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O mercado de trabalho nos Serviços Sociais
Angela Maria Carvalho Borges
Angela Maria Carvalho Borges
O mercado de trabalho nos Serviços Sociais
O Social em Questão, vol. 18, núm. 34, pp. 87-106, 2015
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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Resumo: O trabalho analisa as mudanças ocorridas no espaço do mercado de trabalho formado pelos Serviços Sociais – saúde, educação e assistência –, o qual responde por parcela expressiva da ocupação e do emprego no país. São abordadas dimensões como o perfil dos trabalhadores, as formas de inserção, as características do emprego e dos vínculos, observando a segmentação entre o setor privado e o setor público (nos níveis federal, estadual e municipal). A análise cobre o período 2003-2013, marcado pela expansão dos Serviços Sociais, tem como referência espacial o agregado do Brasil urbano e está baseada em indicadores construídos com microdados da PNAD.

Palavras-chave:Mercado de trabalhoMercado de trabalho,Serviços sociaisServiços sociais,Relações de trabalhoRelações de trabalho.

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Artigos

O mercado de trabalho nos Serviços Sociais

Angela Maria Carvalho Borges
UFBA, Brasil
O Social em Questão, vol. 18, núm. 34, pp. 87-106, 2015
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

O mercado de trabalho nos Serviços Sociais1

Angela Maria Carvalho Borges2

Resumo

O trabalho analisa as mudanças ocorridas no espaço do mercado de trabalho formado pelos Serviços Sociais – saúde, educação e assistência –, o qual responde por parcela expressiva da ocupação e do emprego no país. São abordadas dimensões como o perfil dos trabalhadores, as formas de inserção, as características do emprego e dos vínculos, observando a segmentação entre o setor privado e o setor público (nos níveis federal, estadual e municipal). A análise cobre o período 2003-2013, marcado pela expansão dos Serviços Sociais, tem como referência espacial o agregado do Brasil urbano e está baseada em indicadores construídos com microdados da PNAD.

Palavras Chave

Mercado de trabalho; Serviços sociais; Relações de trabalho.

Labor market at social services

Abstract

This paper analyses the changes occurred in the labor market space formed by Social Ser- vices – health, education and care, which answers for a meaningful part of occupation and employment in the country. Dimensions such as workers’ profile, forms of insertion, em- ployment and labor characteristics and their relationships, as well as the key occupations are approached, keeping in mind the segmentation between the private and public sectors (at the federal, state and local levels).The analysis covers the 2003-2013 period, stressed by Social Services expansion, with special reference to Urban Brazil aggregate, based on indicators developed with PNAD microdata (National Household Sample Survey).

Keywords

Labor market; Social services; Labor relationships.

O trabalho pretende contribuir para o conhecimento do espaço do mercado de trabalho formado pelos Serviços Sociais (Educação, Saúde e Assistência), o qual responde por parcela expressiva da ocupação e do emprego – especialmente aqueles que exigem níveis de qualificação mais elevados – e para a análise de uma dimensão-chave das políticas sociais, a dos recursos humanos. São analisadas as formas de inserção, a segmentação entre o setor privado e o setor público (nos níveis federal, estadual e municipal), os níveis médios de remuneração e os pro- cessos de flexibilização e de precarização das relações de trabalho e dos postos de trabalho neste espaço. Foram utilizados os microdados da PNAD e tomado como referência espacial o agregado do Brasil urbano, no período 2003 -2013.

A consideração deste objeto de estudo decorre não apenas da importância estratégica dos Serviços Sociais na determinação da qualidade de vida da popula- ção, mas também da sua capacidade de geração de postos de trabalho mais quali- ficados e pelas consequências socialmente negativas advindas da sua subordinação aos imperativos da produtividade e do lucro. Tais consequências, que no Brasil se manifestam na baixa qualidade da maior parte dos serviços prestados nas áreas da saúde e da educação, colocaram no centro da discussão sobre as políticas sociais a questão dos recursos humanos, reconhecida como dimensão estratégica dessas políticas, porém fortemente afetada pelos processos que integram a reestrutu- ração produtiva do final do século XX: introdução de inovações tecnológicas, privatizações, terceirizações, desregulamentações, gestão dos serviços centrada na redução de custos e municipalização da oferta de serviços, sem os recursos financeiros, gerenciais e humanos adequados.

Algumas referências sobre o trabalho nos serviços

O estudo da ocupação e do emprego nos serviços sociais partiu de dois de- bates. O primeiro discute as especificidades dos serviços, vis-à-vis as atividades produtoras de bens, contempla a própria definição da categoria serviços, discute aspectos como os determinantes da expansão da ocupação nestas atividades, as características dos trabalhadores nelas envolvidos, as formas de organização do trabalho que elas assumem e a questão das implicações da racionalização dos pro- cessos produtivos com vistas ao aumento da produtividade. O segundo debate remete ao caráter do Estado capitalista e à sua reforma no contexto da reestrutu- ração neoliberal a qual, no Brasil, se concretizou na década de 90.

Diversos autores (OFFE, 1989; BERGER e OFFE, 1991, KON, 1999) ressal- tam a predominância, na literatura, da definição dos serviços sempre em contra-

posição com as atividades produtoras de bens, particularmente a indústria, tanto para classificar nesta rubrica tudo o que não é produção industrial ou agrícola como para caracterizá-los pela negativa, isto é, são atividades que não apresentam características presentes na produção de bens.

