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Relações familiares na perspectiva de rede de apoio social às pessoas ostomizadas em tratamento oncológico
Relações familiares na perspectiva de rede de apoio social às pessoas ostomizadas em tratamento oncológico
O Social em Questão, vol. 21, núm. 44, pp. 241-258, 2019
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Resumo: Este artigo visa analisar a família na perspectiva de apoio social às pessoas ostomizadas em tratamento oncológico em hospital universitário do estado do Rio Grande do Sul. Trata-se de um estudo transversal desenvolvido por meio do acesso a prontuários eletrônicos de 30 participantes ostomizados e que foram analisados descritivamente. A família é evidenciada em diferentes configurações, sendo os principais cuidadores no tratamento. A identificação da família como rede de apoio revela a necessidade de integração no plano terapêutico das equipes de saúde, visando o cuidado humanizado e melhorias na qualidade de vida da pessoa ostomizada e de seus familiares.
Palavras-chave: Relações familiares, Ostomia, Apoio social, Oncologia.
Relações familiares na perspectiva de rede de apoio social às pessoas ostomizadas em tratamento oncológico
Raquel Karlinski Almeida1
Silvana Bastos Cogo2
Marcio Rossato Badke3
Susan Bublitz4
Andrei Pompeu Antunes5
Aline Gomes Ilha6
Resumo
Este artigo visa analisar a família na perspectiva de apoio social às pessoas ostomizadas em tratamento oncológico em hospital universitário do estado do Rio Grande do Sul. Trata-se de um estudo transversal desenvolvido por meio do acesso a prontuários eletrônicos de 30 participantes ostomizados e que foram analisados descritivamente. A família é evidenciada em diferentes configurações, sendo os principais cuidadores no tratamento. A identificação da família como rede de apoio revela a necessidade de integração no plano terapêutico das equipes de saúde, visando o cuidado humanizado e melhorias na qualidade de vida da pessoa ostomizada e de seus familiares.
Palavras-chaves
Relações familiares; Ostomia; Apoio social; Oncologia.
Family relations in the perspective of social support network for ostomized persons in oncological treatment
Abstract
This article aims to analyze the family from the perspective of social support network for ostomized people in oncological treatment in a university hospital of the state of Rio Grande do Sul. A cross-sectional study with 30 ostomized participants, through access to electronic records and analyzed descriptively. The family is evidenced in different settings, being the main caregivers in the treatment. The identification of the family as a support network, reveals the need for their integration in the therapeutic plan of health teams, aiming the humanized care and improvements in the quality of the life of ostomized person and their relatives.
Keywords
Family relations; Ostomy; Social support; Oncology.
Artigo recebido: novembro de 2018.
Artigo aprovado: janeiro de 2019.
Introdução
O aumento expressivo de novos casos de neoplasias tem se instituído como um problema de saúde pública, especialmente nos países em desenvolvimento, visto que o impacto dessa doença na população corresponde a 80% dos mais de 20 milhões de novos casos estimados para 2025 (FERREIRA et al., 2015). A estimativa brasileira para o biênio de 2018 e 2019 apresenta a ocorrência de 600 mil novos casos de câncer para cada ano (FERREIRA et al., 2017a). Neste contexto, faz-se necessário destacar a complexidade que envolve o tratamento oncológico. Este faz com que os pacientes vivenciem algumas experiências, tais como internações prolongadas, procedimentos cirúrgicos, efeitos colaterais da medicação, falhas na resposta terapêutica com progressão ou recidiva da doença, complexidade de sentimentos, conflitos e subjetividade, esgotamento de possibilidades de tratamento curativo e medo da morte (KOVÁCS, 2010).
Ressalta-se que, dentre as consequências causadas pelas neoplasias encontra-se também a necessidade de realização de um estoma e/ou ostoma, que consiste na abertura artificial entre os órgãos internos com o meio externo (BRASIL, 2009). Podem ser classificadas em digestivas (gastrostomia e jejunostomia), intestinais (colostomia, ileostomia), urinárias (urostomia) e respiratórias (traqueostomias), apresentando características peculiares no que se refere aos cuidados, complicações e requisitos especiais de adaptação aos estilos de vida (GUTMAN, 2011).
Nesse contexto, a convivência com uma ostomia provoca diversas alterações sociais, psicológicas, físicas e espirituais na vida do paciente e de sua família, que poderá exigir novas formas de enfrentamento perante essa condição. Nesse sentido, a realização deste procedimento pode suscitar, inicialmente, em conflitos referentes aos seus efeitos sobre os aspectos do autocuidado, consumo alimentar, hábito intestinal, atividades sociais e sexuais, entre outros (MUNOZ et al., 2010).
