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O complexo industrial-portuário em Barcarena e a saúde de comunidades tradicionais na Amazônia brasileira
O Social em Questão, vol. 21, núm. 44, pp. 171-194, 2019
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

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Resumo: Este artigo aborda implicações na saúde de comunidades tradicionais a partir da instalação do polo industrial-portuário no município de Barcarena, nos anos 1980. O objetivo é analisar como funcionam os processos de dominação e resistência a partir da dimensão “saúde” como elemento particular do conflito. A discussão é baseada em informações de sites oficiais, observação participativa e entrevistas com moradores, agentes de saúde, curandeiras e parteiras. Apresentam-se as consequências na saúde da população, a resposta da saúde pública oficial a demanda gerada pelas transformações e as práticas de saúde tradicional como alternativas aos serviços públicos de saúde e formas de resistência.

Palavras-chave: Saúde, Comunidades tradicionais, Poluição, Conflitos socioambientais.

O complexo industrial-portuário em Barcarena e a saúde de comunidades tradicionais na Amazônia brasileira

Silvany Favacho da Silva1

Marcel Theodoor Hazeu2

Resumo

Este artigo aborda implicações na saúde de comunidades tradicionais a partir da instalação do polo industrial-portuário no município de Barcarena, nos anos 1980. O objetivo é analisar como funcionam os processos de dominação e resistência a partir da dimensão “saúde” como elemento particular do conflito. A discussão é baseada em informações de sites oficiais, observação participativa e entrevistas com moradores, agentes de saúde, curandeiras e parteiras. Apresentam-se as consequências na saúde da população, a resposta da saúde pública oficial a demanda gerada pelas transformações e as práticas de saúde tradicional como alternativas aos serviços públicos de saúde e formas de resistência.

Palavras-chave

Saúde; Comunidades tradicionais; Poluição; Conflitos socioambientais.

The industrial-harbor complex in Barcarena and the health of traditional communities in the Brazilian Amazon

Abstract

This paper discusses the implications of the installation of the industrial-port hub in the municipality of Barcarena in the 1980s on the health of traditional communities. The objective is to analyze how the processes of domination and resistance work from a "health" dimension as a particular element of the conflict. The discussion is based on information from official sites, participatory observation and interviews with residents, health workers, healers and midwives. It presents the consequences for the health of the population, the official public health response to the demand generated by the transformations and the traditional health practices as alternatives to public health services and forms of resistance.

Keywords

Health; Traditional Communities; Pollution; Socio-environmental Conflicts.

Artigo recebido: novembro de 2018.

Artigo aprovado: janeiro de 2019.

Introdução

Este artigo aborda o lugar da saúde tradicional no conflito socioambiental em Barcarena, município paraense, onde comunidades tradicionais disputam o território com o grande capital e o Estado. As atividades industriais e portuárias interferem no espaço onde comunidades realizam suas atividades de pesca, coleta, agricultura, vida comunitária e lazer. O objetivo deste artigo é analisar como funcionam os processos de dominação e resistência a partir da dimensão “saúde” como elemento particular do conflito. Os resultados e a discussão são baseados em levantamentos feitos em sites oficiais, observação participativa e entrevistas com moradores3, agentes de saúde, curandeiras e parteiras, entre 2017 e 2018, considerando tanto os determinantes históricos e econômicos quanto a produção de resistências em contextos de dominação.

Apresentamos alguns conceitos centrais, como conflitos socioambientais, povos tradicionais, tradicionalidade e a concepção ampliada de saúde, na perspectiva crítica de contradições geradas dentro do sistema capitalista. Em seguida abordamos como o avanço das empresas capitalistas no município impacta na saúde, como e a partir de qual posição o Estado tem respondido em termos de serviços de saúde e como as comunidades tradicionais têm resistido a partir de seu sistema de saúde tradicional. Conclui-se que a saúde tradicional é parte importante da luta em defesa de territórios e comunidades tradicionais, tanto como disputa epistemológica com a política de saúde oficial, quanto como elemento de afirmação da sua existência e resistência.

No município paraense de Barcarena se instalou desde a década de 1980 um conflito permanente e estrutural entre o capital (empresas multinacionais), o Estado e as populações e comunidades tradicionais. Estes conflitos interferem e afetam diretamente a saúde destas comunidades e, neste sentido a “saúde” se tornou um campo de disputa.

Barcarena se insere na lógica da acumulação capitalista por espoliação (HARVEY, 2014) e de políticas (neo)desenvolvimentistas dos governos centrais, ditatoriais ou democráticos, expresso pelos conflitos socioambientais (ACSELRAD, 2004). As terras barcarenenses foram escolhidas criteriosamente em razão da proximidade com os mercados europeu e norte-americano, por ter as melhores condições para rota de grandes navios, disponibilidade de mão-de-obra barata, baixa densidade de ocupação e adjacência à capital – Belém (NAHUM, 2011).

