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O projeto Produtores de Água e Floresta em Rio Claro-RJ: uma análise da governança no projeto sob a ótica da gestão social
O projeto Produtores de Água e Floresta em Rio Claro-RJ: uma análise da governança no projeto sob a ótica da gestão social
O Social em Questão, vol. 19, núm. 36, pp. 177-196, 2016
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Resumo: A Bacia Hidrográfica do Guandu é responsável pela produção de água do principal manan- cial de abastecimento público que atende 80% da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro (RJ). Este potencial hídrico levou à criação do projeto Produtores de Água e Floresta (PAF), que se propõem a aplicar o modelo provedor-recebedor através de um pa- gamento por serviços ambientais. O objetivo desta pesquisa é analisar se os proprietários rurais participam do processo de planejamento e execução do projeto implementado em Lídice, Distrito de Rio Claro, município do RJ, como prevê o paradigma da Gestão Social, a ponto de possibilitar o êxito das ações durante e após o projeto.Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Foi feita uma investigação de campo e aplicado um questionário estruturado com perguntas abertas, considerando a representação dos atores na estrutura do PAF e não a amostra estatística. A análise dos questionários indicou que não é possível afirmar que haja um interesse bem compreendido e um objetivo comum por parte proprietários rurais quanto ao verdadeiro objetivo do projeto, que é a conservação da água por meio da preservação e recuperação das florestas. Acapacidade de articulação e negociação da Unidade Gestora do projeto pode estar comprometida, na medida em que esta não prevê um espaço de diálogo que reúna os proprietários rurais, a sociedade civil organizada e o poder público. O frágil enraizamento dos proprietários rurais nas atividades do PAF afeta sua autonomia e a possibilidade de dar continuidade das ações do projeto.
Palavras-chave: Pagamentos por Serviços Ambientais, Produtores de Água e Floresta, Governança, Gestão Social.
O projeto Produtores de Água e Floresta em Rio Claro-RJ: uma análise da governança no projeto sob a ótica da gestão social1
Diná Andrade Lima Ramos2 Francine Ramalho de Aguiar3 Lamounier Erthal Villela4
Resumo
A Bacia Hidrográfica do Guandu é responsável pela produção de água do principal manan- cial de abastecimento público que atende 80% da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro (RJ). Este potencial hídrico levou à criação do projeto Produtores de Água e Floresta (PAF), que se propõem a aplicar o modelo provedor-recebedor através de um pa- gamento por serviços ambientais. O objetivo desta pesquisa é analisar se os proprietários rurais participam do processo de planejamento e execução do projeto implementado em Lídice, Distrito de Rio Claro, município do RJ, como prevê o paradigma da Gestão Social, a ponto de possibilitar o êxito das ações durante e após o projeto.Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Foi feita uma investigação de campo e aplicado um questionário estruturado com perguntas abertas, considerando a representação dos atores na estrutura do PAF e não a amostra estatística. A análise dos questionários indicou que não é possível afirmar que haja um interesse bem compreendido e um objetivo comum por parte proprietários rurais quanto ao verdadeiro objetivo do projeto, que é a conservação da água por meio da preservação e recuperação das florestas. Acapacidade de articulação e negociação da Unidade Gestora do projeto pode estar comprometida, na medida em que esta não prevê um espaço de diálogo que reúna os proprietários rurais, a sociedade civil organizada e o poder público. O frágil enraizamento dos proprietários rurais nas atividades do PAF afeta sua autonomia e a possibilidade de dar continuidade das ações do projeto.
Palavras-chave
Pagamentos por Serviços Ambientais; Produtores de Água e Floresta; Governança; Gestão Social.
The project Producers of Water and Forest in Rio Claro-RJ: an analyses of governance in the project under the perspective of social management
Abstract
The Hydrographic Basin of Guandu is responsible for the production of water of the main source of public supply that servesto 80% of the Metropolitan Region of the State. This water potential led to the creation of the project Water and Forest’s Producers5, which propose to apply the model provider-receiver through a payment for environmental ser- vices. The objective of this research is to analyze if the landowners participate of the process of planning and execution of the project implemented in Lídice, District of Rio Claro, municipality of Rio de Janeiro, how predicts the paradigm of the Social Manage- ment, as to enable the success of actions during and after the project. This is a qualitative research. A field investigation was conducted and applied a questionnaire structured with open questions, considering the representation of actors in the PAF structure and not a statistical sample. The analysis of the questionnaires indicated that it is not possible to say that there is a well-understood interest and a common goal by landowners as to the true purpose of the project, which is the conservation of water through the preservation and restoration of forests.The joint forces and the negotiation’s capacity by Management Unit of the Project may be committed, to the extent that this does not provide a space for dialogue bringing together landowners, organized civil society and the government. The fragile rooting of landowners in the PAF activities affects their autonomy and the possibil- ity of continuing the project’s activities.
Keywords
Payment for Environmental Services; Water and Forest’s Producers; Governance; Social Management.
