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Resumo: A tendência de queda da taxa de lucro conduz os representantes do capital, geralmente ancorados no Estado, a adotarem medidas que afetam fortemente o trabalho e os direitos dele derivados, como os direitos previdenciários. Este artigo discute as funções, carac- terísticas e tendências da previdência social no Brasil diante da complexa situação do trabalho no contexto de aprofundamento da crise estrutural do capital e das estratégias adotadas pelos capitalistas e pelo Estado, com vistas a reduzir os seus efeitos.
Palavras-chave: Crise, Trabalho, Previdência social, Direitos.
Trabalho e previdência social no Brasil no contexto de crise do capital
Maria Lucia Lopes da Silva1
Resumo
A tendência de queda da taxa de lucro conduz os representantes do capital, geralmente ancorados no Estado, a adotarem medidas que afetam fortemente o trabalho e os direitos dele derivados, como os direitos previdenciários. Este artigo discute as funções, carac- terísticas e tendências da previdência social no Brasil diante da complexa situação do trabalho no contexto de aprofundamento da crise estrutural do capital e das estratégias adotadas pelos capitalistas e pelo Estado, com vistas a reduzir os seus efeitos.
Palavras-chave
Crise;Trabalho; Previdência social; Direitos.
Work and social security in Brazil in capital crisis context
Abstract
The falling trend of the profit rate drives the representatives of capital, usually, anchored in the State, to adopt measures that strongly affect the labor and the rights derived from it, such as social security rights. This article discusses the functions, features and trends of the Brazilian social security in the complex situation of the labor in the context of de- epening structural crisis of capital and the strategies adopted by the capitalists and by the State in order to reduce its effects.
Keywords
Crisis;Work; Social Security; Rights.
O capitalismo é marcado por contradições internas que o tornam propen- so a crises. A sua história registra crises periódicas de repercussões diversas. Desde o final da década de 1960, início da década de 1970, uma crise estrutu- ral de grandes proporções é vivenciada mundialmente pelos países capitalistas (MÉSZÀROS, 2009). O Brasil enfrentou esta crise de modo diferenciado ao longo dos anos e os seus efeitos repercutiram na economia e na condição estru- tural do trabalho, mais fortemente, nos anos 1990, confirmando características já notadas no país, desde a década anterior, como o desemprego prolongado, a baixa massa salarial e o grande percentual de atividades informais no total das atividades econômicas. Ainda que alguns indicadores do trabalho tenham melhorado, no início do século XXI, especialmente entre 2004 e 2008, es- tas características não foram modificadas. Além disso, o ano de 2009 trouxe indicadores pessimistas, revelando os reflexos do aprofundamento da crise, a partir da crise do setor imobiliário nos Estados Unidos, que eclodiu em 2008 e se expandiu para outras áreas da economia e para outros países. Assim, apesar de o governo brasileiro vir adotando medidas desde 2008, com vistas a reduzir os impactos dessa crise, nos últimos anos suas iniciativas não foram suficientes para manter elevados os indicadores do trabalho, nem para retomar a taxa de crescimento econômico, “no ano passado [2014] o resultado primário do go- verno central fechou negativo em -0,34% Produto Interno Bruto (PIB). Tal situação provocou forte pressão do mercado financeiro pela retomada de uma política fiscal de corte de gastos públicos” (SALVADOR; SILVA, 2015, p. 26).
No que se refere ao trabalho, em julho de 2015 o Instituto Brasileiro de Geo- grafia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que revelaram quedas de vários indicadores: a taxa de desocupação em junho de 2015 (6,9%) aumentou 2,1% em relação a junho do ano passado (4,8%) e, segundo o IBGE, foi a maior taxa para um mês de junho desde 2010 (7,0%); a população desocupada (1,7 milhão de pessoas) cresceu 44,9% (mais 522 mil pessoas) em relação a junho de 2014; a população ocupada (22,8 milhões) recuou 1,3% no ano e o número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado (11,5 milhões) recuou 2,0% em relação a junho de 20142.
Nesse contexto de crise estrutural do capital e complexa situação do trabalho com grande oscilação de seus indicadores, no final dos anos 1990 iniciou-se um processo de contrarreforma3 do Estado brasileiro, com forte impacto na previdência social. Esta passou a apresentar, funções, caracterís- ticas e tendências que revelam seu distanciamento da seguridade social, um
fortalecimento da visão de seguro, uma regressividade de direitos e favore- cimento ao capital, de várias formas, inclusive pelo seu enxugamento que estimulou a expansão e o fortalecimento das entidades de previdência com- plementar abertas e fechadas.