A família tem papel fundamental para dar apoio, em razão das inúmeras modificações causadas por esse procedimento, contribuindo para a construção de novas formas de enfrentamento, melhorando a autoestima e possibilitando a reinserção social (CETOLIN et al., 2013). Sob esse aspecto, há que se destacar que o conceito de família tem sofrido diferentes processos de transformações, concepções e significados ao longo do tempo. Na contemporaneidade, é definida por diversas configurações familiares, ultrapassando, para isso, os critérios de consanguinidade, adoção e matrimônio. O adoecimento de um dos seus integrantes faz com que essa busque reorganizar-se para conviver com a situação, ocasionando ao mesmo tempo a adaptação e alteração de papéis (ELSEN; MARCON; SILVA, 2004).
A integração familiar torna-se fundamental, uma vez que essa supervisiona o estado de saúde/doença de seus entes, auxilia na tomada de decisões, acompanha, avalia, busca orientações que o habilite a cuidar e se fazer presente junto ao seu ente, aprimorando seus conhecimentos (DE SOUZA; GOMES; BARROS, 2009).
Compreender as redes de apoio consiste em considerar que ao serem estáveis, ativas e confiáveis são geradoras de saúde, pois possuem uma condição de ajuda, aceleram os processos de reabilitação e cura, e aumentam a sobrevida (SLUZKI, 2003). Justifica-se que as relações familiares são partes constituintes das redes de apoio social, necessitando seu envolvimento no plano terapêutico, assim contribuindo para fortalecer vínculos e trocas de saberes, auxiliando na melhoria da qualidade de vida e permitindo que esses consigam enfrentar esta situação. Para tanto, faz-se necessário que profissionais de saúde reconheçam as fragilidades e potencialidades dessa rede, bem como suas contribuições nos processos de reabilitação e adaptação à ostomia nesse novo cenário de vida.
O objetivo proposto neste estudo foi analisar a família na perspectiva de rede de apoio social às pessoas ostomizadas em tratamento oncológico, em um hospital universitário da região central do estado do Rio Grande do Sul.
Método
Trata-se de um estudo quantitativo transversal, desenvolvido por meio de consulta aos dados no prontuário eletrônico e aplicação de formulário impresso com pessoas que realizavam tratamento oncológico estando em uso de ostomias digestivas, intestinais, urinárias e respiratórias. Tendo como local de pesquisa, pacientes em atendimento nos setores de quimioterapia, radioterapia e unidade de internação em um hospital universitário da região central do estado do Rio Grande do Sul, no período de julho a setembro de 2017.
A amostra por conveniência resultou em 30 pessoas. Adotam-se como critérios de inclusão: pessoas de ambos os sexos que apresentaram idade igual ou superior a 18 anos, com diagnóstico de neoplasias realizando tratamento em uso de qualquer tipo de ostomia, os quais se encontraram em condições físicas e cognitivas. Visto que são excluídos os sujeitos que não atenderam as condições dos critérios estabelecidos.
Para a coleta dos dados, no que diz respeito ao prontuário eletrônico, nesse foram selecionadas informações referentes às características sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda, raça, situação habitacional e ocupacional), além de dados da condição clínica (tipo de ostomia e data da realização de intervenção cirúrgica). Já em relação ao formulário aplicado, foram adquiridas as informações referentes à identificação das relações familiares da pessoa ostomizada e seu papel no processo de cuidado com à ostomia, a fim de ser analisada como rede de apoio.
Os participantes foram abordados por meio de contato pessoal e de forma individual nos respectivos setores do hospital, convidados e informados sobre os objetivos e relevância da pesquisa. Para análise dos dados empregou-se Software SPSS® 21.0 para tabulação e estatística descritiva por meio de frequência simples e absoluta, representando os resultados encontrados em gráficos e tabelas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, CAAE: 68544517.6.0000.5346, contemplando Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos participantes.
Resultados
A amostra deste estudo foi constituída por 30 participantes, com prevalência da população masculina (70%), visto que na faixa etária houve distribuição homogênea entre adultos e idosos. Em relação ao estado civil, destaca-se que houve predominância de participantes casados (50%) e em relação à raça, prevalência de autodenominados brancos (70%). Quanto à escolaridade, a maior parte apresentou baixo nível educacional, configurando que mais de 73,3% possui ensino fundamental incompleto, ainda mais que 90% possui casa própria e baixa renda familiar (46,7%). Conforme dados apresentados na tabela 1.
