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Trabalho infantil: estudo das particularidades e contradições nos rios do Marajó/PA

Merize Américo
Universidade Federal do Pará/Campus/Breves, Brasil

Trabalho infantil: estudo das particularidades e contradições nos rios do Marajó/PA

O Social em Questão, vol. 23, núm. 46, pp. 143-166, 2020

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Resumo: O presente artigo traz algumas reflexões sobre o trabalho infantil, que crianças e adolescentes realizam no Rio Tajapurú, no município de Breves, no arquipélago do Marajó, tanto nos navios como nas casas dos ribeirinhos, enfatizando as particularidades e as contradições que estão submetidos. A teoria social que o fundamenta é a teoria social de Karl Marx e o método é materialismo histórico e dialético. É resultado de uma pesquisa qualitativa, que contou com a utilização de entrevistas semiestruturadas. Recorreu-se às produções acadêmicas, como dissertações e teses, bem como as experiências próprias vividas enquanto professora na UFPA. A pesquisa constatou que a realidade das crianças trabalhadoras em Breves, tanto nos rios, quanto na zona rural ou na cidade reflete a desvalorização da infância e da adolescência marajoara e uma profunda violação dos seus direitos humanos fundamentais, pois estão submetidas as piores formas de trabalho infantil.

Palavras-chave: Trabalho Infantil, Rio Tajapuru, Violações de Direitos, Arquipélago do Marajó.

Trabalho infantil: estudo das particularidades e contradições nos rios do Marajó/PA.

Merize Américo1

Resumo

O presente artigo traz algumas reflexões sobre o trabalho infantil, que crianças e adolescentes realizam no Rio Tajapurú, no município de Breves, no arquipélago do Marajó, tanto nos navios como nas casas dos ribeirinhos, enfatizando as particularidades e as contradições que estão submetidos. A teoria social que o fundamenta é a teoria social de Karl Marx e o método é materialismo histórico e dialético. É resultado de uma pesquisa qualitativa, que contou com a utilização de entrevistas semiestruturadas. Recorreu-se às produções acadêmicas, como dissertações e teses, bem como as experiências próprias vividas enquanto professora na UFPA. A pesquisa constatou que a realidade das crianças trabalhadoras em Breves, tanto nos rios, quanto na zona rural ou na cidade reflete a desvalorização da infância e da adolescência marajoara e uma profunda violação dos seus direitos humanos fundamentais, pois estão submetidas as piores formas de trabalho infantil.

Palavras-chave

Trabalho Infantil; Rio Tajapuru; Violações de Direitos; Arquipélago do Marajó.

Child labor: study of the particularities and contradictions in the rivers of Marajó/PA.

Abstract

This article presents some reflections on the child labor that children and adolescents perform in the river Tajapurú, in the municipality of Breves, in the archipelago of Marajó, both in ships and in the houses of the riverside, emphasizing the peculiarities and the contradictions that are submitted. It is the result of a qualitative research, which counted on the use of semi-structured interviews. It was used to the academic productions, like dissertations and theses as well as her experience as a teacher at UFPA. The survey found that the reality of working children in Breves, both in rivers, rural areas and in the city, reflects the devaluation of Marajoara childhood and adolescence and a profound violation of their fundamental human rights, as they are subjected to the worst forms of work. Children's

Keywords

Child Labor; Tajapuru River; Rights Violations, Marajó Archipelago.

Artigo recebido em junho de 2019.

Artigo aceito em setembro de 2019.

Introdução

É muito próprio do imaginário social, ao longo dos tempos, um conjunto de representações no que se refere ao território ribeirinho, onde por muitos é visto apenas por sua exuberante natureza. Fator esse que contribui muitas vezes para a invisibilidade de sua população, ainda que ela expresse de maneira latente as determinações históricas nas suas mais variadas dimensões entrelaçadas por tramas e dramas constitutivos do modo de viver ribeirinho, com fazeres e sociabilidades cotidianas.

O ribeirinho2 desenvolve, produz e reproduz seu modo de vida num espaço formado por corpos d’águas, florestas, áreas de várzea e de terra firme, fazendo uso dos recursos naturais para moradia, trabalho, produção, transporte, entre outras atividades, configurando, assim, um processo de territorialização do espaço ocupado e usado. Nesse mundo das águas, práticas diversas se produzem e reproduzem cotidianamente em aspectos históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais e vêm conformando e reafirmando um modo de ser, pensar e viver na Amazônia Marajoara (GONÇALVES; CORNETTA, et al., 2016, p. 36).

Nesse cenário, falar da infância e da adolescência é algo muito complexo, pois, o processo de apropriação do rio é incorporado, de forma gradual e progressiva, ao sistema identitário, numa intrínseca relação com a situação de pobreza em que se encontram as famílias, de onde essas crianças são oriundas. Pois, nesse território, há uma grande dificuldade de implantação de uma cultura de direitos. Isso porque essa região é marcada pela desigualdade, pelo descaso público e pela reprodução contínua de ações coronelistas e clientelistas pelas gestões municipais de políticas sociais.

