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As particularidades da precarização de trabalho dos(as) Assistentes Sociais na política de saúde

Jordeana Davi
UFPE, Brasil
Moema Amélia Serpa
UFPE, Brasil
Maria Aparecida Nunes dos Santos
UFPB, Brasil
Mônica Barros Nóbrega
UFPE, Brasil

As particularidades da precarização de trabalho dos(as) Assistentes Sociais na política de saúde

O Social em Questão, vol. 18, núm. 34, pp. 277-296, 2015

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Resumo: O presente artigo trata da precarização das relações e condições de trabalho dos (as) as- sistentes sociais na política de saúde, no contexto da contrarreforma do Estado, a partir dos resultados de uma pesquisa realizada nos municípios de João Pessoa-PB e Campina Grande-PB, que buscou identificar as particularidades do mercado de trabalho profissio- nal no âmbito municipal. Nossa análise constata que está em curso um acelerado processo de precarização das relações e condições de trabalho dos (as) assistentes sociais, expresso, sobretudo, na desregulamentação dos vínculos, nos baixos salários, na rotatividade e frag- mentação e na precariedade das condições objetivas de trabalho.

Palavras-chave: Precarização do trabalho, Política de Saúde, Serviço Social.

As particularidades da precarização de

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trabalho dos(as) Assistentes Sociais na política de saúde

Jordeana Davi1 Moema Amélia Serpa2

Maria Aparecida Nunes dos Santos3 Mônica Barros da Nóbrega4

Resumo

O presente artigo trata da precarização das relações e condições de trabalho dos (as) as- sistentes sociais na política de saúde, no contexto da contrarreforma do Estado, a partir dos resultados de uma pesquisa realizada nos municípios de João Pessoa-PB e Campina Grande-PB, que buscou identificar as particularidades do mercado de trabalho profissio- nal no âmbito municipal. Nossa análise constata que está em curso um acelerado processo de precarização das relações e condições de trabalho dos (as) assistentes sociais, expresso, sobretudo, na desregulamentação dos vínculos, nos baixos salários, na rotatividade e frag- mentação e na precariedade das condições objetivas de trabalho.

Palavras-chave

Precarização do trabalho; Política de Saúde; Serviço Social.

The particularities of the precarious work of the social workers in the health policy

Abstract

This article deals with the precarious relations and working conditions of (the) social workers in the health policy in the context of against reform of the State from the results of a survey developed in the cities of João Pessoa and Campina Grande. Our research aimed at identifying the particularities of the professional labor market at the municipal level. Our analysis finds that there is an ongoing accelerated deterioration of relations and working conditions of the social workers, expressed above all in thederegulation of ties, the low wages in turnover and fragmentation and precariousness of the objective conditions of work .

Keywords

Precarious work; Health policy; Social Service.

Introdução

A expressiva expansão do setor de serviços no conjunto das atividades eco- nômicas, sob o comando da reestruturação produtiva do capital, reflete uma das mais marcantes características do atual perfil do mundo do trabalho, possibili- tando o estabelecimento de novos vínculos nas relações sociais contemporâneas. Fato este que constitui um acelerado processo de diversificação e complexificação do setor de serviços, sobre o comando da produção mundializada.

Ao repercutir na estrutura produtiva e na configuração do mercado de tra- balho, o setor de serviços foi incorporado ao processo de acumulação capitalista, com particularidades no tocante à organização e processo de trabalho, bem como nas formas de regulamentação da força de trabalho.

A política de saúde, histórico espaço sócio-ocupacional do(a) assistente social, vem expressando, de forma emblemática, a imposição da lógica do mercado na oferta dos serviços públicos, ao tempo em que legitima a desigualdade do acesso à saúde enquanto direito e institui “potenciais” e “ilusórios” consumidores de serviços de saúde.

Assim, o atual padrão de intervenção estatal vem imprimindo inovações no setor de saúde, estabelecendo novas modalidades de gestão e prestação dos servi- ços tanto públicos, quanto privados. Como exemplo, podemos citar a instituição de um novo padrão de gestão, através das Organizações Sociais e Fundações Esta- tais, com fortes implicações sobre a força de trabalho inserida no setor.

Tais medidas são determinadas pela crise capitalista, iniciada nos anos 1970, que tem provocado profundas transformações societárias, com fortes implicações para o mundo do trabalho e para as políticas sociais, as quais não estão imunes às deter- minações do impulso expansionista do capital e suas estratégias empreendidas para a restauração das taxas de lucros, dentre elas a política de saúde. Neste caso, a pre- carização das relações e condições de trabalho no âmbito do setor de saúde, viven- ciadas pelos (as) assistentes sociais, deve ser analisada à luz destas transformações.

Logo, discutir as atuais configurações das relações e condições de trabalho dos(as) assistente sociais na política de saúde no Estado da Paraíba, assume rele- vância diante do significativo crescimento do setor público municipal como em- pregador da força de trabalho no âmbito das políticas sociais, fruto do processo de descentralização político-administrativo, demarcado nos anos 1990.

Este processo, ao tempo que demanda a expansão do mercado de tra- balho, transferindo para a gestão municipal a contratação e gerenciamento das relações de trabalho no setor público, também compromete esse geren- ciamento pela restrita capacidade financeira dos municípios para assumir a gestão da força de trabalho.

