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Comissões de Heteroidentificação ÉtnicoRacial: lócus de constrangimento ou de controle social de uma política pública?
Ethno-racial heteroidentification committees: locus of coercion or public policy social control?
Comissões de Heteroidentificação ÉtnicoRacial: lócus de constrangimento ou de controle social de uma política pública?
O Social em Questão, vol. 24, núm. 50, pp. 11-62, 2021
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Recepção: 02 Novembro 2020
Aprovação: 01 Dezembro 2020
Resumo: Este artigo buscou verificar se as comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial implementadas nas universidades federais, como um dos mecanismos de fiscalização e/ou controle social de uma política pública nova e inovadora, o sistema de cotas, têm sido eficazes contra as fraudes e/ou tentativas de fraudes nas subcotas étnico-raciais destinadas a estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, dos cursos de graduação das universidades supracitadas, conforme determinou a Lei 12.711/2012. Para tal, fez-se a distinção entre comissões de verificação e comissões de validação da autodeclaração étnico-racial, assim como se apresenta dados e/ou resultados da operacionalização das comissões de heteroidentificação de algumas universidades. Conclui-se que as comissões são eficazes não somente porque impedem fraudes, mas também porque inibem tentativas de fraudes.
Palavras-chave: Heteroidentificação Étnico-Racial, Comissões de Verificação, Comissões de Validação, Controle Social, Universidades Federais.
Abstract: This paper attempted to verify whether ethno-racial self-declaration heteroidentification committees, implemented in the Brazilian federal universities as one of the mechanisms for a new and innovative public policy's — the quota system — oversight and/or social control, have been effective against fraud and/or attempted fraud in ethno-racial subquotas allotted to Black, Brown and Indigenous students in those universities' undergraduate courses, as determined by Law 12,711/2012. To conduct this study, a distinction was established between ethno-racial self-declaration verification and validation committees, and data and/or results from certain federal universities' heteroidentification committees were presented. The conclusion was that these committees are effective not only for preventing fraud, but for inhibiting attempts at fraud.
Keywords: Ethno-Racial Heteroidentification, Verification Committees, Validation committees, Social Control, Federal Universities.
Ao que tudo indica, a luta pela implementação das políticas de ação afirmativa para estudantes negros/as ingressarem coletivamente no ensino público superior brasileiro, especialmente por meio de uma de suas técnicas de implementação, o sistema de cotas, não vai arrefecer tão cedo na sociedade brasileira e no seu mundo acadêmico, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido, por unanimidade dos votos dos seus ministros, que esse sistema é constitucional, quando considerou improcedente, em 26 de abril de 2012, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186, ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra o sistema de cotas para negros/as da Universidade de Brasília (UnB)3.
Como demonstrou Santos (2015 e 2014), na década de 2001 as disputas acadêmico-argumentativas e políticas entre intelectuais que eram contra esse sistema e aqueles/as que eram a favor foram mais que intensas, foram febris. Da parte dos intelectuais contrários/as ao sistema de cotas, pode-se dizer que se praticou um “vale tudo” para impedir que esse sistema fosse implementado nas universidades públicas: de ações legítimas e legais a ações ilegítimas e ilegais. Entre as primeiras, pode-se citar, por exemplo, a entrega de manifestos contra o sistema de cotas ao Presidente da Câmara dos Deputados (CD), em 2006, e ao Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2008 (SANTOS, 2015 e 2014), assim como publicações de artigos e livros, inclusive dos manifestos supracitados, questionando a constitucionalidade e a adequação do sistema à realidade brasileira, entre outros questionamentos. Mas houve também a apresentação de argumentos negacionistas, como a afirmação de “não somos racistas” (KAMEL, 2006), ratificada por intelectuais renomados/as como, por exemplo, a professora titular de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Yvonne Maggie (2006).
Mas foram praticadas ações mais contundentes contra o sistema de cotas que o negacionismo supracitado, conforme constatou e denunciou a escritora Ana Maria Gonçalves (2012). Ao ler e analisar o artigo “A constitucionalidade das cotas raciais no Brasil”, de autoria da antropóloga Yvonne Maggie, publicado em 23 de abril de 2012, no Portal G1, a escritora Gonçalves (2012) demonstrou que a antropóloga não somente contou histórias no artigo que não existiram de fato, como distorceu os posicionamentos em defesa das políticas de ações afirmativas do renomado professor Henry Louis Gates Jr., da Harvard University, bem como da célebre ativista afro-estadunidense Rosa Parks4. Ao que tudo indica, Maggie (2012) pretendia influenciar os ministros do STF contando histórias e posicionamentos falsos de atores sociais afro-estadunidenses sobre as políticas de ação afirmativa nos Estados Unidos da América (GONÇALVES, 2012). Mas, como visto anteriormente, a estratégia não funcionou porque o STF julgou constitucional o sistema de cotas.
