Artigos

Descumprimento de condicionalidade na educação: subsidios à política de assistência social

Marília Gonçalves Dal Bello
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Brasil

Descumprimento de condicionalidade na educação: subsidios à política de assistência social

O Social em Questão, vol. 19, núm. 36, pp. 239-264, 2016

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo estudar a operacionalização do Programa Bolsa Família pela proteção básica da assistência social, tendo como foco as desigualdades ter- ritoriais e seus desdobramentos para proteção de famílias em descumprimento de condi- cionalidade na educação. Para tanto, adotou-se como caminho metodológico, abordagem quantitativa e qualitativa, com base em estudos bibliográficos, documentais e análise de dados extraídos de questionários aplicados a 166 mulheres titulares do PBF, residentes em sete bairros, circunscrito pelo Centro de Referência daAssistência Social – CRAS Santa Felicidade, localizado na região Sul da cidade de Maringá-Paraná. Os resultados apontaram que as desigualdades territoriais, para além do individual, apontam à assistên- cia social demandas a serem respondidas no campo da proteção social de famílias.

Palavras-chave: Assistência social, Programa Bolsa Família (PBF), Educação.

Descumprimento de condicionalidade na educação: subsidios à política de assistência social

Marília Gonçalves Dal Bello1

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo estudar a operacionalização do Programa Bolsa Família pela proteção básica da assistência social, tendo como foco as desigualdades ter- ritoriais e seus desdobramentos para proteção de famílias em descumprimento de condi- cionalidade na educação. Para tanto, adotou-se como caminho metodológico, abordagem quantitativa e qualitativa, com base em estudos bibliográficos, documentais e análise de dados extraídos de questionários aplicados a 166 mulheres titulares do PBF, residentes em sete bairros, circunscrito pelo Centro de Referência daAssistência Social – CRAS Santa Felicidade, localizado na região Sul da cidade de Maringá-Paraná. Os resultados apontaram que as desigualdades territoriais, para além do individual, apontam à assistên- cia social demandas a serem respondidas no campo da proteção social de famílias.

Palavras-chave

Assistência social; Programa Bolsa Família (PBF); Educação.

Compliance breach in education: subsidies to politics of social assistance

Abstract

This work aims to study the implementation of the Bolsa Família program for basic pro- tection of social assistance, focusing on territorial inequalities and their consequences for families protection in cross-failure in education.To this end was adopted as a methodolog- ical way, quantitative and qualitative approach, based on published studies, documentary and analytical data extracted from questionnaires given to 166 women holders of PBF, residents in seven neighborhoods, circumscribed by the Reference Centre for Social As- sistance - CRAS Santa Felicidade, located in the southern region of the city of Maringa, Parana.The results showed that the territorial inequalities, in addition to individual, point to social assistance needs to be answered in the field of social protection of families.

Keywords

Welfare; Bolsa Família Program (PBF); Education.

Introdução

O presente trabalho visa estudar a operacionalização do Programa Bolsa Fa- mília (PBF), pela proteção básica da política de assistência social, tendo como recorte as desigualdades territoriais territoriais e seus desdobramentos para a proteção social de famílias em descumprimento de condicionalidades na edu- cação. Considera-se, assim, que os indicativos do PBF, orientadores de práticas interventivas da assistência social na gestão da proteção básica, são insuficientes para nortear o fortalecimento da proteção de famílias. Inflexíveis às desigualdades territoriais, os indicativos de descumprimento de condicionalidades na educa- ção reforçam perspectivas individuais, limitando a política de assistência social na identificação da pobreza em suas suas multideterminações e, logo, no reconheci- mento de direitos, almejados no fortalecimento intersetorial, no diálogo com as políticas setoriais, como é a educação.

A proteção básica prevê, em seu campo interventivo, um conjunto de ser- viços, programas, projetos e benefícios.Incorpora o PBF, que tem na renda a principal estratégia de provisão de proteção social à pobreza. O nascimento do programa ocorreu concomitante à aprovação da Política Nacional de Assistência Social, que passava a abrigar em seu processo a gestão e o financiamento do PBF, atualmente alocado na Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc), vin- culada ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA).