Portanto, na tentativa de discutir o tema proposto, partimos dos resultados da pesquisa “Trabalho, Política Social e Serviço Social: as configurações de assa- lariamento dos assistentes sociais nas políticas de saúde e assistência social no Estado da Paraíba”, realizada no período de 2011 a 2013. Metodologicamente, foi priorizada uma pesquisa documental e de campo fundamentada na perspectiva histórico-crítica. Cabe destacar que a referida pesquisa foi realizada com a devida avaliação e aprovação do Comitê de Ética da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e que teve o apoio financeiro desta instituição, através do Edital PRO- PESQ/2011 e do CNPq, Chamada Universal/2010.

Algumas reflexões da referida pesquisa estão sintetizadas neste artigo, apresentado em três itens, com a pretensão de dar uma unidade ao tema abordado. Inicialmente, discutiremos a crise estrutural do capital e suas im- plicações para o mundo do trabalho e o papel do Estado na condução das políticas sociais. Em seguida, abordaremos a política de saúde e as relações e condições de trabalho dos assistentes sociais no contexto da contrarreforma do Estado. Por fim, apresentaremos as expressões da precarização das rela- ções e condições de trabalho dos(as) assistentes sociais na política de saúde, na particularidade do Estado da Paraíba.

Crise capitalista, transformações no mundo do trabalho e as implicações para as políticas sociais no Brasil

Na vasta literatura especializada e disponível sobre o tema da crise contem- porânea do capitalismo, é lugar comum que esta se originou a partir da transição dos anos 1960 aos 1970, quando a economia mundial apresentou nítidos sinais de estagnação, com índices inflacionários altos e com mudança na distribuição do poder no cenário mundial.

Nessa conjuntura, inaugurou-se, pois, a terceira fase do estágio imperialista, denominada de capitalismo contemporâneo, caracterizada por Harvey (2004) de “novo imperialismo”, em decorrência das profundas alterações experimentadas pela economia, sob o comando dos monopólios. Para Mandel (1982), este pe- ríodo é nomeado de capitalismo tardio, o qual consiste na forma mais pura de capital, com uma enorme expansão da capacidade produtiva, baseada no desen- volvimento tecnológico, resultando em superprodução.

Como resposta à sua própria crise, que na verdade significa uma crise global que afeta tanto as formas de produção e valorização do capital quanto às de re- produção e regulação social, inicia-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujas expressões consistem na reestruturação produtiva, na financeirização do capital e na ofensiva neoliberal.

Com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a demolição do setor produtivo estatal, seguido de um intenso processo de rees- truturação da produção e do trabalho, buscou-se dotar o capital do instrumento necessário para repor os patamares de expansão de períodos anteriores (ANTU- NES, 1999; NETTO, 1996).

Ainda segundo Antunes (1999), o capital buscou enfrentar a crise na sua di- mensão fenomênica, visto que não transformou os pilares essenciais do modo de produção capitalista. Pelo contrário, buscou reestruturar o padrão produtivo assentado no binômio taylorista/ fordista, utilizando-se de novos e velhos meca- nismos de acumulação.

Assim, efetivou-se a transição para um padrão de acumulação que assume a flexibilidade como parâmetro para a produção capitalista. Nesta perspectiva, uma “nova ordem” se estabelece para acompanhar e revigorar as forças do capital. Atendendo a esta racionalidade do capital, “flexibilizar” passa a ser a “pedra de toque” da reestruturação capitalista.

Alves (2005) ressalta que uma das características histórico-ontológicas da produção capitalista é permanentemente flexibilizar as condições da produção, particularmente as da força de trabalho. Para o autor, pois, a flexibilidade do trabalho, expressa pela capacidade de o capital “tornar domável, complacente e submissa a força de trabalho” (ALVES, 2005, p. 25), assume significado nas estra- tégias atuais de acumulação do capital.

Logo, a flexibilidade no mercado de trabalho vem acompanhada da desre- gulamentação dos direitos do trabalho, de estratégias de informalização da con- tratação dos trabalhadores e de uma flexibilidade dos produtos e dos padrões de

consumo.Trata-se de uma reestruturação produtiva que afeta a produção de bens e serviços, a organização e a gestão do trabalho, as condições e as relações de trabalho, bem como o conteúdo do próprio trabalho (HARVEY, 1992).

Portanto, é o modo de organização do trabalho e da produção capitalista adequado à era das novas máquinas, da automação flexível, que constitui uma nova base técnica para o sistema do capital. É meramente uma inovação orga- nizacional da produção capitalista sob a grande indústria, não representando, portanto, uma nova forma produtiva propriamente dita. Tal como uma dia- lética integradora, que mescla o novo e o arcaico, o toyotismo aparece, pois, articulado com as formas tayloristas-fordistas restritas no processo de trabalho, sendo o momento predominante do novo processo produtivo, impondo, arti- culando e constituindo as novas qualificações.

É inconteste que o ônus tem recaído sobre os trabalhadores, os quais vêm vivenciando redução salarial, precarização do emprego e desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global, resultando no que Antunes (1995) carac- terizou como “metamorfose no mundo do trabalho”, dentre as quais se destacam a crise do movimento sindical, a diminuição do contingente dos operários indus- triais, a flexibilização dos direitos trabalhistas e o desemprego.

É na direção de sua autoexpansão que o capital submete parcela significativa dos trabalhadores à exclusão do processo de trabalho, produzindo a miséria de- sumana do desemprego e do trabalho precário. Ocorre uma desestruturação da organização dos trabalhadores, na medida em que são submetidos a empregos em diferentes condições, como estáveis, temporários, contratados e subcontratados, representando uma perda da identidade coletiva e fragilizando o potencial de resistência dos trabalhadores, os quais são coagidos pela lógica capitalista a se adestrarem aos ditames do capital (ANTUNES, 1995).