Barcarena recebeu desde os anos 1980 projetos de portos para exportação de alumina e alumínio, de caulim, de gado vivo e soja, indústrias de beneficiamento de bauxita e de caulim, infraestruturas como estradas, linhões e minerodutos, com presença de multinacionais como Vale, Hydro, Bunge, Imerys, Yara, Tocantins, Tecop, entre outros (HAZEU, 2015). Os principais afetados por estas atividades são as comunidades e os povos tradicionais que mantêm uma relação direta com a natureza e, por conseguinte, têm sofrido com a poluição e contaminação dos rios (derramamento de lama vermelha, caulim, substâncias químicas oriundas do processo de industrialização, agrotóxico, soja, minério etc.), a desertificação e a infertilidade dos solos, a descaracterização da vegetação, a poluição do ar (CARMO et al., 2016) e processos permanentes de desapropriações, deslocamentos forçados, ameaças e cerceamento (HAZEU, 2015).

Antes da chegada das empresas, a vida da população se voltava para os rios, que serviam como via de transporte, fonte de alimentos e de água potável, lugar de banho, lavagem de roupa e de lazer, além do comércio dos produtos da roça, pesca e extrativismo e compra de outros produtos diretamente em Belém ou via regatão (MOURA, 1990; SOUZA, 2006), um modo de vida tradicional.

Para Little (2004), “tradicionalidade” se refere a fatores como a existência de regimes de propriedade comum, o sentido de pertencimento a um lugar e a procura de autonomia cultural e práticas adaptativas sustentáveis que os variados grupos sociais mostram na atualidade. “Tradicionalidade”, portanto, não significa imobilidade histórica, mas implica que as tradições culturais se mantêm e se atualizam mediante uma dinâmica de constante transformação (LITTLE, 2004).

Quando se discute saúde no contexto desta pesquisa, partimos de duas concepções: uma que reflete a visão universalista e ampliada expressa na Constituição Federal de 1988 e outra que pode ser chamada “saúde tradicional” ou “saúde tradicionalizada”. Na primeira concepção, a saúde “é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988), organizada por meio do Sistema Unico de Saúde (SUS).

Em sentido amplo, este conceito argumenta que a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. Sendo assim, é principalmente resultado das formas de organização social, de produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1986).

A outra concepção se refere a práticas de saúde contendo elementos culturais e de “tradicionalidade” atuantes por sujeitos terapêuticos locais4, os quais são pertencentes a povos que possuem conhecimentos totalmente ligados aos rios e a floresta. Esta concepção pode estabelecer um diálogo entre a concepção de saúde de comunidades tradicionais e a concepção que pauta a política pública do Estado que dialoga com o pressuposto da concepção ampliada de saúde de reconhecer e inserir a diversidade e as especificidades das comunidades e pessoas como parte integralizadora do próprio sistema.

Saúde e impactos sociais e ambientais da indústria em Barcarena

A implantação e a implementação dos grandes projetos que acompanham a acumulação capitalista e as políticas desenvolvimentistas na Amazônia têm trazido consequências graves para a saúde dos trabalhadores e dos moradores da região com a exploração dos recursos naturais, a supressão das relações sociais pré-existentes e dos direitos das comunidades tradicionais, além da precarização dos serviços públicos de saúde. Para autores, como Henri Acselrad (2004) e David Harvey (2014), os grandes projetos foram os principais agentes causadores dos mais diversos impactos ambientais.

Diante desse cenário, ressaltam-se recorrentes danos ao meio ambiente, como os casos de poluição dos principais rios e igarapés da região, essenciais para a vida das comunidades tradicionais. Estes são usados atualmente como meros depositários dos dejetos produzidos pelas atividades industriais em seu leito gerando envenenamento e poluição (FERREIRA, 2015).

Vários estudos comprovam a poluição e os impactos na qualidade da saúde humana das comunidades locais que tentam sobreviver no entorno dos grandes empreendimentos que foram instalados:

A carga elevada de efluentes (no igarapé Curuperé) faz com que o comprometimento se estenda mesmo que em menor intensidade as águas do igarapé Dendê e nesse caso trazem problemas sócio-ambientais gravíssimos para famílias que dependem da pesca de subsistências nessa drenagem (CARNEIRO et al., 2007, p. 37).

Concluiu-se que devido ao constante vazamento de efluentes sem tratamento no rio Curuperé e Dendê estes já não comportam mais vida aquática (PEREIRA; OLIVEIRA, 2008, p. 12).

A descarga de efluentes modificou drasticamente as características químicas das águas do rio Curuperé. Esses impactos ambientais representam riscos para a população de saúde, que utiliza essas águas para recreação, transporte e abastecimento próprio. Outros riscos podem estar associados a modificações no ambiente abiótico que podem resultar na biomagnificação de componentes metálicos em toda a cadeia alimentar que afetam as pessoas (LIMA et al., 2011, p.1502).