Neste trabalho é reconhecido o valor heurístico da definição de Berger e Offe, que toma os serviços como atividades indispensáveis à reprodução social, “abran- gendo a totalidade daquelas funções [...] voltadas para a reprodução das estruturas formais, das formas de circulação e das condições culturais paramétricas, dentro das quais se realiza a reprodução material da sociedade” (BERGER e OFFE, 1991, p.15). Os serviços teriam assim um caráter preventivo, acautelatório frente aos riscos que podem afetar a produção de bens e a ordem social como um todo, mas abrindo espaço para inovações e mudanças.

Essa definição de Berger e Offe se aproxima da leitura de Marx, que a con- sidera expansão dos serviços em duas dimensões: como resultante da anarquia capitalista, que acirra o conflito entre o capital e o trabalho exigindo a expansão das atividades necessárias à reprodução da força de trabalho e, também, como consequência da automatização, que leva à redução do número de trabalhadores na produção de bens e amplia os contingentes envolvidos nas funções de vigiar e controlar os processos produtivos e os próprios trabalhadores. São, portanto, ativi- dades essenciais à continuidade do processo de acumulação e da reprodução social. Mais recentemente, as transformações sofridas pelo capitalismo na segunda metade do século XX não apenas ampliaram a importância dos serviços como ati- vidades diretamente integradas aos processos produtivos – e como tal significati- vamente ampliadas no bojo da revolução tecnológica baseada na microeletrônica e da mundialização do capital -, como levaram a atividades até então organizados fora do mercado em espaços apropriados pelo capital para assegurar a continui-

dade do processo de acumulação.

A expansão do emprego nos serviços é, portanto, uma tendência natural do desenvolvimento capitalista e da crescente complexidade das sociedades con- temporâneas. Berger e Offe (1991), Kon (1999) e Singer (1977) observam que as atividades de serviços apresentam formas variadas de organização do traba- lho sendo as mais relevantes, nas sociedades industriais, aquelas orientadas pela lógica do lucro (serviços privados) e as que assumem a forma de serviços públi- cos, os quais seriam analisados por critérios sociais e não econômicos. Neles, é a variável política (mais que os custos) que determina o volume de emprego e a remuneração dos trabalhadores3.

No caso particular dos serviços sociais, acrescentam-se ainda, como formas de organização do trabalho, a produção doméstica, isto é, os serviços indispen- sáveis à reprodução da força de trabalho que ficam a cargo das famílias (Singer 1977; 1979 , Hirata e Guimarães, 2012) e, a partir da reestruturação capitalista do final do século XX, também as atividades do chamado terceiro setor, cujas instituições são consideradas públicas mas não estatais e que, embora não sejam orientadas para o mercado, nem operem com vistas ao lucro, mais do que os serviços públicos incorporam os custos como critério para balizamento da pro- dução e oferta de serviços.

Dedecca et al (2005), analisando a ocupação nos serviços de saúde, chamam a atenção ainda para a particularidade da força de trabalho nesses serviços: eles incorporam contingentes expressivos de trabalhadores qualificados, muitos dos quais têm o exercício profissional regulamentado, pelos elevados riscos implica- dos nas atividades que realizam.

Ainda sobre as características dos trabalhadores dos serviços, Berger e Offe (1991a) ressaltam a sua heterogeneidade, uma vez que nessas atividades são encon- tradas ocupações que não exigem qualificações específicas e aquelas que exigem tais qualificações e certificação pelo Estado; destacam também as marcantes desigualdades no poder de barganha entre esses trabalhadores estratégicos e os secundários na ne- gociação das condições de trabalho, salários, benefícios e possibilidades de carreira.

Outro aspecto trabalhado por diversos autores, como Kon, (1999); Segnini, (1996) mas, especialmente, por Berger e Offe (1991a; 1991b), são as barreiras à elevação da produtividade nos serviços, as quais se originam das dificuldades que o caráter acautelatório e preventivo dessas atividades coloca à sua racionalização. Isto é, dada a imprevisibilidade dos riscos que devem prevenir ou reduzir (BER- GER e OFFE, 1991a) e a dificuldade de substituição do trabalho humano por inovações tecnológicas presente em muitos serviços eles tendem, para serem efi- cazes e atingirem os objetivos visados, a operar com sobrecapacidade de recursos, como equipes superdimensionadas e reservas de tempo (tempo ocioso e pronti- dão). Ademais, este superdimensionamento não é necessário apenas na dimensão quantitativa – número de trabalhadores – mas também em termos qualitativos, sendo necessárias reservas de capacidade de vários tipos: reservas de qualificação que possam ser mobilizadas quando necessário e a superprodução contínua de informações cuja utilização pode ocorrer ou não (Idem, 1991b).

Finalmente, no debate sobre os serviços, importa examinar as alternativas uti- lizadas pelos empregadores para fazer frente à menor produtividade e aos déficits

de racionalização de tais atividades, aspecto fundamental para a compreensão dos processos em curso no Brasil a partir dos anos 90, os quais repercutem direta- mente sobre a magnitude e as características da ocupação e do emprego. Tanto Berger e Offe, quanto Kon, Segnini e Singer, nos dois trabalhos citados, destacam a contínua busca de substituição dos serviços por inovações tecnológicas, a exem- plo do desenvolvimento de produtos que viabilizam a satisfação das necessidades com a aquisição de bens (caso dos medicamentos) e do autosserviço.

