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Resumo: O artigo tem como objectivo apresentar os resultados da análise das relações laborais em Portugal entre 1930 e 2011 e é o resultado de um esforço colectivo realizado ao longo dos últimos dois anos, no âmbito do projecto sediado no Instituto de História Contem- porânea da Universidade Nova de Lisboa, Relações Laborais em Portugal e no Mundo Lusófono, 1800-2000: continuidades e rupturas. Este projecto foi inspirado e integrado no projecto internacional sediado no Instituto Internacional de História Social (IISH). Utilizando, sobretudo, como fontes demográficas os recenseamentos da população ao longo deste período, apresentamos a evolução das relações laborais entre 1930 e 2011, procurando contribuir para o seu estudo e avançar hipóteses para a compreensão dos factores que, historicamente, contribuíram para a transformação das relações laborais ao longo destas décadas.
Palavras-chave: Trabalho, Relações laborais, Portugal.
Relações laborais em Portugal entre 1930 e 2011
Raquel Varela1 Cátia Teixeira2 Joana Alcântara3 Ana Rajado4
Resumo
O artigo tem como objectivo apresentar os resultados da análise das relações laborais em Portugal entre 1930 e 2011 e é o resultado de um esforço colectivo realizado ao longo dos últimos dois anos, no âmbito do projecto sediado no Instituto de História Contem- porânea da Universidade Nova de Lisboa, Relações Laborais em Portugal e no Mundo Lusófono, 1800-2000: continuidades e rupturas. Este projecto foi inspirado e integrado no projecto internacional sediado no Instituto Internacional de História Social (IISH). Utilizando, sobretudo, como fontes demográficas os recenseamentos da população ao longo deste período, apresentamos a evolução das relações laborais entre 1930 e 2011, procurando contribuir para o seu estudo e avançar hipóteses para a compreensão dos factores que, historicamente, contribuíram para a transformação das relações laborais ao longo destas décadas.
Palavras-chave
Trabalho; Relações laborais; Portugal.
Labor relations in Portugal between 1930 and 2011
Abstract
The article aims to present the test results of labor relations in Portugal between 1930 and 2011 and is the result of a collective effort made over the last two years under the project based on the Contemporary History Institute of the Universidade Nova de Lis- boa, Industrial Relations in Portugal and Lusophone World, 1800-2000: continuities and ruptures.This project was inspired by and integrated into the international project based at the International Institute of Social History (IISH). Using mainly as sources demo- graphic censuses of population over this period, present the evolution of labor relations between 1930 and 2011, seeking to contribute to your study and advance hypotheses for understanding the factors that have historically contributed to the transformation of labor relations along these decades.
Keywords
Labour; Labour relations; Portugal.
Introdução
Este artigo tem como objectivo apresentar os resultados da análise das relações laborais em Portugal entre 1930 e 2011 e é o resultado de um esforço colectivo realizado ao longo dos últimos dois anos, no âmbito do projecto sediado no Insti- tuto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, RelaçõesLaborais em Portugal e no Mundo Lusófono, 1800-2000: continuidades e rupturas5, coordenado por Raquel Varela. Este projecto foi inspirado e integrado no projecto internacional sediado no Instituto Internacional de História Social (IISH), de Amesterdão, Global collaboratory on the history of labour relations, 1500-2000 que “tem por objectivo fazer um inventário global de todos os tipos de relações de trabalho, em todas as suas facetas e combinações” (MATTOS et al, 2014, p. 9.).
Fazendo uso de uma taxonomia laboral6, desenvolvida pelo IISH, e utilizan- do, sobretudo, como fontes demográficas os recenseamentos da população ao longo deste período, apresentamos a evolução das relações laborais entre 1930 e 2011, procurando contribuir para o seu estudo e avançar hipóteses para a compreensão dos factores que, historicamente, contribuíram para a transfor- mação das relações laborais ao longo destas décadas.
Salientamos que a população activa e inactiva é aqui definida de acordo com a sua relação com o mercado de trabalho e a produção de mercadorias ou bens mercantis, para troca. Ou seja, ser inactivo não implica necessariamente ser im- produtivo mas sim, improdutivo do ponto de vista da produção para o mercado. Do mesmo modo, a população activa será constituída por aquela que tem um em- prego remunerado (patrão, trabalhador por conta própria, trabalhador por conta de outrem, etc.) ou está disponível para trabalhar (desempregado).