Evidencia-se uma apropriação precária da força viva de trabalho, em que o estatuto do trabalho e do trabalhador é conduzido às formas de gestão flexibili- zadas, que traduzem o espaço de desregulamentação do trabalho, imposto pela lógica destrutiva do capital mundializado.

Nesse contexto, verifica-se também a reorganização do papel do Estado, evi- denciando a contradição da relação capital x trabalho, pois ao se submeter exclu- sivamente a lógica de mercado, o Estado, que nunca deixou de ser interventor, assume uma intervenção máxima para garantir os lucros do capital e mínima para a reprodução da força de trabalho, acentuando cada vez mais as desigualdades sociais, expressas na agudização das expressões da “questão social”.

Na atual conjuntura do capitalismo monopolista, o capital, não conseguindo mais encontrar formas de extrair superlucros das mercadorias que produz, de- cide transformar as políticas sociais em “novas mercadorias”, promovendo com mais organicidade o processo de financeirização/privatização das políticas so- ciais, com medidas articuladas entre si, a exemplo das reformas da previdência social, da expansão da educação privada e da gestão da saúde.

A política social dirigida aos agora identificados como “excluídos” se perfila, reivindicando-se como inscrita no domínio dos direitos, enquanto específica do tardo-capitalismo, não tendo nem mesmo a formal pretensão de erradicar a po- breza, mas de enfrentar, apenas, a penúria mais extrema, a indigência, a miséria, ou seja, propõe-se uma agenda minimalista para atender a políticas minimalistas. Desse modo, passa a desenvolver mecanismos eficazes para manter a re- produção da dominação, definindo políticas de limitação dos salários em pa- tamares “ótimos” para o capital, deixando “livres” os preços das mercadorias necessárias tanto à sobrevivência/subsistência das classes dominadas, quanto

à acumulação capitalista.

No capitalismo contemporâneo, constata-se que o neoliberalismo, enquanto uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar social (ANDERSON, 1998), provocou o desemprego e a desigualdade social, atestando a sua vitória. Conseguiu obter uma hegemonia ideológica mundial, porém não foi capaz de alavancar a produção e aumentar as taxas de crescimento econômico. Os Estados nacionais foram levados a renunciar a qualquer preten- são à soberania. As políticas sociais tornaram-se cada vez mais focalizadas e mais privatizadas. Ao lado da exaltação do mercado, o cidadão foi reduzido à mera condição de consumidor (IAMAMOTO, 2008).

Enfim, o Estado neoliberal é o elemento político articulador da lógica da pre- carização do trabalho, que atualmente se impõe à reprodutibilidade capitalista. Ele incorpora em si elementos de crise de legitimidade, que possui como base material a crise fiscal. É uma estabilidade política carente de justificação históri- ca, na medida em que é incapaz de assumir com efetividade as tarefas históricas impostas pelo processo civilizatório. Mesmo que assuma o papel de regulador social, ele não rompe seus laços orgânicos com o grande capital. Portanto, é sua forma “apodrecida” do capitalismo monopolista de Estado (ALVES, 2007).

Portanto, não restam dúvidas de que estamos diante da mais profunda crise do sistema capitalista, a qual traz à tona as contradições da dinâmica da acumu- lação, manifestando-se em todas as esferas da vida social. Crise que faz parte da

lógica imanente do funcionamento do modo de produção capitalista, expressando o que Mészáros (2002) já ressaltou, ou seja, a “incontrolabilidade do capital” na sua sede por trabalho excedente. Enfim, seu caráter global, seu alcance mundial e sua extensão temporal, apresentando-se como uma crise de longa duração.

Todos esses processos aqui sumariados se acirram nos países considerados pe- riféricos. No Brasil, por exemplo, o quadro atual de reorganização do capitalismo assume conotações particulares e mais graves, visto que ao desemprego decorren- te da utilização de novas tecnologias soma-se aos traços históricos do desemprego estrutural, das relações de trabalho marcadas pela flexibilidade e precarização e presididas pela violência, a luta pela terra, o trabalho escravo, dentre outros, que passam a adquirir uma “máscara de modernidade” (IAMAMOTO, 2008).

A “Modernidade à brasileira” contém as desvantagens do subdesenvolvimen- to, que não chegou a vivenciar o Welfare State, acrescidas da selvageria do capita- lismo financeirizado. A crise de acumulação, vivenciada pelo sistema mundial de mercadorias, acena para um longo tempo de barbárie na periferia capitalista, cuja face mais visível é o desemprego estrutural e suas sequelas, ou seja, a marginali- dade e a violência urbana.

A competição desenfreada pelos postos de trabalho gerou um achatamento generalizado dos salários. Trabalha-se muito mais e ganha-se muito menos. Apo- sentados voltam ao mercado de trabalho e o trabalho infantil passa a ser o susten- táculo da subsistência das famílias pobres. A informática permite ampliar o traba- lho para fora da unidade produtiva, numa clara demonstração de que as jornadas de trabalho estão sendo prolongadas. A subordinação de todos ao capital atesta a inevitável polarização das classes sociais.

