidado obrigadas, principalmente, pela ausência de outra pessoa que se prontificasse a cuidar, sobretudo os filhos. Vale ressaltar que, entre as razões que levaram as idosas a cuidarem de seus maridos também estavam: o amor, o amor a Deus e a necessidade do cuidado, em menor proporção. Desta maneira, as representações sociais das cuidadoras cônjuges estavam ligadas ao compromisso da vida conjugal firmado entre marido e mulher. Destaca-se que a razão do cuidado por obrigação denotou certo “pesar” nos conteúdos analisados, o que pode representar sentimentos ocultos de incômodo e cansaço, por exemplo.
É importante dizer que a disposição ou até mesmo a imposição de um familiar em assumir a função de cuidador está intimamente relacionado com o seu papel social, ligado a valores culturais, que influenciam a sua personalidade, decisões, escolhas, motivações e a construção social de objetos, tendo em vista que o cuidado pode-se ser algo construído socialmente (FONSECA, 2014). Como pode ser visto na literatura, a representação é de algo e de alguém, constituindo uma relação entre o que é subjetivo do objeto e o que é objetivo do sujeito e, assim, buscando a união do indivíduo com o mundo e as coisas que o rodeiam (JODELET, 2005). Conforme aponta Coutinho et al. (2003) a construção da representação de alguma coisa por alguém, baseia-se num ambiente de experiências e simbolismos, que forma a sua visão de mundo.
Diante do que foi exposto, pode-se compreender que as interações pessoais estabelecidas entre a idosa cuidadora e o seu familiar dependente, no cotidiano da prestação de cuidados, com as experiências exteriores e interiores, influenciaram nas representações sociais das idosas sobre as razões que as levaram ao papel de cuidadora, reforçando que a representação é formada a partir de significados, memórias, histórias e realidades pessoais e sociais.
Considerações finais
A análise do perfil das mulheres investigadas elucidou diversas questões que podem levar a compreensão da realidade vivenciada por outras cuidadoras informais idosas, num contexto de vida em que já são evidentes as marcas da velhice. Foi possível observar que os fatores socioeconômicos e pessoais das cuidadoras podem influenciar de modo direto na relação de cuidado.
A religião, o grau de escolaridade, a renda, o acesso a informações sobre técnicas de cuidado são aspectos que direcionam o desempenho do cuidado, podendo torná-lo mais eficiente e até mesmo menos pesado para as cuidadoras. O cuidado prestado aos idosos era realizado de forma leiga, muitas vezes, inadequada, o que levava ao desconforto para a cuidadora e o idoso. Porém, deve-se considerar que diante do contexto de vida das cuidadoras, tudo o que realizavam era visto como a única e melhor forma de cuidar.
Cuidar de um idoso sendo idosa implica em lidar com a doença do outro e, muitas vezes, com as suas próprias debilidades, resultantes ou não do próprio processo de cuidar, que exige demasiadamente da cuidadora. Não se tem conhecimento se os problemas de saúde mencionados eram decorrentes da tarefa de cuidar, mas pode-se observar que a maior parte deles tinham reflexos psicológicos, por exemplo, se o idoso não estivesse bem ou se algo estivesse fora de ordem nas atividades do cuidado, alterava-se a pressão arterial, o humor, gerava ansiedade, depressão, entre outros problemas físicos. Esses fatores ainda estão associados à causa da dependência do idoso, aos tipos de cuidado prestados e ao tempo de cuidado despendido pelas cuidadoras ao longo da vida e do dia, o que provoca a sobrecarga física e emocional e as transformações em seu contexto pessoal, profissional, familiar e social.
Percebeu-se que o papel de cuidadora surgiu a partir de diversas motivações, além destas se diferenciarem entre os graus de parentesco da idosa com o dependente. Deste modo, foi possível notar as representações sociais das idosas em relação às razões que as levaram a serem as principais cuidadoras, destacando-se o sentimento de amor, obrigação, necessidade do cuidado e ausência de outro cuidador, sendo observadas, sobretudo, entre as cônjuges e as filhas, que coabitavam com o familiar idoso. Assim, observou-se que as representações sociais foram construídas a partir de suas experiências e histórias de vida.
Por fim, ressalta-se que as representações evidenciadas e o perfil das mulheres permitiram conhecer o contexto da relação de cuidado existente entre uma idosa cuidadora e um idoso dependente, o que deve incidir na busca de possíveis medidas que apoiem e socorram as necessidades e fragilidades não somente do idoso, mas também da idosa cuidadora, que exerce o cuidado no domicílio.
Agradeço o apoio financeiro da FAPEMIG, que disponibilizou, no período de agosto de 2015 a maio de 2017, a bolsa de doutorado, que foi de fundamental importância para o bom êxito dessa pesquisa.
Referências
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