Resumo: Desde 1973 estamos em um mundo profundamente destrutivo sob a hegemonia neoliberal, com o domínio do capital financeiro e processos de mutações tecnológicas que deveriam ser positivos para a humanidade. A tecnologia é comandada pelas grandes corporações visando o aumento dos controles da riqueza gerada no mundo. O sistema de metabolismo do capital é antissocial e letal. Como vai funcionar se o sistema entrar em colapso? Você é a favor da vida ou do lucro? Este é imperativo categórico do nosso tempo. A pandemia é uma consequência de um sistema que é destrutivo, pois não visa a humanidade, visa o lucro. Temos que reinventar um novo modo de vida.
Palavras-chave:Metabolismo do capitalMetabolismo do capital,Hegemonia neoliberalHegemonia neoliberal,Pandemia da COVID-19Pandemia da COVID-19,Crise estrutural do capitalCrise estrutural do capital.
Abstract: Since 1973 we have been in a deeply destructive world under neoliberal hegemony, with the dominance of financial capital and technological change that should be positive for humanity. The technology is commanded by large corporations in order to increase controls on the wealth generated in the world. The capital metabolism system is antisocial and lethal. How will it work if the system collapses? Are you in favor of life or profit? This is a categorical imperative of our time. The pandemic is a consequence of a system that is destructive as it does not protect humanity. It protects profit. We have to reinvent a new way of life.
Keywords: Metabolism of capital , COVID-19 pandemic, Structural crisis of capital, Neoliberal hegemony.
Artigos
O vilipêndio da COVID-19 e o imperativo de reinventar o mundo
The coronavirus villain and the imperative to reinvent the world
Recepção: 01 Junho 2020
Aprovação: 01 Agosto 2020
III
Há, desde logo, um ponto que considero muito importante, que está presente nas ações que a classe trabalhadora está fazendo para sobreviver nas periferias, nos bairros operários e nas comunidades populares, nas comunidades indígenas: trata-se do desafio da auto-organização. Isso porque, deste governo, não é possível esperar nada. É uma variante de desgoverno que combina desqualificação, desequilíbrio, ideário fascista e capitalismo excludente e brutal; que é completamente dependente dos interesses das mais distintas frações burguesas (especialmente as mais predadoras), do império norte-americano e que, em sua política destrutiva, desde o começo que não faz outra coisa senão destroçar a res pública (tudo que é público e que funciona nesse país foi destruído e agora estamos vendo as consequências profundas disso, especialmente na saúde pública). O último exemplo de monta foi a destruição completa da previdência publica, que terá, também, que ser em algum momento revogada.
Assim, a auto-organização popular talvez seja o principal elemento desse período tão trágico e tão destrutivo. Sabemos que há uma fragilização dos sindicatos, além da acomodação dos seus setores mais cupulistas e conciliadores. Mas sabemos também que há um real desafio para o sindicalismo de classe e de base, que será o de representar o conjunto amplo, compósito e heterogêneo que constitui a classe trabalhadora em sua nova morfologia.
Claro também que o Estado (em todas as suas instâncias, federal, estadual e municipal) tem que ser fortemente confrontado e intensamente pressionado para tomar medidas que minimizem as tragédias sociais no interior da classe trabalhadora.
Mas há outro ponto que entendo como sendo crucial: as esquerdas majoritárias não podem mais continuar seguindo sua rota tradicional; o desafio da esquerda social será o de atuar junto à vida cotidiana dos/as trabalhadores/as e avançar no desenho e na proposta de apresentar um novo projeto humano e social, um novo modo de vida, para além dos constrangimentos impostos pelo sistema de metabolismo antissocial do capital.
O cenário social e político é o pior dos mundos: a extrema-direita, em várias partes, está assumindo sua posição ultra-agressiva, antissistêmica, que atribui a si a capacidade de mudar o mundo, mesmo sabendo que sua propositura é a porta de entrada para o inferno de Dante11, uma vez que sela a finitude do que resta de vida civilizada.
Se estivéssemos em 2011/2013, nosso olhar estaria voltado para a era de rebeliões que se expandia mundialmente. A geração nem estuda e nem trabalha na Espanha, os precários inflexíveis em Portugal, o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, explosões na França, Inglaterra e Grécia. Explosão em vários países do Oriente Médio. Nós vivemos, entretanto, uma era de rebeliões que não se converteu em uma era de revoluções, porque são dois fenômenos sociais bastante distintos. Um pode se metamorfosear no outro, mas exige uma processualidade complexa, que inexistia nas rebeliões de massa daqueles anos.
Ao contrário, aquela era de rebeliões foi obstada pelo advento de uma era de contrarrevoluções, de que foram exemplos a eleição de Donald Trump nos EUA, de Boris Johnson na Inglaterra e de vários governos fascistas e de extrema-direita na Hungria, Áustria, Polônia etc. Adentrávamos, então, em uma era de contrarrevoluções. Mas a história é imprevisível e muitas vezes impiedosa. E sabe como ela pode começar a passar? Trump tem grandes chances de ser derrotado pelo coronavírus e por uma crise econômica que ele não imaginou que pudesse chegar aonde chegou. E se o Trump cair, o Bolsonaro pode se desmanchar no ar. Se o Trump perder as eleições em 2020, a extrema-direita e o fascismo perdem o seu baluarte mundial. E, com as consequências sociais previsíveis, pode ressurgir uma nova era de revoltas. Isso porque uma crise brutal na era da mundialização do capital traz também, em seu bojo, a possibilidade da mundialização das rebeliões e das lutas sociais. Vale lembrar que está em curso uma forte revolução feminista, contemplando por certo uma ampla disputa de perspectivas e concepções, mas que traz em seu ser a ideia central do fim de tantas opressões.
As respostas do grande capital estão mais do que evidenciadas: um modelo antissocial, fundado na acumulação capitalista e na riqueza privatizada a todo custo, respaldada na ilimitada exploração e espoliação do trabalho, na corrosão completa dos direitos sociais, na destruição da natureza, no racismo, no sexismo, na homofobia, na xenofobia, tudo isso sob o embalo da mais horripilante forma de poder da modernidade, que é a aberração fascista.
Agora, entretanto, o rei está nu: a essência perversa e destrutiva do sistema de metabolismo antissocial do capital destrói o trabalho e a humanidade, destrói a natureza, explora e oprime intensamente as mulheres, os negros e as negras, os/as indígenas, impede a busca vital da igualdade substantiva, a felicidade da juventude, a plena liberação sexual, etc. É chegada a hora de obstar, barrar, travar e impedir mais devastação, mais sujeição, mais desumanização.
Como disse recentemente em entrevista ao Marco Zero Conteúdo (Dias, 2020): até poucos meses atrás, toda a grande imprensa citava o Chile como exemplo mais maravilhoso e bem sucedido do neoliberalismo na América Latina. E esse projeto entrou em colapso com a explosão de uma enorme rebelião popular. E o que causou esse levante? Foi o aumento da passagem do metrô, ocasião em que o copo transbordou, depois de uma sucessão quase interminável de saques e vilipêndios.
Chega uma hora, então, que as saídas são muito imprevisíveis, que dão sentido à metáfora do Bacurau12. Isso porque é difícil imaginar que uma sociedade – qualquer que seja ela – possa ser destroçada ilimitada e eternamente.
E termino com outra metáfora: o grande escritor latino-americano Ciro Alegria (1981) escreveu um belíssimo livro sobre a América indígena, cujo título é Grande e Estranho é o Mundo13. Pois é nesse imenso e estranho universo que aflora o dilema crucial de nosso tempo: ele não pode ser outro senão o de reinventar um novo modo de vida.