O conhecimento da trajetória de vida da criança e do adolescente e de seu território são elementos centrais que permitem compreender a sua relação com o rio como seu lugar prioritário na luta pela sobrevivência que, muitas vezes, resulta em violação de direitos. Essa, fruto dos diversos fatores relacionados às históricas desigualdades que caracterizam a região.

Tomando como referencial os direitos humanos, econômicos e sociais que representam conquistas sociais básicas garantidas na Constituição brasileira de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente(1990), quais sejam o direito à vida e à saúde (capítulo I); à liberdade, ao respeito e à dignidade (capítulo II); à convivência familiar e comunitária (capítulo III); à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (capítulo IV); de ser considerada em sua privacidade, autonomia e identidade (art. 17); de não estar em situação vulnerável para diversas formas de exploração (art. 18); o presente artigo tem como objetivo analisar as estratégias de reprodução social de famílias ribeirinhas que envolvem trabalho infantil, problematizando a vida de crianças e adolescentes que passam o dia todo subindo e descendo nas embarcações no Marajó, como pedintes ou vendedores ambulantes de alimentos, bem como comercializando o próprio corpo, numa flagrante violação de direitos, no processo de reprodução de suas vidas.

A questão do viver nas margens dos rios amazônicos é um temário histórico, com diferentes raízes causais e que assume, na atualidade, configurações complexas que exigem uma série de ações do Estado e da sociedade para a elevação da qualidade de vida dos habitantes dessas regiões.

O lugar de onde falamos é o Rio Tajapuru3, que perpassa pelo município de Breves no maior arquipélago flúvio-marinho do mundo: o arquipélago do Marajó/PA. Por ele escoa, por exemplo, produtos provenientes da Zona Franca de Manaus e, também, de outras partes da região. Contudo, expõe a face cruel e apavorante do paraíso ecológico que é o arquipélago do Marajó.

No curso desse rio reproduz-se um cenário das mais variadas violações de direitos. Um dos rios, onde há um expressivo número de crianças e adolescentes em situação de risco. É um local onde o trabalho infantil nas suas mais cruéis manifestações ainda é muito frequente.

Há uma grave violação recorrentemente encontrada na região qual seja o fato de crianças e adolescentes filhas(os) de famílias ribeirinhas terem que enfrentar o dilema de subirem todos os dias em embarcações para trabalharem, colocando suas vidas em risco. Estão sozinhos, submetidos ao sofrimento físico, lutam com a maré e os barcos em alta velocidade, em meio ao sol ou a chuva, fortes ventanias, e sem proteção no eixo do motor. São dores e cansaço que são visíveis pelas situações de riscos, pressões e exigências que as atividades exigem, das posturas repetitivas que põem em risco a saúde física e mental dos meninos e das meninas que ali estão todos os dias, em todos os turnos, configurando, assim, em uma das piores formas de trabalho infantil.

Em que pese a legislação protetora da infância e da adolescência dar muita ênfase à proibição do trabalho infantil, à realidade das ações voltadas para o seu enfrentamento não promove subsídios necessários capazes de coibir essa expressão da “questão social”4.

É uma realidade que se reproduz por décadas, e ainda que tenha havido algumas ações empreendidas (por parte da igreja católica, delegacia de polícia, secretaria de assistência), a situação cada vez mais se complexifica. Consequência direta do abandono secular da região, da pobreza extrema, da ausência de garantia (políticas públicas) e efetivação de direitos sociais, econômicos, culturais, políticos e civis que afetam, diretamente, a população em situação de vulnerabilidade social, a qual, sem condição de subsistência e com os direitos violados, desenvolvem meios alternativos para sobreviverem, através de trabalhos realizados, informalmente, que, visivelmente, denotam riscos de vida e sem qualquer tipo de garantia ou proteção de cunho legal.

Sem exagero são experiências de trabalho que as crianças e adolescentes realizam nos rios marcadas por violência e tragédias. É através do trabalho infantil que crianças e adolescentes se tornam expostas à violência física e psicológica, aos riscos de acidentes, a exploração sexual, ao tráfico de pessoas, ao escalpelamento5, ao abandono da escola e muitas vezes até a morte. São cenas fortes e inquietantes que se passam, principalmente, durante o dia. Como podemos observar na imagem a seguir.

Figura 1. Crianças e adolescentes em atividade laboral nos rios marajoaras

Fonte: Autora (janeiro/2015)

Diferentes são os barcos e as balsas. Diferentes são os passageiros de um dia para o outro. E, o mais instigante para a definição da pesquisa é que as atenções sempre estiveram voltadas para investigar crimes de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes e um dos focos são as “meninas balseiras”. E para as autoridades, o principal caminho para a resolução do problema é a punição dos tripulantes das embarcações, quando isso acontece. Muitas são as denúncias, poucas estão em andamento no Poder Judiciário.