Criado pela Lei 10.836/2004 e regulamentado pelo Decreto 5.209/2004, o PBF destina-se as famílias em situação de extrema pobreza, assim consideradas aquelas com rendimento entre R$ 70,00 e R$ 140,002.

Segundo disposições legais do Decreto 5.209/2004, cabe ao MDS coor- denar, gerir e operacionalizar o Programa Bolsa Família e, em especial, entre outras atividades, realizar a gestão dos seus benefícios, bem como promover a oferta dos programas complementares à renda, em articulação com os Ministé- rios setoriais e demais entes federados.

As condicionalidades abrangem um conjunto de deveres a serem cumpridos na educação e na saúde pelas famílias beneficiárias do PBF, como exigência para se manterem no programa. É dever, por exemplo, o acompanhamento da saúde de mulheres gestantes e nutrizes entre 14 e 44 anos e de crianças entre 0 e 7 anos de idade – manutenção da vacina em dia e acompanhamento de peso.

O descumprimento de condicionalidades é registrado pelos serviços de educação mediante justificativas das famílias pela ausência de crianças e ado- lescentes na escola, e pelos serviços de saúde pelo não comparecimento à UBS

ou pela não localização das famílias pelas Equipes de Saúde da Família (ESF), constituindo-se como indicativos de descumprimento de condicionalidades no PBF. Orientados por perspectivas individuais, esses indicativos responsabilizam e punem as famílias, atribuindo-lhes a responsabilidade pelo descumprimento das condicionalidades exigidas pelo programa. Essa perspectiva, na contramão da premissa protetiva da política de assistência social, exige um focar de lentes sobre as desigualdades e desproteções que envolvem famílias e territórios.

O não cumprimento de condicionalidades pelas famílias é passível de sanções como cortes e bloqueios, inscritos pela Portaria nº 251 de 12 de dezembro de 2012 nos seguintes termos:

I - advertência no primeiro registro de descumprimento;

II - bloqueio do benefício por um mês no segundo registro de descum- primento;

III - suspensão do benefício por dois meses no terceiro registro de des- cumprimento;

IV - suspensão do benefício no quarto registro de descumprimento; e

V - cancelamento do benefício no quinto registro de descumprimento.

A suspensão dos benefícios pagos pelo PBF se dá mediante a coleta de dados nas escolas sobre as faltas justificadas das crianças e adolescentes nas aulas do ensino fundamental e médio. Essas justificativas devem se enquadrar em um conjunto de motivos divulgados, segundo Instrução Operacional nº 36 Senarc/ MDS (BRASIL/MDS, 21/07/2010), como plausíveis ou não para que crianças e adolescentes se ausentem das aulas. No montante de 19 variáveis, aquelas com código inferior a 50 não geram descumprimento de condicionalidades; já os códigos superiores a 50 geram sanções sobre os benefícios pagos pelo pro- grama. Informações pertinentes às fragilidades da rede de proteção social são previstas pela Instrução Operacional nº 36 Senarc/MDS (IDEM) apenas pelos códigos 3, 4 e 5. Sendo assim, o conjunto de dados que compõem as faltas jus- tificadas nas escolas denota que a maior responsável pelas faltas escolares é a família, conforme mostra o quadro 1.

Quadro 1 - Motivos da baixa frequência escolar

Fonte: BRASIL/MDS, 21/07/2010.