Este artigo versa sobre as principais funções, características e tendências atuais da previdência social no Brasil, diante da complexa situação do trabalho no contexto de aprofundamento da crise estrutural do capital, e das estraté- gias para reduzir os seus efeitos utilizadas pelo Estado e pelos representantes do capital. Assim, está organizado em duas partes: a primeira traz uma breve caracterização da situação do trabalho no Brasil no contexto de crise estrutural do capital. A segunda oferece uma reflexão sobre as funções, características e tendências contemporâneas da previdência social no Brasil.
A complexa situação do trabalho no Brasil no contexto de crise estrutural do capital
O desenvolvimento cíclico do capitalismo manifesta-se pela expansão e con- tração sucessiva da produção de mercadorias e, consequentemente, da produção de mais-valia. A isso corresponde um movimento cíclico adicional de expansão e contração na realização da mais-valia e acumulação de capital. Esses processos diferenciam-se quanto ao ritmo, ao volume e às proporções. A discrepância en- tre eles explica as crises capitalistas de superprodução. Na opinião de Mandel (1982), os ciclos econômicos consistem na aceleração e desaceleração sucessivas de acumulação, de forma que, em um período de oscilação ascendente, há um acréscimo na massa e na taxa de lucros e um aumento no volume e no ritmo da acumulação. Na crise e no período de depressão que a sucede, por sua vez, a mas- sa, a taxa de lucros, o volume e o ritmo da acumulação declinam. Para o autor, na história do capitalismo ocorreu uma sucessão de movimentos cíclicos — a cada sete ou dez anos —, e uma sucessão de períodos longos, de aproximadamente cinquenta anos, as chamadas “ondas longas”, expansiva e recessiva4. Assim:
Numa fase de expansão, os períodos cíclicos de prosperidade serão mais lon- gos e mais intensos e mais curtas e mais superficiais as crises cíclicas de su- perprodução. Inversamente, na fase da ‘onda longa’, em que prevalece uma tendência à estagnação, os períodos de prosperidade serão menos febris e mais passageiros, enquanto os períodos das crises cíclicas serão mais longos e mais profundos (MANDEL, 1982, p. 85).
Essa explicação de Mandel (1982) sobre as mudanças conjunturais do capita- lismo e sua análise sobre a história desse modo de produção contribuem para a compreensão das características do capitalismo contemporâneo. O autor associa a recessão em escala mundial, entre 1974 e 1975, ao início de um longo período recessivo, atingido por picos de crises ou de expansão, com o agravamento ou melhoria de indicadores econômicos e sociais, sem, contudo, comprometer suas características centrais de “onda longa recessiva”.
Diante dessa situação, o capital monopolista fortemente ancorado no Es- tado adotou estratégias baseadas na reestruturação produtiva, na financei- rização do capital e no neoliberalismo, as quais influenciaram a redefinição das funções do Estado e impuseram mudanças no padrão de acumulação e na condição do estrutural do trabalho.
O Brasil assumiu essa perspectiva, especialmente a partir da segunda me- tade da década de 1990, seguindo o mesmo padrão dos países periféricos, subordinado aos ditames dos organismos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. A financeirização do capital, a reestruturação produtiva e a reorientação das funções do Estado ocorreram interligadas e impuseram mudanças multidimensionais ao traba- lho e à macroeconomia, que repercutiram no aprofundamento das desigual- dades sociais, na elevação da concentração de renda, no desemprego elevado prolongado, na precarização do trabalho e na queda da renda média real dos trabalhadores naquele final de década (SILVA, 2012). A primeira década do século XXI, principalmente em sua segunda metade, traz alterações positivas em alguns indicadores econômicos e do trabalho, porém esses indicadores não mudaram as características assumidas pelo capitalismo no país nas últimas duas décadas anteriores a esta. Aspectos da economia e do trabalho que pode- riam ser considerados transitórios tornaram-se permanentes nestes últimos trinta anos, como por exemplo: a informalidade em grandes proporções; o desemprego maciço e prolongado; a desregulamentação de direitos dos trabalhadores, sobretudo no âmbito da seguridade social; a baixa renda mé- dia mensal real habitual dos trabalhadores; a reduzida participação da renda do trabalho no conjunto da renda nacional; a concentração de renda e do poder econômico e político, entre outros. São esses elementos que marcam as características do Brasil no presente, independentemente da melhoria de indicadores socioeconômicos no decorrer do século XXI, comparativamente às décadas de 1980 e 1990 (SILVA, 2012).