Através dos cortes cronológicos suscitados pelas próprias fontes que aqui tra- balhámos, o nosso artigo pode dividir-se em três partes, que correspondem a três períodos históricos distintos: o primeiro período que abarca grosso modo o Estado Novo (1930-1960); um segundo período histórico que trata de analisar a fase final do regime ditatorial, a Revolução de 1974 e o período pós-revolucionário (1970-1981); e, finalmente, uma terceira e última parte, entre 1991 e 2011, que corresponde ao período democrático-representativo. Finalmente, um dos resultados finais deste pro- jecto, a taxonomia laboral entre 1930 e 2011, pode ser consultada em anexo.
O Estado Novo
A Ditadura Militar e o Estado Novo têm como pano de fundo e surgem como resposta à crise do sistema liberal do Ocidente (ROSAS, 2012, p. 25). Portugal era então um país “atrasado, dependente e vulnerável” (Idem, p. 26). A massificação política, com novos partidos dirigidos ao operariado, os sindica- tos, as cooperativas e os conflitos sociais que daí emergiam e que se cruzavam com as crises financeiras e com conflitos no seio das classes dominantes, vão operar, nos anos finais da I República, aquilo que alguns autores denominam de «crise de hegemonia»7. A necessidade de disciplinar o operariado e “repor expeditamente as taxas de lucros e acumulação” e a urgência de “operar uma regulação autoritária e super partes na vida económica e financeira” (ROSAS, 2012, p. 26), exigia, para os sectores da classe dominante, uma nova solução política, que nenhuma das partes conseguira até então executar.
Como Tortella Casares (2000) enfatiza, principalmente para o caso espanhol, mas encontrando paralelo em Portugal ou em Itália, o desenvolvimento econó- mico do país, que era caracterizado como lento e incompleto, não permitiu uma introdução completa do liberalismo democrático no país vizinho. O país entraria em crise no final do século XX e início do século XX, acabando por romper-se o “equilíbrio artificial político”, produzindo “tais tensões e insegurança entre as classes média e alta que, no final, estes grupos ofereceram o seu apoio a uma so- lução ditatorial” (CASARES, 2000, p. 447).
Em Portugal, o golpe militar de 28 de Maio de 1926 viria responder a essa crise do sistema liberal. Como Felipe Demier ressalva para o caso brasileiro, e no qual encontramos paralelo no regime português, o aparelho de Estado do novo regime político saído da Ditadura Militar elevar-se-ia “por sobre os grupos confli- tuantes e, apregoando a unidade nacional a que ele próprio afirma encarna”, im- poria “pela força a «paz social» (DEMIER, 2012, p. 18). Esta «crise hegemónica» tornou possível a ascensão e consolidação do regime do Estado Novo.
Num processo de «autonomização relativa» perante a sociedade, o regime deixaria de ser a representação de uma ou mais facções da classe dominante, para se elevar sobre elas, embora com o intuito de salvaguardar a sua continuidade.
Durante este processo, o novo regime lançar-se-ia numa “luta física e ide- ológica pela reintegração e harmonização da sociedade” (DEMIER, 2012, p. 18). Dar-se-à, deste modo, a conciliação e a união das várias facções das clas- ses dominantes, as elites políticas e as forças industriais e agrícolas, um passo importante para um regime que soubesse “durar” (ROSAS, 2012, p. 142). Os
partidos políticos foram ilegalizados8 e punha-se assim de lado o problema partidário que contribuía para que a população desertasse “o altar da Pátria”, ao deixar-se levar pelas “paixões e disputas, com bandeiras e dísticos e insíg- nias” (SALAZAR, 1943, p. 336). Com vista à obtenção da desejada “ordem” e para disciplinar a força de trabalho, o novo regime faz publicar, a 23 de Setembro de 1933, um pacote de medidas no seio da construção da nova ordem corporativa: as greves serão proibidas e os sindicatos de associação livre darão lugar aos Sindicatos Nacionais, onde as reivindicações laborais se encontravam severamente limitadas.
Durante o regime ditatorial há uma serie de alterações que apontam para uma modernização na sociedade, em termos de estrutura populacional e nos aspectos que envolvem os sectores económicos e as relações laborais. Para- lelamente, estruturas de produção arcaicas manter-se-ão. Esta sociedade dual (NUNES, 1964) contribuiu para manter o equilíbrio entre os vários sectores económicos e manter um clima de aparente “paz social”.
