Resumo: A violência é um fenômeno de amplitude mundial, expressando múltiplos aspectos da sociabilidade contemporânea, cujas manifestações incluem a violência contra a mulher. A pesquisa objetivou demonstrar as formas da violência praticadas contra a mulher em vias públicas e noticiadas em jornais. Metodologicamente foram estudados 287 casos noticiados por dois jornais impressos no segundo semestre do ano de 2015 e analisados por estatística descritiva. Os resultados apontam predomínios de danos ao patrimônio e agressões. Concluiu-se que a violência em vias públicas contra mulheres expressa, também, relações sociais transversais, impregnadas culturalmente por questões afetas às configurações de gênero.
Palavras-chave:ViolênciaViolência,Violência contra as mulheresViolência contra as mulheres,Violência nas ruasViolência nas ruas.
Abstract:
Violence is a worldwide phenomenon, expressing multiple aspects of contemporary sociability, whose manifestations include violence against women. The research aimed to demonstrate the forms of violence practiced against women on public roads and reported in newspapers. Methodologically, we studied 287 cases reported by two newspapers printed in the second half of 2015 and analyzed by descriptive statistics. The results indicate the predominance of property damage and aggression. We conclude that violence on public spaces against women expresses cross-sectional social relations, impregnated culturally with gender configurations. Violence; Violence Against Women; Violence on the streets.
Keywords: Violence, Violence Against Women, Violence on the streets.
Seção Livre
Seção livre: Violência contra a mulher em vias públicas
A prática da violência contra a mulher tem sido tradicionalmente estudada como uma expressão histórica do patriarcalismo, consistindo num dos tipos de violência mais comum, porque expressa um modelo de civilização baseada dominação-exploração dos homens (SAFFIOTI, 2001). Para além da violência explícita, que engloba as violências física, psicológica, sexual, moral e patrimonial, existiria, ainda, a violência simbólica, expressando a adesão do dominado à dominação, que, de acordo com Bourdieu (2007), não só naturaliza a relação de dominação da qual faz parte, mas também se torna produtor social desta naturalização.
Historicamente, pode-se apontar um conjunto de forças sociais que possibilitaram o avanço nos debates teóricos em relação a igualdade de gênero, na discussão da violência contra a mulher – como uma questão relevante para a sociedade –, na consolidação de movimentos sociais que lutaram pelo fim das discriminações e, ainda, na emergência de novas práticas sociais que avançaram no reconhecimento dos direitos das mulheres, condenando as diversas expressões de violência elas.
Após muitos anos e avanços coletivamente reconhecidos, observa-se que a violência contra a mulher, apesar de ter conseguido ganhar visibilidade, desafia a compreensão por suas múltiplas e complexas expressões. Assim como a expressão do fenômeno da violência como um todo. A violência contra a mulher, em sua particularidade atual no caso brasileiro, também expressa discriminações e preconceitos naturalizados, que podem ser observados em comportamentos, valores, crenças e práticas sociais.
Nesse sentido, reproduzem as mais diversas formas de violência, onde as vítimas e os agressores – sejam individualmente, sejam nos grupos sociais – convivem nos mesmos cenários onde os segmentos mais vulneráveis estão sujeitos a certos tipos de violência. Pode-se, entretanto, dizer que, a violência contra a mulher nas relações conjugais ou na vida familiar consiste numa expressão particular de práticas culturais vividas no dia a dia das relações de poder e de desigualdade entre os gêneros e que tem legitimidade social.
Os estudos sobre violência de gênero, no entendimento de Meira (2014, p. 217), trazem uma contribuição para se pensar a relação ideológica subjacente às dominações a partir de processos de “naturalização das diferenças”, cujos consentimentos, numa relação entre desiguais, nunca são voluntários, mas decorrentes da própria condição da dominação.
Para o autor, tais estudos possibilitam a análise da realidade de sujeitos heterogêneos que “compõe ou que sofrem os efeitos de práticas sociais, culturais e políticas baseadas num ideal de sociedade que é, por princípio, excludente” (MEIRA, 2014, p. 217), podendo-se dizer mesmo, que tais comportamentos consistem em formas conservadoras que são expressões das contradições que envolvem as práticas sociais, atribuindo sentidos que são bem complexos e contraditórios.