Introdução
É a floresta, com seus serviços ecossistêmicos associados, que garantirá a per- manência da água por um período de tempo mais prolongado, equilibrando assim o ciclo hidrológico. Ela funciona basicamente como um filtro e como uma caixa d’água. Uma experiência piloto de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) está sendo implementada na região da Bacia Hidrográfica do Rio Guandu, que por sua vez pertence à microbacia6 de Rio das Pedras, em Lídice, distrito de Rio Claro, município do Estado do Rio de Janeirodes de 2007. Para tanto foi criada uma estrutura de governança que integram diferentes atores e interesses.
O objetivo desse artigo é analisar se há participação dos atores locais, mais especificamente dos proprietários rurais no projeto Produtores de Água e Flo- resta (PAF),que está sendo desenvolvido nessa região. Analisa-se a governança do projeto a fim de perceber o tipo de gestão que está sendo implementada, considerando-se as práticas previstas na Gestão Social estão presentes, em espe-
cial os preceitos da cidadania deliberativa. Supunha-se que o PAF promovesse a participação integradora e cidadã e que isso pudesse levar ao desenvolvimento territorial rural sustentável. Esperava-se detectar um efeito de transbordamento, estimulador de uma cadeia produtiva local que fortalecesse o projeto.
Quanto aos proprietários rurais, salienta-se que estes são percebidos,nesta pesquisa, não como empreendedores rurais, mas como atores sociais engajados em um projeto em prol do bem comum, que é a água. Eles são os protagonistas do PAF e, portanto,entende-se como fundamental seu engajamento. Para muitos deles, o valor pago pelo serviço ambiental é considerado irrelevante; seja pelo seu valor absoluto, seja pela sua poucaimportância financeira para o proprietário. Quando isso ocorre, seus interesses passam, provavelmente pela possibilidade de preservar o ambiente que valorizam por razões distintas, como bem observa Sen (2010). Contam os valores simbólicos e seu sentimento de pertencimento ao território, ainda que ali não habitem.
Os resultados foram obtidos por meio de uma pesquisa qualitativa. Quanto aos fins, a pesquisa é exploratória, descritiva e explicativa. Quanto aos meios, foi feita uma pesquisa de campo. Nela foi possível aumentar a familiaridade pesquisa- dor-ambiente, clarificando as relações internas do caso estudado. Foram obtidas informações a partir de entrevistas feitas com nove proprietários rurais locais. Procurou-se entender os papéis e as relações entre os atores sociais no territó- rio (VERGARA, 1998).Na observação direta intensiva, nomenclatura proposta por Marconi e Lakatos (2010), foi feita uma entrevista estruturada por meio de questões abertas, elaboradas a partir dos critérios de análise e questionamentos apresentados por Villela (2013), segundo os preceitos da cidadania deliberativa. Asentrevistaspermitiram a percepção de motivos, sentimentos e condutas dos principais atores no território investigado. Quanto à amostra, não foram consi- derados os elementos de probabilidade, mas a representatividade dos atores no processo de implantação do PAF. A fim de oportunizar equilíbrio dentre os en- trevistados, entendeu-se como importante incluir proprietários, envolvidos no projeto, segundo diferentes tamanhos de suas terras.
Esta pesquisa está dividida em seis seções, contando com esta introdução. Na segunda seção, discute-se o referencial teórico em torno da gestão social, na medida em que este é o paradigma fundamental que norteia as entrevistas e, portanto, a pesquisa. Na seção três, é apresentado o conjunto de amparos legais existentes no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, e que sustentam e es- truturam o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais. Na seção quatro,
busca-se, de forma breve, explicar o projeto Produtores de Água e Floresta, bem como a articulação dos atores envolvidos em sua rede de governança do projeto. A seção cincofoi dedicada à análise dos questionários respondidos pelos proprietários rurais a partir doscritérios de análise apresentados por Tenório (2008) e Villela (2013), segundo os preceitos da cidadania deliberativa: inclu- são, pluralismo, igualdade participativa, autonomia e bem comum. Na seção cinco são apresentadas as conclusões.
Gestão social das políticas de desenvolvimento territorial rural
O território, conforme salienta Haesbaert (2010), é um espaço onde se pode priorizar tanto as investigações do caráter político como as relações de poder em seu sentido relacional.O conceito, quando apropriado para Lídice, fornece um aparato metodológicoque possibilita uma estrutura analítica para compreender a forma como o poder é exercido ou o que ele produz no território, na implemen- tação do PAF. Questiona-se se existe diálogo em busca de um consenso, a partir dos princípios da gestão social, ou se as decisões são tomadas de acordo com o modelo da gestão estratégica, “caracterizada pela hierarquização monolítica e de cima para baixo” (VILLELA; GUEDES; SANTANA, 2012, p.129).
Se o destino do indivíduoé determinado pelas leis objetivas do movimento da sociedade, o seu bem viver depende das decisões da coletividade. Os atores locais devem fazer parte da arena política, pois ele é “[...] o sujeito privilegiado de voca- lização daquilo que interessa à sociedade” (TENÓRIO, 2000, p.37).