No entanto, outra estratégia aparece como ainda mais importante para a dis- cussão aqui proposta: a mudança na forma de organização do trabalho, que pode assumir a forma de externalização, isto é, a transferência de alguns serviços para outras esferas; a estatização de serviços ou das partes deles que oferecem maiores dificuldades de racionalização (caso típico do pronto-socorro); transferência para a esfera doméstica (exemplo do home care e das políticas de transferências de renda para pessoas incapacitadas e dependentes ou para suas famílias, dispensan- do a assistência institucionalizada) ou de mudanças nos padrões de contratação dos trabalhadores – transformação de assalariados em prestadores de serviços, contratação de cooperativas de trabalho, etc. E ainda, a combinação de várias das alternativas acima citadas, como a adoção de nova divisão do trabalho com o uso de novas tecnologias com vistas a alterar o perfil dos trabalhadores necessários, reduzindo a quantidade daqueles com elevada qualificação e custo mais elevado e ampliando os contingentes de trabalhadores semiqualificados, em operações rotinizadas e esvaziadas da complexidade e autonomia anteriormente exigidas para as mesmas tarefas. Exemplos dessa reestruturação dos serviços é o ensino à distância e os serviços jurídicos.

Outro debate fundamental para a discussão dos serviços remete ao papel do Estado na produção de bens de consumo coletivo, em especial na oferta dos ser- viços de educação, saúde e assistência, indispensáveis à reprodução da força de trabalho. As mudanças nesse âmbito foram concretizadas na reforma do Estado de corte neoliberal, cujos princípios e diretrizes básicas foram estabelecidos pelo Banco Mundial (1997 e 2002); KRAYCHETE (2007).

Cabe, em especial, discutir a crescente transformação dessas atividades em espaços de valorização do capital (HARVEY, 2011), aglutinando interesses de peso com vistas a um redesenho das funções do Estado que resulte em privatiza- ção dos serviços de educação e de saúde, sob várias formas: estímulo à compra do serviço no mercado, sub dimensionamento, deterioração e focalização da oferta pública; desativação ou não expansão dos serviços ofertados diretamente pelo

estado, que passa a contratar empresas ou organizações sem fins lucrativos para executá-los; e, também, a concessão para exploração de serviços com utilização da infraestrutura e equipamentos estatais, além de outras formas de terceiriza- ção. A importância do processo de terceirização na reestruturação dos serviços sociais e no processo de precarização do trabalho (DRUCK, FRANCO, 2009) nesses espaços, aponta para a necessidade de estudos qualitativos capazes de dar conta do fenômeno e das suas repercussões sobre os trabalhadores do setor.

A privatização dos serviços sociais e sua organização e gestão orientadas para o lucro colocam em tela a questão da sua eficácia, pois tais serviços, públicos ou privados, devem cuidar da produção contínua das condições exigidas para que os membros da sociedade possam atuar como se espera. Garantir, por exemplo, que os trabalhadores tenham as condições de saúde e a qualificação necessárias à continuidade dos processos produtivos, de modo a evitar aumento de custos e a queda da produtividade (BERGER; OFFE, 1991). Se, mesmo nos serviços voltados para a produção, o seu caráter acautelatório coloca obstáculos à sua or- ganização e gestão dentro dos padrões próprios da indústria – focado na redução dos custos e nos ganhos de produtividade por restringir as margens de segurança na prevenção dos riscos (FRANCO et al , 1994), nos serviços de educação e de saúde a adoção deste princípio resulta quase sempre na perda de qualidade dos mesmos e, consequentemente, no rebaixamento dos níveis de atendimento das necessidades que deveriam suprir. Efeito semelhante resulta da adoção de uma perspectiva mais produtivista/gerencialista, oriunda do setor privado, pela ges- tão dos serviços públicos e pelo setor não lucrativo, a partir da reforma do Estado que integra a reestruturação do capital.

Em síntese, para compreender a ocupação e o emprego nos serviços sociais hoje é indispensável considerar as repercussões das transformações no caráter do Estado e na gestão das políticas sociais sobre os trabalhadores, suas condições de trabalho e retribuições, pois esses são aspectos fundamentais na determinação da eficácia desses serviços.

Rápida Contextualização

No Brasil, desde os anos 80, com o colapso do regime autoritário e o fortale- cimento dos movimentos sociais, iniciou-se a ampliação da oferta de Serviços So- ciais públicos, em especial na área da Educação, tendência que foi se consolidando a partir da Constituição de 1988 – que colocou o acesso a estes serviços como direitos dos cidadãos e a sua garantia como dever do Estado. A partir dos anos

90, com a retomada do jogo democrático, a demanda pela ampliação e melhoria dos serviços de Educação, Saúde e Assistência coincidiu com a adoção, no Brasil, do ideário neoliberal já hegemônico no plano mundial, o qual comandou a rees- truturação da economia brasileira, com impactos devastadores sobre o mercado de trabalho, sobre os trabalhadores e suas organizações. O paradigma neoliberal também passou a pautar a atuação do Estado brasileiro em todas as áreas, inclusi- ve nestes serviços centrais à reprodução social.

Deste modo, contrariando as expectativas geradas durante a Constituinte de 1988, a ampliação da oferta desses serviços foi sendo em grande parte transferida para o mercado, como no caso emblemático da Educação Superior, cuja amplia- ção, até os anos 90, ocorreu apenas nas IES privadas (SAMPAIO, 2014), benefi- ciadas por mudanças na legislação que permitiram, inclusive, a entrada de capitais estrangeiros no setor e, também, nos serviços de saúde, pois a implantação do SUS foi sendo desvirtuada pela ampla subcontratação da prestação dos serviços.

Em ambos os casos, a expansão dos serviços prestados diretamente pelo Esta- do foi sendo restringida e mesmo inviabilizada pelo sucateamento da infraestru- tura pré-existente e pela não ampliação da capacidade instalada.