Entre 1930 e 1960, o aumento da população situar-se-á nos 30,2%. Em 1960, havia mais 2 063 509 pessoas que em 1930. Entre 1940 e 1950, de acor- do com fontes oficiais, cerca de 133 mil pessoas saíram do país e entre 1950 e 1960, foram cerca de 685 mil pessoas. A maioria dos emigrantes eram homens agricultores, domésticas ou estudantes (ROSAS, 1994, p. 421). A esperança média de vida irá aumentar gradualmente ao longo das décadas9, com o conse- quente declínio da taxa de mortalidade. A taxa de literacia da população por- tuguesa irá igualmente aumentar substancialmente ao longo deste período10. A taxa de urbanização (centros populacionais com 5000 ou mais habitantes) passou dos 51% em 1930 para os 67% em 1960 (ROSAS, 1994, p. 26).
Olhemos agora com mais atenção para a distribuição da população no que respeita as relações laborais estabelecidas entre 1930 e 1960. A composição da população inactiva era sobretudo composta pelas crianças, domésticas e pessoas que viviam de rendimentos. Em relação à população que vive de ren- dimentos, temos um aumento ao longo do regime, o que pode constituir-
-se como a verificação estatística de um processo de acumulação capitalista, cartelização e monopolização em curso, uma das características do período. Outras características do período do Estado Novo é a manutenção de valores altos para o trabalho doméstico (tabela 1 e 2 – “que faz trabalho reprodu- tivo”), outro padrão de uma sociedade dual: por um lado, há desenvolvi- mento económico, com o aumento dos sectores secundário e terciário e o
assalariamento e, por outro lado, a manutenção de um mercado de trabalho ainda marcadamente masculino, apesar de um relativo aumento de mulheres no mercado laboral em 1950. No entanto, valores signicativamente altos do número de mulheres que exerciam tarefas domésticas e com tendência para aumentar – que representará sempre valores superiores aos 20% durante o período –, mostra que a entrada em massa das mulheres no mercado laboral ainda não tinha ocorrido.
Durante o período ditatorial, o desemprego manter-se-á baixo, uma vez que a maioria da população ainda se estruturava substancialmente em torno do sector agrícola, o que fazia com que o desemprego não se tornasse estrutural ou com valores muito altos. Há, todavia, um pico em 1940 (que passa dos 0,56% para 1,68% do total da população). Este pode ser o aspecto visível das dificuldades causadas pelas consequências da Segunda Guerra Mundial.
Os valores respeitantes ao trabalho de semisubsistência manter-se-ão mais ou menos estáveis durante a maior parte do Estado Novo (os valores oscilarão entre os 11,5% e os 9,5%), diminuindo a partir da queda do regime ditatorial. Nesta relação laboral falamos sobretudo de agricultores isolados que subsistiam trabalhando pequenas parcelas de terra por conta-
-própria e não recorriam a mão de obra assalariada, uma vez que a sua exploração era de pequenas dimensões e pouco lucrativa. Assim, as suas explorações agrícolas eram essencialmente baseadas no trabalho familiar (mulheres, crianças, dependentes, etc.). É uma exploração semi-capitalis- ta, onde muito (não tudo) do necessário para a subsistência destas famílias vinha do que produziam e de trocas na comunidade.
No entanto, alguns destes agricultores que não conseguiam retirar o es- sencial da sua sobrevivência das suas explorações agrícolas, o que devia cor- responder à maioria, deviam: a) vender o excesso da sua produção no merca- do; b) recorrer a trocas na comunidade; c) trabalhar sazonalmente, mantendo as suas pequenas explorações, como assalariados para explorações de maior dimensão; d) eram transformados em mão de obra barata para as fábricas, sazonalmente ou em duplas jornadas de trabalho; e) recorriam a créditos e;
f) finalmente, podiam subsistir também com recurso às remessas dos emi- grantes, um membro familiar que tinha saído do país e que contribuía para a manutenção da família que ficou (MEDEIROS, 1978, p. 43). A emigração, fundamental para perceber a manutenção destas estruturas de produção pré-
-capitalista nos campos, era recuperada na forma de remessas e moderou a
proletarização nos campos, contribuindo ainda para evitar a pressão política e a destabilização da “paz social”- proclamada pelo regime -, que este excesso populacional traria como consequência.