Poucos meses após a ratificação da constitucionalidade do sistema de cotas para estudantes ingressarem coletivamente no ensino público superior, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que havia sido aprovada no Congresso Nacional (BRASIL, 2012a). Essa lei, também conhecida como "Lei das Cotas", determinou a implementação do sistema de cotas em todas as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) brasileiras, assim como em todas as instituições federais de ensino técnico de nível médio5.
É importante ressaltar que a Lei das Cotas não é para incluir coletivamente estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas nas universidades federais, mas incluir significativamente estudantes provenientes de escolas públicas. Ela, a Lei nº 12.711/2012, prioriza a inclusão dos pobres (“sinônimo”6 de alunos de escolas públicas) nas universidades federais brasileiras. Seu espírito é de “natureza social”7 ou, se se quiser, classista e não racial (SANTOS, 2015).
Como se pode observar no art. 1º da lei supracitada, estabelece-se uma reserva de vagas, ou seja, uma cota de no mínimo 50% das vagas das universidades federais para estudantes oriundos/as de escolas públicas. Mais ainda, o seu art. 3º estabelece uma subcota para estudantes pretos/as, pardos/as, indígenas e com deficiência sobre a cota de 50% do art. 1º, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva a esses grupos na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição de ensino (BRASIL, 2012a). Por conseguinte, a lei e o sistema de cotas que a lei institui são, em primeiro lugar, para estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas. Somente num segundo momento, há “subcotas” para pessoas pretas, pardas, indígenas e com deficiência8. Ou seja, o critério exclusivo para ser sujeito de direito desse sistema de cotas é ser estudante de escola pública. Se o/a estudante não for originário/a de escola pública ele/a não pode ser beneficiário/a do sistema de cotas estabelecido pela Lei nº 12.711/2012, mesmo sendo preto/a, pardo/a, indígena, deficiente e a sua família viver abaixo da linha da pobreza.
Apesar da normatização do sistema de cotas, a luta para o ingresso coletivo de estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas não parou, visto que está havendo, de norte a sul do país, tentativas de fraudes nas subcotas étnico-raciais das universidades federais (SILVA et al., 2020; DIAS, MOREIRA e FREITAS, 2019; ELÍSIO, COSTA e RODRIGUES FILHO, 2019; FONSECA e COSTA; 2019; MACIEL, TEIXEIRA e SANTOS, 2019; MARQUES, ROSA e OLIVEIRA, 2019; NUNES, 2019 e 2018; PASSOS, 2019; SANTOS, CAMILLOTO e DIAS, 2019; SANTOS e FREITAS, 2019a e 2019b; SANTOS e NUNES, 2019; DIAS e TAVARES JUNIOR, 2018; SANTOS e ESTEVAM, 2018).
Para tentar evitar fraudes9 no sistema de cotas, especialmente nas subcotas étnico-raciais, muitas universidades federais, pressionadas principalmente pelos movimentos sociais negros, por alguns/mas estudantes negros/as (organizados/as em coletivos ou não)10, alguns/mas professores/as e pesquisadores/as negros/as (especialmente os membros dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros – NEABs),11 entre outros atores sociais12 (SANTOS e NUNES, 2019; SANTOS e FREITAS, 2019a), têm buscado instituir Comissões de Verificação da Autodeclaração Étnico-Racial e/ou Comissões de Validação da Autodeclaração Étnico-Racial como instrumentos de fiscalização e/ou controle da política pública determinada pela Lei nº 12.711/201213. Estas são conhecidas como comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial dos/as estudantes. É sobre elas que trata o presente artigo.
Em face do espaço que temos para escrever este artigo e do seu objetivo, não vamos analisar ou focar aqui as suas metodologias e procedimentos e/ou formas de operacionalização, como fizeram Silva et al. (2020), Dias, Moreira e Freitas (2019), Elísio, Costa e Rodrigues Filho (2019), Fonseca e Costa (2019); Maciel, Teixeira e Santos (2019), Marques Rosa e Oliveira (2019), Nunes (2019 e 2018), Passos (2019), Santos, Camilloto e Dias (2019), Dias e Tavares Júnior (2018) e Santos e Estevam (2018), nem analisar as suas fundamentações jurídicas, a legalidade dos ritos, procedimentos e atos administrativos para a verificação da autodeclaração étnico-racial, que é discutida geralmente pelos/as operadores/as do direito, como, por exemplo, Dias (2018), Freitas (2018), Rios (2018) e Vaz (2018); tampouco apresentaremos uma proposta de como deve ser feita a heteroidentificação dos/as estudantes candidatos/as às subcotas étnico-raciais, conforme fizeram Carvalho, Seidl e Assis (2018). Nosso objetivo aqui visa a verificar se essas comissões, que foram demandadas pelos movimentos sociais negros, pelos professores/as e alunos/as negros/as (organizados/as ou não em coletivos ou organizações)14 das universidades federais, entre outros atores sociais, têm sido eficazes contra as fraudes e tentativas de fraudes nas subcotas étnico-raciais, que são destinadas a estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, conforme estabelecido pela Lei nº 12.711/2012,
As Comissões de heteroidentificação
Esclarecimentos: uma introdução ao tema
Em face dos objetivos deste artigo não vamos fazer uma discussão conceitual sobre o que são as comissões de heteroidentificação étnico-racial das universidades federais. Mas, como definição inicial, as entendemos como um dos mecanismos de fiscalização ou controle social de uma política pública, a reserva de subcotas a estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, que foi estabelecida pela Lei nº 12.711/2012. Ou seja, essas comissões são um dos mecanismos que visam a impedir o desvio de finalidade deste tipo de política pública.