[...] as águas superficiais destes rios não poderiam naquele momento ser usadas para recreação, pesca ou consumo humano (LIMA et al., 2018, p. 48).

O pesquisador Marcelo Lima (2017) aponta a degradação ambiental e a contaminação dos recursos hídricos como principais problemas no munícipio. A qualidade da água dos rios e igarapés presentes nesta região foi reprovada em mais de 90% dos casos por fatores de controle químico ou microbiótico (LIMA, 2017).

Conforme Lima et al. (2018, p. 444), há indícios de que a taxa de morbidade e mortalidades na região está relacionada diretamente aos impactos e toda poluição provocada pelas atividades industriais sobre o meio ambiente, como também parece haver uma correlação entre a existência de doenças respiratórias e a poluição industrial.

A poluição, o desrespeito às normas ambientais, os tímidos investimentos em tecnologias que poderiam evitar a poluição, a falta de fiscalização e as poucas responsabilizações fortalecem uma lógica de pressão sobre as comunidades para forçá-las a sair e a fugir da poluição. Cada vez mais, a população sente a necessidade e a urgência de sair daquele lugar que prejudica a sua saúde, suas plantações e seus modos de vida (HAZEU, 2015).

Esta poluição não pode ser interpretada como acidental, mas faz parte das estratégias das empresas em diminuir os seus custos, externalizando-os para o meio ambiente e as comunidades ao redor, como mostram as evidências em relação às empresas Hydro e Imerys. A perícia do Instituto Evandro Chagas (IEC) flagrou um duto clandestino na mineradora Hydro que conduzia resíduos poluentes para o igarapé da região contaminando o meio ambiente e chegando com índices de sódio, nitrato, alumínio acima do permitido, o que, de acordo com o pesquisador do IEC, Marcelo Lima “se torna nocivo a quaisquer seres vivos” (LIMA, 2018). Outro acidente da Imerys em 2007 revelou, segundo Pereira (2007), uma prática da empresa de lançar efluente sem tratamento nos corpos hídricos locais e o desprezo pela legislação brasileira e pelo meio ambiente.

Uma vez que as indústrias possuem suas atividades com processo de licenciamento ambiental formalmente regular, “a situação revela que o Poder Público tem sido flagrantemente falho na realização do controle, monitoramento e fiscalização ambientais da atividade industrial exercida no Município” (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2016a).

É uma situação de grande desamparo por parte do Estado diante de uma frágil e/ou quase inexistente fiscalização das atividades industriais em Barcarena, que por sua natureza capitalista minimizam investimentos em tecnologias de proteção ambiental não lucrativas.

O Quadro 1 mostra como, ao longo dos anos, devido a esta precária fiscalização dos órgãos competentes e por negligência das indústrias, aconteceram vários desastres ambientais contaminando o ar, o solo, os lençóis freáticos, os rios, extinguindo várias espécies da fauna existente na região e principalmente, desestruturando a vida biótica tradicional.

Quadro 1: Desastres/crimes ambientais 2000-2018

Fonte: Carmo et al. (2016); Ministério Público Federal (2016a)

Além da poluição, as empresas, junto com o Estado (Companhia de Desenvolvimento Industrial, Companhia de Desenvolvimento de Barcarena, Secretaria do Patrimônio da União e Companhia de Desenvolvimento Econômico) têm forçado mais de mil famílias a saírem das suas terras, provocando desmembramento de comunidades, empobrecimento, doenças, medo e insegurança (HAZEU, 2015).

Os efeitos na saúde são relatados por moradores da área:

Eu acredito que os principais problemas de saúde que a população daqui está passando estão relacionados a toda essa poluição que as empresas produzem por que nós vivemos hoje aqui num ambiente que nós somos cercados de poluição (Dona Helena).

Eu acredito que as doenças que estão se manifestando aqui tem relacionamento com a poluição. Está tudo ligado! Nós perdemos muitas matas, nós estamos expostos, na verdade. A gente sabia que porque a gente não tinha isso antes, essa questão de pele, essa questão respiratória. Antigamente tinha a gripe, que era normal e que até hoje a gente tem, mas até isso era curado com muita facilidade. Hoje em dia parece que elas estão tão resistentes. E vem canseira, asma, então é toda uma situação. Então, eu acredito que todo mundo é unanime em falar que essas doenças estão relacionadas com a poluição (Dona Ana).