Crianças e adolescentes se arriscam na busca pela sobrevivência todos os dias em quase todos os turnos e, muitas vezes, são manipuladas, sendo muitas exploradas sexualmente. Muitas(os) estão despossuídos(as) das condições materiais necessárias à reprodução de uma vida digna.

A base do estudo advém de experiências anteriores da pesquisadora, enquanto assistente social e professora desde 2009, no arquipélago do Marajó no curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará (Campus de Breves), através do projeto de pesquisa intitulado: “O trabalho infantil nos rios do Marajó: da exploração à luta por sobrevivência", bem como de pesquisas de doutoramento no Programa de Pós Graduação em Serviço Social - PPGSS, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

A pesquisa deu-se através da observação in loco por meio de entrevistas semiestruturadas com adolescentes, tripulantes e responsáveis de famílias. Utilizou-se pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, reportagens, documentários.

Analisou-se a realidade social em que vivem as crianças e adolescentes nos rios marajoaras e as determinações que as submetem a condições adversas e precárias de vida e de trabalho em suas diversas facetas e peculiaridades, desvendando as contradições que se encontram por trás das aparências fenomênicas. Tendo como questão norteadora: Por que e como o trabalho infantil aparece como uma necessidade na vida de famílias ribeirinhas marajoaras e como este vem impactando na vivência particular da condição infantil de crianças e adolescentes?

O artigo está organizado em duas partes: a primeira retrata sobre o arquipélago marajoara e suas particularidades e; a segunda, aborda os resultados da pesquisa para compreender a particularidade da realidade marajoara no contexto em que o trabalho infantil acontece.

O arquipéçago marajoara

A Amazônia é uma região onde se entrelaça uma diversidade sociocultural de diferentes ordens, conformando um perfil de peculiaridades em que os processos de produção e reprodução social e do trabalho, as formas das relações sociais e dos conflitos, apresentam dimensões gerais, mas também características e especificidades muito próprias do ambiente de inserção dos segmentos sociais presentes nesse território.

O arquipélago do Marajó faz parte desse cenário e tem dimensões geográficas que superam muitos países tidos como potências econômicas e tecnológicas. No entanto, esse território padece de problemas sociais comuns à primeira metade do século XIX, que só muito lentamente vem sendo superados pela intervenção de políticas públicas, sem esquecer a atuação de sujeitos sociais locais comprometidos com a melhoria das condições de vida da população, valorizando aspectos da sociodiversidade. Essa situação, no entanto, se contrapõe a perspectiva governamental que pensa enfrentar tais dificuldades apenas como base no desenvolvimento econômico com agentes externos, colocando em segundo plano o ethos da população marajoara.

Sarraf-Pacheco (2010, p.15), ao tomar a partir de perspectiva histórica e antropológica a sociedade local, chama a atenção para as condições de vida na região, sem vitimizar os marajoaras, elucidando que:

Carregados de sentimentos, visões de mundo e projetos de uma vida melhor, mesmo que cotidianamente venham experimentando preconceitos e limitações em suas maneiras de garantir e gozar dos direitos à cidade, homens e mulheres dos Marajós de ontem e de hoje, continuam a pelejar, usando suas próprias táticas para enfrentar a exclusão, a exploração e o abandono social historicamente lhes ofertados (Sarraf-Pacheco, 2010, p.15).

O Arquipélago do Marajó, integralmente situado no Estado do Pará, no Norte do Brasil, Nordeste do Estado, na embocadura do Rio Amazonas, nas proximidades da linha do Equador, que passa quase paralela a ela. Ocupa uma área de 104.606,90 Km², sendo o maior arquipélago fluviomarinho do mundo, constitui-se numa das mais ricas regiões do país em termos de recursos hídricos e biológicos. Contudo, conforme Sarraf-Pacheco e SILVA (2015.p.97), o arquipélago possui duas paisagens físicas com histórias socioculturais distintas e relacionais, podendo ser definido como Marajós.

Como uma categoria nativa, o autor nos permite conjecturar de maneira mais ampliada aquilo que muitos a definem apenas como a ideia da paisagem deslumbrante ao turismo. A região não pode ser entendida apenas, como o Marajó dos pastos, da criação de búfalos, da produção do artesanato de cerâmica, do queijo e as apresentações de danças Para-folclóricas para estrangeiro e turista ver. Ela vai muito além. Ela é formada por ilhas e/ou cidades compostas por florestas que comportam saberes e sujeitos históricos que as produzem e as reinventam no passado e em tempos hipermidiáticos. (SARRAF-PACHECO, 2010. p.97)

A realidade marajoara é bastante complexa, heterogênea e contraditória, sua população é de 487.161 habitantes, dos quais 275.700 vivem na área rural, o que corresponde a 56,59% do total. Possui 23.034 agricultores familiares, 14.618 famílias assentadas, 18 comunidades quilombolas e 01 terra indígena. Seu IDH médio é 0,636.