Finalmente, a grande transformação do período é o aumento do trabalho assalariado em termos percentuais e nominais e em todos os sectores eco- nómicos (gráfico 1). Durante o regime ditatorial assiste-se ao crescimento da população assalariada, que aumentará dos 20% em 1940 até aos 27% de 1960. Até 1960 assiste-se a um crescimento sustentado, depois desta década o número de assalariados crescerá substancialmente, como podemos verifi- car pelos dados estatísticos em anexo. A despromoção social do patronato agrícola, a migração interna e o desenvolvimento industrial destas décadas (entre 1930 e 1960, a representaçaõ de trabalhadores neste sector aumentará de 14% para 26%), fará que o número de assalariados, principalmente em contexto urbano, cresça consideravelmente.
Apesar da maioria dos estímulos para uma modernização social e industrial terem causas exógenas, o enquadramento por parte de um regime ditatorial nessa transição tornará possível uma modernização mais “ordenada”, numa perspectiva política e económica, e a sua aceleração às custas de uma limitação dos direitos políticos e sociais da população, num período em que já se verifica- va uma significativa taxa de assalariamento na população trabalhadora.
Durante este período, dois tipos de sociedade cruzaram-se e tiveram como consequência, no que respeita às relações laborais, a manutenção dos laços da população a pequenas parcelas de terra, inclusive dos assalariados, e a conser- vação e, por vezes, o reforço das famílias agrícolas em regime de semisubsistên- cia. A preservação de estruturas de produção arcaicas tornou-se essencial para a manutenção de salários baixos nos sectores agrícola mas também industrial, prevenindo ainda a conflitualidade social e minimizando os possíveis danos cau- sados por crises económicas ou desemprego. Conflitualidade social que tam- bém foi inibida pelo processo de disciplina da força de trabalho, pela censura na imprensa, pela acção da polícia política e uma geral inculcação ideológica, posta em marcha a partir da consolidação do Estado Novo.
Este modelo de desenvolvimento foi essencial para a não destabilização da ‘paz social’ e, acima de tudo, não pôs em questão, durante um longo período de tempo, a real manutenção do regime.
Assalariados
Gráfico 1. Assalariamento entre 1930 e 2011 (%)
Da fase final do Estado Novo ao período pós-revolucionário
Portugal chega a 1970 com um novo Governo. Marcello Caetano tinha to- mado posse como presidente do Conselho a 23 de Setembro de 1968. Os anos 60 foram para Portugal anos de grande crescimento económico, com o desen- volvimento a ser financiado maioritariamente pelo Estado em prol dos grandes monopólios de base industrial com o objetivo de acumulação. A agricultura passa a ter em termos absolutos cada vez menor expressão em detrimento da Indús- tria, que representa em 1967-1968, 48,5% do PIB. Esta política tem a sua maior expressão no Plano Intercalar (1965-66) e no III plano de fomento (1967-1973) que reconhece a necessidade de abandonar o modelo de crescimento baseado na substituição de importações, por uma nova orientação baseada nas vantagens comparativas, na concorrência internacional e numa política de promoção das exportações. Estas medidas apoiaram-se em estudos das organizações internacio- nais de que Portugal tinha passado a fazer parte (NEVES, 1994; ROSAS, 1994).
Paralelamente a esta política económica, outro acontecimento influencia decisivamente o contexto político, económico e social à época. Em 1961 tem início a guerra colonial, ou como preferimos, a revolução anticolonial ou lutas de libertação. Primeiro em Angola, depois na Guiné-Bissau e em Moçambique, sem que houvesse alterações significativas com a queda de Salazar: “em 1970, Portugal despendia 45% do orçamento em defesa e segurança. Com uma força militar de 140.000 homens, só Israel e os dois Vietnames o batiam em percen- tagem perante o total da população” (PINTO, 2001, p.30).
Portugal era um anacronismo em 1970: colonialista, a travar uma guerra con- tra os movimentos de libertação africanos, analfabeto e “esvaziado” pela emigra- ção, deserção e mobilização para a guerra.
A década de 1970, especialmente as transformações ocorridas após 1974, marcam uma rutura profunda nas relações laborais e no funcionamento do mer- cado de trabalho português: na sua estrutura empresarial, de qualificações, nas diferenciações salariais, nas formas de emprego, de assalariamento e nas formas de organização e controlo sindical.