Muita gente vem aqui porque tem problema respiratório, ai vem comigo. Problemas de inflamação, problemas de coração, alergia. Deu uma alergia um ou dois anos atrás muito grande aqui, em todo o povo. A gente até pensava que fossem nossos colchões que estavam velhos, mas não era. [...]. Você sabe que aquela doença está no ar, a poluição vem no ar [...] são a coceira no corpo, é a dor de cabeça, dores nos ossos. Então são essas coisas, a dor de cabeça, tem gente que tem sequência de dor de cabeça, muita mesmo dor de cabeça. A gente pensa que é até por causa da vista, mas é a poluição [...]. Outra coisa que a gente não pode usar muito são os frutos. Nós temos um pé de manga bacuri que antigamente dava o fruto grande, agora, dá tudo miudinha e preta. Isso é a poluição, né!? (Dona Maria, curandeira, 2018).

Além da omissão do Estado, este financia a “não saúde”, as atividades poluidoras e destruidoras da natureza e da saúde humana. Por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, várias empresas têm recebido fartos volumes de recursos (Quadro 2) e, via isenção de impostos as empresas têm aumentado seus lucros e o Estado deixado de receber recursos que poderiam ser aplicados nas políticas sociais.

Quadro 2: Financiamento pelo BNDES em Barcarena

Fonte: BNDES5

Uma reportagem produzida pelo Diário Online (2017) revela que o “Pará deixará de receber cerca de R$ 7,5 bilhões, entre 2015 e 2030 – prazo de validade do acordo firmado entre o Governo e a mineradora (Hydro)”.

A empresa Imerys Rio Capim Caulim tem o benefício de isenção de 75% do imposto de renda sobre o lucro da exploração pelo prazo de 10 anos a partir de 2013 com término em 2022, de acordo com o Laudo Constitutivo no 022/2013.

Ambas as empresas mencionadas também não pagam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), pois a Lei Kandir isenta impostos sobre a exportação de produtos primários ou semifaturados.

A poluição e os desastres/crimes ambientais causados pelas empresas, apoiadas pelo Estado, têm interferido na forma de organização social e econômica dos moradores das comunidades tradicionais, transformando seu modo de viver, afetando a saúde e suas condições e concepções de saúde. Qual foi a resposta do Estado, que estimulou e financiou a nova forma de ocupação do território de Barcarena, em termos de política de saúde?

A Política de Saúde em Barcarena

Os moradores, que já viviam desde antes da chegada das multinacionais na região, relatam que não havia muitos hospitais, ambulâncias e profissionais de saúde na região e com a chegada da industrialização na região construíram hospitais e unidades de pronto atendimento. Porém, estes investimentos não se tornaram suficientes para atender a demanda crescente em Barcarena, tanto em relação a número de habitantes quanto em relação às especificidades dos problemas de saúde.

Carlos, agente de saúde do município, pontua que nos últimos anos os serviços melhoraram, mas houve também uma descontinuidade no quadro de profissionais de medicina:

Melhorou bastante, mas mesmo assim não é suficiente ainda, até porque a demanda de pessoas é muito grande, então, eles não conseguem. [...] hoje nós estamos apenas com uma médica e ela não faz mais esses atendimentos aqui, porque ela não pode e não tem condição. Quando eram dois ou três médicos, dava para fazer, mas agora não dá, não tem condição.

Ainda segundo Carlos os serviços de saúde voltados para a comunidade não acompanham a demanda imposta pela realidade barcarenense:

Geralmente, os serviços de saúde voltados para a comunidade é um serviço muito básico. Até por que a demanda de atendimento é muito grande e as ações de saúde voltada para o povo são poucas, fazendo com que muitas pessoas desistam de fazer certos.

O Sistema de Informática do SUS (DATASUS) divulga o que é disponibilizado à população em termos de estabelecimentos de saúde, profissionais de saúde e leitos. Barcarena contava, em 2015, com 343 profissionais atuando nas políticas de saúde, sendo 83 médicos (FAPESPA, 2016).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza um determinado parâmetro como ideal para atenção à saúde da população. A OMS julga, por exemplo, como ideal um médico ativo para cada 1.000 habitantes. Considerando o contingente populacional de Barcarena – mais de 100 mil habitantes (IBGE, 2018) e mais milhares trabalhadores que pendulam entre seus municípios e Barcarena por razões de trabalho e lazer – deveria haver, no mínimo, 100 médicos atuando, enquanto na realidade há 83 médicos.

Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES (FAPESPA, 2016) o número de unidades farmacêuticas em Barcarena em que é feita a distribuição de medicamentos básicos e excepcionais, previstos na Política Nacional de Assistência Farmacêutica, é reduzido a um número igual de unidades móveis de nível pré-hospitalar-urgência/emergência. Um número incompatível com as necessidades da população.

Ainda se observa uma descontinuidade, diminuição e carência na implementação de centros/unidades hospitalares para realização de atendimentos de atenção básica e integral a uma população. O número de clínicas/ambulatórios especializados destinados à assistência ambulatorial diminui de nove, em 2011, para cinco, em 2017; o número de postos de saúde diminuiu de 20, em 2006, a sete, em 2017. Em 2006, tinha três hospitais gerais e, em 2015, funcionava apenas um.