Para Iamamoto (2008), acompanham as transformações no mundo do tra- balho as profundas alterações na esfera do Estado, consubstanciadas na reforma do Estado, reclamadas pelas políticas de ajustes recomendas pelo Consenso de Washington. A crise fiscal do Estado impõe a redução de financiamentos dos serviços públicos, ao tempo em que se recomenda a diminuição dos gastos go- vernamentais, como sugere a ideologia neoliberal. As políticas sociais cada vez mais se tornam focalizadas, mais privatizadas. Trata-se, portanto, na linguagem governamental e empresarial, de reduzir o “Custo Brasil”, em contrapartida tem-se a apropriação do fundo público para interesses privados, o que é com- patível com as particularidades da formação social brasileira, a qual, como já ressaltou Chauí (2007), é marcada por uma tradição autoritária e excludente, pelas relações de favor e de dependência.

Desse modo, podemos dizer que a crise estrutural do capital e suas diversas manifestações no Brasil, principalmente a partir da década de 1990, resultaram em mudanças regressivas em todas as esferas da vida social. Acentuaram-se as desigualdades sociais, a destituição dos direitos, a criminalização da pobreza e, sobretudo, a violência, revelando o esgotamento daquelas possibilidades civiliza- tórias identificadas por Marx no capitalismo do século XIX.

A partir da década de 1990, no Brasil, nos governos Fernando Collor e Itamar Franco, ocorreu a ofensiva neoliberal, consolidando-se no governo de Fernando Henrique Cardoso. A partir daí, as políticas sociais vêm sofrendo constantemente um processo de desmonte. As diretrizes para o referido desmonte se materiali- zam no Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE, 1995), que conjuga a redu- ção dos direitos sociais e o beneficiamento do setor privado, apoiado na estratégia de desresponsabilização do Estado e responsabilização da sociedade civil, sob a denominação de publicização5.

O centro da reforma consiste no necessário ajuste fiscal, acompanhado de uma cultura de consumo e de privatizações das empresas estatais, as quais se apresentam como um dos pilares, do que se convencionou, na literatura crítica, de contrarreforma, promovendo uma forte incongruência entre o discurso da reforma e a política econômica, se relacionarmos ao crescimento enorme da dívida pública.

Essa tendência tornou-se mais expressiva no Governo de Luís Inácio Lula da Silva (2002-2010), uma vez que se teve a continuidade do favorecimento dos interesses do capital financeiro. As políticas sociais, neste governo, refleti- ram seu alinhamento com as determinações dos agentes financeiros nacionais e internacionais, por intermédio do redirecionamento e corte dos gastos so- ciais. Em 2013, por exemplo, do orçamento público federal foram gastos em torno de R$ 212 bilhões na área social (saúde, educação, trabalho e emprego, assistência social, cultura, desenvolvimento agrário, etc.) excluindo-se a pre- vidência social, e com a rolagem da dívida pública, com apenas os juros, foram gastos R$ 213 bilhões (ANFIP, 2013). Estes dados revelam a captura do fundo público para o capital financeiro.

Portanto, as estratégias utilizadas pelo capital para superar a crise atual, par- ticularmente aquelas expressas na redefinição do papel do Estado e na configura- ção das políticas sociais, vem repercutindo diretamente na política de saúde, via privatização, sucateamento e subfinanciamento6, o que tem implicado num ver- dadeiro processo de desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS).Vem, pois, afe-

tando diretamente as relações de trabalho neste âmbito, principalmente dos(as) assistentes sociais, visto que estes têm no Estado o seu principal empregador, promovendo, assim, um processo de precarização tanto na oferta dos serviços, quanto na inserção dos trabalhadores nesse espaço sócio-ocupacional, problemá- tica que abordaremos a seguir.

A Política de Saúde no contexto da contrarreforma: implicações para o trabalho dos assistentes

O longo processo de construção e efetivação do Projeto da Reforma Sanitária Brasileira, marco no campo da Política de Saúde nos anos 1980, confronta-se, a partir dos anos 1990, com a expressão mais clara de um Projeto de Saúde de cunho privatista, articulado aos interesses do mercado.

Observa-se que a direção da contrarreforma nesta área implicou num re- direcionamento da gestão pública, resultando na focalização, visto que vem privilegiando o atendimento às populações mais vulneráveis através de uma “cesta” de ações básicas para a saúde e um forte incentivo à privatização, através do estímulo aos seguros privados, à descentralização de serviços e ao subfinanciamento. Logo, tem prevalecido um ataque à universalidade do direito à saúde, um dos pilares centrais do SUS. A ênfase é dada às propostas de parceria com a sociedade civil, bem como à forte tendência da refilantro- pização da assistência à saúde (SERPA, 2006).

Como destaca Correia (2007), o SUS foi atacado em seu caráter universal e público, visando ao seu desmonte através de um processo de universalização excludente, mercantilização e privatização da saúde. Seguindo a tendência das políticas sociais brasileiras, comparecem de forma enfática as orientações dos organismos internacionais, a exemplo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM). Na área da saúde, eles formalizam “recomendações” no sentido da racionalização de gastos e do fortalecimento do setor privado na oferta de bens e serviços coletivos.

As evidências das referidas “recomendações” estão expressas nos espaços físicos precários dos hospitais, na falta de leitos, de medicamentos e de equi- pamentos necessários para o exercício das atividades em saúde. Presenciamos a falência do setor público de saúde, com um funcionamento precário, predo- minando ora a ociosidade pelas péssimas condições de trabalho, ora por um atendimento massivo com pouca resolutividade, não atendendo as demandas da população (SERPA, 2006).

De acordo com Soares (2010, p 345), dentre os eixos estruturadores da ra- cionalidade da contrarreforma na saúde podemos destacar:

Novos modelos e instrumentos de gestão – como proposições que defendem a tecnificação da gestão como solução para os problemas e contradições do SUS, pautados também e principalmente em mudanças na gestão do trabalho. Dentre estes modelos e instrumentos, podemos destacar a – pactuação e consensualiza- ção, a contratualização de metas, a participação concebida de forma colaboracio- nista e solidária, entre outros.