Uma das formas de expressão da violência generalizada aparece nas práticas intolerantes que se apresentam tanto na vida privada, quanto na vida pública, e mais recentemente, nas redes virtuais. Mas as formas de violência que mais afetam as mulheres, em sua particularidade, são as violências praticadas contra sua intimidade afetiva e sexual; seja nas formas de violência intrafamiliar, seja naquelas que se caracterizam como abuso ou crime sexual.
Soares (2012, p. 191) identifica que “a passagem ao ato violento se dá em contexto, em lugar e momento específicos, no vácuo de outras possibilidades de comunicação”. Se pensarmos na dimensão privada, evidenciam-se aspectos psicossociais e culturais, onde a violência assume uma forma de expressão da “recusa a deixar a outra pessoa existir plenamente como alteridade, seja na impossibilidade de colocar-se em seu lugar, ou na incapacidade de aceitar e reconhecer o outro como interlocutor legítimo e autônomo” (SOARES, 2012, p. 191).
Entretanto, as situações que envolvem a relação de dominação na vida íntima, conforme observa Soares (2012), envolve a relação de dominação que pode combinar, além do domínio afetivo, o exercício da violência, comportando combinações mesmo paradoxais. Tanto as expressões de dominação, quanto as de violência, não se apresentam livre de contradições.
A autora, com base em vários dados de pesquisas empíricas que consultou observa que as mulheres, apesar de serem as principais vítimas das violências mais graves praticadas por homens, também praticam agressões físicas e emocionais e até mesmo sexuais, contra crianças, adolescentes e até contra os homens “em proporções jamais admitidas” (SOARES, 2012, p. 194).
Tal paradigma de que a violência decorre da impossibilidade de interação nas relações entre as pessoas (impedindo a comunicação no plano das ideias e dos afetos), também se encontra presente em outras formas de manifestação da violência. Existe subjacente às formas públicas e coletivas de violência, a expressão de processos sociais correlatos à intolerância, ao preconceito, à estereotipia e à desqualificação do diferente. Uma sociabilidade que interrompe as possibilidades de diálogo e que inviabiliza social, cultural e politicamente a convivência entre os diferentes, a cidadania e a solidariedade democráticas.
Uma sociabilidade que por diversas razões políticas, ideológicas, econômicas e culturais distintas têm favorecido o engendramento de uma lógica educativa focada em valores individualistas, na socialização comunitária, essencialmente focada no treino violento (ROLIM, 2014) e na ética da sobrevivência (MENDONÇA, 2013).
As condições societárias que favorecem a emergência da violência social, da qual as mulheres são vítimas, também as tem levado a praticarem, elas próprias, atos violentos, evidenciando como as desigualdades esgarçadas e deterioradas tem tornado ainda mais a frágil sociabilidade contemporânea, produzindo articulações que fazem sobreviver práticas tradicionais que convivem com procedimentos contemporâneos.
Esses aspectos, na prática, sejam no espaço íntimo, sejam no espaço público, constituem-se a partir de uma estrutura conservadora e intransigente, que se associa a uma estrutura contemporânea para reeditar no presente, privilégios e poderes arcaicos, que se querem ainda reconhecidos. São decorrentes de um ordenamento ancorado na organização social que ainda privilegia o poder masculino de homens violentos sobre mulheres (e também sobre outros homens), que se subordinam a sua autoridade, vontade e poder.
A disseminação das formas de violência atual expressa uma particular visão de mundo, cujos modos de pensar instruem práticas sociais, que são generalizadas pelo senso comum, envolvendo, assim, toda a vida social nas mais diversas situações. Sobre tal visão de mundo, observa-se que a mesma resguarda culturalmente justificativas para a utilização de meios e instrumentos que demonstram poder, exibem virilidade, justificam transgressões e consagram desigualdades.
Nesse sentido, entende-se como fundamental apreender as contradições sociais que envolvem a prática da violência contra a mulher num contexto mais amplo de violência, onde um segmento significativo de homens que a exerce, também é vítima de práticas de violência, produzidas por outros homens, e, eventualmente, por mulheres. Revelam, assim, uma sociabilidade deteriorada. O enraizamento da violência na vida social atinge estruturas culturais, perspectivas ideológicas, práticas jurídicas, políticas, aparatos policiais e repressivos. Seus paradoxos afetam a concretude da vida material, desenvolve estereótipos e reforça estigmas. Culturalmente pode estar associada a certas práticas de exploração das classes trabalhadoras e com situações existenciais de toda população, cada vez mais precárias (GENTILLI, 2015).
