Seção Livre

Seção livre: A Inversão de Independência nos Sindicatos Brasileiros: as consequências das contribuições obrigatória e negocial

Áurea de Carvalho Costa
Depto de Educação UNESP, Brasil
Reinaldo Cervati Dutra
Universidade Sagrado Coração, Brasil

Seção livre: A Inversão de Independência nos Sindicatos Brasileiros: as consequências das contribuições obrigatória e negocial

O Social em Questão, vol. 19, núm. 36, pp. 401-424, 2016

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Resumo: Partimos da hipótese de que as contribuições sindicais obrigatórias são um mediador da interferência do Estado na independência dos sindicatos ao gerar recursos públicos aplicados às organizações classistas, produzindo uma inversão de sua independência: ao invés de os sindicatos serem independentes do Estado e dependentes da base, es- sas contribuições os tornam independentes da base e dependentes do Estado. Portan- to, analisamos a legislação e os documentos das centrais sindicais para compreender sea contribuição negocial preservaria a inversão de independência. Constatamos que amaioria dos sindicatos é favorável a uma contribuição mediada pelo Estado e isso pode decorrer de suas concepções de Estado.

Palavras-chave: Sindicatos, Contribuição social, Direitos trabalhistas.

A Inversão de Independência nos Sindicatos

401

Brasileiros: as consequências das contribuições obrigatória e negocial1

Áurea de Carvalho Costa2 Reinaldo Cervati Dutra3

Resumo

Partimos da hipótese de que as contribuições sindicais obrigatórias são um mediador da interferência do Estado na independência dos sindicatos ao gerar recursos públicos aplicados às organizações classistas, produzindo uma inversão de sua independência: ao invés de os sindicatos serem independentes do Estado e dependentes da base, es- sas contribuições os tornam independentes da base e dependentes do Estado. Portan- to, analisamos a legislação e os documentos das centrais sindicais para compreender sea contribuição negocial preservaria a inversão de independência. Constatamos que amaioria dos sindicatos é favorável a uma contribuição mediada pelo Estado e isso pode decorrer de suas concepções de Estado.

Palavras chave

Sindicatos; Contribuição social; Direitos trabalhistas.

The Inversion of Independence at the Trade Unions: the consequences of the obligatory and bargaining contributions

Abstract

Our hypothesis that the employees obligatory labor union contribution are a mediation to state’s interference in the trade unions, producing an inversion of independence, instead of the labor unions becoming independent of the State and dependent on the filiation, the contributions become independent of its basis and dependent on the State. We analyzed the laws and trade unions centers’ documents to understand if the bargaining contribu- tion would preserve or not the inversion of independence. We observed that the almost to every trade union centers are in accord with this contribution under mediation of State and it is relationship with a State conception.

Keywords

Trade union; Union dues; Labor rights.

Introdução

O objeto da presente discussão é a contribuição sindical, cujo recolhimento é uma das funções atribuídas pelo Estado aos sindicatos. Trata-se de uma con- tribuição obrigatória, conhecida comumente como “imposto sindical”, pela sua natureza tributária, cujo valor é o referente a um dia de trabalho, descontado do salário dos trabalhadores brasileiros, submetidos à Consolidação das Leis do Trabalho (doravante, CLT), uma vez por ano. Para os funcionários submetidos ao Estatuto do Funcionalismo Público ainda não há regulamentação até o mo- mento, embora esteja constitucionalmente estabelecida:

Art. 149 - Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos artigos 146, III e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195,

§ 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Parágrafo único - Os Estados, o Distrito Federal e os municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social (BRASIL, 1988).

Desse modo, em não havendo uma regulamentação que obrigue os sindi- catos de servidores públicos a recolherem tal contribuição, estabelece-se uma polêmica sobre a aplicação de tal tributo, qual seja, se sua base consistiria ou não numa política progressista. Tal polêmica nos leva a indagar, de modo geral, se a contribuição sindical, como um todo, interessa à classe trabalhadora, na medida em que garante finanças mínimas para a manutenção do movimento sindical ou pode representar um entrave para a constituição de um movimento sindical independente do Estado e do patronato, com maior potencialidade de ser combativo às imposições de um Estado burguês, que legisla sob as injunções capitalistas de maximização da exploração da mais-valia e da destituição dos direitos do trabalho na conjuntura neoliberal?

A denominação contribuição sindical instituiu-se durante o regime militar, depois das reformas do governo do general Castelo Branco. Os artigos 578 e 579 da CLT preveem que tais contribuições são provenientes dos salários de traba- lhadores que participem das categorias econômicas ou profissionais, ou ainda das profissões liberais representadas pelas referidas entidades. Não existe a obrigato- riedade de os trabalhadores se filiarem aos respectivos sindicatos, mas todos os empregados são obrigados a pagar a contribuição sindical. A contrapartida é que tal tributo faculta, a qualquer empregado, fazer jus a todos os direitos dispostos na convenção coletiva, independentemente de sua filiação. A distribuição dos re- cursos originários da contribuição sindical respeita a seguinte proporcionalidade: 60% para sindicatos, 15%, para o conjunto das federações, 5% destinados às con- federações e 20% para o Ministério do Trabalho.

O presente artigo tem por finalidade contribuir para a compreensão do im- pacto da contribuição sindical sobre a autonomia de seu movimento, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, objetivando a captaçãoda posição das atuais centrais sindicais sobre o tema, de modo a oferecer-lhes subsídios para a reflexão acerca de uma proposta substitutiva a este imposto, que nada mais é que a contri- buição de negociação coletiva, apresentada no conteúdo da Proposta de Emenda à Constituição nº 369 (BRASIL, 2005). Na primeira seção do artigo apresentamos um histórico da contribuição sindical obrigatória e, na segunda, o debate sobre a contribuição negocial. Devido aos recortes deste artigo, limitamo-nos a apresentar o posicionamento das centrais sindicais, excluindo a análise das federações, das confederações e dos sindicatos, independentes destas centrais. Para tanto, apresen- tamos o posicionamento das oito centrais sindicais que sistematizaram reflexões sobre o tema, quais sejam: Central Única dosTrabalhadores (CUT), Força Sindical, Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), Central dos Sindicatos brasileiros (CNB), Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), União Geral dos Tra- balhadores (UGT), a Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Sindical e Popular Coordenação Nacional de Lutas (CSP-CONLUTAS).