Desta forma, é instituída a lógica mercantil no SUS, de modo que as práticas profissionais devam obedecer a metas e objetivos específicos, o que remete ao au- mento da produtividade do trabalho e de sua exploração no setor da saúde pública. Diante da agudização da crise do gerenciamento dos serviços de saúde, prin- cipalmente, dos hospitais públicos, a proposta da Fundação Estatal é assumida como “a alternativa” para o setor de saúde. No âmbito dos Hospitais Universi- tários, a proposta que prevalece é a propalada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que aprovada no apagar das luzes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em dezembro de 2010, propõe a gestão eficiente dos recur- sos financeiros e humanos em parceria com a iniciativa privada. A rigor, recaem

sobre os trabalhadores da saúde os efeitos mais negativos dessas propostas.

Em síntese, a força de trabalho, a prestação dos serviços e o acesso aos usuários constituem o alvo privilegiado, quando o Estado busca a eficiência e a eficácia do serviço público, através de sua investida privatizante (SERPA, 2009) e, nesse sentido, os modelos de gestão, seja a Fundação Estatal, a Organização Social ou a EBSERH, representam um patamar de regulamentação do trabalho na saúde que revela o processo efetivo da flexibilização e intensificação da pre- carização do trabalho no setor público.

A lógica privatista que tem predominado no campo da saúde, orientada pelos interesses do grande capital, vem transformado o referido campo num grande negócio, responsável por acrescentar grandes lucros ao setor privado em detri- mento do financiamento por parte do Estado (BATISTA JÚNIOR, 2011). Sob essa orientação, têm se precarizado os serviços de saúde, bem como o trabalho dos profissionais inseridos neste campo.

O Serviço Social, assim como as demais atividades profissionais inscritas na divi- são social e técnica do trabalho, não se encontra imune às determinações do impulso

expansionista do capital e suas estratégias empreendidas para a restauração das taxas de lucros e, por conseguinte, ao processo de precarização das relações de trabalho.

Uma das questões que os estudos acerca da precarização das relações de traba- lho dos (as) assistentes sociais vêm ressaltando, consiste no fato de que:

[...] o exercício profissional dos assistentes sociais [...] tem na flexibilização uma forma de precarização de seu trabalho tanto como segmento da classe trabalhado- ra quanto como profissional que atua no âmbito dos serviços, das políticas e dos direitos sociais (GUERRA, 2010, p.719).

Para Guerra (2010, p. 719), uma das formas de precarização se expressa atra- vés de diferentes dimensões, tais como:

[...] desregulamentação do trabalho, mudanças na legislação trabalhista, sub- contratação, diferentes formas de contrato e vínculos que se tornam cada vez mais precários e instáveis, terceirização, emprego temporário, informalidade, jornadas de trabalho e salários flexíveis, multifuncionalidade ou polivalência, desespecialização, precariedade dos espaços laborais e dos salários, frágil orga- nização profissional, organização em cooperativas de trabalho e outras formas de assalariamento disfarçado, entre outras.

Precarização essa que abrange desde as formas de contratação, como os contratos sem a realização de concursos ou por prestação de serviços, até as condições de trabalho em que se incluem o cumprimento de metas de produti- vidade; a exigência de múltiplas capacitações para trabalhar em diferentes áreas da política social ao mesmo tempo; a existência de jornadas longas e excessivas, bem como as atividades “extras” do espaço sócio-ocupacional que são realizadas no espaço domiciliar, além das rotinas de viagens exaustivas e acúmulo de funções e atividades (ALENCAR; GRANEMANN, 2009)

Dados levantados pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2005) sobre o perfil dos assistentes sociais, corroboram as referidas investigações sobre a problemática em questão. Verifica-se que 78,16% dos (as) assistentes sociais no Brasil encontram-se inseridos nos espaços sócio-ocupacionais das instituições públicas de natureza Estatal, sobretudo nas instituições situadas no âmbito mu- nicipal. Além disso, a pesquisa revela que destes trabalhadores inseridos no setor público, apenas 55,68% possuem vínculo estatutário.

Seguindo a tendência nacional, os dados ainda revelam que o Nordeste destaca-se como a terceira região brasileira com maior número de profissionais nas instituições públicas e com o menor índice de vínculos estatutários, ou seja, menos da metade dos assistentes sociais (47,45%). Quanto ao salário, apresenta os piores indicadores, posto que 27,55% dos (as) assistentes sociais recebem até 03 (três) salários mínimos, 42,35% entre 04 (quatro) e 06 (seis) salários mínimos, estando, portanto, abaixo da média nacio- nal. Em relação à jornada de trabalho, destaca-se a incidência de cargas horárias entre 30 e 20h semanais. No entanto, há uma prevalência do vínculo duplo (13,70%).

Essas condições expressam as tendências globais do mundo do trabalho, no qual a desregulamentação da economia é a principal indicação para inflar a fi- nanceirização do capital. Suas implicações se dão nas mais variadas profissões, sobretudo naquelas que há legitimação e respostas às demandas da classe traba- lhadora, fragilizando e precarizando o desenvolvimento das condições e relações de trabalho no exercício profissional.

Seguindo essa tendência, o Estado da Paraíba, particularmente os municípios de João Pessoa e Campina Grande, conforme discutiremos a seguir, vem conso- lidando um acentuado processo de precarização das relações e das condições de trabalho dos(as) assistentes sociais.