Cançado, Pereira e Tenório (2013, p.98), a partir dos referenciais teóricos de Jürgem Habermas, sugerem a necessidade de uma emancipação na perspecti- va republicana onde “a sociedade emancipada é por si mesma sociedade política e a democracia deliberativa representa a auto-organização dessa sociedade.” Na sociedade civil se institucionalizam os discursos de interesse público. Ela pode, argumentam os autores, provocar uma ruptura de poder, emancipando-se do Es- tado e do Mercado e “engendrando uma forma específica de administrar a própria sociedade e seus recursos através da Gestão Social” (CANÇADO, PEREIRA ETE- NÓRIO, 2013, 102). Dessa forma, os autores concluem que a gestão social surge para se contrapor à gestão burocrática ou estratégica como definem Cançado, Sausen e Villela (2013, p.82), quase sempre adotada pelo Estado e pelo Mercado. De acordo com Tenório (2008), a gestão social busca, na esfera pública,maior participação da sociedade exercida por diferentes sujeitos sociais. Ela necessita, por- tanto, da prática de uma cidadania deliberativa. Esta difere daquela cidadania que se
manifesta periodicamente nas urnas eleitorais. Manifesta-se por meio das diferentes formas de organização da sociedade civil para participar dos processos deliberativos da administração pública (TENÓRIO, 2012) e está condicionada ao agir comuni- cativo, orientado pelos princípios fundamentais de: inclusão, pluralismo, igualdade participativa, autonomia e bem comum (TENÓRIO, 2008;VILLELA, 2013).
A governança dos territórios rurais deveria, portanto, estar fundamentada nos princípios da gestão social “como um meio para que as organizações sociais possam alcançar um desenvolvimento disseminado, igualitário e participativo” (VILLELA et al, 2012, p.129). A governança significa a capacidade dos diferentes atores locais, como mercado, poder público e sociedade civil, de se articularem para atingir um único objetivo do interesse de todos (VILLELA; PINTO, 2009). No caso de implementação do PAF em Lídice, seu objetivo não está centrado na inclusão produtiva por meio da agricultura sustentável. O pagamento pelo serviço ambiental propõe a preservação e recuperação não só da paisagem mais também do ecossistema. Fica evidente um avanço em novo modelo de desenvolvimento, que se distancia do desenvolvimento como sinônimo de crescimento e todas as variáveis aí
inseridas: inovação, eficiência etc. Conforme afirma Jean (2010, p.51):
[...] a intensificação da sensibilidade ambiental com a emergência de uma outra noção comumente admitida, o desenvolvimento sustentável, faz com que o desenvolvimento deixe de ser necessariamente identificado como pro- gresso, com a progressão da humanidade rumo à conquista de melhores con- dições de vida, com a ampliação da experiência democrática e com o pleno desenvolvimento de culturas.
Tem ganhado força e apoio social, até mesmo em função dos efeitos do desen- volvimento predatório, a necessidade da preservação da paisagem e dos recursos hídricos, cujos benefícios extrapolam os territórios rurais. É urgente a confecção de políticas públicas, como o Produtores de Água e Floresta, que estimulem o uso sustentável daquilo que se convencionou chamar de recursos produtivos, mas que, na verdade, são bens comuns à humanidade, necessários à sobrevivência do planeta e por consequência, a nossa.
A atividade agrícola é, como afirma Wanderley (2014, p. 342), “o esteio da vida rural”, ainda quenão seja a principal fonte de renda das famílias.Em torno dela se define a identidade social do indivíduo no território, bem como seu modo de vida. Portanto, de sua identidade depende a preservação do território que o identifica.
A Política de Pagamento por Serviços Ambientais no Estado do Rio de Janeiro
O Pagamento por Serviços Ambientais, segundo Wunder (2005. p.3, tra- dução nossa):
[...] é uma transação voluntária, na qual um serviço ambiental bem definido ou uma forma de uso da terra que possa assegurar que o serviço; possa ser comprado por pelo menos um comprador e ofertado por pelo menos um provedor, se, e somente se, o provedor for capaz de garantir a provisão deste serviço.
No caso em questão, trata-se de um programa onde os produtores ru- rais, de forma voluntária, decidem conservar áreas de floresta em suas proprie- dades e disponibilizar outras áreas para atividades de restauração florestal. Em troca, são remunerados, cumprindo o princípio do provedor-recebedor, ampla- mente adotado na gestão de recursos hídricos.
O princípio do provedor-recebedor prevê a compensação por serviços am- bientais prestados. É entendido como uma forma de estímulo para os atores so- ciais que, a partir de uma sensibilização ecológica, voluntariamente contribuem para a preservação e ou conservação do meio ambiente. Ele postula que aquele agente público ou privado que protege um bem natural em benefício da comu- nidade deve receber uma compensação financeira como um tipo de incentivo. Pode ser uma forma de justiça econômica, valorizando os serviços ambientais prestados generosamente por uma população ou sociedade, e remunerando eco- nomicamente essa prestação de serviços porque, se tem valor econômico, é justo que se receba por ela (RIBEIRO, 2005). Além do pagamento direto, essa prática também promove benefícios sociais, econômicos e ambientais usufruídos pela população local e pelos usuários da bacia.