Também no que se refere aos recursos humanos envolvidos nas políticas so- ciais públicas, eles foram fortemente afetados pela reforma do Estado, que seguiu de perto as orientações de organismos internacionais como o Banco Mundial. Assim, além das privatizações, a reforma administrativa (CHEIBUB, 2000) ex- tinguiu inúmeros postos de trabalho e incluiu um ataque ao funcionalismo públi- co, duramente atingido pela extinção de órgãos, pelo congelamento dos salários, pelos planos de demissão “voluntária” e pelas mudanças nas regras da Previdência, as quais forçaram a aposentadoria precoce de largos contingentes de profissio- nais, inclusive professores, que , quando substituídos, o foram por trabalhadores com contratos temporários e precários, como foi vivenciado pelas universidades federais. Além disso, ainda nos anos 90, a prioridade atribuída pela nova gestão macroeconômica ao pagamento dos encargos da dívida pública, impôs ao Estado brasileiro – nos três níveis de governo – e de forma permanente, um ajuste fiscal centrado nos gastos com pessoal e com a Previdência. Este ajuste levou a mais en- xugamentos, à contenção dos salários e à flexibilização das formas de contratação de pessoal, tanto através de formas atípicas de contrato, quanto da terceirização pura e simples dos serviços prestados à população, com forte participação de ONGs e OSCIPs (PINTO, 2004). A Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, ao estabelecer limites rígidos para gastos com pessoal, constituiu-se em um dos

principais instrumentos de garantia deste ajuste permanente centrado na folha de pagamento, em especial nas esferas municipal e estadual, que assumiram a execu- ção da maior parte das políticas sociais após a Constituição de 1988 (BORGES, 2004; 2012; KERCHES e PERES, 2010).

Nos anos 2000, apesar da manutenção dos marcos gerais da política macro- econômica que comandou a reestruturação dos anos 90, a conjuntura mundial mais favorável e a formação de uma nova maioria política que incorporou parte das demandas dos segmentos mais pauperizados da população brasileira –mas sem se contrapor aos interesses hegemônicos – resultaram na melhoria do qua- dro econômico e social.

Assim, na segunda metade da década, ocorreu uma recuperação da economia, alterando significativamente os indicadores de desempenho do mercado de traba- lho, com a expansão da ocupação e dos empregos com proteção social e redução significativa do desemprego que, não obstante, se manteve ainda extremamente elevado para alguns segmentos e cada vez mais atinge a parcela mais escolarizada da população. Além disso, a política de recomposição do poder de compra do salário mínimo (63% em termos reais entre 2003 e 2013) beneficiou os numero- sos segmentos mais mal remunerados dos ocupados e os que recebem benefícios vinculados ao salário mínimo ou próximos a ele.

Como observado, a reestruturação produtiva e a reforma do Estado impacta- ram sobre os Serviços Sociais. Nos anos 2000, a expansão do setor privado nestas atividades continuou avassaladora, sempre acompanhada pela pressão por redução de custos e ganhos de produtividade, retirada das regulações públicas e reestrutu- ração dos processos de trabalho em benefício do mercado, reconfigurando a oferta desses serviços, em alguns casos radicalmente, a exemplo do ensino superior.

No setor público, embora o enxugamento do quadro tenha sido interrompido

– ao menos no nível federal, com a abertura de concursos públicos para recom- posição e ampliação do quadro de funcionários, especialmente nas carreiras típi- cas de Estado do executivo e do judiciário e também nas universidades –, algumas tendências dos anos 90 se mantiveram e até se aprofundaram. Nesse sentido, no âmbito das políticas sociais, a terceirização dos serviços consolidou-se como uma estratégia importante de gestão nos três níveis de governo, assumindo várias formas: a transferência de instalações, equipamentos e atribuições para entidades privadas, a compra direta de serviços no mercado e a contratação de ONGs para execução de projetos sociais. Agregue-se a estes mecanismos o recurso a formas precárias e flexíveis de contratação de pessoal no âmbito dos governos.

Neste período, ocorreu uma expansão significativa das políticas sociais mais tradicionais, de caráter universal, da política de saúde, especialmente na atenção básica, envolvendo sobretudo as esferas estadual e municipal na oferta dos servi- ços. Observou-se, também, a privatização de grande parte da expansão da oferta de serviços de educação superior, através do financiamento público a IES priva- das (renúncia fiscal, PROUNI) ou da concessão de financiamento educacional diretamente aos estudantes (FIES). Simultaneamente, ocorreu a emergência (ou aprofundamento) de novos tipos de política (DRUCK e FILGUEIRAS, 2007), focalizadas e minimalistas, dentre as quais se destacam os programas de trans- ferência de renda, um tipo de política social que simplifica a prestação do ser- viço demandando um contingente menor de trabalhadores para a sua execução, comparativamente a outros tipos de política, na medida em que transfere para os usuários a escolha da melhor forma de aplicação dos recursos.

Finalmente, nos anos 2000, o processo de descentralização (municipalização) da execução de políticas sociais previsto na constituição de 1988 foi aprofundado, o que vem alterando significativamente a distribuição da ocupação e do emprego nos serviços sociais entre os níveis de governo e, também, no território.

Antes de entrar na análise dos indicadores sobre ocupação e emprego nos Serviços Sociais, destaca-se outra mudança, iniciada nos anos 80, mas acentuada no contexto da reestruturação neoliberal e com forte impacto sobre as con- dições de contratação dos segmentos mais qualificados dos trabalhadores nos Serviços Sociais, ou seja, a produção em massa de titulados no ensino superior em quase todas as profissões regulamentadas, inclusive naquelas profissões cen- trais nos Serviços Sociais.