Sindicato é para lutar: a disputa por uma concepção de sindicato como fundamento da discussão

O sindicato consiste numa entidade de classe, na medida em queorganiza a associação de trabalhadores de cada categoria para a reivindicação e luta pela am- pliação de direitos e benefícios de natureza corporativa e com impacto imediato sobre a qualidade de vida, como o assalariamento, o plano de carreira, a previ-

dência, a proteção à saúde, bem comoa ampliação de benefícios. Para tanto, o sindicato dirige a categoria por meio de um estatuto e de uma diretoria eleita pelo sufrágio universal, podendo adotar o modelo gestionário dos conselhos e re- presentantes de base, sendo financiado pela contribuição espontânea do associado diretamente à entidade de classe, mas havendo outra, agora obrigatória, recolhida sob a mediação estatal como a contribuição sindical obrigatória.

Entretanto, apesar dessa concepção de sindicato ser a mais proclamada, e dedicada a organizar os trabalhadores, na condição de empregados, com con- tratos registrados em carteira, não se trata de um consenso. Por um lado, se- tores minoritários da luta sindical disputam historicamente a adoção de um modelo de sindicato que se dedique também à ação política, a qual ultrapassa o âmbito dos objetivos imediatamente interessantes a sua categoria específica; mas que contribua parao fortalecimento de movimentos sociais mais amplos e, consequentemente,para a consolidação de direitos sociais, tais comoa educação, a saúde, a cultura, o lazer.a mobilidade, a segurança, a luta contra opressões. Eque ainda acolha os trabalhadores, na condição de empregados ou desempregados, bem como no que concerne ao nível de precarização dos contratos de trabalho e aos ativistas de movimentos sociais, especialmente no nível das centrais sindicais. Tal concepção advém da observação atenta da importância histórica do sindicato na ampliação dos direitos tanto sociais, como políticos do proletariado:

Mantendo as tradições desde o seu nascimento e no decorrer do seu desen- volvimento nesse país, essas poderosas organizações até agora têm-se limitado quase que exclusivamente a regulamentar os salários e as horas do trabalho, esforçando-se, além disso, por impor a abolição das leis abertamente hostis aos operários. Como já dissemos, tem-se obtido exatamente o resultado que se poderia esperar de tal ação. Entretanto, obtiveram algo a mais: a classe do- minante, que conhecia melhor que os próprios sindicatos suas forças, fez-lhes voluntariamente concessões mais amplas: Ao estender o sufrágio universal a todos os níveis da administração (...) deu direito de voto à maioria da classe operária organizada (MARX e ENGELS, 2008, p. 74).

Por outro lado, há setores conservadores que reivindicam, na conjuntura do pós década de 1970, uma concepção de sindicato de caráter mais conciliador entre os interesses da classe trabalhadora e aqueles referentes ao patronato no modo de produção capitalista:

É nesse contexto de crise e reestruturação do capitalismo tardio que ocorre o abandono, por parte dos sindicatos e do sindicalismo, ainda bastante vinculado, do sindicalismo de classe que marcaram tanto os anos 60 e 70, em particular na França e na Itália, onde eles foram muito fortes. O que tende a predominar é o sindicalismo neocorporativista e de participação, cujo modelo clássico é o alemão (ALVES, 2003, p. 15, grifos do autor).

A função predominantemente econômica dos sindicatos é devida ao contexto de seu surgimento, mas jamais pode deixar de incorporar, em suas pautas, direi- tos sociais, pois estes garantiam a subsistência do proletariado.Historicamente, o sindicato fez-se necessário a partir do momento em que os níveis de exploração da classe trabalhadora se tornaram muito elevados. Isto se deu na conjuntura das revoluções industriais, as quais impulsionaram um desenvolvimento rápido das tecnologias para a constituição de meios de produção mais sofisticadose possi- bilitaram uma intensificação do trabalho sem precedentes, comprometendo, até mesmo, a sobrevivência física da classe trabalhadora, na medida em que se gene- ralizava o trabalho precoce e insalubre, a partir de cinco anos:

Às 2, 3 e 4 horas da manhã, as crianças de 9 e 10 anos são arrancadas de camas imundas e obrigadas a trabalhar até às 10, 11 ou 12 horas da noite, para ganhar o indispensável à mera subsistência. Com isso, seus membros definham, sua esta- tura se atrofia, suas faces se tornam lívidas, seu ser mergulha num torpor pétreo, horripilante de se contemplar(...) (MARX, 1998, p. 283).

Os sindicatos ingleses do século XVII, denominados comoTrade Unions, eram clandestinos, sem direitos de organização e de representação, contando com par- ticipantes que se arriscavam a desenvolver o ativismo, mesmo que isso fosseuma atividade perigosa, que poderia resultar na pena de morte. No século XVIII, quan- do a revolução industrial avançou na Inglaterra, o parlamento inglês aprovou, em 1799, a combination law, uma lei sobre associações que proibira o funcionamento de sindicatos, naquele momento. Além do aparato policial do Estado para reprimir essas entidades, a burguesia também se utilizavadas milícias privadas:

Em meados da década de1910 Bennett havia implicado a Ford Motor Company numa rede de ligações com vagabundos do submundo, e essa aliança teve influencia na luta que Ford tratava, com crescente ferocidade, contra os sindicatos. O primeiro

confronto teve lugar a 26 de maio de 1937, quando a United Auto Workers (União dos Trabalhadores da Indústria Automobilística) tentou, por vias legais, distribuir panfletos na fábrica de Rouger River. O dirigente sindical e outros três homens foram brutalmente espancados pelos rufiões contratados por Bennett, e os sin- dicalistas foram expulsos. A intransigência de Ford contra o sindicato encontrou muitos apoiadores nos finais da década de 30 (FORD, 1995, p. 39).