Segundo a Resolução Comissão Intergestora Tripartite (CIT) nº 07 de 2009, aque- las famílias que estão em suspensão do benefício do PBF devem ser acompanhadas e incluídas nos serviços socioassistenciais da proteção básica, prioritariamente.A inclusão nos serviços socioassistenciais deve ser orientada por listagem de famílias em descum- primento de condicionalidade na educação e saúde (anexo I/ Resolução CIT nº 07 de 2009), a ser disponibilizada pelo órgão gestor municipal da política de assistência social. Munida do montante de famílias que descumpriram condicionalidades, cabe à “equipe do CRAS atualizar o diagnóstico territorial, traçar estratégias e metodologias de atendi- mento das famílias e definir os serviços socioassistenciais necessários ao enfrentamento das situações de vulnerabilidades e riscos identificados.” (CIT, 2009, p.21)

Em contraposição à centralidade das responsabilidades individuais das famílias nos indicadores de condicionalidades do PBF, Magalhães (2009) ressalta a impor- tância de se superar a produção de informações que, ao reforçar responsabilidades individuais, permanecem alheias aos limites que cerceiam famílias de baixa renda à proteção social. Nas palavras do autor: “Como agir para que estas sanções deixem de sê-lo e se tornem indicadores de que o sistema de proteção social precisa agir com a eficácia e rapidez para assistir às famílias?” (MAGALHÃES, 2009, p.402)

Ultrapassar essa perspectiva individual exige olhares cuidadosos sobre normas que regem a operacionalidade do PBF, na proteção básica da política de assistência social. São normativas que, ao prever sanções, em decorrência dos efeitos por descumprimento de condicionalidades, orientam a produção de dados que, deslo- cados do território, possibilitam conjecturar que grande parte das punições apli- cadas às famílias pode estar associada a deveres do poder público não cumpridos. Considerando os preceitos protetivos da matricialidade sociofamiliar destaca- dos como uma das principais diretrizes da Política Nacional de Assistência Social (2004), é preciso transitar da esfera do “punir e cobrar” para a esfera do “prover” meios de agir de famílias. Para isso, são necessários conhecimentos mais profun- dos e flexíveis sobre as desigualdades territoriais, capazes de mostrar à assistência social, além de atributos individuais vinculados ao descumprimento de condicio- nalidade, as desigualdades expressas pelas fragilidades no campo das certezas com

as quais as famílias de baixa renda podem contar para se protegerem.

Para tanto, não bastam as listagens territorializadas de famílias em descumpri- mento de condicionalidade, disponibilizadas pela gestão do PBF à proteção básica da assistência social, a partir da sistematização das justificativas de faltas coletadas pelas unidades de ensino, ou da constatação de famílias que não foram encontra- das em seus domicílios pelos agentes de saúde. Levando em conta os propósitos protetivos da assistência social, o fundamental é que sejam fortalecidas perspecti- vas preventivas, o que pressupõe práticas planejadas com enfoque na antecipação de riscos de vulnerabilidades sociais.

A vigilância socioassistencial, inscrita como uma das principais funções da po- lítica de assistência social, articulada a outras duas, proteção e defesa institucio- nal, coloca-se como estratégia privilegiada para superar indicadores abrangentes de proteção básica, de modo a coadunar serviços com as necessidades de famílias em seus territórios de vivência. Nesse sentido, a proteção social básica deve ser planejada e organizada de forma a garantir aos seus usuários conhecimento dos direitos socioassistenciais e sua defesa (BRASIL/MDS, 2013 ).

A legislação que pauta a operacionalização do PBF preserva a família de sanção somente quando ficar comprovado que o cumprimento de condiciona- lidade foi prejudicado em razão de desproteções relativas à oferta de serviços por parte dos municípios. Entretanto, ainda são bastante limitadas as iniciativas do MDS/Senarc em incluir nos documentos norteadores do PBF a recolha e a sistematização de indicadores sobre as fragilidades das políticas de saúde e educação. Outro fator a destacar é que nas legislações que regem o PBF não há previsão de ações de responsabilização e punição para os municípios inadim- plentes. O resultado é a responsabilização quase que exclusiva da família pelo cumprimento de condicionalidades (SENNA et al., 2007).