Os indicadores sobre a expansão de quase todos os tipos de curso na rede privada são impressionantes, e, apesar de viabilizar a rápida ampliação do acesso ao ensino superior que passou a incorporar parcelas significativas de estudantes mais pobres, também trouxe efeitos bastante negativos: a baixa qualidade da maioria dos cursos oferecidos na rede privada – financiados com recursos públi- cos – que não asseguram a grande parte dos diplomados as condições mínimas de inserção no mercado de trabalho na área de titulação e a rápida formação de um excedente de trabalhadores qualificados, o que possibilitou o rebaixamento dos salários e benefícios e a generalização de formas precárias de contratação desses profissionais. Este fenômeno não ocorre apenas no Brasil – é fortíssimo nos EUA, modelo para a expansão do ensino superior no Brasil – e está associado ao avanço do capital sobre esta atividade, transformada em espaço de acumulação.

A partir dos anos 90, observa-se também a expansão significativa da pós-

-graduação, ampliando a oferta de mestres e doutores para a expansão das redes privada e pública de ensino universitário e permitindo a subordinação dos traba- lhadores com formação mais elevada aos padrões rebaixados de contratação e de remuneração até então reservados aos menos qualificados (LIMA, 2014).

Panorama da ocupação e do emprego nos Serviços Sociais no Brasil urbano (2003 – 2013)

Um primeiro ponto a destacar refere-se à importância quantitativa da ocu- pação nos serviços de Educação, de Saúde e de Assistência. Segundo os dados da PNAD, os ocupados nessas atividades representavam, no início do período, 10,3% dos ocupados no Brasil urbano, aumentando esta participação para 11,3% em 2013 e ocupando a terceira posição, em termos de geração de postos de trabalho, no ranking dos setores de atividade. Em 2013, sua participação era inferior apenas a dos ocupados no Comércio (20% em 2013) e na Indústria de Transformação (13,7% neste mesmo ano). Nas próximas décadas, esse espaço do mercado de trabalho tende a se ampliar com o envelhecimento da população, que gera crescente demanda por serviços de saúde, com a tendência à universalização do ensino médio, com a continuidade da ampliação dos contingentes que aces- sam o ensino superior e com a pressão pela expansão e melhoria das políticas de assistência e de combate à pobreza.

Como observado, os Serviços Sociais revestem-se também de relevância do ponto de vista qualitativo, por envolver atividades essenciais à esfera da reprodução social e cuja efetividade é determinante para a qualidade de vida da população, o que põe em destaque a importância da dimensão dos recursos humanos nessas atividades.

Estas atividades estão organizadas de vários modos, tanto como serviço pú- blico, ou por lógicas mercantis ou pelo setor não lucrativo e que se articulam com a esfera doméstica, da família, a qual assume parte expressiva dos encargos do cuidado e vem tendo o seu papel ampliado em consequência da reestruturação produtiva, da reforma do Estado e da introdução de novos tipos de políticas (HI- RATA e GUIMARÃES, 2012). É relevante, por isso, observar a forma de organi- zação das atividades – se no setor público ou no privado e como se distribuem a ocupação e o emprego entre esses espaços do mercado de trabalho.

Segundo os dados da PNAD, entre 2003 e 2013, apesar da continuidade dos processos de privatização e de terceirização de parte dos Serviços Sociais nes- te período, registrou-se um aumento de 59,4% para 60,2% do peso do setor

público na ocupação total desses Serviços. Essa sustentação do peso relativo do setor público como empregador nesse espaço do mercado de trabalho resulta de vários fatores. Primeiro, ela sugere que a expansão das políticas púbicas de Saúde, Educação e Assistência ocorrida nesse período foi tão significativa que contribuiu para compensar as perdas decorrentes dos processos de privatização e de tercei- rização; segundo , deve ser explorada também a hipótese de maior racionalização nos serviços organizados no setor privado, resultando em economia de pessoal com redução da sua participação na ocupação total do setor.

Finalmente, não pode ser esquecida a invisibilidade – para os sistemas de esta- tística (tanto pesquisas domiciliares, quanto registros administrativos) – de parte dos trabalhadores envolvidos nestas atividades – no setor privado e no setor pú- blico – como consequência da terceirização. Em outras palavras, a subcontratação de parte dos serviços ou do fornecimento de pessoal frequentemente levam à classificação dos trabalhadores neles envolvidos em outros setores de atividade, sendo o mais comum os chamados Serviços Auxiliares da Atividade Econômica, o locus principal das terceiras, onde estão classificadas as empresas de Intermedia- ção de mão de obra e as de limpeza e conservação – dificultando a percepção dos fenômenos nos dados do mercado de trabalho. Como exemplo, o resultado de um estudo sobre os CRAS/SUAS em Salvador – realizado no âmbito do projeto de pesquisa que originou este artigo – revelou que quase todos os trabalhadores destes Centros foram subcontratados por uma empresa terceira, registrada no setor de Conservação e Limpeza, cujo sindicato representava as assistentes sociais responsáveis pelo SUAS na capital baiana (CARMO, 2013).

Os dados da PNAD, classificados por esfera de governo, apontam para a ampliação do emprego na esfera Federal – geralmente os melhores empregos, com acesso por concurso público – mas com peso pouco expressivo no conjun- to (apenas 8,4% do emprego público, em 2013) e para a redução de 45% para 37% da participação da esfera Estadual, como efeito do processo de descen- tralização/municipalização da execução das políticas sociais. Deste modo, em 2013, 54,6% do emprego público estava na esfera Municipal, o qual aumentou em 73% o seu estoque entre 2003 e 2013 (representava 47,4% do emprego público em 2003). Como sabido, especialmente no Nordeste, os municípios em sua maioria não tem arrecadação própria e dependem de transferências federais para a execução das políticas e estão, como os demais entes federados, sujeitos aos constrangimentos da Lei de Responsabilidade Fiscal que, ao limitar o percentual do orçamento que pode ser comprometido com gastos de pessoal,

tem efeitos perversos sobre a política de recursos humanos (baixos salários e precarização dos vínculos para a maioria e recurso frequente à terceirização, com efeito deletério sobre a qualidade dos serviços).