Contudo, para que não haja mal-entendidos sobre o tema em discussão, se faz necessário fazer alguns esclarecimentos. Primeiro, vamos tratar neste texto somente de comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial que foram implementadas em universidades públicas federais, isto é, das comissões criadas para heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial de estudantes candidatos/as às subcotas étnico-raciais no ensino público superior federal. Portanto, não analisaremos as comissões criadas para heteroidentificação da autodeclaração racial de candidatos/as às reservas de vagas destinadas aos/às cidadãos/ãs pretos/as e pardos/as (negros/as) oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos no âmbito da administração pública federal, conforme a Lei nº 12.990/2014 (BRASIL, 2014), nem as comissões de heteroidentificação das instituições federais de ensino técnico de nível médio (BRASIL, 2012a).
Segundo, há pelo menos dois tipos de comissões de heteroidentificação nas universidades públicas federais: a) as comissões de verificação de supostas fraudes praticadas por alunos/as (brancos/as ou amarelos/as) da universidade nas subcotas étnico-raciais; e b) as comissões de validação da autodeclaração étnico-racial dos/as estudantes candidatos às subcotas étnico-raciais. As primeiras, em geral, são provisórias e foram criadas por algumas universidades federais após estudantes e professores/as negros/as das respectivas instituições, bem como ativistas dos movimentos sociais negros, entre outros atores sociais, denunciarem às instituições e/ou ao Ministério Público Federal (MPF) que alunos/as brancos/as haviam ingressado na universidade por meio das subcotas que são destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, o que é ilegal, segundo a Lei nº 12.711/2012.
Frise-se que, geralmente, as comissões de verificação de fraudes foram e são criadas para convocar e fazer a heteroidentificação étnico-racial de todos/as alunos/as da universidade que foram denunciados/as como não sujeitos de direito das subcotas étnico-raciais estabelecidas na Lei nº 12.711/2012. Portanto, essas comissões têm função fiscalizadora e repressiva e, teoricamente, existirão enquanto houver alunos/as supostamente fraudadores/as das subcotas, visto que foram denunciados/as e necessitam ser heteroidentificados/as para que não haja suspeição sobre eles/as, assim como sobre a ocupação indevida das vagas destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas.
Em resumo, essas comissões são necessárias para verificar se houve apropriação indevida ou não das vagas destinadas a estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas15. Caso confirmada essa apropriação, deve-se corrigi-la para regularizar a lisura do processo seletivo. Assim, efetiva-se a justeza da política pública e, consequentemente, se dá credibilidade a ela16. Por isso não foi sem razão que essas comissões foram criadas e implementadas em universidades em que houve denúncias e comprovação de fraudes nas subcotas étnico-raciais, como, por exemplo, a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a Universidade Federal de Viçosa (UFV), a UnB, entre outras instituições (NUNES, 2019, 2018; SANTOS e NUNES, 2019; SANTOS e FREITAS, 2019a e 2019b).
Já as comissões de validação da autodeclaração étnico-racial dos/as estudantes candidatos/as às subcotas étnico-raciais são, teoricamente, permanentes e têm função preventiva. Isto é, caso as universidades queiram ter mecanismos de controle e monitoramento da política pública estabelecida pela Lei nº 12.711/2012, especialmente enquanto estiver em vigor o estabelecimento de subcotas para estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, essas comissões poderão existir para se evitarem tentativas de fraudes no momento das matrículas dos/as candidatos/as às subcotas supracitadas. Portanto, esse tipo de comissão não faz a heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial de alunos já matriculados na universidade, mas de candidatos/as a alunos/as da instituição. Somente após a heteroidentificação desses/as candidatos/as, tendo as suas autodeclarações sido homologadas e/ou ratificadas pela comissão de validação, eles/as poderão se matricular na universidade.