As expressões da precarização das relações e condições de trabalho dos(as) assistentes sociais na Política de Saúde: a particularidade do Estado da Paraíba

A política de saúde, espaço profissional objeto deste artigo, sofre os impactos da crise capitalista, expressa no reordenamento do papel do capital e do Estado. Os serviços de saúde simbolizam a versatilidade do capital em transformar uma atividade de serviço, caracterizada a princípio como improdutiva para o capital, em potencialmente lucrativa e produtiva. Ou seja, um serviço que possui um valor de uso social e coletivo passa a ser um serviço cuja utilidade social está asso- ciada à geração de lucro, isto é, a mercantilização (SERPA, 2009). Desta forma, a saúde vem sendo concebida pela lógica da mercadorização, que se concretiza atra- vés de iniciativas de privatização dos serviços, como indicamos anteriormente.

O conjunto de transformações operado pelo capital tem impactado na in- serção e no exercício profissional dos assistentes sociais, uma vez que se amplia o mercado de trabalho e a complexidade das problemáticas no campo da saúde. Todavia, as particularidades dessas metamorfoses indicam uma nova configuração para a profissão na política de saúde.

A atual configuração do mercado de trabalho dos assistentes sociais tem como elemento determinante as tendências atuais de gestão da força de trabalho apre- sentadas anteriormente, seja na sua inserção no âmbito privado ou público. O novo modelo de gestão do trabalho adotado, em razão da nova fase do capital, requer a reorganização do trabalho em todas as esferas. Não obstante, amplia os espaços sócio-ocupacionais, acompanhada de um processo de precarização do trabalho, com determinantes que caracterizam as relações e condições de tra- balho para a classe trabalhadora, incluída a categoria dos (as) assistentes sociais.

A inserção dos (as) assistentes sociais na política de saúde responde às deman- das relacionadas à promoção, prevenção e recuperação da saúde nos diferentes ní- veis de atenção e ainda vem representando, no mercado de trabalho profissional, a área que vem incorporando um significativo número de profissionais.

Nesse processo, confere-se a transferência da gestão do sistema para os mu- nicípios, rebatendo fortemente na esfera de prestação direta de serviços sociais públicos, assumidos, então, pelas instituições públicas municipais. Nessa direção, o município passa a assumir a gestão da força de trabalho, sendo responsável di- reto pela contratação e gerenciamento das relações de trabalho no setor público, constituindo uma nova configuração da gestão de trabalho no nível municipal, que responde a uma combinação entre demanda por serviços públicos e um novo padrão de regulação do trabalho.

Conforme os resultados da nossa pesquisa realizada por meio do mapeamento dos espaços sócio-ocupacionais, foi possível identificar a presença de 232 assisten- tes sociais inseridos(as) na esfera municipal, sendo 83 assistentes sociais em Cam- pina Grande e 149 no município de João Pessoa. Entretanto, a pesquisa de campo aplicou formulários a 133 assistentes sociais, sendo 60 em Campina Grande e 73 em João Pessoa, quantitativo que respondeu a pesquisa. A escolha por estes dois municípios justifica-se pela maior oferta de serviços de saúde e, consequente- mente, maior inserção dos assistentes sociais.

Os serviços que incorporam esses profissionais integram a atenção básica e média complexidade, requisitando um atendimento direto aos usuários, privi- legiando ações assistenciais, seletivas e emergenciais, atuando de forma menos expressiva em atividades relacionadas diretamente à gestão, como nos serviços de Gerência de Setor e Ouvidoria.

Vale ressaltar que no município de Campina Grande existe uma prevalência de assistentes sociais na Atenção Básica, devido à inserção, por meio de concurso público, dos(as) assistentes sociais na Estratégia de Saúde da Família (ESF). Faz-se

necessário destacar que embora considere-se um avanço essa inserção formal, a quantidade de assistentes sociais contratadas não vem acompanhando a expansão das Unidades Básicas de Saúde (UBS), restando ao profissional fazer a cobertura de mais de uma UBS, às vezes até de cinco, precarizando suas condições de traba- lho. No caso de João Pessoa, a maior concentração de profissionais se encontra na média e na alta complexidade, uma vez que atuam principalmente em Unidades Ambulatoriais especializadas, hospitais e maternidades.

A expansão da inserção dos (as) assistentes sociais na política de saúde pode ser constatada por meio dos dados que indicam que, no período de 2004-2011, os municípios pesquisados elevaram seu patamar de contratação, representando um acréscimo de 42%. Crescimento este que mantém uma íntima relação com a im- plantação e com a ampliação das ações institucionais subsidiadas pelo governo fede- ral, a exemplo da ESF, do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e da Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

Esses espaços sócio-ocupacionais vêm requisitando a atuação dos profissionais em diversos programas, especialmente no atendimento direto aos usuários, por meio de ações imediatas e emergenciais, o que evidencia a focalização da ação profissional em ações fragmentadas e seletivas. Esse direcionamento expressa os primeiros indícios de um processo crescente de precarização da atividade pro- fissional também revelado no perfil profissional e nas relações e condições de trabalho estabelecidas nos municípios pesquisados.

A rigor, nosso estudo possibilitou uma análise das atuais condições de tra- balho dos assistentes sociais na saúde, auxiliando na complexa configuração do mercado de trabalho dos assistentes sociais, apontando as principais tendências que se colocam para a profissão neste campo.