Cabe também ressaltar que outros estabelecimentos como unidade móvel fluvial e terrestre não funcionam na região, mas que são extremamente necessários para Barcarena já que é um município que possui muitas ilhas.

O DATASUS revela ainda que há uma considerável redução de 2006 a 2015 em relação à quantidade de leitos disponíveis para a população, divididos entre leitos hospitalares, ambulatoriais e de urgência. Segundo a OMS, o ideal para um município é que seja ofertada uma média de 3 a 5 leitos para cada 1000 habitantes (ANAHP, 2014), isto é, em média, seria necessário de 366 a 610 leitos disponíveis para a população de Barcarena, enquanto o número de leitos diminui de 142, em 2006, para 103, em 2015 (DATASUS/MS apud FAPESPA, 2016), revelando uma abrangência deficitária para o contexto de agravamento das condições de saúde no município.

Nesta concepção de serviços de saúde do Estado no contexto de Barcarena, revela-se uma separação entre a saúde como tratamento de doenças e profissionais formais de saúde em estabelecimentos institucionalizados de um lado e a “saúde tradicional” como bem-estar e práticas tradicionais de saúde dentro das estruturas das comunidades.

As práticas tradicionais de saúde fazem parte da identidade coletiva de povos e comunidades tradicionais. As comunidades tradicionais em Barcarena tinham e têm mantido várias práticas e valores de seus modos de vida, mesmo com a entrada e expansão dos modos de produção capitalista e da presença do aparelho do estado em todas as dimensões da vida.

Estas práticas evidenciam a existência das comunidades tradicionais, a sua resistência e formas de reorganização tanto contra a violência do capital quanto em relação à presença do Estado moderno e seu sistema de saúde.

A organização e o modo de vida de comunidades tradicionais estão ancorados nas suas concepções e práticas de saúde, mesmo naquelas que estão geograficamente cercadas pelos grandes empreendimentos instalados em seus entornos, tornando-as extremamente vulneráveis às atividades minero-metalúrgicas e que sofrem com a acumulação da poluição e com os acidentes ocasionados pelas indústrias instaladas no município de Barcarena.

De acordo com as autoras Maia e Moura (1995), a organização do espaço se caracterizava de forma coletiva sendo respeitados os espaços individuais, pois a divisão destes espaços significava conservar a posse da terra e a garantia das condições de reprodução da família.

Ao redor das casas ficavam além de plantas medicinais, das quais faziam amplo uso no trato de suas doenças, as árvores frutíferas regionais e que juntamente com a farinha e o carvão constituíam-se em sua fonte básica de renda [...] Os moradores dos sítios mantinham com as frutas uma intima relação simbólica, representadas como símbolo da fartura da região (MAIA; MOURA, 1995, p. 234).

O modo de vida tradicional destas comunidades e seu contato com a natureza continuam a ser fundamentais no processo (re)produtivo familiar e para o bem-estar da própria comunidade, visto como saúde coletiva e, ao mesmo tempo, na abstração de alguns componentes da floresta na obtenção da cura quando estão doentes. Os elementos que integram a vida dessas famílias só podem ser compreendidos dentro da lógica que orienta a organização social da região (MAIA; MOURA, 1995, p. 235).

O bem-estar como sinônimo de bem viver simboliza a noção de saúde tradicional, de possuir qualidade de vida e felicidade, onde não precisa de abundâncias, mas sim do necessário, de poder estabelecer formas de produzir, reproduzir e de viver: “Saúde pra mim, minha filha, tem a ver com bem-estar, de estar bem, de poder fazer de tudo sem depender de ninguém” (Dona Joana, 2018).

Saúde tem haver, na verdade com tudo, várias situações, é o meio onde você vive, como você vive, né?! Quais as melhorias que você tem para adquirir os recursos que você tem. (Seu João, morador antigo da região, aposentado).

A questão mais forte das minhas lembranças da vivência quando criança era que a gente vivia numa comunidade de parentesco, onde todo mundo se respeitava e se protegia. Isso era felicidade! O bem estar está muito relacionado à felicidade, entendeu? Pra mim, bem estar é você poder usufruir os bens da natureza com qualidade. Então eu digo assim: que o bem estar pra mim é você se alimentar com qualidade. Isso era qualidade de vida! Isso nós tínhamos na Montanha, o prazer de brincar, de viver, de se alimentar bem com a alimentação que a natureza nos dava (Dona Helena, liderança local).

A concepção de saúde que surge da fala da dona Helena é de bem-estar que sempre foi caracterizado a partir de uma forte identidade de um povo que respeitava e se protegia, e que encontravam na vida abundante da mata os elementos necessários para seu bem viver. Este bem viver carrega consigo um conjunto de valores, crenças, elementos culturais, os quais adequam a ideia de ser livre, liberdade de viver, e estes subsídios, para o povo tradicional, proporcionam felicidade e isto está diretamente envolvido com a concepção de saúde.