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desen- volvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, iniciou-se a discussão sobre a implantação de Programas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), onde a Organização das Nações Unidas (ONU) sugeriu que os países desenvolvidos utilizassem esse instrumento econômico como ferramenta de fortalecimento ins- titucional de implantação de políticas públicas aos países em desenvolvimento.
No Brasil, alguns instrumentos legais já acenavam para a melhoria da gestão dos recursos hídricos, a exemplo da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), criada pela Lei 9.433/97, regulamentada do inciso XIX, artigo 21 da Constituição.
Esta lei tem como objetivo assegurar às gerações futuras a necessidade de disponibi- lidade de água, sua utilização racional e integrada dos recursos hídricos.
A PNRH construiu bases para a elaboração da Política Estadual Recursos Hí- dricos que se consolidou através da Lei 3.239/99, tendo os mesmos fundamentos da Política Nacional: disponibilidade limitada, valor econômico, social e ecológi- co bem como de domínio público. Essa lei ainda estabelece a bacia hidrográfica como unidade básica de gerenciamento dos recursos hídricos.
No intuito de apoiar as iniciativas de gestão de recursos hídricos numa determinada bacia hidrográfica, o governo do Estado do Rio de Janeiro ins- trumentalizou a cobrança pela utilização dos recursos hídricos por meio da Lei 4.247/2003. Esta lei reconhece a água como um valor econômico, desem- penhando importante papel no desenvolvimento social e econômico de uma dada região. A sua lógica é obter recursos financeiros para serem aplicados em planos, programas, projetos e iniciativas de proprietários de terra onde se en- contram suas nascentes, a fim de incentivar o reflorestamento e o aumento do volume de águas. Essa cobrança é feita pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA), órgão responsável pela gestão e execução da PNRH. Para além da co- brança, foi criada a Lei Estadual 5.639/2010 como mecanismo para subsidiar o repasse de recursos financeiros, autorizando o INEA a realizar contratos com entidades delegatórias, com função de Agência de Águas de domínio do Estado. O INEA, juntamente com a Agência de Águas, firmouumcontrato de gestão com entidades sem fins lucrativos para aplicar os recursos financeiros origi- nários da cobrança, na bacia hidrográfica onde esses recursos foram poten- cializados. Somado a isso, foi por meio do Decreto 42.029 de 15 de junho de 2011 que se regulamentou Programa Estadual de Conservação e Revitalização de Recursos Hídricos (PROHIDRO), criando o mecanismo de Pagamento por Serviços Ambientais no âmbito do estado do Rio de Janeiro.Todo esse arcabou- ço legal vem dar respaldo às ações de proteção e restauração florestal nas bacias hidrográficas do estado. No entanto, foi na Bacia Hidrográfica do Guandu que se deu os primeiros passos na implementação dessa política, contando com uma organização em torno de um comitê de bacia que possuía um plano de bacia hidrográfica, o Plano Estratégico de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas
dos rios Guandu, da Guarda e Guandu Mirim.
Aprovou-se, assim, o Programa de Pagamentos de Serviços Ambientais PRO-PSA), por meio da Resolução nº 85/2012, do Comitê de Bacia do Guan- du. Ficou determinado que fosse aplicado anualmente o mínimo de 3,5% dos
recursos da cobrança pelo uso da água no PRO-PSA, além do montante um milhão e novecentos mil reais que havia sido aprovado pela Resolução n. 70, do mesmo comitê. O objetivo do PRO-PSA é incentivar a adoção de práticas de conservação e restauração ambiental, visando à manutenção da qualidade e quantidade dos recursos hídricos da bacia que estão sob a gestão do comitê de bacia. O Pagamento por Serviços Ambientais é o principal instrumento para estimular essas práticas. Um dos principais argumentos para a criação do PRO-
-PSA foi a experiência bem sucedida do projeto piloto no âmbito do estado do Rio de Janeiro, o Produtores de Água e Floresta (PAF), desenvolvido em Lídice, Rio Claro-RJ desde 2008, objeto de estudo neste trabalho. Este projeto já beneficiou 62 proprietários rurais, protegendo mais de 4,000 hectares e viabilizando a restauração florestal de cerca de 500 hectares.
Projeto Produtores de Água e Floresta
A Bacia hidrográfica do Rio Guandu, localizada na região da Baía de Sepetiba, RJ, é um motivo de preocupação do poder público nas questões relacionadas à gestão dos recursos hídricos. Essa bacia tem sido, com o advento da falta de água na cidade do Rio de Janeiro no século passado, a alternativa de abastecimento hídrico para a população carioca, quando o governo da cidade do Rio de Janeiro optou pelas obras de construção da Adutora do Guandu, maior obra de abasteci- mento de água do Brasil e uma das maiores do mundo (SANTA RITTA, 2009). Trata-se de um sistema complexo de abastecimento de água, dimensionado para uma vazão total de 2,4 bilhões de litros por dia, o que daria para abastecer cerca de 8,5 milhões de habitante.