Conforme Druck (2007), uma nova dinâmica da precarização do trabalho reflete-

-se como um processo social composto pela ampliação e institucionalização da instabi- lidade e da insegurança, expressa nas atuais formas de organização do trabalho.

Em relação à instabilidade e à insegurança, podemos destacar que eles estão presentes na realidade profissional, embora exista uma formalização no ingres- so dos assistentes sociais na política municipal de saúde. Assim, contrariando as atuais tendências do mercado de trabalho em geral, que evidenciam relações de trabalho expressas nas subcontratações e vínculos precários, na saúde a formali- zação do vínculo de trabalho tem sido algo significativo. A pesquisa revelou que 74,2% dos profissionais possuem vínculo de estatutários, indicando vínculos for- mais com garantias trabalhistas e estabilidade, conforme prevista em Lei.

Entretanto, em que pesem esta constatação, verificamos que 25,7% dos assistentes sociais possuem vínculos precários de trabalho. O crescimento deste tipo de vínculo tem ocorrido em função da inserção de profissionais em Projetos/ Programas executados nos serviços de saúde, a exemplo do NASF, UPAs e CAPS, que se constituem em possibilidades de expansão precarizada do mercado de trabalho profissional. São nestes espaços ocupacionais que se evidenciam os contratos precários.

Entretanto, a expressiva formalização do vínculo oculta outras formas de pre- carização do trabalho, presentes nas condições objetivas e subjetivas de trabalho, no padrão salarial e nas possibilidades de atuação profissional.

Associado a estes elementos, consideramos outra particularidade da inserção neste campo, no que se refere aos múltiplos vínculos de trabalho. Foi identifica- do que 42,11% de profissionais exercem o duplo vínculo, fato que caracteriza a dimensão da polivalência e da multifuncionalidade, que expressam a precarização do trabalho. Fato este caracterizado por Guerra (2010) como “pluriemprego”, o que também tem demandado aos assistentes sociais a inserção socioprofissional em duas ou mais políticas. Para a autora, esta relação implica a descontinuidade no/do exercício profissional, já que muitos trabalham em regime de plantão, o que incentiva intervenções pontuais e visa respostas imediatas.

No que se refere ao padrão salarial, o estudo revelou que aproximadamen- te 80% dos profissionais recebem até 03 ( três) salários mínimos. Outro dado agravante é que 44% possui uma remuneração entre 01 (um) e 02 (dois) salários mínimos. Ao considerarmos o total de profissionais que recebem até 02 (dois) salários mínimos, esse percentual atinge 52,2%. Isso evidencia um baixo padrão salarial, bem como revela uma diferença salarial em relação à realidade nacional, que de acordo com a pesquisa do CFESS (2005), os salários de maior incidência a nível nacional estão entre 4 (quatro) a 6 (seis) salários mínimos.

Diante do rebaixamento dos salários, estes profissionais vivenciam con- dições precárias de vida, cuja reprodução social se vê limitada. Enfrentam, ainda, dificuldades em manter a formação continuada, como por exemplo, a participação em eventos, a aquisição de livros, revistas e jornais e a inserção em cursos de aperfeiçoamento e especialização, uma vez que a oferta destes cursos vem se dando, majoritariamente, no setor privado. Constatamos, con- traditoriamente, que 50,9% das pós-graduações realizadas pelos (as) assisten- tes sociais são privadas, indicando que os baixos salários ainda financiam as capacitações ao nível de especialização.

Vale ressaltar que, na atual conjuntura, a qualificação profissional, por sua vez, representa uma exigência do mercado de trabalho, que se mostra cada vez mais rigoroso na contratação de seus trabalhadores. Deste modo, a capacitação se apresenta enquanto uma ferramenta deste mercado de trabalho mais exigente e um diferencial para o profissional, visto que, comumente, os concursos públicos solicitam provas de títulos, permitindo aos especializados maiores possibilidades de ingresso no mercado.

A precarização do trabalho no SUS também se evidencia ao estabelecermos a relação entre os dados de vínculo de trabalho e jornada de trabalho. Nesse as- pecto, identificamos que há uma predominância na jornada de 40 horas semanais, representando 87,93% para profissionais prestadores de serviços. Isto reafirma a tendência de intensificação da jornada para o trabalho com vínculo mais vul- nerável. Para os profissionais com vínculos estatutários, prevalece a jornada de 20 horas, representando 53,79%. Assim, podemos perceber que essa jornada de trabalho corresponde ao que preconiza a Lei nº 12.317/10, que trata da jornada de trabalho para os assistentes sociais.

Guerra (2010), ao referir-se à jornada de trabalho, atribui-lhe uma dupla di- mensão: o encurtamento da jornada de trabalho dos (as) assistentes sociais de 40h para 30h reflete-se numa sensação de encolhimento do tempo, que, se por um lado permite aos profissionais dedicarem-se a outras atividades, por outro, em virtude dos baixos salários, os profissionais precisam estabelecer outros vínculos de traba- lho, o que leva tanto ao aumento da jornada de trabalho quanto ao pluriemprego.

No tocante às condições de trabalho, os indicativos de precarização se expres- sam na ausência e na depreciação dos espaços de trabalho e do arsenal operativo a que têm acesso os profissionais. O estudo revelou a inadequação das instalações físicas, a ausência de espaços para atendimentos individuais e coletivos, a restrição de recursos materiais e equipamentos, contribuindo para a descontinuidade do trabalho profissional e sua fragmentação em função da excessiva demanda frente ao número reduzido de profissionais. A ausência e a inadequação de espaço físico constitui uma dificuldade para garantir o direito e o dever ao sigilo profissional, conforme preconiza o Código de ética do Assistente Social.