No setor público, a Educação responde pelo maior número de emprega- dos, embora tenha reduzido de 72,8% para 66,4% a sua participação neste agregado, no período considerado; os empregados nos Serviços de Saúde au- mentaram sua participação sobre o total de empregados de 23% para 31% e, finalmente, os Serviços de Assistência4, com pequeno número de empregados, reduziu de 4% para 2% seu peso no emprego público nestas atividades. Esta redução, contraditória com a expansão das políticas de assistência no período analisado, deve ser explicada pelos fatores já referidos: o caráter das políticas de transferência de renda, que permitem uso da tecnologia da informação para reduzir a necessidade de pessoal nas atividades de registro e controle, além de não demandarem a presença contínua de profissionais junto aos usuários dos serviços; a terceirização que, juntamente com a flexibilização e a precarização das formas de contratação, acabam por invisibilizar – para a fonte de dados aqui utilizada – parte dos trabalhadores nesta atividade, classificando-os em outro setor ou transferindo-os para a esfera privada – como é o caso dos empregados das ONGs contratadas pelos governos. O fato de não se ter registrado um au- mento muito significativo no número de empregados nos serviços de assistên- cia privados sugere que podem estar ocorrendo a precarização e o ocultamento dos vínculos neste espaço do mercado de trabalho.

A distribuição dos empregados do setor público entre as três atividades aqui con- sideradas (Educação, Saúde e Assistência Social) é marcante e difere bastante entre as esferas de governo, por causa das atribuições constitucionais de cada uma delas.

Assim, no governo Federal, a Educação respondia, em 2013, por 61% dos empregados na área Social, o que se explica pelo caráter desta atividade, intensiva em mão de obra e que exige a presença contínua dos trabalhadores envolvidos. Além disso, entre 2003 e 2013 ocorreram a abertura de novas IES e a expansão do número de vagas nas universidades já existentes. A área de Saúde aumentou de 33% para 45% a sua participação e os serviços de Assistência ampliaram de 1% para 1,7% o seu peso no estoque de empregados da União nas três atividades. A esfera Estadual também reduziu a participação dos empregados na Edu- cação de elevados 77% para 71%, aumentando o peso das atividades de Saúde (20% para 27%) e declinando, em termos absolutos e relativos, a participação da Assistência (1,9% para 1%). Os mesmos movimentos foram observados na

esfera Municipal, que concentrava, em 2013, 52,6% dos empregados no setor público na Educação; 57,2% do contingente da Saúde e nada menos que 79,8% do emprego público em Assistência Social.

Outra característica das atividades classificadas nos Serviços Sociais está em que elas constituem o espaço mais qualificado do mercado de trabalho, isto é, apresen- tam a proporção mais elevada de trabalhadores com escolaridade média e superior

– 77,1% em 2003 e 88,6% em 2013. Com isso, embora representassem apenas 11,3% dos ocupados no Brasil Urbano, essas atividades respondiam, em 2013, por 34,4% dos ocupados no Brasil urbano que tinham curso superior completo.

O perfil mais qualificado e especializado dos trabalhadores que atuam nos Serviços Sociais é sinalizado também nas ocupações existentes neste espaço. Nestas atividades onde, como visto, além da elevada escolaridade, são exigidas certificações profissionais, alguns poucos grupos ocupacionais se destacam por concentrar parcelas significativas dos ocupados: os profissionais do ensino com diploma de nível universitário que representavam, em 2013, 29,1% dos ocupa- dos nos Serviços Sociais no universo do Brasil urbano; os professores com diplo- ma de nível médio e especialidades em educação, que representam 14,7%; os profissionais com diploma universitário das ciências biológicas, bioquímicas e da saúde, com 11,6%; os técnicos de nível médio atendentes, auxiliares e agente da saúde, com 13,9% e psicólogos e assistentes sociais, que somam1,7% do total. Esses cinco conjuntos ocupacionais ligados às atividades de Educação, Saúde e Assistência somavam, no final do período considerado, 70,9% dos ocupados nos Serviços Sociais, correspondendo os 29,1% restantes a ocupações gerenciais, de atendimento ao público, administrativas e dos serviços em geral.

Deve ser considerado, no entanto, que a terceirização deve estar influen- ciando essa composição dos ocupados nos Serviços Sociais por anos de estudo, pois uma parte importante dos ocupados nessas atividades que realizam tarefas de apoio, na maior parte dos casos subcontratadas, deve estar computada nas Outras Atividades (onde estão os Serviços Auxiliares), setor que apresentou um dos maiores incrementos no número de ocupados no período estudado, e que acaba “escondendo” os trabalhadores com escolaridade mais baixa que integram as equipes dos Serviços Sociais.