No correr dos tempos coloniais para o contemporâneo, as experiências de exploração da força de trabalho dos marajoaras e das riquezas naturais regionais ampliaram-se, integrando a região aos mecanismos exploradores do mercado mundial, sendo tida, desde então, como frente objetiva de acúmulo de riquezas, vindo a se concretizar posteriormente na vinculação direta com as grandes economias capitalistas hegemônicas.

Quanto aos ribeirinhos, esses apresentam um padrão de distribuição humana que se dá ao longo dos cursos dos rios e igarapés presentes no arquipélago Marajoara. A produção extrativa e os poucos recursos tecnológicos disponíveis, conferem à dinâmica da natureza local o papel de forte determinante em suas vidas e seu trabalho. As atividades econômicas dos ribeirinhos se caracterizam pela extração de madeiras brancas (virola, pau mulato, sumaúma), do açaí (fruto e palmito), da borracha, pela pesca de peixes e camarões, e pela produção de produtos agrícolas, voltados principalmente para o consumo familiar (milho, melancia, arroz, farinhas segundo dados do (RELATÓRIO ANALÍTICO DO TERRITÓRIO DO MARAJÓ, 2012).

Diferentes são as expressões da questão social que se manifestam movidas por diferentes contradições econômicas e sociais, aspecto tão comum à Amazônia, em que comumente propalam-se sobre uma riqueza natural, enquanto grande parte de sua população está imersa em um alto índice de desemprego, fome, miséria, trabalho infantil, mendicância, uso abusivo de álcool e outras drogas, exploração sexual, de crianças, adolescentes e jovens e aumento exponencial da criminalidade. (ANDRADE, 2013, p. 62).

Isso expressa no arquipélago do Marajó uma perversa e antiga deficiência de direitos sociais garantidos à população mais pobre. Realidade encontrada nos 16 municípios do arquipélago.

BREVES: Mesorregião do Marajó.

Breves está localizada ao Norte do Estado do Pará, na mesorregião do Marajó, porção sudoeste do arquipélago marajoara, na microrregião dos furos de Breves. O principal meio de transporte é a via fluvial.

Segundo dados do IBGE, no ano de 2010, o município contava com uma população total de 92. 860 (noventa e dois mil oitocentos e sessenta) habitantes, sendo que a estimativa para o ano de 2018 foi de 101.891 habitantes com uma unidade territorial de 9.563,007 (km²), que estão distribuídos entre as zonas urbana, rural e ribeirinha.

Nesse sentido, o Índice de desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) que veio a público no ano de 2010 é de 0,50311, o que faz com que Breves figure entre o grupo dos municípios que apresentam desenvolvimento humano baixo (IDHM entre 0,500 e 0,599)7.

É muito grande o número de habitantes dos ribeirinhos, e a única fonte de renda são os recursos advindos dos programas sociais do governo, há poucas alternativas de sobrevivência, na tentativa de escapar da pobreza e da miséria. E dentro deste imenso contexto de desigualdades, contradições, exploração e violência, encontram-se crianças que, junto a suas famílias, criam estratégias de sobrevivências nas áreas rurais, urbanas e nos rios do Marajó.

Considerada a capital do Marajó, a cidade Breves atraiu a população para o município em função das atividades econômicas, comércio varejista e setor industrial de beneficiamento, além dos serviços de informação, saúde e acesso a políticas públicas apesar de serem extremamente ineficientes diante do contingente populacional do município. Assim, Breves, exerceu a função de um mercado intermediário de produtos e serviços dentro da microrregião dos Furos de que a compõe, onde o deslocamento pendular de distritos e municípios vizinhos para adquirir mercadorias, acesso ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), serviços de saúde, escolas, universidade, bancos e demais serviços é acompanhado pelos moradores das ilhas, furos e igarapés conferindo ao município um papel central e importante na organização econômica e espacial da microrregião.

Breves se configurou como cidade polo na mesorregião do Marajó, destacando-se como um importante produtor de madeira e em menor proporção, palmito e açaí, embora os números registrados não configurem a realidade, devido à dificuldade de quantificar a produção do açaí e a ilegalidade da produção do palmito, isso mesmo dentro da reserva, e também da madeira, que ainda escoa de forma ilegal e de maneira desordenada. Ainda impera a cultura da não denúncia. Isso se dá pelo medo de conflitos bem como pela própria sobrevivência. Ainda que haja registro na mudança da mentalidade em relação a extração do palmito e do manejo do açaí (GONÇALVES, CORNETTA, et al, 2016, p. 120).

No entanto, a exploração madeireira que desempenhou, desde a década de 1960, papel relevante na economia marajoara, se mostrou altamente prejudicial para o meio ambiente quando grandes empresas madeireiras, associadas a elites locais, exploram intensivamente as florestas da região e o grande capital, tanto nacional como estrangeiro, esgotando os recursos madeireiros em determinado local, partindo para outras áreas quando a anterior não oferecer mais lucratividade, ciclo que vai se repetir até enquanto houver recursos e territórios a explorar.