A violência contra a mulher, decorrente de relações sociais tradicionais, conservadoras e profundamente desiguais, tem sido reiteradamente reposta pelas contradições que envolvem o processo de trabalho atual, que atrai a mesma para o espaço público, desempregando o homem e aviltando ainda mais o valor da remuneração de um processo de trabalho; o qual Antunes (2015) identificou como precário, fragmentado e heterogeneizado, criador de uma nova sociabilidade que exclui amplos segmentos da força de trabalho em decorrência das novas exigências de capacitação e qualificação, configurando a expressão de novas e dilacerantes contradições vivas do capitalismo atual.
Essa é a trama que coloca atores e vítimas da violência contra a mulher num contexto social profundamente complexo e contraditório, onde a atual reestruturação produtiva do capital e sua racionalidade se associam às condições sociais tradicionais, produzindo uma nova expressão fenomênica de sociabilidade que agudiza e intensifica a “irracionalidade social visível” e a “dessocialização” do já precário mundo do trabalho, bem como de suas relações sociais (MÉSZÁROS, 2002).
Neste sentido, as condições materiais e de sociabilidade presentes no fenômeno da violência, tomado em sua totalidade, afeta a todos, sendo que em relação às mulheres, ocorrem particularidades, que envolvem uma tradição, até hoje, difícil de ser superada. Estas contradições são reproduzidas na mesma lógica em que são reproduzidas as contradições que materializam as condições materiais de acumulação geral de produção, além de reproduzir esta visão de mundo que permite a perpetuação das discriminações e dos preconceitos contra as mulheres.
A violência contra mulher nas ruas: o que os jornais revelam
Zaluar (2004) já observara que a violência mais visível é aquela das práticas ilegais (assassinatos, roubos, assaltos, estupros, lesões corporais, agressões, dentre outros), que ocorrem geralmente nos espaços das vias públicas, mas não se extinguem nelas. Possui um enraizamento profundo na vida social e, na sociedade contemporânea, vem se apresentando de forma bem complexa, fortalecida por convicções ideológicas consensuais que originam manifestações concretas.
A visibilidade midiática da violência é discutida por vários autores que questionam se o que aumentou foi a violência ou a divulgação da violência pela mídia. Desde a década de 1970, registram-se sentimentos de medo e insegurança associados às expressões da violência. Observa-se, entretanto, que efetivamente, que a partir do final do século XX. Adorno (2002) já havia observado que as estatísticas oficiais sobre mortalidade, criminalidade e demais formas de violência estavam indicando uma aceleração crescente de todos os tipos de delitos, padrões da criminalidade e perfil dos delinquentes.
Nossa pesquisa foi realizada nos municípios que compõem a Região Metropolitana da Grande Vitória, do estado do Espírito Santo, composta pelos municípios de Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacica, Viana, Fundão e Guarapari. Observou-se pela contagem ao longo dos seis meses analisados, que foram noticiados um total de 287 casos de violência contra a mulher, praticados em vias públicas dos municípios desta região.
Entre estes municípios, a violência praticada contra mulheres em vias públicas ocorreu de forma mais frequente na cidade de Vila Velha, que aparece em primeiro lugar como a cidade mais violenta nesta pesquisa. Foram identificadas 77 notícias, compreendendo 26,82% dos casos no período estudado. Em seguida, aparece a capital Vitória com 71 das ocorrências noticiadas (24,73%). Serra aparece com 70 notícias (24,39 %) e Cariacica com 50 notícias (17,42 %) do total. Cidades mais distantes do aglomerado da Região Metropolitana, como Viana registraram 17 ocorrências registradas nos jornais (5,92 %). Guarapari e Fundão registraram uma ocorrência noticiada respectivamente, ou seja, 0,34%.