Os Serviços Sociais destacam-se também como atividades cujo estudo exige a consideração da dimensão de gênero. Em 2013, tornaram-se o maior espaço de inserção feminina nos mercados de trabalho urbanos do Brasil (19,6% das mulheres ocupadas), superando o Comércio (19,1%) e o Trabalho Doméstico

(15,2%), tradicionais redutos de trabalho das mulheres. Além disso, as mulhe- res representavam 76,3% dos ocupados nos Serviços Sociais, sendo 75,8% na Educação, 76,5% na Saúde e 83% na Assistência Social. Estes percentuais eram semelhantes para todos os níveis de escolaridade, confirmando o caráter de gueto feminino dessas atividades. Esses números da PNAD apontam, portanto, para a persistência de uma forte segregação de gênero no mercado de trabalho urbano brasileiro, apesar da ampliação dos espaços para as mulheres em todas as demais atividades, como no Comércio, nas Outras Atividades - espaço das terceiras e das atividades de Limpeza e Conservação - e no setor de Alojamento e Alimentação. Os dados agregados para o estoque de ocupados dos Serviços Sociais mos- tram que este conjunto de atividades ainda se constitui no espaço mais estru- turado do mercado de trabalho urbano brasileiro, com elevado grau de for- malização dos vínculos, o que pode ser explicado pela forte presença do setor público e pelo perfil mais qualificado dos seus trabalhadores. Assim, em 2013, 75,5% (contra 71,6% em 2003) dos ocupados nas atividades aqui analisadas tinham vínculos protegidos. Ou seja, seu grau de formalização tornou-se ainda mais elevado, com quase todo o incremento da ocupação registrado no período concentrando-se nas duas formas de inserção mais protegidas (o emprego pú-

blico e o emprego com carteira assinada).

Ainda quanto às formas de inserção, cabe observar que existe uma forte pre- dominância dos assalariados (91,9% em 2013) e que, em 2013, era pouco signifi- cativo o peso do trabalho por Conta Própria (5,6%), apesar da presença de várias ocupações com tradição de profissão liberal na área da Saúde. Aqui é importan- te destacar o elevado percentual de ocupados nos serviços de Assistência nesta forma de inserção (12,7%), muito superior aos serviços de Saúde (7,4%). Este avanço do assalariamento nos Serviços Sociais e, especialmente na Saúde, revela o grau de penetração do capital nestas atividades - que expande a forma tipicamen- te capitalista de trabalhar - apesar do discurso do empreendedorismo.

A exceção aparece, mais uma vez, nos serviços de Assistência, onde o per- centual de Empregados sem Carteira Assinada subiu de 20% para 22,1%, mo- vimento oposto ao observado nos dois outros conjuntos de Serviços, mais um importante sinalizador dos padrões de gestão das políticas de Assistência que se expandem, ampliando o contingente de trabalhadores expostos a formas de con- tratação extremamente precárias.

Em síntese, os indicadores sobre as mudanças na forma de inserção dos traba- lhadores no setor dos Serviços Sociais parecem sugerir que, ao menos nas ativida-

des aqui estudadas e no período considerado, marcado pela ampliação dos víncu- los formais - duas tendências que devem ser melhor pesquisadas: a) o processo de precarização das relações de trabalho ocorre, sobretudo, no interior de relações de assalariamento, inclusive nos casos em que existe vínculo formalizado, cele- tista ou estatutário5 e b) apesar da terceirização e da pejotização, a precarização através do desassalariamento parece estar afetando particularmente alguns seg- mentos profissionais mais escolarizados, como os médicos e dentistas, embora não deva ser esquecida a já citada invisibilidade, para as estatísticas, de contratos de trabalho na cascata da terceirização (BORGES, 2007 e 2012).

Embora a diversidade de situações dos assalariados e a precarização dos contratos não seja bem captada pelas pesquisas domiciliares, uma sinalização da importância desses fenômenos nos Serviços Sociais é encontrada nas infor- mações sobre o tipo de vínculo dos empregados nesses serviços. Em 2013, tais empregos estavam assim distribuídos: Estatutário Federal (3%); Estatutário Estadual (14,9); Estatutário Municipal (19,6); Setor Privado (39,8) e Setor Público (?) , Outros (22,7%), ou seja, no final do período estudado, mais de 1/5 dos empregados dos Serviços Sociais estava submetido a “outros” tipos de vínculo que não os de estatutário. A gravidade deste fenômeno é ainda maior se considerado apenas o universo do emprego público: neste caso, os “outros vín- culos” passam a representar 37,8% dos empregos existentes em 2013 (36,5% em 2003), sendo que nos serviços de Assistência encontrava-se nesta situação a maioria dos ocupados (65,3%). Para o conjunto dos Serviços Sociais, esta cate- goria residual de vínculo, que se distancia do vínculo padrão estabelecido pelo Estatuto do Funcionário Público, respondeu por nada menos que 40,9% do incremento da ocupação no período 2003 - 2013. Torna-se necessário, então, investigar melhor os tipos de contrato inseridos nesta categoria de emprego público, sendo o mais provável que sejam contratos atípicos, por tempo deter- minado, substitutos, prestadores de serviço, REDA6, etc., ainda que uma parte deles possa corresponder a contratos CLT em empresas públicas.

Como último indicador nesta caracterização da ocupação nos Serviços Sociais, o perfil dos rendimentos médios aponta para uma grande heteroge- neidade, apesar da elevada escolaridade da maioria. Destacam-se aqui as desi- gualdades entre trabalhadores em função da escolaridade, pela relevância desta variável no mercado de trabalho.

Entre 2003 e 2013, período de ampliação expressiva do número de titulados no ensino médio e no ensino superior iniciada nos anos 90, o prêmio salarial

pela posse de diplomas no âmbito dos Serviços Sociais manteve a tendência de queda já observada nos anos 90, um fenômeno observado em todos os países que ampliaram o acesso a esses níveis de ensino. No Brasil, no período estudado, este fenômeno foi amplificado pelo aumento real do salário mínimo bem acima dos demais salários e, sobretudo, dos salários mais elevados que correspondem às faixas de remuneração dos que possuem titulações de nível universitário e de nível técnico, indispensáveis na maior parte das ocupações dos Serviços Sociais.