Na década de 60, período de realização das obras, cerca de seis milhões de ha- bitantes vivia na cidade, utilizando a distribuição de água proveniente de diversas pequenas adutoras que, aos poucos, deixaram de dar conta de atender o numerá- rio de pessoas que vinham estabelecer moradia na cidade carioca. Atualmente 9,4 milhões de pessoas dependem da água proveniente da Bacia do Guandu. A região, portanto, é responsável por cerca de 80% do abastecimento de água e 25% da geração de energia elétrica para a região metropolitana do Rio de Janeiro. Isto ocorre porque o sistema pode ainda contar com o montante de 180 m³/s das águas transpostas da Bacia do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Guandu.
Em 2006, o Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA), uma Organi- zação Não Governamental (ONG) muito atuante na região, no contexto da con- servação da mata atlântica dos municípios pertencentes à Bacia Hidrográfica do
Guandu, chegou ao Município de Rio Claro para a implantação de uma atividade agroflorestal na Comunidade Quilombola Alto da Serra, localizada no distrito de Lídice, Rio Claro. Tal atividade estaria ligada a um projeto aprovado, no final de 2005, pelo Ministério do Meio Ambiente denominado Construindo Estratégias Participativas e Projetos Demonstrativos de Conservação da Mata Atlântica na Região do corredor de Biodiversidade Tinguá-Bocaina. A partir de então, teve início não só uma aproximação da instituição com novos proprietários localizados no entorno da comunidade quilombola, mas também uma percepção da impor- tância de se preservar as propriedades daquela região como medida de proteção do manancial de abastecimento público da cidade do Rio de Janeiro, já que é no município de Rio Claro, mais precisamente no distrito de Lídice, que se encon- tram as principais nascentes que formam o Rio das Pedras, afluente do Rio Piraí, que desemboca no Rio Guandu. A região pode ser localizada no mapa abaixo.
Mapa 1 - Microbacia Rio das Pedras - Lídice, Rio Claro - RJ
Fonte: Castello Branco: 2015, p.26.
Em 2008, o ITPA, considerando uma de suas linhas temáticas do Programa de Conservação da Mata Atlântica, iniciou um processo de articulação institucional com o objetivo de proteger, por meio de ações de conservação e restauração am-
biental, áreas de preservação ambiental localizadas nas sub-bacias hidrográficas do Rio Guandu. Foi quando o ITPA, juntamente com a The NatureConservancy (TNC), ONG internacional que já atuava em São Paulo e Minas Gerais, com o Programa de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), começaram a realizar estudos técnicos para viabilizar o mesmo programa para o manancial Guandu.
A partir daí, teve início a implementação do projeto piloto de PSA, denomi- nado Produtores de Água e Floresta (PAF). À estas duas instituições, se uniram membros da Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), o CBH-Guandu e a Pre- feitura Municipal de Rio Claro, formando a Unidade Gestora do Projeto (UGP). A função da UGP é gerenciar e implementar, de forma compartilhada, o projeto para contemplar tanto os interesses das instâncias públicas, como da sociedade civil organizada. Ainda que, a cada uma destas instituições caiba um papel, é im- prescindível que estes sejam exercidos de maneira sincronizada e pactuada.
O arranjo institucional para a implantação do PAF se deu por meio da formali- zação de um Termo de Cooperação Técnica celebrado entre TCN, ITPA, Prefeitura Municipal de Rio Claro, Instituto Estadual do Ambiente (INEA), com a interveniência do Governo do Estado do Rio de Janeiro e o CBH-GUANDU. A figura abaixo ilustra a rede de governança necessária ao funcionamento do projeto piloto Produtores de Água e Floresta, com as respectivas atribuições das instituições ali representadas.
Figura 1- Arranjo institucional para a implantação do PAF
Fonte: Castello Branco, 2015, p.79
Como se observa, foi necessário mobilizar um conjunto de instituições públicas e privadas reunidas no âmbito do Comitê de Bacia Hidrográfica do Guandu (CBH-GUANDU), além de instituições internacionais. Conforme sa- lienta Schmitt (2011, p. 90), há um crescimento considerado de projetos de intervenção pró-desenvolvimento de abordagem relacional, por meio da noção de redes “como estrutura ou mecanismo de governança, capaz de integrar múl- tiplos “portadores de interesse”.
A experiência certamente denota um grande avanço no modo de pensar políti- cas públicas ambientais, dado que, quando se trata do tema, fica óbvia a necessidade de se pensar políticas transversais, capazes de articular o local e o global. Contudo, como será possível comprovar mais adiante, a experiência não mostra uma iniciativa contundente em trazer para o campo das decisões, a participação dos proprietários rurais, protagonistas do projeto. Na figura acima, elesnão aparecem explicitamente. São representados como “Sociedade Civil” e não como sujeitos agentes no projeto. Aspesquisas retratadas nos trabalhos de Long (1992; 2007 apud SCHMITT, 2011,
p. 91), na perspectiva da rede orientada aos atores, mostram que as forças externas à arena local de fato provocam efeitos importantes sobre as estruturas sociais. Por outro lado, as intervenções só afetarão “as oportunidades sociais e a conduta dos indivíduos à medida que se introduzem em seus modos de vida, tomando forma, direta ou indiretamente, nas experiências do cotidiano”.