Dois aspectos chamam atenção em relação a estes dados. Um é a relação entre cidades mais adensadas populacionalmente e a frequência de violências noticiadas, o outro está na relação entre cidades menos adensadas e distantes da capital, com número menor de notícias sobre violência. Sabe-se que um dos impactos da globalização tem sido a intensificação das aglomerações, o crescimento desordenado das cidades e a grande desigualdade social, fato que pode favorecer também a concentração de atos violentos nestes locais. Por outro lado, também as informações parecerem estar mais disponíveis para serem noticiadas pelos jornais, quando estas ocorrem mais próximas da localidade onde estes se situam, no caso, na capital do Estado.
Com relação aos crimes praticados, os jornais informam que os danos ao patrimônio estão em primeiro lugar nas ocorrências, perfazendo um total de 161 eventos (56,09%); seguido pela violência física, com total de 84 notícias (29,26%); violência sexual com 28 notícias (9,75%) e, por fim, formas de violência identificadas como psicológica com 14 informações (4,87 %). Dentre os crimes praticados, 21 ocorrências (7,13%) resultaram em crimes fatais.
Quanto ao sexo de quem agride, destacou-se o homem como o principal agressor das mulheres, sendo noticiados 269 atos praticados, ou seja, 93,72% do total das notícias pesquisadas sobre violência. No entanto, observou-se que, de acordo com as reportagens, as mulheres também praticaram violência em vias públicas. Foram identificados que as mesmas, ao praticarem crimes, realizaram assaltos em bandos formados por mais dois ou três indivíduos do sexo masculino e, nos casos citados, eram líderes desses grupos.
Quanto à relação entre os atores da violência praticada em vias públicas e a mulher que sofreu a violência, destaca-se o total de 191 (66,55%) episódios que relatam violência que foram praticados por desconhecidos. Companheiros ou ex-companheiros se envolveram em 51 (17,77%) dos atos violentos praticados nas ruas; conhecidos e familiares compreenderam um total de 30 (10,45%) casos noticiados e, das 287 reportagens, 15 (5,22%) estavam sem informações.
Sobre os tipos de violência praticadas nas ruas e noticiadas nos jornais, destacam-se, nas praticadas por desconhecidos, o dano patrimonial com 156 (54,35%) episódios noticiados; a violência física com 14 (4,87%) das ocorrências; a violência sexual com 12 (4,18%); e a violência psicológica com 9 (3,13%) das notícias analisadas. Já a violência praticada por parceiros ou ex-parceiros encontram-se a violência física com 46 (16%) das notícias, seguida pela violência psicológica com 3 (1,04%) das ocorrências e dano patrimonial com 2 (0,70%) episódios.
Quanto à faixa etária das vítimas que sofreram as violências, verificou-se que, um total de 130 (45,29%) reportagens se referiu à violência contra mulheres jovens, com idade entre 18 e 34 anos de idade. Outras 71 (24,73%) reportagens se referiram à violência contra mulheres com idade entre 35 a 64 anos. Violência sexual foi noticiada contra 28 meninas (3,83%) com idades entre 0 e 11 anos e, violência psicológica contra 14 mulheres com idades entre os 25 e os 64 (4,87%).
No universo de 287 matérias analisadas, 161 (56%) foram sobre danos patrimoniais e em relação a estas, não houve registros da idade de todos os agressores. Foram realizados 127 (44,25%) registros que deixaram de noticiar a idade dos agressores.
Apesar do número elevado de casos sem informações socioeconômicas, etárias, de raça, grau de instrução e moradia, principalmente referente ao agressor, pode-se observar nas notícias que: (a) em relação aos agressores, são identificados homens jovens com idades entre 12 e 29 anos em sua maioria e as notícias sugerem que pertençam a uma população de baixa renda, menos favorecida socialmente; e (b) em relação às vítimas as notícias nos fazem crer que estejam distribuídas em todas as classes sociais. As vítimas de dano ao patrimônio e violência física são, na maioria, mulheres adultas com idades entre 18 e 64 anos e, as vítimas de violência sexual mulheres jovens com idades entre 0 e 24 anos.
Observa-se pelos dados da pesquisa que a violência praticada nas vias públicas, recoloca as questões que se encontram presentes nos estudos de gênero, onde a mulher é a vítima e o homem o agressor. Neste sentido, observa-se que a questão cultural que se coloca nas relações entre gênero, se recolocam no ambiente público, demonstrando que o ato violento traduz uma certa configuração social da nossa sociedade.