Isso ocorreu em praticamente todos os setores de atividade, tanto no setor pú- blico como no setor privado, resultando no achatamento do leque salarial e na re- dução das desigualdades de rendimento entre os que vivem do trabalho. Assim, a distância entre o rendimento dos ocupados com “até 7 anos de estudo” e aqueles que tinham o diploma de nível superior no setor público caiu de 3,7 para 3,1 no período analisado e quedas semelhantes foram registradas em todas as esferas de governo, sendo mais acentuada na esfera municipal (de 3,4 para 2,7, entre 2003 e 2013).

Finalmente, a distância entre os rendimentos médios das três esferas de go- verno é sugestiva do significado da municipalização dos Serviços Sociais para os trabalhadores e para este espaço do mercado de trabalho: em 2013, se conside- rado o rendimento médio da esfera federal igual a 100, o rendimento estadual equivalia a 47,3 e o dos municípios, onde o emprego mais se expandiu, a 35,7, enquanto os ocupados no setor público com “outros” tipos de vínculos tinham um rendimento médio de apenas 28,9% do rendimento médio dos estatutários federais. Por fim, os indicadores sobre rendimentos confirmam que a privatização dos Serviços Sociais resulta em maior racionalização à custa dos trabalhadores: em 2013, o rendimento médio auferido pelos que se encontravam no setor pri- vado era inferior àqueles dos trabalhadores do setor público (respectivamente R$ 1.751,00 e R$ 2.077), fenômeno que se repete em quase todos os níveis de esco- laridade, com exceção dos profissionais de nível universitário, cujo rendimento médio era levemente superior no setor privado (R$2.957,00 e R$ 2.925,00).

Os indicadores aqui apresentados apontam para a necessidade de ampliar o conhecimento sobre este espaço do mercado de trabalho, o que demanda melhor explorar os dados das pesquisas domiciliares e dos registros administrativos e os resultados de pesquisas qualitativas que se debruçam sobre aspectos particulares do exercício profissional nos Serviços Sociais aqui considerados. Uma consulta preliminar a esta literatura, que inclui diversas teses e dissertações, aponta que a lógica da redução dos custos do trabalho e de flexibilização dos vínculos rege a política de recursos humanos, tornando-se impositiva tanto no setor privado

como no setor público. Mostra também que o Estado brasileiro, nas três esferas de governo, tem sido o principal indutor do processo de precarização do trabalho nessas atividades, tanto como principal empregador, quanto como financiador das políticas sociais quando executadas pelo setor privado ou por organizações sem fins lucrativos, por meio da terceirização, da compra de serviços ou de sub- sídios e isenções fiscais.

A lógica perversa de reduzir custos de serviços e bens de consumo coletivo e, sobretudo, os custos do trabalho (o principal fator de produção destes serviços) para gerar superávits primários que assegurem o pagamento dos juros da dívida pública ou para garantir – para o capital investido em Educação e Saúde – taxas de lucro competitivas com aquelas obtidas na especulação financeira, tem efeitos de- letérios não apenas sobre as condições de vida dos trabalhadores ocupados nestas atividades, mas sobre toda a classe que vive do trabalho, usuária desses serviços, indispensáveis à sua reprodução.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
1 Apoio FAPESB/CNPQ.
2 Doutorado em Ciências Sociais, UFBA. Professora no Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador (UCSAL) E-mail: angelborges@uol. com.br.
3 A avaliação de que os serviços prestados pelo Estado colocam no segundo plano a variável dos custos, assinalada por Berger e Offe, tem que ser revista, considerando que a subordinação do fundo público aos interesses do mercado sob a hegemonia do capital financeiro, ocorrida nos últimos 40 anos, impõe à gestão dos serviços públicos a mesma lógica do setor privado. As crises vividas pelo capitalismo nos países de centro não permitem mais ocultar que a dívida pública se constitui hoje no principal mecanismo de extração do excedente gerado nos espaços nacionais pelo capital financeiro que conta para tanto com os seus representantes nos organis- mos internacionais ou supranacionais e com os governos nacionais. Estes, voluntariamente ou sob chantagem, colocam como prioridade absoluta a geração de superávits para o pagamento dos encargos da dívida em detrimento, sobretudo, dos gastos sociais.
4 A Classificação de Atividades utilizada na PNAD é a CNAE Domiciliar. Nesta, as atividades de Assistência Social estão incluídas no Grupamento de Atividades EDUCAÇÃO, SAÚDE E SERVIÇOS SOCIAIS (Anexo III) e detalhadas no Anexo IV, Código de Atividade 85030.
5 Na última década, o processo de precarização dos trabalhadores de Educação, Saúde e As- sistência tornou-se objeto de estudo na universidade brasileira, especialmente na área da Sociologia do Trabalho e nas áreas do conhecimento diretamente ligadas às profissões mais afetadas, resultando na produção de grande número de teses e dissertações, disponibilizadas no portal da CAPES. Além disso, sindicatos e associações de classe e conselhos profissionais tem realizado ações e produzido informações relevantes para a análise do fenômeno, a exem- plo do movimento pela desprecarização do SUS, na área de saúde e da atuação da ANDES em defesa dos professores universitários.
6 Tipo de contrato por tempo determinado, passível de renovação e amplamente utilizado no setor público estadual e por várias prefeituras, na Bahia. Artigo recebido em julho de 2015 e aceito para publicação em setembro de 2015.
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