Contraditoriamente, a criminalização do direito de organização, de expressão e de reivindicação nasceuconcomitantemente com seu reconhecimento social, como uma das expressões do antagonismo de interesses entre capitalistas e tra- balhadores.Porém, na atualidade, o Estado tem aplicado a prerrogativa de mono- pólio da violência estatal para a repressão dos movimentos sociais – entre eles, o movimento sindical, o que torna ainda mais urgente e necessária a reivindicação de um sindicato independente do Estado burguês e do capital.

No século XIX, devido à condição clandestina, os sindicatos não podiam ser recebidos pelos patrões para negociações, enquanto as greves se multiplica- vam, de modo a fazer-se necessário o reconhecimento legaldos sindicatos como entidades representantes dos trabalhadores, criando-se assim, as negociações coletivas. Portanto, a sindicalização consiste num direito conquistado no seio da truculência da luta de classes.

Em 1824 foi outorgada a primeira lei sobre o direito de organização sindi- cal dos trabalhadores na Inglaterra. A partir daí conquistaram-se vários direitos, como as caixas de resistência – que deram origem à contribuição sindical es- pontânea dos associados, o direito de associação, o reconhecimento do sindicato como representante legal de sua base para fins de negociação, o reconhecimento da greve como direito legítimo do trabalhador, assim como a instituição de datas base para negociação salarial, as federações de sindicatos e os os informativos sin- dicais. A legalização permitiu às instituições sindicais a utilização ampla de duas estratégias de conquista e garantia de direitos: a via jurídica e amobilização para sensibilizar a sociedade e os patrões, por meio de abaixo-assinados, plebiscitos, atos, passeatas, paralisações, greves e piquetes.

No Brasil, as primeiras experiências sindicais datam de 1920, sob a in- fluência do anarcosindicalismo. A primeira legislação que permitiu a livre associação de tabalhadoresse deu em 1903, referindo-se aos profissionais da agricultura e, em 1931, a lei dos sindicatos instituiu-lhe a atribuição de fun- ção assistencial, bem como normatizou o sindicato único, em cada base ter-

ritorial, sendo ele submetido ao reconhecimento do Estado. Neste momento, havia proibição de funcionários públicos e domésticosassociarem-sea sindi- catos, bem como dos sindicatos se filiarem às entidades internacionais sem autorização prévia do Estado, o que denota que a independência de classe foi objeto de disputa desde sempre na luta sindical.Todavia, instituiu-se a multa para as empresas que demitissem sindicalistas em exercício de suas funções. Ademais, foram legalizadas as associações sindicais superiores, como as fede- rações, as confederações e as centrais.

O processo de industrialização que ocorreu no Brasil entre o final do sé- culo XIX e o início do século XX demandou o emprego de um contingente de trabalhadores imigrados da Europa no mercado brasileiro, muitos dos quais se reivindicavamanarco sindicalistas, principalmente no caso dos operários italianos das indústrias têxteis, introduzindo o debate sobre a organização sindical independente:

No Brasil, anterior a 1930, um dos elementos fundamentais na definição de uma relativa autonomia cultural da classe operária foi sua autonomia no plano associativo, principalmente, sindical. E nesse processo, é claro, a presença significativa do anarco sindicalismo (pelo menos entre 1906 e 1920) teve um papel decisivo (HARDMAN, 1984, p. 31).

Desde então, as forças produtivas desenvolveram-se e absorveram mais tra- balhadores demandando a ampliação do movimento sindical, como consequên- cia do aumento do contingente de empregados. Nesse processo,

(...) os imigrantes, enganados com promessas nunca cumpridas trouxeram ex- periências de luta muito mais avançadas do que as que havia no Brasil, e é a partir deles que se organizou o anarquismo, que foi a posição hegemônica no movimento operário no período de nascimento e consolidação da indústria. Em abril de 1906, realizou-se no Rio de Janeiro, o 1º Congresso Operário Brasi- leiro, com a presença de vários sindicatos, federações, ligas e uniões operárias, principalmente do Rio e São Paulo. Nascia a Confederação Operária Brasileira (COB), a primeira entidade operária nacional (MIRANDA, 2011, p. 1).

Na década de 1930, durante o governo provisório de Getulio Vargas, foi imposto ao proletariado um modelo de sindicatovinculado ao Estado e sub-

metido às políticas de cada governo, com um mínimo de direitos de organiza- ção, para permitir o que Gramsci, em 1923 (1977) chamou de constituciona- lidade na fábrica. Portanto, Vargas, então, impôs um modelo sindical baseado no fascismo Italiano, em que,

Mussolini está persuadido de que a classe operaria nunca perderá a sua cons- ciência revolucionária e considera necessário que se permita um mínimo de organização. Controlar, com terror as organizações sindicais entre limites es- treitíssimos, significa colocar o poder da Confederação nas mãos dos reformis- tas: convém que a Confederação exista como embrião e que se articule num sistema disperso de CI [comissão interna de fabrica],de modo que os reformis- tas controlem toda a classe operaria, sejam os representantes de toda a classe operaria (GRAMSCI,1977, p.71).

Com o crescimento dos contingentes de operários, ocorreu um aumento nas lutas, pois esses trabalhadores - mais unidos e organizados - passaram a reivindi- car melhores condições de trabalho. Durante o mandato de Eurico Gaspar Dutra, o governo promoveu um maior controle sobre o sindicato:

Em pouco mais de uma década, entre os anos de 1940 e 1953, o contingente de trabalhadores dobra e passam a somar 1,5 milhões de trabalhadores e as greves nas indústrias passam a ser corriqueiras. E com isto aumenta também a interven- ção do governo nos sindicatos (MIRANDA, 2011, p. 3).