Tabela 1. Características sociodemográficas das pessoas ostomizadas em tratamento oncológico (n =30), RS, 2018.
Fonte: Autores (2018)
Em relação às características clínicas sobre o tipo de ostomia, constataram-se 16 colostomias (53,3%), oito traqueostomias (26,7%), três jejunostomias (16%), duas gastrostomias (6,7%), uma ileostomia (3,3%) e uma urostomia (3,3%).
Quanto ao tempo de realização da ostomia, destacam-se: de um até três meses, correspondendo à (30%), de três a seis meses (23,3%), mais de seis meses (40%) e acima de 12 meses (6,7%).
Entre as características sobre as neoplasias, os maiores índices foram as do tipo colorretal (53,3%), cabeça e pescoço (30%), estômago (10%), bexiga (3,3%) e linfoma não-hodgkin (3,3%), todos em estágios clínicos avançados da doença.
No que se refere à composição familiar dos participantes, representados no gráfico 01, foram identificadas diferentes configurações, revelando que mais de 30% residem com companheiros(as).
Gráfico 1. Caracterização da composição familiar das pessoas ostomizadas em tratamento oncológico, RS, 2018.
Fonte: Autores (2018)
No que diz respeito a realização dos cuidados diários: 76,7% foi fornecido pelos familiares, 16,7% por meio do autocuidado e 13,3% pelos profissionais de saúde. E quanto a qualidade dos vínculos familiares, estes foram classificados como ótimas (63,3%) e boas (36,7%). Nesse viés, a família também foi ressaltada como principal responsável pelo acompanhamento durante o tratamento oncológico, conforme podemos observar na tabela 2.
Tabela 2. Avaliação sobre os acompanhantes no tratamento oncológico das pessoas ostomizadas e os vínculos estabelecidos, RS, 2018
Fonte: Autores (2018)
A realização de uma ostomia, também traz diferentes mudanças nas condições de vida dos pacientes, neste estudo, foram destacados pelos participantes os aspectos emocionais (56,7%), conforme tabela 3.
Tabela 3. Distribuição da população (n = 30) quanto às mudanças sofridas após a realização da ostomia, Santa Maria, RS, 2018
Fonte: Autores (2018)
Discussão
Nos resultados alcançados por este estudo foi possível conhecer as características sociodemográficas e clínicas de pessoas ostomizadas que vivenciam as experiências de um tratamento oncológico. A presença de uma ostomia acarreta alteração física visível e significativa do corpo, podendo transformá-lo num corpo privado de sua integridade, dinamismo e autonomia, causando conflitos e desequilíbrios interiores. Ainda, a confecção da ostomia pode contribuir em alterações com relação com o mundo exterior, inclusive no que se refere à vivência de sua sexualidade, uma vez que a mesma modifica a imagem corporal (SILVA; SHIMIZU, 2006).
Além do mais, a ostomia pode determinar limitações na qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), as quais causam afastamento do mercado de trabalho e, consequentemente, corrobora o surgimento das dificuldades financeiras (FERREIRA et al., 2017b), conforme constatado nos achados dessa pesquisa, que cerca de 36,7% das pessoas ostomizadas possuem renda de até um salário mínimo.
Ao se analisar a classificação quanto à tipologia de ostomias e o diagnóstico clínico, o câncer colorretal, constituiu-se como a maior causa de ostomia e consequentemente resultando em índices elevados de colostomias. Esse dado vem ao encontro das estimativas do biênio 2018-2019 do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) que traz a ocorrência de 17.380 casos novos de câncer de cólon e reto em homens e 18.980 em mulheres, para cada ano (FERREIRA et al., 2017a).
Quanto à definição de rede social, considera-se todas as relações do indivíduo, divididas em família, amizades, relações de trabalho ou escolares e relações comunitárias (SLUZKI, 2003). Nesse contexto, a família consiste no primeiro espaço de socialização, em que perpassam valores, determinando uma visão de mundo, além da maneira de enfrentamento diante das dificuldades da vida. Esta se coloca enquanto referência ao sujeito, influenciando na formação de sua identidade (SZYMANSKI, 2002). Neste sentido, é que os achados da pesquisa, demonstram que 76,7% dos cuidados diários prestados aos ostomizados são realizados pelos familiares.
