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Do Limbo ao Gueto; Do Gueto ao Limbo: a (difícil) institucionalização da política de juventude de Niterói
Do Limbo ao Gueto; Do Gueto ao Limbo: a (difícil) institucionalização da política de juventude de Niterói
O Social em Questão, vol. 17, núm. 31, pp. 93-116, 2014
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Resumo: Neste artigo nós examinamos as dificuldades presentes no processo de institucionalização das políticas sociais. Destacamos que as chamadas políticas de última geração têm que tentar ultrapassar diferentes barreiras até serem vistas como legítimas e ganhar um lugar na agenda governamental. Para desenvolver o nosso argumento central, realizamos um estudo de caso a respeito de um conjunto de ações direcionadas à juventude de uma cida- de brasileira de grande porte.
Palavras-chave: Política Social, Juventude, Institucionalização.
Abstract:
In this article we analyze how the process of institutionalization of social policies can be difficult. We underline that the so-called new generation policies have to try to surpass different barriers to be seen as legitimate and to gain a place in the governmental agenda. In order to present our argument we carried out a case study about an attempt to institu- tionalize a set of actions directed to the youth living in a Brazilian big sized city. Social Policy;Youth; Institutionalization. pg 93 - 116
O Social em Questão - Ano XVIII - nº 31 - 2014
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Keywords: Social Policy, Youth, Institutionalization.
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Há que se destacar também o fato de que, apesar do seu relativo sucesso, a ideia de uma política de juventude nunca conseguiu se incrustar no seio da ad- ministração municipal, de modo que obtivesse apoio sistemático e contínuo de outros secretários e do prefeito. Situava-se, portanto, em uma situação bastante diferenciada de outras cidades, como Porto Alegre ou Santo André. Tratava-se, assim, vale reafirmar, de uma política mais ou menos isolada, muito sujeita às va- riações do jogo político local e às concepções flutuantes sobre as ações que seriam efetivamente da competência da Secretaria de Assistência Social. Também estava sujeita às preferências temáticas desse ou daquele gestor. Era, em suma, uma po- lítica que sempre carregou a marca da instabilidade, mesmo em seus momentos de melhor desempenho.
Por fim, devemos salientar que o funcionamento da Coordenação — mas também da Secretaria Municipal de Assistência Social em geral — sofreu com o ônus da baixa institucionalidade de suas ações e estrutura. Enquanto houve pesso- as comprometidas com o seu projeto e dispostas a assumir riscos de implementar programas em condições inadequadas, foi possível materializar ações importantes para os segmentos aos quais se dirigia. Mas não tendo sido assumida como uma ação relevante, perdeu seu vigor quando as pessoas dela se desligaram e porque faltou transformar decisões políticas importantes em legislação normativa que desse algum grau de segurança à continuidade do trabalho até então implementa- do. Sobre isso é elucidativa a fala de uma entrevistada:
E a gente só se deu conta que não tinha materializado nada quando viu as coisas se acabando. A gente não se dava conta de que a gente não tava deixando nada concreto, nem uma lei por exemplo. A gente fez várias conferências, mas nada se transformou em lei. Eram as coisas muito voltadas para o executivo, execução.
O fenômeno em causa teve uma incidência particular no quadro de pessoal, pois ao longo do período estudado, predominou a contratação de força de tra- balho envolvida nas ações da Secretaria e da Coordenação em regimes extrema- mente precários. Não ter conseguido reverter essa tendência e realizar um amplo concurso público para a área de assistência social foi também mencionado como um dos elementos causais do declínio da Coordenação e do projeto da política de assistência social. Não que o concurso fosse resolver todos os seus problemas ou impedir as infiltrações conservadoras que punham em causa a sua estrutura- ção mais consistente em torno dos princípios do Suas. Ele teria, contudo, dado
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mais estabilidade às ações, auxiliaria na imprescindível conservação da me- mória institucional e permitiria a inserção nele de agentes menos vulneráveis à perseguição política e, portanto, mais livres para uma eventual defesa do projeto em curso. Sobre a importância de um quadro de pessoal estável e profissionalizado, vale lembrar que Desmond King (1988) atribui a ele um dos principais fatores que impediram o desmonte dos Estados de Bem-Estar Social em diferentes países europeus.
Neste cenário, sem um programa de monta que constituísse seu carro-chefe, a Co- ordenação perdeu recursos, status e foco de intervenção. Perdeu institucionalidade.
Na última das suas fases que estudamos ela tentava se reinventar e, ao fazê-lo, tentava reinventar um projeto de uma política de juventude em Niterói. Na seção seguinte, tratamos dessa fase em maior detalhe.
Tempo IV - De volta ao começo
Ao entrevistar a coordenadora de juventude de Niterói em 2011, ficamos com a forte impressão de uma volta ao começo. O seu discurso e o espaço da Co- ordenação lembravam um período da sua história localizado há mais de dez anos. O carro-chefe do seu trabalho tinha como componentes principais o reconhe- cimento da importância da Coordenação, a aquisição das condições operacionais mínimas e a uma incorporação mais consistente da área de juventude no plano de governo municipal. Em suma, a obtenção da institucionalidade (baixa que fosse)
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Notas