É uma realidade conhecida por todos os que habitam nesse território, que a cultura ribeirinha amazônica centralizou sua produção na exploração madeireira de várzea, no extrativismo do açaí, principalmente para o abastecimento do mercado doméstico e subsistência, entre outras atividades de menor expressão comercial, porém, de valor fundamental para o modo de vida ribeirinho, como a pesca, o rocio de maniva e seu decorrente processamento em farinha e tucupi, caça de subsistência, dentre outros.

Devasta-se muito. Retira-se a possibilidade dos ribeirinhos viveram com dignidade. Com isso gera-se uma profunda vulnerabilidade, restando-lhes poucas alternativas de sobrevivências. O avanço do trabalho sem carteira assinada e por conta própria mostra o crescimento da informalidade no município, cuja lógica de atuação se dá, estruturalmente, pela estratégia de sobrevivência, principalmente, pela escassez de emprego formal como já expressamos, isso tem reflexo no assalariamento. Segundo dados do IBGE, sobre Breves;

Em 2016, o salário médio mensal era de 1.8 salários mínimos. A proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 4.4%. Na comparação com os outros municípios do estado, ocupava as posições 86 de 144 e 113 de 144, respectivamente. Já na comparação com cidades do país todo, ficava na posição 2836 de 5570 e 5245 de 5570, respectivamente. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, tinha 51.3% da população nessas condições, o que o colocava na posição 61 de 144 dentre as cidades do estado e na posição 1142 de 5570 dentre as cidades do Brasil (IBGE, 2018).

É preciso entender, no entanto, que a forma de organização do espaço através de políticas públicas para o ribeirinho não vem priorizando investimentos e isso tende a se intensificar com os retrocessos vivenciados nos últimos tempos. Pois, a implementação de políticas com a finalidade apenas compensatórias como alternativas estratégicas à crise, que não estão associadas a políticas de emprego e tampouco à universalização dos direitos sociais, não lograrão resultados se não levar em consideração o modo de vida dentro do território que se encontram (GONÇALVES; CORNETTA, et al., 2016, p. 36).

É necessário, portanto, que se compreenda que a maneira pela qual o grupo interage e percebe seu ambiente é de extrema importância para as formulações de políticas públicas direcionadas a essa população e é de fundamental importância compreender esse território. Pois, há uma dívida histórica a ser paga pelo Estado brasileiro para essas populações que vivem há séculos nas várzeas do Marajó.

Trabalho infantil na amazônia marajoara: dados da pesquisa de campo

Partindo de uma compreensão crítica de realidade entende-se que não é um ato voluntário a inserção precoce das crianças e dos adolescentes no mundo do trabalho e, sim, socialmente determinado. A concepção que o trabalho “dignifica o homem”, mal compreendida, leva a naturalização do mesmo por muitas famílias, principalmente, as mais empobrecidas. Nas palavras Fronza;

Na sociedade capitalista o trabalho precoce é analisado a partir dos fatores subjetivos, ideológicos, culturais, éticos e morais que compõem o fenômeno, relacionados na maioria das vezes, as condições objetivas de vida das famílias e da representação cultural do exercício laborativo como instrumento positivo de formação e de educação de seus filhos (Fronza, 2013, pg. 3).

Analisado dessa forma, esse fenômeno mascara a realidade que está por trás de todo o dilema do trabalho de crianças e adolescentes, para muitos, visto como uma atividade natural. Essa concepção, infelizmente, ainda, é uma maneira de pensar muito presente. Contudo, com base na legislação brasileira o III Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (2019-2022), a partir da integração entre o art. 7º, inciso XXXIII, a Convenção 182, da OIT, e o Decreto 6.481/2008 considera trabalho infantil;

as atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional. Destaca-se que toda atividade realizada por adolescente trabalhador que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que é executada, possa prejudicar o seu desenvolvimento físico, psicológico, social e moral, se enquadra na definição de trabalho infantil e é proibida para pessoas com idade abaixo de 18 (dezoito) anos. (BRASIL, 2018,p. 6).

De acordo com o exposto acima, nem todo trabalho do adolescente se enquadra na definição de trabalho infantil. A própria CF/88 autoriza o trabalho a partir dos 14 anos, na condição de aprendiz e a partir dos 16 anos. Contudo, é preciso compreender que, abaixo de 18 anos, o trabalho é proibido, sem exceção, quando é perigoso, insalubre, penoso, noturno e prejudicial ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e se relaciona com as piores formas de trabalho infantil conforme Decreto 6.481/20088.