O conceito de família foi se reconfigurando ao longo do tempo, a partir de 1994 a Organização das Nações Unidas (ONU), passou a defender que, essa não pode limitar-se a laços de sangue, casamento, parceiro sexual ou adoção, devendo ser considerada como qualquer grupo cujas ligações se alicercem na confiança, suporte mútuo, compromisso e partilha de um destino comum. Tal conceito reporta-nos para composições, expressões e configurações familiares diversas (DE CARVALHO, 2012).
Em relação às diferentes configurações familiares, em especial as contidas no gráfico 01, considera-se que alguns autores as classificam como: família nuclear (pai, mãe e filhos); extensa (pai, mãe, filhos e os parentes diretos com pais, avós e netos); adotivas; monoparentais (chefiada só por um dos genitores); reconstituídas (após a separação conjugal juntam-se marido, mulher e os filhos provenientes das relações anteriores); casais (sem filhos); famílias comunitárias; família anaparental (sem parentesco); e famílias homoafetivas – com ou sem crianças (SOUZA et al., 2012).
O adoecimento de um de seus integrantes pode contribuir para a família se reorganizar, buscando alternativas para articular-se perante as adversidades que possam surgir, produzindo possibilidades para potencializar-se como apoio, precisando aprender a viver com esta nova situação. Um desses aspectos consiste na reorganização dos papéis entre seus integrantes, podendo citar a própria escolha do cuidador familiar principal, que também apresenta vários fatores influentes, selecionado por relação de parentesco, proximidade física ou disponibilidade de tempo para cuidar (LAVINSKI; VIEIRA, 2004). Sob esse aspecto, na pesquisa realizada, constatou-se que 30% dos familiares que desempenhavam os cuidados eram os companheiros das pessoas ostomizadas.
Diante de uma condição crônica, as relações familiares podem sofrer alterações importantes, dependendo do grau de estabilidade e vínculo que seus membros mantêm entre si (BELLATO et al., 2007). Em um estudo qualitativo realizado sobre a família e seu ente colostomizado no domicílio, foi possível perceber que estes expressam sentimentos e significados distintos. Os familiares, ao estarem participando no processo de cuidar expressaram diversos sentimentos, entre eles o medo (de assumirem certos cuidados, de errar e de conviver com a dor), o prazer e a satisfação (de poderem estar ajudando, cuidando e ensinando-os) (WEILAND et al., 2013). Os achados demonstraram que em geral as relações dos familiares com a pessoa ostomizada são qualificadas como ótimas.
Em contrapartida a esses sentimentos, estudos evidenciam que a família também pode se fazer ausente no processo de cuidado ao seu familiar com estomia. Um estudo desenvolvido com indivíduos estomizados mostra que 90% deles não recebem auxílio ou apoio da família ou vizinhos para realizar os cuidados com a estomia (MARTINS; ALVIM, 2011). Muitas vezes, a família não está preparada para auxiliar no cuidado do seu familiar, por não suportar a carga emocional envolvida. Quando ela apresenta dificuldade em apoiar seu membro, a equipe de enfermagem pode enfocar a relevância de sua participação nesse momento (DE SOUZA; GOMES; BARROS, 2009).
Assim, em geral, os estudos analisados em relação aos familiares como rede de apoio da pessoa ostomizada trazem a família como principal apoio e o grupo social mais próximo. Ressaltam que, a família conhece os hábitos e preferências de seu membro, podendo assim, fornecer informações para a elaboração e execução de um plano terapêutico de reinserção social e reabilitação (MENEZES; QUINTANA, 2008).
Complementa-se, ainda que, as redes sociais constituem o apoio informal prestado pelos familiares, amigos, vizinhos, congregações religiosas e grupos da comunidade, sendo o apoio formal disponibilizado pelos profissionais e serviços de saúde. Ao caracterizar o apoio fornecido pelos familiares, entende-se que está relacionado às atividades da vida diária, gestão financeira e atividades na comunidade (SIMON et al., 2015).
Nesta perspectiva, os familiares têm papel fundamental no cuidado à saúde da pessoa ostomizada, contribuindo frente ao processo de reabilitação e adaptação, auxiliando na minimização ou maximização das consequências oriundas da ostomia (PETUCO; MARTINS, 2006). Contudo, não se deve esquecer que a família também desempenha outras atividades na vida diária, como: pagar contas, fazer compras e acompanhar nas consultas médicas e hospitalizações (DE SOUZA; GOMES; BARROS, 2009). Assim, o excesso de cuidados necessários para a manutenção da ostomia pode ser um fator que dificulta a relação entre ambos, principalmente diante da necessidade de alteração da rotina diária e dos papéis preestabelecidos na família, fazendo com que se sintam sobrecarregados e enfraquecidos diante da adversidade (DA ROSA, 2012).