Os dirigentes sindicais surgidos durante o Estado Novo não se mobilizavam em torno de reformas sindicais. Um artigo da Constituição de 1946 estabelecia a liberdade de associação sindical, mas remetia a regulamentação à legislação ordi- nária, de modo que a CLT foi mantida intacta, no que tange ao estabelecimento de normas para os sindicatos, não havendo mobilização no parlamento para sua reforma. Para evitar a renovação sindical sob a influência do Partido Comunista, o governo do presidente Dutra suspendeu as eleições sindicais até 1950, manten- do os mesmos dirigentes, perpetuando a exigência de atestados ideológicos para todo dirigente eleito (LOPES, 2009).

Concomitantemente às transformações no movimento sindical, houve uma ampliação de direitos do trabalho, fruto da luta organizada dos trabalhadores. Em 1943,destacamos como avançosna CLT umcapítulo dedicado ao Direito sindical

e, na constituição de 1946,o reconhecimentodo direito de greve, bem como a ratificação do direito de livre associação. Nos vinte anos que se seguiriam, es- pecificamente no período de 1964 a 1968 – ratificou-se a contribuição sindical obrigatória, bem como se estabeleceu a ocorrência de eleições sindicais, com voto obrigatório. Nesse mesmo momento, o direito de greve sofreu uma regu- lamentação, restringindo muitas categorias, como a dos funcionários públicos e domésticos, a reivindicar seus direitos, uma vez que estavam proibidos de se organizarem em sindicatos, de modo que acabavam por fundar associações.

Na década de 1960, no ABC, o movimento sindical retomou a ideia das co- missões de fábricas, com uma forma de organização livre de vinculação formal ao Estado. Nesse período, iniciou-se na militância sindical a figura mais conhecida do sindicalismo no Brasil, Luis Inácio Lula da Silva. Em 1979, a região do ABC viveu um movimento grevista histórico. Tal sindicalista, junto aos intelectuais e membros dos movimentos sociais, fundou, em 1980, o Partido dos Trabalhadores (doravante PT), permanecendo como sua principal figura pública até os dias de hoje. No alvorecer da década de 1980, as diretorias sindicais criaram a Central Única dos Trabalhadores (doravante CUT) como resposta às exigências das bases, numa conjuntura de acirramento das lutas, com grevessurgindo por todo o país. No ano de 1983, na cidade de São Bernardo, 5.200 delegados aprovaram os prin- cípios norteadores da Central Única dos Trabalhadores - CUT. Em sua maioria, os dirigentes da entidade provinham dos quadros operários do Partido dos Traba- lhadores (TOMIZAKI, 2001).

Em 1984 aprofundou-se o processo de redemocratização com o movimento popular intitulado “Diretas Já” e em 1988 foi promulgada a nova constituição, que inaugurou um tempo de mais autonomia aos sindicatos, em relação ao controle estatal, pois a intervenção do poder público ou a interdição da abertura de sin- dicatos foi proibida, permanecendo, entretanto, o controle sobre a homologação da fundação sindical e o veto à existência de mais de um sindicato por categoria e base territorial, num mesmo município ou microrregião.

Da contribuição sindical obrigatória (“imposto sindical”) à contribuição de negociação coletiva

A política de atrelamento entre sindicato e Estado, no Brasil, deu-se após a revolução de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho, em novembro do mesmo ano, bem como da Consolidação das Leis do trabalho, em março de 1931. Em agostode 1940, foi criada a lei da contribuição sindical, quatro anos

antes da publicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), passando tal contribuição a ser descontada de todos os trabalhadores e repassada ao Banco do Brasil, que ficou incumbido de redistribuir o montante. Os sindicatos ganharam uma fonte de renda permanente, independentemente daquela advinda da filiação sindical. Hoje, esse montante é recolhido junto aos bancos integrantes do sistema nacional de arrecadação de tributos e depositado em conta corrente do Ministé- rio do Trabalho, no banco Caixa Econômica Federal.

O fato de a base do sindicato ser destituída do poder de seu controle do sindica- to, sob a mediação da filiação e da contribuição espontânea, criou uma situação sui generis: as sucessivas diretorias já poderiam manter os sindicatos, desde que tives- sem um quadro de filiados minimamente suficiente para legalizá-lo, sem ter que se preocupar nem com novas filiações, nem com a resposta às demandas da base, pois, independentemente do número de filiados, já reuniria as condições finan- ceiras e jurídicaspara se erigir como representante legal da base, com poderes de negociação de direitos do trabalho. Sob tais condições, o governo dos filiados seria menos conflituoso e, quanto menos filiados houvesse, menores seriam as chances da constituição de oposições sindicais que ameaçassem o poder das diretorias. Estavam dadas as condições para a constituição de uma aristocracia sindical, que deveria se perpetuar no poder, construindo um verdadeiro labirinto de burocracias. Isto não poderia ser diferente, na conjuntura de luta da classe operária, pela legalização da atividade sindical e contraa repressão ao sindicalismo, nos anos de 1940, quando o Estado tomou providências para controlar o movimento sindical mais organizado e combativo, seja perseguindo os seusdiretores sindicais e suas vanguardas, seja le- gislando em prol da ampliação dos mecanismos de controle estatal sobre a classe trabalhadora e suas organizações independentes (LOPES, 2009).

A contribuição sindical, pela sua natureza tributária e compulsória para todas as categorias de trabalhadores da iniciativa privada, é uma medida que abriga uma contradição: por um lado, é uma importante fonte de sustentação do movimento sindical, sem a qual muitas categorias estariam impossibilitadas de se organizarem na medida em que a base nem sempre compreende a importância da automa- nutenção e da autogestão dessa entidade de classe e, sendo assim, não a financia espontaneamente e em conjunto. Um indicador disso é que no período de 1992 a 2012 a taxa de sindicalização dos adultos ocupados caiu de 19% para 17%, en- quanto que a de não sindicalizados subiu de 81% para 83% (Cf. RODRIGUES; RAMALHO, 2014); por outro lado, trata-se de financiamento sob controle do Estado que destitui a base do poder sobre a subsistência do mesmo.