Na atividade de número 73 da lista que define as piores formas do trabalho infantil, descrito no decreto, encontram-se as atividades realizadas em ruas ou logradouros públicos (comércio ambulante, guardador de carros, guarda-mirins, guias turísticos, transporte de pessoas ou animais, dentre outros), por considerar a exposição à violência, drogadição, álcool, exploração sexual, exposição à radiação solar, chuva, frio, além do perigo de atropelamento e outros acidentes de trânsito. Sendo que isso tudo pode causar sérios danos à saúde do adolescente, em razão de ferimentos e comprometimento do desenvolvimento afetivo; dependência química; doenças sexualmente transmissíveis; atividade sexual precoce; gravidez indesejada; queimaduras na pele; envelhecimento precoce; câncer de pele; doenças respiratórias; traumatismos, entre outros problemas.

A Constituição Federal de (1988) atribui a criança e ao adolescente o status de sujeitos de direitos. O art. 227 determina que é dever da família, da sociedade e do Estado “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

O que é reafirmado por meio da promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente, reunindo normas e diretrizes que visam a garantir a proteção integral das crianças e dos adolescentes. De tal modo, que não é possível imaginar que uma criança ou adolescente trabalhe para obter o próprio sustento ou de seus familiares.

Contudo, essa é uma realidade que está longe de ser controlada e tampouco erradicada. Conforme os seguintes dados;

Em 2016, segundo dados da PNAD Contínua, de um total de 40,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, 1,8 milhão estavam no mercado de trabalho. Isso significa dizer que a taxa de trabalho infantil no Brasil, em 2016, era de 4,6%. Porém, considerando a “produção para o próprio consumo”, 716 mil crianças de 5 a 17 anos também realizaram trabalhos. Em ambos os casos dentre os adolescentes de 16 e 17 anos, 1,3 milhões estavam em situação de trabalho irregular. Ou seja, dos 2.390.846 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, 57,07% têm 16 ou 17 anos. Por sua vez, de 14 e 15 anos, aproximadamente, 575 mil encontravam-se em trabalho infantil em 2016 (24,05%).

Já no grupo de 10 a 13 anos, eram, aproximadamente, 374 mil (14,51% do total do trabalho infantil se encontra nessa faixa etária) e, entre as de 5 a 9 anos, notou-se um quantitativo aproximado de 104 mil crianças em trabalho infantil (4,35%). Do total de crianças e adolescentes que estavam no mercado de trabalho em 2016, 36% (aproximadamente, 839 mil) eram mulheres e 67% (aproximadamente, 1,5 milhões) eram homens (BRASIL, 2018, p.13-15).

Os dados do IBGE (2016) mostram que 19.924 crianças e adolescentes entre 10 a 17 anos estão em atividade laboral. Dados esses que não consideram as crianças que estão abaixo dos 10 anos trabalhando nos rios marajoaras e que não são poucas, como também não foram somados os dados de crianças e adolescentes que trabalham para o próprio consumo.

Em pesquisa preliminar in loco com famílias das crianças que moram no Rio Tajapuru, foi possível constatar que dentro das embarcações, diferentes são as situações de violações nas quais crianças e os adolescentes são vitimados. De acordo com relato de uma mãe, várias são as situações de gravidez que aparecem e que advém de relações estabelecidas nos próprios barcos. Temos relatos de que crianças já desapareceram e que nunca foram encontradas. Identificamos, também, que muitas não estão estudando, fato constatado, pois, elas estão todos os dias no turno da manhã, da tarde e muitas vezes a noite.

Pesquisamos, também, a escolaridade de alguns pais/responsáveis das crianças e adolescentes. Identificamos que 40% dos entrevistados são analfabetos, 40 % cursaram do 1° ao 5º ano do ensino fundamental e somente 20% completaram o ensino médio. No que concerne a renda familiar, observou-se que 60% dos entrevistados têm renda inferior a um salário mínimo, 20% tem remuneração de um salário mínimo e 20% obtém renda maior que um salário.

A questão educacional entre os entrevistados, feitas no ano de 2015, traz consigo uma grande problemática, grande parte não dá prosseguimento aos estudos por diversos motivos: seja por uma gravidez precoce e, principalmente, por ter que trabalhar para manter a família, cuja maioria dos integrantes estão desempregados e “precisam se alimentar”.

Vivendo em condições habitacionais precárias, trabalhando na informalidade e com baixo nível educacional todas as famílias são beneficiárias do PBF (Programa Bolsa família), os valores do benefício variaram de R$ 36,00 a R$ 475,00 reais. É grande o desemprego. Há pouco trabalho formal. As famílias vivem com menos de um salário mínimo por mês, o que as fazem se submeter a vários tipos de trabalho com intuito de garantir ao menos a alimentação básica da família, sendo que a única renda “fixa” para a maioria deles é o dinheiro do PBF. Em tempos de retrocesso e de perdas de direitos, essas famílias estão, cada vez mais na extrema pobreza.

No que concerne às condições de moradia, verificou-se que são habitações em condições precárias, correspondente ao recurso financeiro ao qual lhes são dispostos, as casas são geralmente muito pequenas, com poucos cômodos e as famílias são numerosas. As redes, que passam o dia atadas, também servem de assentos.