O PAF está sendo executado na região da Bacia Hidrográfica do Rio Guandu, mais especificamente na microbacia de Rio das Pedras, situada em Lídice. A área abrange um total de 5.227hectares, compreendendo as principais nascentes do Rio Piraí. É o manancial responsável por 15% da produção de água disponível no Sistema Guandu. É considerada zona núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e está localizada entorno do Parque Estadual do Cunhambebe, territó- rio da Área de Proteção Ambiental do Alto Piraí.
A meta do PAFé manter a totalidade da cobertura florestal verificada no início do projeto piloto e ampliar a cobertura em áreas consideradas prioritárias para a restauração com as Áreas de Preservação Permanentes (APP) no entorno de nascentes e margem de rios.O Projeto é financiado com recursos provenientes da cobrança pelo uso da água dessa região hidrográfica. O recurso paga aos proprie- tários rurais valores comparados ao custo de oportunidade da terra. No início do projeto,em 2007,apenas 18 das 28 propriedades rurais mapeadas assinaram con- tratos. Atualmente, existem 62 contratos que abrangem mais de 6,6 mil hectares, sendo quatro mil hectares de conservação e 500 hectares de restauração florestal.
Governança e participação social na comunidade de Lídice
Com o intuito de descrever e analisar a participação social no PAF, foram feitas nove entrevistas estruturadas e questionamentos abertos, com os proprie- tários de terras de Lídice, a partir dos critérios de análise apresentados por Villela (2013) baseado nos preceitos da cidadania deliberativa: processo de discussão, inclusão, pluralismo, autonomia e bem comum.O roteiro utilizado para as entre- vistas encontra-se no Anexo I deste artigo.
A prática da cidadania deliberativa prevê que o processo de discussão deve envolver uma autoridade negociada na esfera pública, voltada ao entendimento dos atores envolvidos. Já a inclusão pressupõe a inserção dos atores, que não raramente são deixados de fora dos espaços de decisão das políticas públicas. A consideração do tripé: poder público, mercado e sociedade civil nesses espaços decisórios é o que garante o pluralismo. O pluralismo será efetivo somente se houver igualdade participativa, ou seja, isonomia dentre os sujeitos que partici- pam de uma discussão; e autonomia, quando diferentes atores individuais ou co- letivos possuem poder de decisão, interferindo diretamente no território quanto à possibilidade de planejar e propor políticas segundo seus interesses.
O primeiro ponto a ser esclarecido é que, no caso em questão, os proprie- tários rurais são os meios, os protagonistas do PAF. Nesse sentido, entende-se como fundamental, na perspectiva da gestão social e da rede orientada aos ato- res, sua inserção e engajamento no projeto.Seu sentimento de pertencimento ao território, ainda que ali não habite, é um estímulo à sua participação. Para muitos proprietários, o valor pago pelo serviço ambiental é irrisório. Seu inte- resse envolve a possibilidade de preservar o ambiente seja porque possui laços afetivos e simbólicos, seja porque possui consciência ambiental. Nesse sentido, nessa pesquisa, eles são percebidos não como empresários rurais, mas como atores sociais engajados em um projeto em prol do bem comum, que é a manu- tenção da qualidade e quantidade de recursos hídricos da bacia hidrográfica na qual suas propriedades estão localizadas.
Além disso, as propriedades rurais cadastradas no projeto possuem tamanhos bastante variados. O pagamento pelos serviços ambientais aos proprietários leva em conta o custo de oportunidade da terra, pagando por hectare que conser- va. Isto significa que os pagamentos também são variados. No momento estão sendo pagos sessenta reais por hectare/ano para conservação/restauração. Este pagamento é feito semestralmente durante reuniões realizadas pela prefeitura municipal, responsável pelo pagamento. De acordo com relatos, o pagamento já
variou de dez a quarenta e oito mil reais de acordo com o tamanho da proprieda- de. Foi por isso que a houve a preocupação de entrevistar provedores de serviços com diferentes tamanhos de propriedades. Deve-se salientar também que alguns proprietários não residem nas propriedades cadastradas e outros que não têm na localidade a sua principal fonte de renda.
A análise das respostas foi feita considerando os critérios da cidadania deli- berativa. Isto significa que foi necessário relacionar as respostas obtidas em dife- rentes perguntas. De acordo com a análise, todos os proprietários entrevistados conhecem bem o PAF, seus objetivos e funcionamento. Mas não é possível afirmar que haja um interesse bem compreendido e um objetivo comum direcionado para a conservação da água pela preservação da vida. Isto porque quando se per- guntou se, durante as reuniões, ficou claro qual seria o bem comum por meio do desenvolvimento territorial sustentável, a maioria não soube responder. Parece que não estão suficientemente esclarecidos da razão pela qual foram convidados a participar do projeto, embora saibam que têm papel importante nele. Ou seja, ninguém expressou o verdadeiro bem comum.