Nos atuais padrões da violência praticada nas vias públicas contra mulheres encontram-se predominantemente os crimes relacionados a danos ao patrimônio, praticada por desconhecidos com uso de armas de fogo. Verifica-se que no município de Vitória, a maioria das notícias relatam as agressões físicas, geralmente, na forma de espancamentos praticados na rua, por parceiros ou ex-parceiros.
Verificou-se, por exemplo, que a natureza dos crimes noticiados contra as mulheres nas vias públicas foi, preferencialmente, os relativos aos danos ao patrimônio, praticado por homens desconhecidos e que utilizam armas de fogo, sendo mais frequentes nesta modalidade de crime ocorreu no município de Vila Velha.
Já nos municípios de Serra e Cariacica, as notícias relatam a predominância da violência sexual contra crianças de 0 a 11 anos de idade praticadas, na maioria das vezes, sob ameaça e/ou por algum conhecido da família. Aproximadamente 13% do total das notícias resultaram em morte.
A violência contra a mulher, realizada por meio das práticas contemporâneas dos delitos identificados acima, assume uma dimensão cultural do conservadorismo atual, é legitimado pelo poder do homem sobre mulher como sendo uma prática naturalizada independente da condição social dos atores envolvidos, sendo que, no espaço público – como no caso da violência praticada nas ruas –, a violência criminosa se auto legitima independente das desigualdades sociais.
Em ambas manifestações da violência contra a mulher observam-se expressões da sociedade contemporânea, cujos elementos socioculturais encontram-se enraizados nas práticas sociais e são determinadas pela dinâmica dos processos de exploração e dominação, além de processos socializadores de homens para a violência, apesar de cada uma destas formas possuírem dinâmicas particulares de manifestação.
Sobre este aspecto, Rolim (2014) observa que na raiz da violência no Brasil encontram-se na associação de quatro variáveis que se destacam significativamente para o favorecimento da disponibilidade do homem jovem à prática da violência: treinamento violento, experiência precoce com drogas ilegais e pequenos delitos, expulsão da escola e subjugação violenta. Neste sentido, os delitos registrados nessa pesquisa lançam luz que corroboram estudos anteriores.
Conclusão
Notícias acerca da violência contribuem para informar o cidadão sobre os acontecimentos que se processam na cidade, apesar de, inevitavelmente, contribuir para a disseminação de informações sobre o fenômeno tem se tornado cada vez mais frequente, banal e corriqueiro, provocando medo em relação à insegurança pública. Pelo acompanhamento sistemático realizado durante um semestre sobre os acontecimentos noticiados, foi possível identificar várias ocorrências violentas nas cidades, apesar de que, nem todos objetivos puderam ser alcançados pela ausência de registro nas matérias. Nesse sentido, observam limitações da pesquisa no conhecimento do perfil social dos envolvidos (agressores e vítimas), conforme já apontado anteriormente. Responderam de certa forma, pois foram noticiadas em jornais e se tornaram de conhecimento público.
A violência, quando praticada contra a mulher, reflete relações de força e de poder do homem em sua relação com a vítima, e parece claro que se encontra no núcleo das construções culturais. Tais construções, para Gomes e Nascimento (2008), significam para os homens jovens marcas que dão sentidos à masculinidade associadas ao ser homem como provedor, dominador, heterossexual e cuidador. Entretanto, o homem violento identifica sua identidade a uma virilidade associada a instrumentos de violência, que portam e que são capazes de manusear para garantir seu poder e de seu bando sobre os adversários.
Apesar de a violência envolver toda a sociedade em seus diversos mecanismos de conflito, somente são visíveis aquelas práticas que exibem uma sociabilidade destituída da eficácia das mediações da cultura e da linguagem e daquela decorrente do vigor dos fortes sobre os fracos (GENTILLI, 2007). A outra violência, aquela mais difusa, que se expressa na intolerância, no preconceito, na discriminação, no abuso de poder das autoridades, nas formas de exclusão e nas desigualdades sociais, apesar de subjacentes a toda trama social, não se anunciam com a facilidade de um fato a ser noticiado. Ambas as formas estão ancoradas no esfacelamento de laços de solidariedade, que por sua vez, desmaterializam práticas, discursos, ideias, afetos e certezas em relação ao Estado, ao mercado, a família e a solidariedade dos amigos.