Para ter saúde é preciso ter alimentação saudável e direito ao território, se prevenir “das coisas ruins” e assim cuidar do espírito, respeitar os seres vivos em roupagens humanas ou não, e cuidar do ambiente (ARÊDA-OSHAI, 2017).

Nas comunidades tradicionais o conhecimento e os saberes em relação à saúde fazem parte da cultura e da tradição, ou seja, não podem ser abordadas somente a partir da aparência das práticas. São saberes milenários que são adquiridos e aplicados dentro de uma lógica não escrita, não registrada, mas como parte do modo de vida, como conhecimento coletivo de experiências trazidas de seus ancestrais, como Ponte e Aquino (2014, p. 191) explicam a partir da visão de lideranças indígenas das aldeias Tembé do Guamá da aldeia Suçuarana, no Gurupi. Esta saúde diferenciada:

[...] significa uma prática de saúde em que é possível acionar as origens culturais, quer dizer, uma memória coletiva dos conhecimentos do pajé, das parteiras, mas também a garantia de sobrevivência do grupo. A saúde é, no discurso das lideranças, muito mais do que não estar doente. Significa, sobretudo, a integração entre homem, terra, floresta e cultura (PONTE; AQUINO, 2014, p. 191).

Os sujeitos da pesquisa em Barcarena carregam em sua história, no sangue e na vida, descendências quilombolas e indígenas, as quais possuem um conhecimento e identificação com práticas terapêuticas tradicionais e locais, que Aréda-Oshai (2017, p. 12) descreve como:

[...] o uso de plantas e produtos de origem animal, práticas de benzenção e técnicas de manipulação corporal, desenvolvidas por benzedeiras, parteiras, curandeiros (pajés), entre outros (as) especialistas locais (ARÊDA-OSHAI, 2017, p. 12).

Estas práticas e a presença de agentes eram muito comuns e, constantemente, acionadas pela população antes da chegada dos grandes empreendimentos industriais e portuários, as quais tentam resistir e permanecem de formas diferenciadas, na atualidade, paralelamente ou em oposição a novas práticas e agentes de instituições em saúde que vieram juntos com a industrialização e a presença mais efetiva do Estado moderno no município. Mas dona Heloisa, moradora de comunidade tradicional e agente de saúde, reconhece que não é fácil:

A relação com a saúde antes era tudo curativo natural. A gente não tinha muito acesso à medicação, à farmácia, medicamentos manipulados da farmácia. Então, tudo era natural. Assim, a maioria das coisas era resolvida. Tudo na verdade mudou, tudo foi modificado.

Falar da saúde no contexto pesquisado é abordar um conjunto de variáveis que englobam boa alimentação, boa convivência com as demais pessoas, possuírem lazer, poder afirmar-se com sentimento de pertencimento a determinado lugar/espaço de origem, possuir condições físicas e materiais de trabalho, consumir e/ou obter produtos saudáveis das florestas, dos rios, da roça, isto é, tudo aquilo que os proporcione bem-estar, vida saudável, ausência de doenças etc..

A presença de curandeiras e as práticas de cura, herdadas dos antepassados, continuam presentes e vivas, a despeito da tentativa de eliminar as comunidades tradicionais, como evidencia a fala da curandeira dona Marta:

Todo esse meu conhecimento veio da minha mãe. Você sabe que dessa área ai dos índios, os índios sabem de muitos remédios e eu ficava observando a minha mãe, minha mãe era índia, era parteira. Minha mãe fazia aquelas garrafadas pra evitar filho, pra fortalecer o útero e eu aprendi com ela. Eu digo assim: que a erva medicinal é muito melhor que os remédios farmacêuticos. Olha, tudo isso aqui (mostrando as diversas plantas existentes em seu quintal) é remédio pra diabetes. Esta árvore aqui, minha filha, é Caju do campo, é um santo remédio para eliminar a diabetes.

As plantas medicinais são elementos que servem para fins curativos, preventivos, espirituais, entre outros, que fortalecem a identidade tradicional e estabelecem a promoção de saúde. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS propõe a inclusão das plantas medicinais e fitoterapia como uma das opções terapêuticas no sistema público de saúde, reconhecendo a importância deste elemento do conhecimento tradicional (BRASIL, 2006). Porém, em Barcarena este reconhecimento é minimamente incorporado na prática dos profissionais de saúde, o que reforça a observação de Figueredo, Gurgel e Gurgel Junior (2014), analisando a implementação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicas, de que há um “receio dos profissionais de saúde em prescrevê-las, com base no conhecimento popular, visto que, segundo Rosa et al. (2011), a medicina baseada em evidência é a norteadora da prática médica” (p. 390).