Em estudo realizado sobre o pós-operário de uma ostomia, compreende-se que esse momento exige a necessidade de cuidados, bem como um maior envolvimento dos familiares. Contribuindo para os cuidados básicos da pessoa ostomizada, como banho, alimentação, troca e limpeza da bolsa de ostomia e curativos (DE SOUZA; GOMES; BARROS, 2009). Dessa forma, é na fase de adaptação que a família pode incentivar o autocuidado, permitindo que o ostomizado se aproxime da nova condição, sendo atuante perante o processo de cuidados (DA ROSA, 2012).
Nesse sentido, a família pode construir formas de enfrentamento para conviver com essa nova realidade. Sobre algumas possibilidades encontra-se o estabelecimento de uma comunicação aberta e da confiança no outro, faz com que o cuidar do ente querido torne-se algo intrínseco e a família entenda que o desafio pode ser compartilhado, pois juntos tornam-se mais fortes para enfrentá-lo (DA ROSA, 2012). Dessa forma, a sobrecarga de cuidados pode ser trabalhada a partir de uma reorganização de papéis entre seus integrantes, a fim melhorar a condição de saúde dos envolvidos.
Neste sentido, as alterações causadas pela ostomia tais como relacionadas à autoestima e imagem corporal, relacionamento sexual, atividades laborais e sociais (BARBUTTI; SILVA; ABREU, 2008) também são vivenciadas pela pessoa ostomizada e sua família. Tais alterações podem dificultar o retorno às atividades de rotina, como trabalho, atividades de lazer e participação social, prejudicando a qualidade de vida (CASCAIS; MARTINI; ALMEDA, 2007). Nesse contexto, destaca-se que os aspectos emocionais foram as modificações prevalentes ocorridas após a realização da ostomia.
Alguns estudos abordam a necessidade de reinserção social devido ao contexto de isolamento social gerado pela realização de uma ostomia, logo, o conhecimento sobre as redes sociais de apoio à pessoa ostomizada contribui para que esses consigam enfrentar essa situação e retomem as atividades de sua rotina (COELHO; SANTOS; POGGETTO, 2013). Desse modo, a família fornece apoio para a recuperação, bem como na aceitação de sua condição, quando esta demonstra sentimento de fé e esperança, criando mecanismos de união e força entre seus integrantes (SILVA; SHIMIZU, 2007).
Desse modo, são articuladas estratégias de enfrentamento a essa nova condição de vida. Destaca-se, que a principal forma de enfrentamento é disponibilizar o conhecimento da situação real de saúde e o acesso às orientações necessárias para seus cuidados sobre o funcionamento e manutenção da ostomia (SILVA; SHIMIZU, 2007). Tal contexto pode contribuir para fortalecer a autonomia da pessoa ostomizada e identificar a ocorrência de possíveis complicações. O suporte religioso e os grupos de apoio também são referidos como meios de enfrentamento (DE BRUM et al., 2010).
Há necessidade de conhecer e contribuir, com diferentes estratégias, para que a centralidade das discussões sobre relações familiares e adoecimento possa ocorrer, pois é pelo campo do cuidado que se expressa a responsabilização da família (MIOTO, 2012). Visto que, os serviços e profissionais de saúde também devem dispor de comprometimento, para construírem mecanismos que beneficiem o planejamento e a organização familiar, tendo por base as diferentes necessidades familiares, algo que irá favorecer o atendimento de qualidade.
Considerações finais
Considerando os dados encontrados neste estudo compreendem-se fragilidades e potencialidades quando discutidas as questões relacionadas ao papel da família, a qual é fundamental no processo de adaptação e a reabilitação frente à ostomia. Assim, foi possível evidenciar neste estudo que, os familiares surgiram como principais cuidadores no processo de tratamento, sendo identificada positivamente a qualidade desses vínculos pelas pessoas ostomizadas.
Neste contexto, as relações familiares foram percebidas como rede de apoio social, sendo necessário o reconhecimento da família no plano terapêutico das equipes e serviços de saúde. Assim, buscando promover a viabilização de estratégias de enfrentamento às diversas implicações causadas pela ostomia, ao mesmo tempo em que vivenciam o tratamento oncológico. Nesta perspectiva, a integração da família fornece trocas de experiências e saberes, contribuindo no processo de cuidado, visando fortalecer a autonomia, estimulando a reinserção social e consequentemente, melhorando a qualidade de vida.
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