Além do que, “depois de 2010, a economia do país cresceu sempre menos do que no ano anterior” (ANFIP, jul.2015, p.16), assim, a partir de 2014, a situação ficou mais complexa:
[...] a crise ganhou componentes muito próprios. Problemas políticos, de- núncias de corrupção, estagnação dos investimentos privados, interiorização dos efeitos da crise internacional, tudo se somou criando um ambiente ainda mais hostil para a recuperação da economia. No curto prazo, até as medi- das de ajuste fiscal adotadas em 2015, como corte de subsídios, aumentos tributários, redução dos gastos públicos, aumento das metas de superávit, contribuem para aprofundar a queda da economia. (ANFIP, jul.2015, p.15).
Nessa direção, concorda-se com a coerente análise de Sampaio Jr, publicada em maio de 2015 no Blog Marxismo 21:
Uma década de hegemonia política inconteste e seis anos de crescimento, quatro dos quais em plena crise da economia mundial, alimentaram o senso comum de que os governos Lula e Dilma teriam inaugurado um longo período de prosperidade e estabilidade. [...] Bastou o crescimento arrefecer para que as graves contradições de uma modernização mimética, incapaz de atender as necessidades fundamentais da população, viessem à tona. A posição subalterna na ordem global expôs a extra- ordinária vulnerabilidade da vida nacional a crises econômicas de proporções cata- clísmicas. A perpetuação de desigualdades extremas, típicas de regimes de classe baseados na segregação social, alimentou antagonismos irredutíveis5.
Em relação aos indicadores do trabalho, especialmente os que repercutem no acesso à previdência social, pode-se dizer que houve, na última década, comparativamente às duas décadas anteriores, uma relativa melhoria. Todavia, a diferença não foi substancial e nem todos os indicadores atingiram níveis melhores. A título de exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2012 estimou a taxa de desocupação em 6,1%, o melhor índice alcançado desde 1995, quando a taxa era igual a esta (IBGE, 2013). Porém esta voltou a crescer de modo que, em junho de 2015, foi estimada em 6,9%, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME)6. A PNAD de 2012 estimou, ainda, a taxa de ocupação de migrantes no município em 59,0%, proporcional- mente superior à taxa de ocupação dos brasileiros, 56,2%; o aumento da dife-
rença de renda entre homens e mulheres. A mulher, em 2011, recebia em mé- dia 73,7% do rendimento do homem. Em 2012 o percentual caiu para 72,9%; o número de analfabetos de 15 anos ou mais aumentou de 12,9 milhões para 13,2 milhões entre 2011 e 2012 (IBGE, 2013).
Esses dados associados à grande rotatividade no emprego, ao baixo rendimen- to médio real habitual e à baixa massa salarial limitam a cobertura previdenciária no modelo vigente. Pois, ainda que entre 2000 e 2010, com base nos dados dos censos, tenha ocorrido um relativo crescimento de cobertura, em 2013, segundo a ANFIP, com base nos dados da PNAD de 2013, apenas 61,5% dos ocupados contribuíram com algum regime de previdência social.(ANFIP,jul2015. p. 87). Ainda que nos últimos dez anos tenha havido um relativo crescimento do va- lor real do salário mínimo, esse crescimento não foi tão expressivo, além do que a maior parte dos contratados no Brasil recebe até dois salários mínimos. Tomando-se como exemplo o ano de 2009, “de cada 16 contratos assinados de trabalho, 15 correspondiam a demissões no mesmo exercício.” [...] O percentu- al de contratações com rendimentos mensais até dois salários mínimos [...] era 84,8% do total das contratações” (ANFIP, 2010,p.57). Entre 2010 e 2013, se- gundo a ANFIP (jul. 2015), a rotatividade situou-se entre 43% e 45% do total de trabalhadores celetistas contratados por prazo indetermi¬nado (excetuando-se as rescisões por morte, aposentadoria etc.). E entre os trabalhadores “que foram demitidos em 2013, 31,2% acumularam menos de 3 meses de trabalho; 15,2%
entre 3 e menos de 6 meses; 19,6% entre 6 e 11 meses. Apenas 33% acumula- ram mais de um ano” (ANFIP, 2015, p.52). E, quanto ao rendimento médio real habitual dos ocupados, em junho de 2015, estimado em R$ 2.149,10, houve um recuo de 2,9% contra junho de 2014 (R$ 2.212,87), e a massa de rendimento médio real habitual (R$ 49,5 bilhões em junho de 2015) caiu 4,3% em relação a junho de 2014, segundo a PME/IBGE7.