Um dos critérios da análise é avaliar o processo de discussão envolvendo as decisões dos proprietários rurais. Quando estes foram questionados como se mantêm informados a respeito das atividades do PAF, suas respostas foram diferentes, indicando que as informações são descentralizadas e podem estar chegando até eles de forma incompleta ou desencontrada. Apontaram como disseminadores de informação os outros proprietários, o coordenador do pro- jeto (equipe do ITPA), técnicos do PAF, a internet, a prefeitura de Rio Claro e a Secretaria do Meio Ambiente. O fato do ITPA estar sendo citado, ainda que o contrato tenha terminado, pode indicar que sua atuação junto aos proprietários foi efetiva, criando raízes e laços ainda não desfeitos; ou ainda, que a TECNO- GEO, atual executora, ainda não teve tempo hábil para se aproximar dos pro- dutores rurais, se este é de fato um dos interesses da empresa.
À UGP interessa os resultados de forma macro, ou seja, a proteção da Bacia Hidrográfica do Guandu que, como já dito, é responsável pela produção de água do principal manancial de abastecimento público que atende parte da cidade do Rio de Janeiro e 80% da região metropolitana do Estado. Ao ITPA interessa a boa execução das atividades de conservação e restauração florestal que é um dos objetivos centrais da linha temática do Programa de Conservação da Mata Atlân- ticada instituição e consequentemente cumprimento de seus objetivos para com o projeto. Suas atribuições são tão importantes quanto às atribuições das outras
instituições que compõe a UGP. O ITPA é ainstituição que mais se aproximados atores sociais que disponibilizam suas terras para a execução do projeto. Talvez seja esse o motivo pelo qual o ITPA é a instituição mais citada nas entrevistas.
Considerando essas formas deficientes de informação, cinco dos nove en- trevistados responderam que não se consideram bem informados e um deles se considera razoavelmente informado. Vale lembrar que se trata de um projeto em que essas pessoas são protagonistas. Elas se reúnem semestralmente, para receberem o pagamento pelo serviço ambiental prestado. Essa falta de informa- ção eficiente não pode ser justificada pela falta de alternativas. Os respondentes estavam livres para citar mais de uma forma de serem mantidos informados quanto às atividade do PAF. Mesmo alertando para as dificuldades em acessara internet em suas propriedades por fatores diferentes, cinco deles citaram as correspondências eletrônicas frequentes como uma boa forma de se manter informado sobre o PAF. Telefone e reuniões foram os segundos mais indicados, seguido de jornal interno e visita em casa.
A avaliação da capacidade de articulação da governança por parte das unidades gestoras fica comprometida na medida em que, pelo menos três dos respondentes sequer reconhecem uma iniciativa efetiva de reunir os diferentes atores locais, em específico os proprietários rurais, o poder público e sociedade civil, para atingir um único objetivo do interesse de todos. O mais interessante é que cinco citaram a antiga unidade gestora, o ITPA. Somente um citou também a atual TECNO- GEO e dois indicaram a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agricultura de Rio Claro (SSMMA). Sugere-se que o fato do ITPA estar sendo citado até mesmo a partir do contrato da TECNOGEO, é que as ações de reflorestamento realizadas com recursos do TNC continuam sendo executadas por aquela instituição.
Ficou explícito que não houve esforço efetivo de nenhuma parte dos atores envolvidos em criar uma representação ativa dos proprietários rurais no PAF. Os respondentes citam a iniciativa do ITPA para criar um processo de escolha de um representante. Mas alguns proprietários não conhecem o seu papel no processo decisório e nem reconhecem sua formalidade; outros nem souberam da existên- cia desse processo. Uma iniciativa contundente não deixaria tantos questiona- mentos em aberto aos proprietários rurais.
A fim de confirmar a ausência de representação por parte dos proprietários rurais, que neste caso também representa a participação social, perguntou-se se estes reconheciam alguma liderança formal e forte no PAF. Ninguém apontou qualquer liderança por parte da sociedade civil, confirmando o exposto ante-
riormente. Todos os respondentes reconhecem o ITPA como um líder forte no projeto. Somente um indicou também a SMMAA.
Considerando os critérios de inclusão e autonomia, as opiniões dos proprie- tários foram relativamente satisfatórias, quando perguntados se suas opiniões são ouvidas e respeitadas pelos demais quando há reuniões. Dos seis que responde- ram que sim, três consideram até que colaboraram para a evolução do PAF. Os demais responderam “às vezes”, um deles salientou a necessidade de se chegar a um consenso. Dialogar até chegar a um consenso é a proposta da gestão social. Nos poucos momentos que se reúnem parece ter havido a busca pelo consenso, tanto é assim que somente um dos proprietários afirmou não haver consenso nas decisões tomadas e um se absteve.
Com referência ao pluralismo, quando perguntados sobre quem tem mais influência na tomada de decisões em relação ao PAF, nenhum proprietário fez referência a si próprio ou a sua “categoria”. Apenas um respondeu que havia um grande proprietário rural que exerce grande influência, um se absteve e um afir- mou que não há quem tenha mais influência. Por outro lado, seis citaram o ITPA, mais uma vez expressando a atuação da ONG naquele território. A prefeitura foi citada duas vezes; e uma vez cada: CBH-GUANDU, a TNC e o Conselho de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMA) de Rio Claro. Nenhuma delas relatou a existência da UGP como responsável pela tomada de decisão.