Nesta conjuntura internacional neoliberal, há uma ofensiva para a desar- ticulação e enfraquecimento dos sindicatos enquanto instrumentos de luta da classe trabalhadora, que pode ser combatida por meio do fortalecimento de um modelo de sindicato fortemente respaldado pela sua base, o que decorre da relação mais íntima entre a direção e o sindicato, bem como da convocação da base para que participe diretamente de sua direção. Nesse sentido, a contribui- ção voluntária constitui-se em mecanismo de poder da base sobre o sindicato. A contribuição voluntária dos trabalhadores associados é a mediação fundamental da relação entre o sindicato e seus filiados. Se o sindicato tem um funcionamen- to alheio aos interesses de sua base sindical, atrairá poucos filiados e suas assem- bleias serão esvaziadas, tendo uma receita menor, mesmo que tais assembleias confiram o estatuto legal às suas ações. A cada nova filiação, a cada contribuição voluntária, a representatividade do sindicato torna-se mais legítima.

Portanto, é a relação orgânica com a base que reafirma a natureza e a função precípua dessa entidade, ao invés de sua relação burocrática com o Es- tado sob a forma de um tributo expropriado aos trabalhadores e entregue aos sindicatos, diminuindo o poder da base sobre seus representantes. Em 2013, a contribuição sindical obrigatória rendeu R$ 3,2 bilhões aos cofres públicos, dos quais R$ 1,915 foram transferidos aos 13.515 sindicatos, sendo 10.383 de trabalhadores e 4.832 patronais (OLIVEIRA, 2014).

Uma vez que o sindicato tem uma fonte de financiamento que não decorre da filiação, como a contribuição sindical e, ao mesmo tempo, bem comoa prer- rogativa sobre a negociação, ocorre uma inversão de independência: ao invés de a independência ser em relação à classe patronal, passa arealizar-se em relação a sua base, aumentando os riscos de o sindicato se tornar antes, uma estrutura a serviço patronal, do que da categoria, já que está relativamente livre de fiscali- zação, vigilância e incidência dos trabalhadores.Há mais de 80 anos a contribui- ção sindical obrigatória tem sido a solução para o impasse entre a necessidade de uma representação dos trabalhadores para garantir as negociações dentro da ordem; contudo essa representação se dá de forma a manter o controle das greves e a conter a perigosa organização da classe trabalhadora, diante dos inte- resses da classe detentora dos meios de produção:

Durante a Segunda Guerra, um grupo de ideólogos e arquitetos do Estado Novo de Getulio Vargas, preocupado com os rumos da organização sindical brasileira, andava em busca de uma chave capaz de “aumentar o tamanho” dos sindicatos,

principalmente os de trabalhadores. Queriam fazê-los crescer, tornando-os atra- entes e representativos.Vencer as resistências era fundamental, porque o modelo de organização sindical então estabelecido articulava-se a um projeto de Estado autoritário, que tinha no controle das ‘classes produtoras’ um ponto decisivo. Por isso, a organização de ‘empregados e empregadores’ se fazia em torno de dois princípios: o da existência de um só sindicato por categoria profissional (a unicidade) e o caráter ‘público’ do sindicato, expressos no ‘monopólio da repre- sentação’ que o Estado garantia (GOMES, 2008, p. 1).

Na perspectiva legal, no âmbito da sociedade democrática de direito liberal, a contribuição sindical é apresentada à classe trabalhadora como uma estratégia de for- talecimento dos sindicatos, garantindo-lhes uma fonte de financiamento, postulando que, devido ao fato de ser uma contribuição advinda dos salários dos trabalhadores, constitui-se em financiamento que se coaduna com o princípio da independência de classe. Isto é verdadeiro do ponto de vista formal, jurídico, o que não significa, neces- sariamente, que o seja do ponto de vista social e político, pois tal raciocínio abstrai o fato de que a partir do momento em que o Estado aplica a prerrogativa de tributar cada empregado, o resultado da tributação passa a ser uma fonte de recursos públicos, como qualquer imposto, taxa ou contribuição, depois aplicada para a manutenção do próprio Ministério do Trabalho e dos sindicatos. Mas para além do argumento formal de corrosão da autonomia do sindicato pela ingerência financeira do Estado,Gomes (2008) e Miranda (2011) ponderam que a criação dessa forma de “imposto sindical” propicia uma burocracia no sindicato e nas vanguardas de seu movimento, alinhada aos interesses patronais que passaram a ocupar as direções dos sindicatos, em detrimento da devida dedicação para organizar a luta da classe trabalhadora.

O outro aspecto a destacar é que acontribuição sindical proporcionou condi- ções para o desenvolvimento de uma cultura de que o sindicatodeve atuar me- ramente como entidade recreativa e assistencialista, pois os recursos podem ser aplicados livremente pelas diretorias, para a celebração de convênios e serviços de assistência jurídica. Dessa forma, dissemina-se, junto à base, a ideologia de que os sindicatos são prestadores de serviços relacionados à saúde, como convênios médicos, por exemplo, que deveriam ser supridos pelo Estado. O financiamento da manutenção de tais benefícios concorre com o financiamento das estratégias de luta direta que dão visibilidade aos questionamentos aos governos e patrões, por meio de campanhas salariais, mobilizações, paralisações, greves e até mesmo os auxílios em situações de suspensão de salários ou lock outs.

Outra consequência direta do estabelecimento da contribuição sindical obrigatória foi a multiplicação dos chamados “sindicatos de carimbo”, os quais se formam com a intenção de ter acesso aos recursos oriundos do tributo, dis- tribuído pelo Estado entre as centrais sindicais, que os repassam aos sindicatos, entretanto, não havendo nem representação legítima, nem atuação de defesa dos interesses de sua categoria (GOMES, 2008). Até 2014, o Ministério do Trabalho tinha 2.100 sindicatos em processo de legalização, sendo a maioria “sindicatos de gaveta” (OLIVEIRA, 2014).