Portanto, a condição estrutural do trabalho é complexa, embora nem sempre seja mostrada como realmente se encontra, como reflexo da crise estrutural do capital e como elemento limitador da cobertura previdenciária, no modelo vigente.
Funções, características e tendências contemporâneas da previdência social8
As políticas sociais possuem natureza contraditória e atendem aos interesses do capital e do trabalho. Elas são determinadas, sobretudo, pela condição estru- tural do capitalismo e pela luta de classes, de modo que os ciclos de expansão e
de estagnação econômica e a correlação de forças em dado momento repercutem em suas formulações, características e funções. Segundo Behring:
As políticas sociais são concessões/conquistas mais ou menos elásticas, a depen- der da correlação de forças na luta política entre os interesses das classes sociais e seus segmentos envolvidos na questão. No período de expansão, a margem de negociação se amplia; na recessão, ela se restringe. (2009, p.315-316),
ou seja, os ciclos econômicos balizam as possibilidades e os limites das po- líticas sociais, da mesma forma que a pressão dos trabalhadores pode incidir no alargamento de suas funções em favor do trabalho. Assim, mesmo sendo incapazes de eliminar a estrutura de classes da sociedade capitalista - causa estrutural da pobreza e das desigualdades sociais , são essenciais e, por natureza, arena de luta entre o capital e o trabalho.
No Brasil, a política de previdência social, no âmbito da seguridade social, é marcada por esta disputa e assume papel relevante, por meios dos benefícios e serviços que oferece. Pode incidir, em favor do capital, entre outras, nas se- guintes situações: na redução do custo da reprodução da força de trabalho para o capital, quando os trabalhadores estão em benefícios, custeados por múltiplas fontes; na manutenção da capacidade de consumo dos incapacitados temporá- ria ou definitivamente para o trabalho, por meio da renda dos benefícios; na dinamização da economia e no seu reaquecimento nos períodos de crise de consumo, por meio da regularidade de pagamento dos benefícios, elevação de seus valores, antecipação do 13º salário, entre outras; no controle do traba- lho por meio dos critérios de acesso aos benefícios, a exemplo das regras do seguro-desemprego que conduzem os empregados a submeterem-se às condi- ções impostas pelas empresas para evitarem demissões por justa causa e serem impedidos de acessar ao benefício.(SILVA, 2012).
Mas a previdência social também pode incidir em favor do trabalho, entre outras, das seguintes formas: no controle das condições de trabalho, especial- mente no que diz respeito à segurança do trabalho, pois os empregadores são taxados para fundo específico de acidente de trabalho, conforme seja a inci- dência de acidentes de trabalho em suas empresas (a taxação é feita pelo Fator Acidentário de Prevenção – FAP criado em 2009, cujos índices são reajustados anualmente); na estabilidade temporária do trabalhador no emprego quando em beneficio devido a acidente do trabalho; na manutenção do padrão de vida
e renda na velhice e nos momentos de incapacidades para o trabalho ou de en- cargos familiares, possibilitados pelo acesso ao auxílio doença, ao salário ma- ternidade, às pensões, às aposentadorias e a outros benefícios; na redistribuição do fundo público, já que a seguridade social é mantida por diversas fontes, inclusive do orçamento fiscal. (SILVA, 2012).
Estas funções podem ser alargadas ou inibidas a depender das características estruturais do capitalismo e da correlação de forças na sociedade. Na cena con- temporânea, no contexto de aprofundamento da crise estrutural do capital, em que a dinâmica da vida social tem sido presidida pelo darwinismo social, que ex- pressa a luta do capital para conter a tendência de queda da taxa de lucro, as fun- ções associadas à manutenção do consumo em níveis satisfatórios ao capital, ao aquecimento e ao reaquecimento da economia, têm sido as mais valorizadas em detrimento das funções vinculadas à proteção social do trabalhador. Isso imprime à previdência social características e tendências que a distanciam dos princípios da seguridade social e repercutem no acesso aos direitos que viabiliza.