Um receio que reflete uma posição de:

[...] setores da academia e dos profissionais de saúde que acham que este conhecimento não é suficiente para aferir segurança e eficácia das plantas, reeditando uma disputa antiga entre médicos e curandeiros de variados tipos (FIGUEREDO; GURGEL; GURGEL JUNIOR, 2014, p. 391).

A dona Joana, moradora de Vila do Conde há 69 anos, realiza até hoje partos de mulheres que a procuram. Segura em sua técnica com parturientes, ela relata que já fez muitos partos na região, contou até o quinquagésimo parto e logo depois “se perdeu” na contagem. Ela, além de realizar partos, produz diversas misturas, remédios caseiros, garrafadas para tratamento e prevenção de doenças que afetam frequentemente a região.

[...] também vem uns e outros aqui comigo, direto do hospital, com infecção se queixando que o remédio de lá (do hospital) não dá jeito e quando dá jeito provoca outras coisas, como dor no estômago ou problema no fígado por ser muito forte e a pessoa não tá acostumada com remédio forte, quando vê já tá sofrendo com o fígado, dor de cabeça... ai minha filha, não tem condições. Eles vêm aqui pedir para eu preparar um remédio pra isso. Aí eu vou lá, pego umas folhas do barbatimão, canarana, eu faço um chá bem forte e cura tudo, eles ficam tudo bom (Dona Joana, 2018).

A questão da tradicionalidade, do conhecimento que atravessa gerações de grupos de descendência quilombola ou indígena permite uma reflexão em uma relação intrínseca entre o lugar e a saúde, a historicidade e a saúde, as relações sociais e saúde, o meio ambiente e saúde, entre outros. Tais fatores devem ser considerados perante o sentimento de pertencimento e condições para qualidade de vida de uma população que carrega como elemento de afirmação de identidade tradicional.

As práticas na área de saúde tradicional fazem parte da realidade da população barcarenense e são consideradas práticas de arremate para as condições de vida e amenização do sofrimento, no qual se encontra a população local; a qual está sendo constantemente afetada pelas tragédias ocorridas há 38 anos na região ocasionadas pelas atividades dos grandes projetos instalados em Barcarena, que violam o ecossistema, deslocam as famílias e desestruturam a vida social das comunidades locais tradicionais provocando adoecimento.

Para alguns autores, como Leite e Lima Junior (2015), tanto a concepção de saúde, como as práticas populares no cuidado com a saúde e os agentes de saberes populares tradicionais são construções históricas que se firmam como resistência decolonial6, e que, presentemente, são inferiorizados dentro do discurso desenvolvimentista, que carrega consigo a marginalização destas práticas com o advento da abertura de grandes mercados no Brasil e na Amazônia especificamente e, com isso, fazer valer o padrão hegemônico eurocêntrico.

Trata-se de um modo de vida peculiar, pré-existente a qualquer outra forma de organização que hoje está presente no território de Barcarena, onde há uma representatividade de identidade de pertencer e de ser que se mantém tanto como alternativa à dificuldade de acesso aos serviços de saúde oficiais quanto como resistência à modernidade capitalista, simbolizado também pelo sistema de saúde que acompanha as indústrias e os investimentos do capital. Um dos valores que permeia a concepção de saúde é a integralidade em um ambiente saudável, adaptada à vida cotidiana com a natureza, além de manter uma continuidade da vida tradicional, no meio de adversidades e transformações em curso em Barcarena, evitando ou resistindo a rupturas completas.

O sistema de saúde tradicional em Barcarena é formado tanto por sujeitos terapêuticos tradicionais quanto por pessoas das comunidades que confiam, recorrem e se curam dentro das práticas e lógica da saúde tradicional, que não pode existir um sem o outro, engendrando uma relação subjetiva. Isto diferencia do sistema de saúde oficial, que pode existir com ou sem a confiança e participação das pessoas da comunidade, pois é imposto e operacionalizado numa relação automatizada, verticalizada e hierárquica, sem relação com o ambiente, a natureza e a dinâmica de vida local.

Pode-se considerar a complexidade do sistema de saúde tradicional, com suas práticas e lógicas materiais e imateriais, como um dos elementos fundantes da identidade de uma comunidade tradicional que resiste à acumulação por espoliação das empresas multinacionais e políticas desenvolvimentistas.

Considerações finais

As observações e as reflexões apresentadas neste texto abordam questões que tratam das relações entre a acumulação capitalista e a violação de saúde, as contradições na concepção e política de saúde e as resistências configuradas pela saúde tradicional.

A população barcarenense sofre com o paradoxo entre os contínuos incrementos na produção e a ausência de mecanismos governamentais de controle dos impactos ambientais e sociais. Perante isso, revelam se grandes contradições, principalmente a respeito dos recursos disponibilizados para a rede básica de saúde e de todo o valor de isenções e multas não pagas pelas empresas transnacionais que, se bem investido poderia beneficiar setores fundamentais e aparatos condizentes com a realidade da população, não só como saúde, mas educação, segurança, transporte, habitação, saneamento etc..