Na busca de ultrapassar perspectivas individuais das famílias em descum- primento de condicionalidades, o presente trabalho, tem como recorte a ci- dade de Maringá e nela o território de circunscrição do CRAS Santa Felicida- de, bem como as escolas de ensino básico e fundamental adjacentes. São elas: Escola Estadual Vinicius de Moraes, Escola Municipal Manoel Dias da Silva, Escola Municipal Benedita Natalia Lima, Escola Municipal Manoel Dias, Es- cola Municipal Agmar dos Santos, Escola Municipal Benedita Natalia Lima, Escola Municipal João Batista Sanches.

Esse estudo, ao propor-se a estudar as desigualdades territoriais e seus des- dobramentos para a proteção de famílias em descumprimento de condicio- nalidades na educação operacionalização, preocupa-se em estudar com quais certezas podem contar as famílias do PBF para cumprirem condicionalidades exigidas pelo PBF na educação. Para tanto, foram realizadas entrevistas quan- titativa com um total de 166 mulheres responsáveis pelo PBF. As sujeitas pes- quisadas foram localizadas em sete bairros, por serem neles onde se identificou as maiores concentrações de famílias beneficiárias do PBF. São eles: Núcleo Habitacional Santa Felicidade, Jardim Universo, Jardim Ipanema, Cidade Alta, Residencial Tarumã, Parque Tarumã e Conjunto Habitacional Odwaldo Bueno Netto. O estudo das desigualdades territoriais possibilitou contraposições aos indicativos punitivos do PBF, conforme analisado a seguir.

Serviços de educação básica: olhares sobre as desigualdades territoriais

Com base nos estudos de Muniz (2011), os serviços de educação executados nos equipamentos escolares podem ser compreendidos como oferta de atividades planejadas e continuadas de ensino fundamental e médio.Tais serviços vinculam-

-se à garantia de direitos educacionais, que, assegurados como dever da família, da sociedade e do Estado, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educan- do, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art 2º- LDB/ Lei nº 9.394,1996).

A Lei de Diretrizes e Bases/ Lei nº 9.394,1996, em seu art. 4º, pontua como primeiro princípio a igualdade de condições para o acesso e a permanên- cia de alunos na escola. Isso impõe ao poder público, entre outros encargos, a provisão de vagas próximo ao local de moradia ou a provisão de transporte como benefício para viabilizar o acesso de crianças e adolescentes às unidades escolares em que se encontram matriculados. Entre os deveres a serem assumi- dos pelo Estado estão, portanto, o de prover:

VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação bási- ca, por meio de programas suplementares, de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;

X - vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que com- pletar 4 (quatro) anos de idade.

Em seu art. 12, a LDB prevê ainda, nos sistemas de ensino, apoio aos alunos em dificuldade de aprendizagem, cabendo ao poder público nas instâncias muni- cipais e estaduais:

V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola;

Alinhada com o propósito do PBF, a Portaria do Ministério da Educação Edu- cação nº 3.789 de 2004, com a intenção de potencializar o acesso de crianças e adolescentes oriundos de famílias de baixa renda às unidades escolares, insere a frequência às aulas como parte das condicionalidades relativas à educação, deven-

do ser monitorada pelas instituições escolares. A coleta e registro em sistema in- formatizado da frequência mínima de 85% para crianças matriculadas no ensino fundamental e de 75% para adolescentes inseridos no ensino médio, bem como a recolha de justificativas de faltas são as principais atribuições da escola no acom- panhamento das condicionalidades na educação.

Notas

1 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Do- cente na Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). E-mail: madalbello@hotmail.com
2 Segundo Informativo nº 144 de maio de 2014, divulgado pela Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (Senarc), os novos limites para concessão do Bolsa Família passaram de R$ 70,00 para R$ 77,00 e de R$ 140,00 para R$ 154,00.
3 A dificuldade de contato e acesso a informações com os gestores das escolas municipais e estaduais, assim como nas unidades escolares em si, inviabilizou a obtenção de dados sobre os serviços e projetos desenvolvidos nas unidades de referência para os bairros estudados. Artigo recebido em junho de 2016 e aceito para publicação em agosto de 2016.
HMTL gerado a partir de XML JATS4R por