A reflexão sobre as características e tendências contemporâneas da pre- vidência social no contexto de crise do capital parte da constatação de que a contrarreforma que a atinge desde 1998 a tem tornado diminuta, com o seu potencial de expansão inibido em decorrência das restrições de direitos, pela redução dos valores dos benefícios, dos limites para acessá-los e, também, devido ao seu atrelamento a um teto decrescente ao longo dos anos. Quan- do foi criado em 1998 o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) tinha o valor de R$ 1.200,00, que correspondia a dez salários mínimos, em 2015 esse teto é de R$ 4.663,75, o equivalente a um pouco mais de cinco salários mínimos9. Assim, tem-se uma previdência social diminuta, estratificada em relação aos direitos, conforme seja a participação direta de seus segurados no custeio do sistema. Ao mesmo tempo, a contrarreforma da previdência social favorece a ampliação dos fundos de pensão públicos e priva- dos para atender aos interesses de acumulação do capital.
As Medidas Provisórias (MP’s) 664 e 665 de 30 de dezembro de 2014, con- vertidas, respectivamente, nas leis nº 13.135 e 13.134, em junho de 2015, como parte do ajuste fiscal do governo, seguem a mesma perspectiva. Sob a justifi- cativa de “corrigir distorções”, “aumentar a transparência”, “reduzir despesas” e “assegurar a sustentabilidade do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e da previdência social”, estes atos modificam a pensão por morte, o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez, o auxílio-reclusão, o abono salarial, o seguro-de-
semprego e o seguro-defeso, minimizando os seus valores e limitando o acesso dos trabalhadora a estes benefícios10. Tais mudanças dão continuidade à contrar- reforma da previdência social, em curso desde a Emenda Constitucional nº 20 de 1998, seguindo as diretrizes dos organismos financeiros internacionais, espe- cialmente do Banco Mundial, por meio do documento “Envejecimiento sin crisis”, de 1994, segundo o qual as mudanças nos sistemas de previdência social devem propiciar: criação de poupança obrigatória, por meio de contribuições definidas e do regime de capitalização; poupanças voluntárias e redução da extrema pobreza por meio dos benefícios, ou seja, a previdência social deveria ser enxuta para dar espaço à expansão da previdência complementar (BANCO MUNDIAL, 1994).
Desde então, estas diretrizes continuam sendo seguidas a partir de duas gran- des estratégias: limitação do acesso aos direitos viabilizados pela previdência pú- blica e redução dos valores de benefícios. Em 1998, o Regime Geral de Previ- dência Social (RGPS) foi o mais mutilado pelas mudanças, com medidas como: as aposentadorias deixaram de ser por tempo de serviço para ser por tempo de contribuição; limitou-se o acesso às aposentadorias proporcionais e especiais; e estabeleceu-se um teto nominal máximo para os valores de benefícios do RGPS. Tentou-se vincular o tempo de contribuição à idade para fins de aposentadoria, como não foi possível, excluiu-se a fórmula de cálculo dos benefícios da Consti- tuição, abrindo espaço para a criação do fator previdenciário, em 1999.
Em 2003, as diretrizes e estratégias foram as mesmas, porém, os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), destinados aos servidores públicos, foram os mais atingidos, com o fim da aposentadoria integral; a vinculação do tempo de contribuição à idade para fins de aposentadoria; a contribuição previdenciária para aposentados; a instituição da previdência complementar e a possibilidade de teto para aposentadoria destes servidores, entre outras.
Em abril de 2012 foi autorizada a criação da Fundação de Previdência Com- plementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP), que passou a funcionar em fevereiro de 2013. A Lei 12.618, de 30 de abril de 2012, autorizou a criação da fundação para gerir planos de benefícios para os servidores dos três poderes e igualou o valor do teto de aposentadoria dos servidores públicos ao teto dos benefícios do RGPS, minimizando direitos.
Portanto, as MPs 664 e 665 e as leis em que foram convertidas também fa- vorecem o capital, reduzem os valores e limitam o acesso aos benefícios da pre- vidência pública, prejudicando aos trabalhadores. Tais medidas alcançam tanto os servidores públicos quanto os trabalhadores empregados e seus dependentes
econômicos, os desempregados e os pescadores artesanais cobertos pelo regime geral. Assim, não se pode falar em medidas isoladas, elas compõem a contrarre- forma da previdência social, em curso desde 1998.
Desse modo, em decorrência de medidas como essas, no tempo presente a previdência social assume, entre outras, as seguintes características e tendências:
• Distanciamento dos objetivos da seguridade social e fortalecimento da visão de seguro social, favorecendo o capital em detrimento da proteção ao trabalho.
Referências
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Notas