A expansão desse tipo de sindicato levou ao aprofundamento de problemas como a aristocracia operária e a figura do sindicalista conciliador, que considera as demandas patronais nas negociações e privilegia as disputas jurídicas em de- trimento das mobilizações envolvendo diretamente a base. Tais conciliadores, que tinham o aval do governo para se manterem no poder, contavam, até 1950, com o aparato jurídico e com o impedimento de novas eleições sindicais,como ocorreu durante governo de Dutra. No período pós-1964, em que o gover- no militar atuava de forma violenta, mediante essa estrutura representativa da classe trabalhadora, a fiscalização do recolhimento e da transferência da con- tribuição seguiu critérios políticos com o objetivo de perseguir dirigentes sin- dicais, sob a justificativa de que se tratava de dinheiro público, evidenciando a intervenção política do Estado nos sindicatos (GOMES, 2008).

Até a década de 1980, as centrais sindicais não eram legais, pois não ti- nham o amparo da CLT, por não obedecerem ao preceito das “categorias pro- fissionais”. Durante o regime militar, eram permitidas apenas as organiza- ções de trabalhadores sob a forma de associações. Uma vez reconhecidas tais centrais, durante o processo de redemocratização do Brasil, seus dirigentes passaram a reivindicar o recebimento de tal recurso público, tal como os sin- dicatos, federações e confederações.

Durante as mobilizações para a constituinte,as quaisse deflagraram com a pro- mulgação da Constituição em 1988, a discussão sobre a “autonomia” deu-se de forma mais negociada com o Estado, permanecendo a reivindicação da ausência da intervenção direta do Estado nos sindicatos, mas não a alteraçãoda cláusula da unicidade nem a da contribuição sindical. Pelo contrário,as associações de “em- pregados e empregadores” uniram-se para reivindicar a manutenção desse impos- to. Reconheciam que o tributo era “um mal ainda necessário”, que não podia ser extinto de forma abrupta ou radical. Esse argumento dava a impressão de que o imposto caminhava para um gradual desaparecimento (GOMES,2008).

Em março de 2005, durante o primeiro mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva, o poder executivo deu início à tramitação na câmara dos deputa- dos federais de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 369/2005), para dar nova redação aos arts. 8º, 11º, 37º e 114º da Constituição Federal. Trata-se da Reforma Sindical, a qual ainda tramita e tem por objetivo disci- plinar diferentes aspectos, dos quais destacamos a contribuição de negociação coletiva, estabelecida no artigo 8º, inciso IV.

IV - a lei estabelecerá o limite da contribuição em favor das entidades sindicais que será custeada por todos os abrangidos pela negociação coletiva, cabendo à assembleia geral fixar seu percentual, cujo desconto, em se tratando de entidade sindical de trabalhadores, será efetivado em folha de pagamento; (BRASIL, 2005).

Os filiados, em assembleia, decidiriam o valor dessa contribuição e a paga- riamcompulsoriamente, enquanto os não-filiados deveriam decidir se pagariam ou não a mesma contribuição, sendo que em caso de não pagamento, não teriam direito aos benefícios das negociações coletivas (OLIVEIRA, 2011).

Posteriormente, em 5 de julho de 2013, o senador Blairo Maggi, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, apresentou a PEC 36/13 com vistas à modificação do artigo 8º da constituição, o qual se institui que a assembleia de cada categoria profissional deverá deliberar sobre o desconto em folha para o custeio do sistema da representação sindical.

O debate sobre contribuições sindicais mediadas pelo Estado nas centrais sindicais

Em princípio, há uma polêmica sobre a positividade da contribuição sindical entre as centrais sindicais, havendo desde aquelas que defendem a abolição de qualquercontribuição obrigatória, passando pelas que defendem sua substituição pela contribuição de negociação coletiva, até as que defendem sua manutenção.

A CUT é maior central brasileira e latino-americana, com 3.806 entidades as- sociadas, cerca de oito milhões de filiados e 24 milhões em suas bases (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 2014). Conforme discutido anteriormente, trata-se de uma Central que nasce motivada pela organização dos trabalhadores no PT, o qual ocupa o poder executivo do Estado brasileiro desde 2003, por meio das coligações “Lula Presidente” (PT/PMN/PCB/PL/PC do B), “A força do Povo” (PT/PRB/PC do B); “Para o Brasil Seguir Mudando” (PT/PMDB/PDT/

PCdoB/PSB/PR/PRB/PSC/PTC/PTN) e Com a Força do Povo (PT/PMDB/ PSD/PP/PR/PDT/PRB/PROS/PCdoB). Essa central tem se tornado uma das bases de apoio a esse governo há 14 anos. Disso decorre a vinculação política dessa central com o aparelho estatal e com um setor expressivodo movimento sindical no Brasil, assumindo-se a defesada extinção daquele tributo, em favor da proposta da contribuição de negociação coletiva, estabelecida na Proposta de Emenda Constitucional nº 369/2005 (BRASIL, 2005).

Embora ao longo de décadas muito se tenha discutido e pesquisado sobre a im- portância da contribuição sindical para a manutenção da estrutura sindical, as tentativas para extingui-la foram diversas. No caso da maior central do Brasil, a CUT, ela defende que a contribuição compulsória passa a ser negociável e as- sim fortaleceria os sindicatos combativos. E os sindicatos de carimbo não teriam como se manter, pois devido à falta de diálogo com a base tornaria difícil cobrar da categoria este novo tributo (CSP CONLUTAS, 2013).

Tal posição recebe amplo apoio do Ministério Público do Trabalho, porém não tem sido bem aceita pela maioria das centrais, bem como por confederações im- portantes, como a da agricultura, da indústria e a do comércio (OLIVEIRA, 2011). A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (doravante CTB), vin- culada ao Partido Comunista do Brasil, também compõe a base governista e 83% de sua receita provém do imposto sindical, conforme apontam na 3ª resolução, do 1º encontro de gestão financeira, de julho de 2014. Por isso divergem da CUT: “Defendemos a contribuição sindical compulsória, porque para fazer a luta contra o capital os sindicatos precisam ter recursos. Sem os diversos recursos, os sindi- catos não podem organizar as suas lutas” (CENTRAL DE TRABALHADORES E

TRABALHADORAS BRASILEIROS, 2012).