Observam-se como efeitos inerentes ao avanço de empresas, portos, fábricas e estradas em Barcarena: a destruição das relações familiares; a destruição do meio ambiente e da biodiversidade; a poluição dos recursos naturais; os deslocamentos forçados; o aumento do desemprego; os serviços públicos que não conseguem atender as demandas presentes; o empobrecimento e todo tipo de violência – todos influenciando na saúde humana que depende da totalidade dos modos de vida e da qualidade das relações com o meio em que vivem. Todos os impactos mencionados neste artigo podem ser analisados dentro deste debate sobre a garantia da saúde, superando abordagens fragmentadas, e aproximando-se ao debate sobre o conceito ampliado de saúde.

O conceito ampliado de saúde que se apresentou nas teorias e na história de construção da concepção de direito à saúde mostrou ter suas limitações e contradições na prática da política de saúde, ou na saúde oficial, aplicadas no contexto do conflito socioambiental em Barcarena. Percebeu-se que mesmo o conceito ampliado de saúde não valoriza as práticas e conhecimentos tradicionais em suas singularidades e não enfatizava as novas realidades criadas com o avanço do capitalismo sobre as comunidades.

O pressuposto da concepção ampliada de saúde é de reconhecer e inserir a diversidade, bem como as especificidades das comunidades e pessoas como parte integralizadora do próprio sistema e não ter como política de saúde uma força homogeneizadora, ou seja, de transformar todas e todos em usuários e trabalhadores em um código, presente no cartão SUS, desconsiderando identidades culturais, étnicas, de gênero, raça e condição tradicional, num processo de colonização capitalista e modernizadora com bases eurocêntricas.

Tanto a concepção de saúde no âmbito do sistema de saúde oficial instituído pelo Estado Moderno, quanto a concepção de saúde tradicionalizada possuem contributos para atender a uma população que em uma determinada realidade encontra-se exposta a expressões da “questão social”. Porém, são compostas por contradições, conflitos e delimitações eminentes ao avanço do capital e em que o próprio Estado está inserido e cofinanciando este sistema desigual para manter e garantir a reprodução e acumulação do capital.

O avanço do capital e o aumento de demandas para serviços de saúde em Barcarena, contraditoriamente, levaram à precarização e ao retrocesso em alguns dos mesmos. O sistema de saúde se tornou mais desigual, frágil e muitas vezes inoperante pelas condições dadas dentro do sistema capitalista neoliberal, de precarização dos serviços públicos e da manutenção das desigualdades sociais inerentes e essenciais para o próprio sistema.

Todo movimento de dominação gera movimentos de resistência, e a luta pela garantia de direito à saúde se enquadra nesta lógica. A luta pela identidade tradicional e pelo território também engloba o elemento saúde como estratégia e fundamento dos movimentos de resistência. Por décadas a existência e permanência das comunidades em Barcarena nos territórios destinados nos planos de desenvolvimento para a acumulação capitalista foi negada ou considerada obstáculo para o “progresso”, suprimindo e silenciando suas identidades tradicionais. Recentemente, as próprias comunidades reassumiram publicamente a sua existência como povos e comunidades tradicionais como forma de resistência.

As lutas travadas incluem a afirmação da sua (re)existência como comunidades tradicionais com direitos centenários e reconhecidos internacionalmente. A tradicionalidade está presente em todos os elementos da vida e também passa pelas práticas de saúde, como evidenciado nas comunidades em Barcarena. Os sujeitos terapêuticos tradicionais, como parteiras, curandeiros, pajés e benzedeiras, acumulam uma sabedoria especial, cultivam plantas medicinais, atendem a população que as solicitam para realização de partos, curar doenças, preparar remédios naturais que atendem a seus modos de vida e respeitam o seu vínculo com a natureza e o ritmo de cura e vida – uma prática que se aplica para o bem coletivo.

As comunidades se organizam em torno destas práticas, nas quais territórios são ocupados e cujas fronteiras são definidas a partir da abrangência da influência e referência dos sujeitos terapêuticos. Diferente das limitações territoriais geográficas impostas pela administração estatal que orienta os serviços de saúde ou pelos interesses do capital, os territórios das comunidades tradicionais são definidos a partir de suas práticas de produção (pesca, roça, coleta de frutas e caça), de convivência (famílias, festas e rituais) e, também, de práticas de saúde tradicional.

As concepções e as práticas tradicionais de saúde em comunidades no município de Barcarena se apresentam de forma livre, porém limitadas, como um meio de resistência a uma lógica do Estado e de suas ações que não atendem, em sua plenitude, as demandas que estão postas e introduzidas por forças externas, na região.

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