O mercado de trabalho profissional neste espaço sócio-ocupacional vem sofrendo os impactos da precarização do trabalho, refletidos na desregula- mentação dos vínculos de trabalho, nos baixos salários, na rotatividade e frag- mentação do trabalho, na precariedade das condições objetivas de trabalho pela inadequação dos espaços onde atuam os profissionais do Serviço Social

no campo da saúde. De acordo com Guerra (2010, p.717), os assistentes sociais “vivenciam e enfrentam as expressões da exploração e dominação do capital sobre o trabalho e efetivam respostas no campo dos direitos, enfren- tando as expressões da chamada “Questão Social”.

O estudo revelou, de maneira regular e sistemática, o processo de supres- são de direitos sociais e trabalhistas – comprometendo o construto da proteção do trabalho – e, como assinalam Mota e Amaral (1998, p. 37), “a ‘naturalização’ da superexploração do trabalho” que se evidencia no mercado de trabalho dos (as) assistentes sociais.

Portanto, para além da apreensão da atual lógica de exploração da força de trabalho, é preciso ações coletivas dos trabalhadores, que visem enfrentar a estabelecida ofensiva do capital em relação ao trabalho. Indiscutivelmente os (as) assistentes sociais precisam decifrar os processos de precarização do trabalho em curso, com o objetivo de produzir conhecimento crítico sobre o movimento da realidade e, assim, instrumentalizar e fortalecer as ações de re- sistência que, mesmo nessa conjuntura adversa, as entidades da categoria vêm, aguerridamente, implementando.

Considerações Finais

As reflexões aqui apresentadas permitem identificar os rebatimentos do reordenamento do Estado nas políticas sociais e suas implicações na particula- ridade da política de saúde, permitindo delinear as atuais configurações desse mercado de trabalho profissional. Estudos que assumem esse enfoque ganham relevância à medida que evidenciam uma temática que precisa ser analisada como resultado de um processo de racionalização do trabalho vivo e da frag- mentação do trabalhador coletivo.

Nessa direção, é possível indicar que as atuais imposições e requisições do capital comprometem o trabalho das assistentes sociais pautado no Projeto Ético Político da profissão, uma vez que o imediatismo e as ações fragmentadas não permitem uma apreensão da essência do real, deixando, muitas vezes, o profissio- nal na superficialidade da compreensão das expressões da “questão social”.

Portanto, para além da compreensão da atual lógica de exploração da força de trabalho, são necessárias ações coletivas dos trabalhadores, que visem enfrentar a estabelecida ofensiva do capital em relação ao trabalho. Os (as) assistentes sociais precisam compreender o atual processo da precarização do trabalho para poten- cializar e articular ações de resistência.

Pelo exposto, pode-se assinalar que a sociedade brasileira, a partir da Car- ta Magna de 1988 e demais mecanismos jurídicos e políticos dela decorrentes, estabeleceu um leque de instrumentos e políticas públicas para fazer frente às expressões da “questão social’. No entanto, face à crise estrutural do capital, pre- senciamos a refuncionalização de tais mecanismos jurídicos em favor do imperati- vo da expansão e acumulação do capital, e o Estado redireciona o fundo público, mercantilizando as políticas sociais.

As opções dos recentes governos de direcionar o fundo público para o mercado deixam claro que o Estado brasileiro tem primado pela política eco- nômica e pelos interesses privados do capital, em detrimento da política so- cial e das demandas do trabalho, motivo pelo qual redireciona as políticas da seguridade para os rumos da privatização, assistencialização e monetarização da proteção social brasileira. Contudo, ainda assim, apesar de todas as inves- tidas para descaracterizá-la da qualidade de política pública, a seguridade so- cial, de modo específico, a saúde desempenha importante e irrefutável papel na garantia de direitos sociais. Devemos, pois, lutar por sua preservação e qualificação, sob o risco de nos depararmos com a destruição dos primeiros, e últimos, resquícios de uma proteção social que foi arduamente conquistada pela luta do trabalho, na Constituição Federal de 1988.

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Notas

1 Assistente Social, Doutora em Serviço Social pela UFPE. Professora do Departamento de Ser- viço Social da UEPB. E-mail: jordeanadavi@uol.com.br
2 Assistente Social, Doutora em Serviço Social pela UFPE. Professora do Departamento de Ser- viço Social e do PPGSS/UEPB. E-mail: serpamoema@gmail.com.
3 Assistente Social, Mestre em Serviço Social/UFPB. Professora do Curso de Serviço Social da UFCG. E-mail: cidanunescg@hotmail.com
4 Assistente Social, Doutora em Serviço Social pela UFPE. Professora do Departamento de Ser- viço Social da UEPB e do PPGSS/UEPB. E-mail: monicabnobrega@yahoo.com.br
5 O processo de publicização consiste na descentralização para o setor público não-estatal da exe- cução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser por ele subsidiados, como é caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa cientifica.Transfere- -se para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, e estabelece-se uma parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle.
6 Os gastos com a política de Saúde no Brasil representaram, em 2013, 1,76% do PIB. No tocan- te à participação do Fundo Nacional de saúde (FNS) no orçamento da seguridade social, dados do Relatório da seguridade Social revelam que vem havendo uma queda, chegando a 2013 um percentual de 13,1%, menor do que em 2000, que foi de 15, 6%. (ANFIP, 2013) Artigo recebido em julho de 2015 e aceito para publicação em setembro de 2015.
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