A Força sindical já assume uma posição convergente com a da CUT pois, em seu 7º congresso,o de 2013, considerou o combate à contribuição sindical obri- gatória como prática antissindical, mas, admite que o tributo possa ser substituído pela contribuição negocial:

Tais princípios e propostas são a base da orientação da Força Sindical no debate sobre uma solução legislativa para a questão do financiamento sindical, seja no sentido de se regulamentar a Contribuição Confederativa prevista no Artigo 8º da Constituição Federal, seja na elaboração de uma nova lei de financiamento

sindical que institua a Contribuição Negocial em substituição às atuais Contribui- ções Sindical, Assistencial e Confederativa, caso que exige redobrada atenção a respeito da segurança jurídica, pois a estrutura sindical não pode correr riscos de extinguir as Contribuições atuais e substituí-las por outra que possa ser objeto de veto futuro no Judiciário (FORÇA SINDICAL, 2013, p. 21).

A Nova Central Sindical de Trabalhadores não disponibilizou as reso- luções do 3º congresso em 2013 para acesso público, contudo, em seu estatuto social aprovado em março do mesmo ano ratificou a contribuição social obri- gatória, como um de seus princípios: “V - Custeio universal por contribuição sindical, compulsória e prevista em lei, independentemente da contribuição da categoria, estabelecida em assembleia geral” (NOVA CENTRAL SINDICAL DOS TRABALHADORES, 2014).

A Central dos Sindicatos Brasileiros em sua cartilha ratifica a defesa da dependência do Estado, um exemplo típico da inversão de independência:

Se por um lado, a entidade defende a autonomia dos partidos, isso não se aplica para a autonomia em relação ao Estado, pois, se coloca a disposição da defesa da unicidade e da contribuição: “Por que optar pela CSB? Por seu compromisso com o Brasil e os trabalhadores, sua capacidade de promover e acompanhar os avanços da sociedade; seus princípios nacionalistas; sua firmeza na defesa da unicidade sindical e da contribuição compulsória; (2014, p. 12)”.

A Central Geral dos Trabalhadores doBrasil, com 27 anos de existência, rei- vindica para si o posto de herdeira do extinto Comando Geral dos Trabalhadores. Em seu site, posiciona-se contra a contribuição sindical para os aposentados, mas defende a sua permanência para os ativos, estendida para os sindicatos de funcioná- rios públicos: “De acordo com Bira, foi entregue ao ministro Brizola Neto um do- cumento em que as Centrais defendem que os sindicatos dos servidores públicos têm o direito de receber o imposto sindical e lutar pelos seus direitos”(CENTRAL GERAL DOS TRABALHADORES DO BRASIL, 2014, p. 1).

A União Geral dos Trabalhadores defende a contribuição sindical e mais um tributo, qual seja: a contribuição assistencial obrigatória. Embora seja a central que concentra a maior parte de artigos jornalísticos e jurídicos sobre o tema no site, ela não assume sua posição nem em seu manifesto, nem na carta de princí- pios. Porém, seu presidente declara o posicionamento da central: “O presidente

da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, defendeu uma forte atitude para garantir o custeio do sistema sindical, que sofre com as ações do Mi- nistério Público. O discurso foi feito durante o Seminário Espaço do Trabalho, no Fórum Social Temático, que reuniu representantes de 30 países em Porto Alegre no dia 24 de janeiro” (União Geral Dos Trabalhadores, 2014, p. 1). A UGT dispo- nibilizouem seusiteum artigo sem autoria, cuja tese central é a de que “Eliminar ou diminuir o papel do Estado é diminuir a capacidade de ação dos sindicatos, minando a sua base de recursos essencial (2014, p. 1)”. No artigo, a relação de dependência do sindicato ao Estado é justificada por uma deficiência crônica de capacidade de organização dos trabalhadores brasileiros, o que demandaria uma organização sindical tutelada pelo Estado.

A Central Sindical e Popular Conlutas declara-se contra qualquer tipo de con- tribuição, cuja origem do recurso seja pública ou de empresas:

Em uma audiência pública realizada em Brasília, no dia 25 de fevereiro de 2013 as centrais debateram sobre a taxação do funcionalismo público, onde estavam presentes diversas centrais sindicais, entre elas a Força Sindical, CGT, Nova Central, CSB, CGTB, UGT, CUT e CSP-Conlutas. As centrais presentes, com exceção da CSP-Conlutas, defenderam a manutenção da cobrança aos servido- res públicos (CSP CONLUTAS, 2013).

Conforme analisa o membro da executiva nacional desta central, a contribui- ção sindical leva à adaptação do sindicato ao Estado, bem como à sua inoperância. Em vista disso, resta aos trabalhadores organizarem greves espontâneas sem o apoio do sindicato, a partir de comissões formadas na base:

Temos uma estrutura sindical que afronta a liberdade e a autonomia organi- zativa da classe trabalhadora, com elementos que vão desde as contribuições compulsórias até o poder normativo da justiça do trabalho. A natureza desse arcabouço, outrora tão combatida, tem o objetivo de sustentar e “regular” o sis- tema de exploração de uma classe sobre a outra. Infelizmente, a evolução polí- tica, de grande parte de velhos e novos dirigentes sindicais, os tem colocado na defesa dessas ideias e, como consequência, passam à negação dos conceitos de classe. Essa é a opção ideológica que, na raiz, explica a “paralisia” e o distancia- mento dos ditos “representantes legais” das ações de combate, em detrimento da parceria e da crença de que é possível humanizar o capital (LOPES, 2014).

O dirigente sindical argumenta que tal contribuição colabora para a consolidação de um clima de desconfiança entre os dirigentes sindicais e sua base, na medida em que provoca sua acomodação e colabora para a sus- tentação e a regulação estatal da exploração de uma classe pela outra, além de se inserir,ainda, numa concepção de sindicato conciliador e adaptado ao Estado.Segundo Lopes (2014) isto vai além da discussão jurídica, partindo do ponto de vista político.