A percepção dos proprietários quanto ao apoio político local dado ao PAF foi geralmente positiva. Três salientam que a participação é mínima. Os demais en- tenderam que a prefeitura e a câmara têm atuado positivamente em prol do pro- jeto. Também foi considerada marcante a presença do Governador para lançar o PAF. As entrevistas indicam um amadurecimento do COMDEMA nesse processo. Não obstante o fato de se considerar os proprietários rurais também como um membro da sociedade civil na perspectiva territorial, esperava-se aqui en- contrar maior engajamento da sociedade civil no PAF. Mas quando pergunta- dos sobre isso, sete dos nove proprietários afirmaram não terem percebido qualquer iniciativa concreta por parte dos gestores do projeto de convidar a sociedade civil ao debate político. Um respondente afirma que a sociedade civil pode participar, pois as reuniões no COMDEMA são abertas à sociedade, não levando em conta que a sociedade civil, muitas vezes, precisa ser mobilizada. Seis proprietários acreditam que a sociedade está receptiva ao projeto e alguns afirmam que moradores locais gostariam de participar mais ativamente, pois
apoiam a iniciativa e acreditam nela.
Sob a perspectiva do bem comum, foi perguntado também se foram observa- das melhorias para a comunidade local. Apenas dois não observaram. Saneamento básico foi indicado como um ponto forte, especialmente no que tange à instalação de biodigestores e fossas sépticas. Os entrevistados citaram também um aumento da consciência ambiental local, na medida em que têm observado menos lixo nos rios e a educação para o não desmatamento e queimadas, por exemplo.
Quanto à geração de emprego a partir das atividades do PAF, os entrevistados citaram a contratação de pessoas para exercerem atividades nas propriedades e na área administrativa e de reflorestamento. A maioria não consegue identificar ou- tros projetos ou atividades estimuladas a partir da implantação do PAF. Mas foi ci- tado o surgimento de ideias como a promoção do turismo e a produção de mudas.
Conclusões
Embora os proprietários rurais afirmem conhecer bem o PAF, não foi possível perceber um interesse bem compreendido e um objetivo comum, que é a produ- ção e conservação da água por meio daconservação e recuperação das florestas. Há indicação de que as informações quanto ao PAF podem estar chegando até os proprietários de forma incompleta ou desencontrada. As reuniões são quase sempre semestrais, intervalo muito grande quando se pretende uma gestão que seja social. Todos esses fatores terminam por prejudicar o processo de discussão.
A articulação da governança por parte da Unidade Gestora do Projeto,onde os proprietários rurais são tomados como sujeitos passivos, indicam a existência de uma estrutura hierárquica, onde asdecisõessão tomadas de cima para baixo.
A iniciativa da UGP de reunir diferentes atores locais,em específico os proprie- tários rurais, o poder público e sociedade civil, parece ainda ser muito frágil.ATEC- NOGEO, pelos relatos, sequer se mostrou representativa nas articulações com os proprietários, de modo que o ITPA ainda é, pele entendimento da maioria, a maior liderança do projeto. Também foi observado que nem mesmo os proprietários se articularam para escolher um representante, seja ele formal ou informal.
Considerando os critérios de inclusão e autonomia, as opiniões dos proprietá- rios foram relativamente satisfatórias, sinalizando positivamente quando pergunta- dos se suas opiniões são ouvidas e respeitadas pelos demais, quando há reuniões. Nos poucos momentos que se reúnem parece que tem havido a busca pelo consenso.
Quando perguntados quem tem mais influência na tomada de decisão em relação ao PAF, um aspecto do pluralismo, nenhum proprietário mencionou sua “categoria”. Por outro lado, o ITPA foi indicado por seis dos nove entrevistados.
Na verdade, o ideal seria que as decisões fossem heterárquicas. Não deveria haver influência, mas sim, consenso, a partir do diálogo plural.
Ainda considerando o pluralismo na gestão do PAF, o engajamento do po- der político local foi encarado geralmente como positivo. As entrevistas indicam, em especial, um amadurecimento do COMDEMA nesse processo. Contudo, os proprietários rurais relataram não terem observado, por parte do projeto,uma iniciativa contundente para engajar os demais representantes da sociedade civil no debate político, embora a sociedade esteja receptiva ao projeto.
O PAF de certo alcançou visibilidade quanto à possibilidade de trazer melho- rias para a comunidade local e promover o bem comum. O saneamento básico indica estar sendo um ponto forte. Foi mencionado também um aumento da consciência ambiental local.
Não foi percebido, ainda, um grande potencial dinamizador da economia a partir do projeto. Alguns poucos postos de trabalho temporários foram criados, e nenhuma atividade econômica expressiva surgiu. Mas, ao que parece, com os treinamentos pro- porcionados no âmbito do projeto, algumas ideias estão surgindo ou amadurecendo, como a promoção do turismo e a produção de mudas para o reflorestamento.
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