Na zona urbana de Breves, também não é diferente, as atividades desenvolvidas pelas crianças/adolescentes consistem em guardar veículos, vender cheiro-verde, carregar água, catar latinhas, vender lanche, etc. Também identificamos a prática da exploração sexual, de pedinte e o aumento da inserção de crianças e adolescentes no tráfico de drogas. Essas atividades revelam o risco ao qual estão expostas, dentre eles estão o perigo de atropelamento em via pública, violência física, assédio sexual, drogas, exposição ao sol e chuva etc.

Tendo em vista o conhecimento de algumas práticas que, também, são comuns e não foram citadas, uma vez que não foi possível obter maiores informações à respeito delas, porém, não poderíamos deixar de mencionar, pois, tratam-se da prática de atividades domésticas, nas quais crianças/adolescentes são destinadas a desenvolver tarefas que compreendem cuidar do lar, lavar roupas, cuidar de outras crianças e, geralmente são práticas desenvolvidas por meninas que em alguns casos são de localidades próximas à cidade, no interior do município que vem para a cidade “estudar” em “busca de um futuro melhor”, muitas do próprio Rio Tajapuru, sendo inseridas nas residências de familiares ou de conhecidos que fornecem moradia e alimentação em troca a criança/adolescente deve assumir o papel de contribuir no lar com as atividades domésticas. Nesse sentido, a inviabilidade do lar mostra uma das facetas mais desumanas em relação ao trabalho infantil.

Para tanto, os profissionais que trabalham nos órgãos de proteção, devido a própria fragilidade da rede, relataram que se torna difícil adentrar os lares e, muito raramente, denúncias são feitas, tendo em vista que as famílias e as próprias crianças e adolescentes envolvidos no trabalho infantil não identificam a tarefa doméstica como um trabalho, não existe uma compreensão de que se trata de trabalho infantil e, muito menos, a compreensão de que se trata de uma das piores formas.

Os caminhos para o combate ao trabalho infantil no município são muito complexos e apresentam elevado grau de dificuldade para execução. Muitas vezes, sem considerar as circunstâncias, trabalham com a ideia de responsabilização e de penalidade às famílias que violarem os direitos das crianças e adolescentes.

Na região, há o Programa Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), do Governo Federal. Ele passou por um reordenamento e foi instituído pela Resolução 08 de 18 de abril de 2013, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e a Resolução 05, de 12 de abril de 2013, da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) SNAS/MDS. Tal reordenamento tem como objetivo promover uma mudança significativa na política de prevenção e erradicação do trabalho infantil, ampliando o conjunto de responsabilidades.

Segundo a proposta do programa, deve-se desenvolver em parceria com outros programas, projetos e serviços das demais políticas públicas, como assistência social, educação, saúde, habitação, saneamento, emprego e renda; articulado com a rede de proteção, bem como a sociedade em geral.

Contudo, as ações advindas do PETI para a prevenção e erradicação do trabalho infantil não são capazes de assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, conforme estabelecem os fundamentos da teoria da proteção integral e os parâmetros do Sistema Único de Assistência Social, fato este constatado devido ao alto índice recorrentes na região, ou seja, não há de fato subsídios e condições para que as famílias possam cumprir as responsabilidades contidas no programa (RODRIGUE; BRITO, 2015, p. 54).

No município as famílias são vistas pelos gestores apenas como usuárias de programas sociais. Não existe quem as reivindiquem como membros de uma classe, que têm direitos, que têm vida e que é um sujeito político. A violação dos direitos das crianças e adolescentes é uma realidade brutal que é secular, e a exposição a perigos que estão submetidos é uma alternativa encontrada diante das condições de vida que levam. Nesse sentido, pergunta-se: como atribuir à família responsabilidades de não deixar as crianças e os adolescentes em atividades laborais, uma vez que já se encontram com os direitos violados e fragilizados diante da realidade que vivem? Como responsabilizá-las se o Estado não responde as suas reais necessidades?

Ademais, é importante ressaltar que a participação da criança em atividades laborativas não é fator de superação da pobreza, ao contrário, acaba somente contribuindo para que ela se perpetue, conforme foi possível verificar em nossa pesquisa. Há bastante crianças que muitas vezes são alimentadas ao longo do dia apenas com água e farinha. Popularmente conhecido como “chibé” na Amazônia, este foi um fato que presenciamos em visitas às famílias no ano de 2017.

As famílias de crianças que praticam o trabalho infantil são vistas com pouca importância e tratadas com preconceito, o que acentua os riscos aos quais estão expostos. Sendo vulneráveis, e necessitando de cuidados, as crianças/adolescentes criam suas próprias regras, a fim de se sobressaírem seja, pela violência ou mesmo para fugir da busca ativa das instituições socioassistenciais, uma vez que por elas é muitas vezes entendido como sinônimo de punição.