Iniciamos o texto com uma indagação de enunciação simples, porém de encaminhamento difícil, como pudemos comprovar por meio da polêmica estabelecida entre as centrais sobre a aceitação integral ou ampliada da con- tribuição sindical obrigatória, a reforma da proposta ou sua negação, qual seja, a inversão de independência contribui ou não para a desmobilização e para o (des)comprometimento para com a luta por melhores salários, mais benefícios e melhores condições de trabalho e proporcionando negociações em condições vantajosas para os empregadores, livres da pressão organizada da base, sem ônus nem para eles, nem para o Estado?

Isto se deve ao fato de algumas das centrais encararem o financiamento público dos sindicatos como quesito básico para a sustentação deles e, consequentemente, para a concretização do direito constitucional de organização em entidades de classe. Quanto à concepção de Estado, tais centrais relacionam-se com o aparelho de Estado como se este fosse uma instituição suprapartidária e supraclassista, capaz de garantir os direitos democráticos da classe trabalhadora.

Houve centrais que reivindicaram a independência da organização sindi- cal como importante e necessária, a qual estaria garantida com a inserção da liberdade de contribuição e usufruto dos resultados das negociações pelos empregados optantes pelo pagamento, remetendo aos indivíduos a decisão de adquirir ou não o benefício das negociações mediante pagamento da con- tribuição espontânea, o que pode ser interpretado como metamorfose de um direito em serviço, o que se coaduna com o modelo de Estado mínimo neoliberal e tem justificado a transformação de direitos sociais como edu- cação, saúde e outros em serviços. A justificativa é a de que a contribui- ção negocial coletiva garantiria que o Estado burguês nãointerferisse nas relações do sindicato com a base. Contudo, somente uma central defendeu que o princípio da independência da organização da classe decorre, necessa- riamente, do financiamento autônomo do sindicato pela categoria, livre de empresários, partidos e governos.

A guisa de conclusão

Ao final, identificamos que a maioria das centrais é favorável ao financiamento público dos sindicatos, seja pela conservação da contribuição obrigatória, seja por sua substituição pela contribuição de negociação coletiva, havendo até mesmo uma central que reivindica outra contribuição obrigatória, a social.

Desde o surgimento do movimento sindical, o Estado burguês jamais permitiu que a classe trabalhadora se organizasse de modo independente, impondo condições para o reconhecimento legal das entidades de classe. Tal Estado apresenta-se como instituição que não favorece nenhuma das classes sociais, como neutro, por isso, pode-se instituir em mediador privilegiado com a função social de arbitrar os in- teresses, embora tenha se apropriado privadamente desses interesses por meio das classes hegemônicas no poder. Nesse sentido, pode-se elaborar a hipótese de que toda vez que o Estado controla a legislação que rege,tanto o financiamento como a gestão das organizações sindicais,tenderá a ingerir no movimento sindical, podendo tornar-se um limite para a autonomia na organização da classe trabalhadora.

Nesse sentido, indagamo-nos se, mesmo que se substitua a contribuição sindi- cal pela negocial, permaneceria o risco da inversão de independência, pois o fato de o sindicalizado ganhar o poder de decidir se contribui ou não e, consequente- mente, se ele se beneficia ou não das negociações, isto não eliminaria a relação de dependência financeira concreta do sindicato para com o Estado, que permanece. Em se tratando de um Estado burguês, que se organiza sob a hegemonia dos blo- cos no poder, representando os seus interesses, a forma de controle exercida pelo Estado tende a coincidir com os interesses da classe hegemônica.

Mediante a PL 369/2005, e a 36/13, com a contribuição negocial, produz-se uma nova possibilidade de ampliação dos lucros, pois, se o empregado não pagar a contribuição negocial, não fará jus à negociação coletiva, de modo que, para estes, ela não será paga pelos patrões. E, todo aquele que quiser usufruir de seu direito de negociação coletiva deverá pagar por ele ao Estado, para que este o trans- fira para o sindicato. Seria a invenção do direito como serviço, uma novíssima mercadoria?Em última análise, o Estado, ao criar um tributo para financiamento dos sindicatos, disputa, com a classe trabalhadora, não só o controle, mas também a concepção de sindicatos, na medida em que eles se distanciam da ideia de orga- nizações amplas, de classe, independes e autodeterminadas, para a luta econômica contra a exploração da força de trabalho (LENIN, 2006).

A contribuição sindical controlada pelo Estado em qualquer nível, seja obri- gatória a todo trabalhador, seja facultativa e condicionada à cada negociação

salarial, pode levar à dessindicalização da luta, na medida em que institui uma cultura em que cada trabalhador empregado passaria a contribuir para sua ma- nutenção sem o compromisso da filiação, permanecendo distante das lutas, ali- jado da prerrogativa de eleger os representantes e de participar ativamente da luta contra a burocratização sindical.

Aose criar uma fonte de financiamento, como a contribuiçao sindical, que não advém da ação política da filiação, os mais importantes estímulos para que o sindicato defenda os interesses de sua base, tais como a relação de confiança, simbolizada pela filiação, bem como a participação da base nas assembleias tor- nam-se prescindíveis. Em não havendo nem uma, nem outra, cria-se um círculo vicioso segundo o qual o sindicato não defende os interesses da maioria, pois o fato de os trabalhadores não serem filiados os distancia, ao mesmo tempo em que essa distância também desestimula as filiações, por parte dos empregados, o que se torna o cerne da inversão de independência: ao invés de o sindicato ser independente do Estado e dependente dos filiados, procede-se justamente de modo inverso: financeiramente e politicamente independente da base e econo- micamente dependente do Estado.

Referências

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Notas

1 Dedicamos este artigo ao sindicalista Dirceu Travesso (In memorian)
2 Professora e doutora. Programa de Pós Graduação em Educação/Depto de Educação UNESP/ Campus Rio Claro. Endereço: Avenida 22 a nº 1037 V. Indaiá Rio Claro/SP. E-mail: aurearc@ rc.unesp.br
3 Historiador Especialista em Antropologia pela Universidade Sagrado Coração - Campus Bau- ru/SP. E-mail: cervatti@bauru.unesp.br Artigo recebido em junho de 2016 e aceito para publicação em agosto de 2016.
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