Sem um fim à vista, aliás, com uma derrota entre mãos e a deserção massiva, o Movimento dos Capitães põe termo ao Estado Novo e enceta uma revolução política. Para além da guerra, a combinação de alguns fatores, em especial a crise cíclica de 1973, a desorganização e desenquadramento (po- lítico e sindical) do movimento operário em estruturas capazes de dialogar com o Estado e a existência de uma população operária jovem e concentrada (Lisboa, Setúbal e Porto) contribui para a radicalização da revolução, ultra- passando-se a mera deposição de regime político.
O contexto internacional de recessão, provocado pela chamada primeira crise do petróleo em 1973, a maior crise cíclica do pós Segunda Guerra Mun- dial, leva a que a taxa de variação do PIB português passe de 11,2%, em 1973, para 1,1%, em 1974, e -4,3%, em 1975. Não obstante, a crise é determinante para o curso da revolução de 1974-75. A explosão de greves e outras formas de protesto levados a cabo pela classe trabalhadora, em especial pelos traba- lhadores da indústria e da construção e obras públicas – o setor que produz valor diretamente – vai assegurar uma alteração de fundo da estrutura das re- lações sociais e laborais através da garantia do direito ao trabalho. A maioria das reivindicações é por aumentos salariais, salários mínimos, diminuição do leque salarial e abolição dos privilégios na empresa, participação nos lucros da empresa, 13º e 14º mês e, de acordo com os levantamentos já efetuados11, em 40% dos casos, pelo controlo da empresa, colocando em causa os centros de poder e a propriedade privada (VARELA, 2012 e 2014).
A crise económica estará na origem do impulso para a destruição de capitais com um aumento drástico dos despedimentos – a taxa de desemprego duplica entre 1974 e 1975, de 2,1% para 4%. Os trabalhadores respondem com a ocu- pação das fábricas e das empresas (Idem, 2012 e 2014).
A expansão do desemprego é o traço mais característico do metabolismo do mercado de trabalho a partir de 1974, ainda que atenuado no biénio revolucio-
nário pela luta social, face ao contexto de crise internacional e às medidas contra cíclicas aplicadas pelo capital. Por setores, o desemprego no terciário ultrapassa o verificado no setor de atividade secundário uma vez que, não obstante a expansão dos serviços, o terciário tende a absorver menos desemprego que o secundário, já que o primeiro (o terciário) recruta mais entre os inativos (sobretudo mulheres) e o secundário entre os desempregados. Não obstante o aumento de desempre- go absoluto (de 2,67% da população activa, em 1970, para cerca de 6,83% em 1981), o volume de emprego cresce cerca de 671 768 postos de trabalho (cerca de 2,2% ao ano)12, no mesmo período de tempo, e até 1981 há crescimento eco- nómico, embora em desaceleração.
Muito embora o desemprego continue a aumentar devido às medidas contra cíclicas, deve-o também ao retorno dos soldados desmobilizados da guerra, em 1975, e ao regresso dos ex-colonos, a partir do segundo semestre do mesmo ano. No entanto, a revolução permite, contrariamente às medidas recessivas, conquis- tar aumentos salariais (do salário direto e do salário em espécie), a fixação de um salário mínimo, direito a subsídios (de desemprego, férias, Natal, maternidade, etc…), gratuidade da saúde e da educação, direito à reforma e à segurança social, congelamento de preços e fixação de um cabaz de compras. Passa-se de 607 mil pensionistas do regime geral e da Caixa Geral de Aposentações, em 1973, para 943 mil, em 1975 (VARELA, 2014). Há uma significativa redução das taxas de atividade dos adultos com 54 ou mais anos de idade e o aumento de reformados e aposentados de 3,13%, em 1970, para 19,38% do total da população inactiva, em 1981 (o que traduz a universalização do sistema de segurança social). A re- dução dos ativos com 10 a 19 anos de idade, de ambos os sexos, e o aumento dos estudantes (mais 115 366 de recenseados nesta categoria, em 1981) reflete outro lado do Estado Social, a evolução da extensão da cobertura escolar. Em 1971, 25,92% da população residente em Portugal – senão mais, tendo em conta a re- alidade da dupla jornada feminina e este número diz respeito somente às recen- seadas “domésticas” – estava provavelmente inserida num tipo de relação laboral deste tipo, fazendo trabalho reprodutivo para o núcleo doméstico. Em 1981, esta população (na sua grande maioria feminina, embora neste recenseamento alguns homens sejam contabilizados nesta categoria) dimnui para os 14,11% do total da população residente. Em 1981 existiam mais 541 407 mulheres no mercado de trabalho. A diminuição de recenseadas “domésticas” reflete entrada de uma grande parte de mulheres desta categoria no mercado de trabalho mas também a passagem de mulheres à reforma, cuja universalização foi conquistada no proces-
so revolucionário de 1974-75 – i.e., em 1970 existiam 52 345 mulheres pensio-
nistas/reformadas, em 1981 cerca de 515 345.