Tendo em vista que qualquer atividade desenvolvida por crianças/adolescente oferece não só riscos físicos como também psicológicos, a exploração no modo capitalista adere cada vez mais ao mercado e a utilização da mão-de-obra infantil em meio ao processo produtivo. Neste sentido Silva (2006 p. 30) ressalta que:

O trabalho infantil é um problema social, que aflige ampla parcela da sociedade e está intimamente vinculado à condição econômica. Quando a criança trabalha, muitas vezes em circunstâncias que comprometem sua saúde e sua esperança de vida, a realidade é perversa e parece não haver outra saída: porque os pais contam com os braços dos filhos para sobreviverem. E se o trabalho apenas consegue assegurar o alimento para a sobrevivência, a educação é um privilégio inacessível e o futuro não existe (Silva, 2006 p. 30) .

A realidade das crianças trabalhadoras em Breves, tanto nos rios, quanto na zona rural ou na cidade reflete a desvalorização da infância e da adolescência marajoara e uma profunda violação dos seus direitos humanos fundamentais.

O trabalho infantil se concentra em atividades de difícil fiscalização e se apresenta, principalmente, em atividades informais, nos rios, na agricultura familiar, no aliciamento pelo tráfico, em formas de exploração sexual, no trabalho doméstico e em atividades produtivas familiares. Essas formas de trabalho são naturalizadas ou invisíveis. Muitas vezes sequer são percebidas como trabalho infantil pela sociedade ou até mesmo por gestores públicos.

Considerações finais

Em pleno século XXI, em que pese exista uma série de normas protetivas ao trabalho da criança e do adolescente que influenciam as práticas e leis dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a saber: Convenções, Recomendações da OIT, Declarações dos Direitos da Criança que se relacionam com a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Consolidação das Leis do Trabalho, o que se vê é que não houve uma solução efetiva diante dos quadros de violações de direitos a que estão submetidas as famílias ribeirinhas e em particular as crianças e os adolescentes que vivem as margens do rio Tajapuru no Arquipélago do Marajó. Vivem em permanente ameaça e sujeitam-se as piores condições de trabalho infantil.

A concepção de que a infância é construída socialmente e que o trabalho infantil na contramão do desenvolvimento, retarda o desenvolvimento do ser social, viola os direitos de crianças e adolescentes ao impedi-los de exercer um direito fundamental, que é o de viver com dignidade e se fazer reconhecer enquanto tal. Ter uma melhor reprodução do ser social está dentro de um contexto que vai além de valores culturais arraigados e desarticulados do contexto sócio histórico e econômico, e que o respeito à noção de sujeito de direitos e em desenvolvimento, tão importante para a garantia da condição infantil, se tornará uma falácia, se não houver para a criança outra alternativa que não amadurecer de maneira precoce ou até mesmo a perda da própria vida, dada as condições que muitas se encontram.

A realidade da exploração do trabalho infantil não é um fenômeno novo. Reproduz-se e manifesta-se sob as “novas” formas de exploração da força de trabalho, relacionadas às transformações no mundo do trabalho no contexto contemporâneo. E não está dissociada das táticas globais de precarização das condições de vida dos trabalhadores, bem como, suas transformações no conjunto da relação capital-trabalho. O Estado não alcança essas famílias e as marginalizam, precarizando os serviços destinados a contribuir com a superação da vulnerabilidade social por elas vivida. Até porque, as respostas do Estado estão, diretamente, relacionadas ao processo de acumulação e valorização do capital e não, necessariamente, com a qualidade de vida da população. Nesse sentido, o Estado não tem garantido as condições para as famílias no que se refere aos diretos ao trabalho, saúde, educação e a vida.

Ao analisar os trabalhos desenvolvidos por crianças e/ou adolescentes no município de Breves, ressaltamos que é necessária uma ampla reflexão diante das condições de vida desses sujeitos, uma vez que as indagações se fazem presentes no que concerne a efetivação de direitos deles, pois muitos vivem abaixo da linha da pobreza, sendo importante reconhecer o risco que isto representa no cotidiano destas crianças e adolescentes dentro dessas configurações.

Por isso vou me valer do poema de José Saramago para deixar uma mensagem (...) “quando o visitante sentou na areia da praia e disse: Não há mais o que ver, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto”. O arquipélago do marajó é exuberantemente lindo com belezas impressionantes aos olhos de qualquer um, mas existem outras determinações que a configuram em uma profunda desigualdade social e que precisam ser problematizadas.

Assim, vale ressaltar que essa famigerada relação social, fruto desse sistema injusto que exacerba o poder, que enterra a solidariedade e o respeito social, é produtora de um egoísmo que não se importa com o verde da floresta, com o perfume das flores, dos campos, com a beleza dos rios, dos igarapés, dos furos, com a brisa do mar, com a limpidez das águas, onde a vida possa fluir em sua plenitude.

Referências

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SILVA, Marisa Rodrigues da. Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em Natal: uma avaliação na perspectiva da Assistência Social.2006.126f. Dissertação (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Natal, 2006.

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