Paralelamente, massas de capital são alocadas aos salários de outras formas como as nacionalizações de indeminizações e a intervenção do Estado nas em- presas descapitalizadas (mais de 300 ao todo).
Assiste-se, assim, na década de 1970, e especialmente com a revolução de 1974-75, a duas tendências aparentemente contraditórias: o aumento do de- semprego e a consagração do direito ao trabalho, inscrito no texto Constitu- cional, aprovado em 1976.
Os assalariados para o mercado constituíam, em 1970, cerca de 14,51% do total as relações laborais, subindo para 14,70%, em 1981. Os assalariados para forra da esfera do mercado (Para o Estado, ONG’s, Igreja e Forças Armadas, sen- do que o Estado e Mercado não são esferas independentes), representavam em 1971 apenas 12,78% do total da população. Em 1981, cresciam para os 15,36%, tendo as nacionalizações do período revolucionário e a extensão dos Serviços do Estado, consequência da urbanização, os fatores principais para este valor. Neste ano, os efetivos do setor nacionalizado correspondem a cerca de 13% do total de efetivos por conta de outrem em empresas, valor que sobe para cerca de 95% no ramo de atividade da eletricidade, gás e águas; 69% nos transportes e comuni- cações e 57% nos bancos e seguros. Em 1982, o chamado Setor Empresarial do Estado excedia os 20% do total global da economia nacional, acima dos outros membros da OCDE (RODRIGUES, 1985).
Gráfico 2. Evolução da População Ativa e Inativa 1930-2011
Dos anos 80 até à actualidade
Com a revolução de Abril de 1974 a relação da demografia com a estrutu- ral laboral começou a alterar-se. Uma das maiores expressões disso está nos números observados no censo de 1980, com destaque para: a população de domésticos que cresceu significativamente a partir dos anos 30; o surgimento do desemprego, com valores muito superiores. Todas as tendências observadas após a revolução são aprofundadas nas décadas seguintes.
A população inactiva é a primeira a sofrer uma transformação interna: o peso específico dos «demasiados velhos para trabalhar», e que devido ao sistema de Segurança Social são maioritariamente reformados e pensionistas, amplia-se em relação aos «demasiados novos para trabalhar». Por outro lado, o aumento da população de estudantes reforça o número de inactivos, ainda que com idade para o trabalho. É importante notar que a partir do censo de 1991 não é feita qualquer referência aos rendeiros, o que não significa que deixem de existir, ou mesmo que o seu número tenha decaído para valores insignificantes. Apenas verificamos que os censos posteriores a esta data não quantificam este sector da população. Desde então, esses rendeiros aparecem “escondidos”, de acordo com a profissão declarada, mesmo que seja apenas um hobbi, no que se refere ao rendimento. No conjunto, a população inactiva encontrou o seu mínimo nas duas últimas décadas, se excluirmos a década de 20, expressa no censo de 1930. No entanto, é fundamental esclarecer que se desconhecia as relações laborais de 5,12% da população. A população activa, por outro lado, encontra a sua maior expressão precisamente nas duas últi- mas décadas. É também nestas duas décadas que a população desempregada ganha maior peso entre a população activa. Em todo caso, sendo verdade que o seu valor médio para longas datas tem crescido fortemente entre a década de 70 e a actualidade, não deixa de ser verdade que ainda assim é um número dependente dos movimentos cíclicos da economia. É interessante notar que essa população activa ganhou uma significativa entrada de efectivos vindos do sector dos domésticos, ou seja, população feminina. Essa que terá chegado aos 27% no censo de 1960, e a quase 26% no censo de 1970, recuará para quase 4% no censo de 2011. Trata-se, no entanto, de mão de obra mais bem formada que a sua antecessora. Daqui resulta uma mudança importante no mercado de trabalho: a característica masculina da força de trabalho no Esta- do Novo altera-se para um perfil transversal aos géneros.
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Notas