Terceiro, ambos os tipos de comissão podem existir tanto para ingresso nos cursos de graduação como de pós-graduação (mestrado e doutorado), visto que, em alguns casos, vários programas de pós-graduação de universidades federais e, em outros casos, todos os programas de pós-graduação de uma mesma universidade17, estão implementando o sistema de cotas para estudantes negros/as (VENTURINI, 2019; VENTURINI e FERES JÚNIOR, 2020). Contudo, o nosso foco neste artigo se limitará às comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial dos/as estudantes de graduação.
Quarto, conforme a Lei nº 12.711/2012, bastava o/a estudante se autodeclarar preto/a, pardo/a ou indígena para poder concorrer às vagas das subcotas étnico-raciais das universidades federais. Não há nessa lei sanções (semelhantes às que constam na Lei nº 12.990/2014) para candidatos/as que, porventura, façam declarações falsas e/ou equivocadas (socialmente) quanto a sua identidade racial com o objetivo de se beneficiarem ilegalmente de um bem público valioso: uma vaga em um curso de uma universidade federal.
Mesmo com essa “lacuna”18 jurídica na lei (SILVA et al., 2020), no que diz respeito a estabelecer mecanismos para prevenir fraudes e punir fraudadores/as, ou mesmo quem sabe em razão dessa “lacuna”, o Ministério da Educação (MEC) não estabeleceu orientações normativas para as universidades realizarem a fiscalização e/ou o controle social da política pública determinada pela lei, como, por exemplo, o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração étnico-racial. Portanto, o MEC não se manifestou e/ou orientou as universidades federais sobre a forma e/ou o critério de identificação étnico-racial dos/as candidatos/as às vagas destinadas a estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, que é pré-requisito para ratificar os potenciais sujeitos de direito da política pública de subcotas étnico-raciais.
Assim, de modo geral, nos primeiros anos de implementação da Lei das Cotas nas universidades federais, de 2013 a 2016, praticamente não houve heteroidentificação étnico-racial dos/as estudantes (SANTOS, 2018). As universidades assumiram que a autodeclaração étnico-racial do/a estudante candidato às subcotas étnico-raciais era o critério suficiente, para não dizer absoluto, de definição da pertença étnico-racial19. Logo, era também o critério para homologar, sem questionamentos, as candidaturas nas vagas reservadas a estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas. Assim, bastava que o/a estudante se autodeclarasse pardo/a que assim seria considerado/a, independentemente de terceiros o/a classificarem como branco/a ou amarelo/a.
Contudo, diante da crescente quantidade de denúncias de fraudes nas subcotas étnico-raciais das universidades federais e, consequentemente, da pressão de coletivos de estudantes negros/as e dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs) das instituições, assim como dos movimentos sociais negros para se coibir o ingresso de estudantes brancos/as nas subcotas destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas (SANTOS e NUNES, 2019), muitas universidades começaram a criar e implementar comissões para enfrentar o problema das fraudes, isto é, para heteroidentificar os/as estudantes candidatos/as às vagas das subcotas supracitadas. Essas comissões foram criadas por meio de atos, resoluções, entre outras normas, que foram estabelecidos para legalizá-las na instituição, bem como para regulamentar os procedimentos e metodologias de sua operacionalização.
Como não havia (e ainda não há) orientações do MEC quanto à heteroidentificação dos/as candidatos às subcotas étnico-racial, as universidades tomaram como parâmetro, com as devidas ressalvas, a Portaria Normativa nº 4, de 6 abril de 2018, da Secretaria de Gestão de Pessoas, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG)20, para disciplinar tais processos de heteroidentificação21. Ou seja, em face da “lacuna” jurídica na Lei nº 12.711/2012, no que diz respeito a mecanismos de fiscalização para correta e/ou justa implementação da política pública, as universidades se guiaram pela portaria acima para criarem as suas comissões de heteroidentificação (SILVA et al., 2020; SANTOS e NUNES, 2019; SANTOS e FREITAS, 2019a e 2019b; NUNES, 2019 e 2018; PASSOS, 2019; ELÍSIO, COSTA e RODRIGUES FILHO, 2019; MARQUES, ROSA e OLIVEIRA, 2019; SANTOS, CAMILLOTO e DIAS, 2019; DIAS, MOREIRA e FREITAS, 2019; DIAS e TAVARES JUNIOR, 2018, VAZ, 2018). Assim, as universidades têm incluído, em seus atos e resoluções, praticamente os mesmos procedimentos e metodologias indicados para a heteroidentificação da autodeclaração racial dos candidatos às cotas no serviço público federal destinados aos/às cidadãos/ãs pretos/as e pardos/as que foram determinados pela Lei nº 12.990/2014.
Resistência Institucional contra as Comissões de Verificação e de Validação da Heteroidentificação Étnico-Racial?
Como indicado acima, algumas universidades não seguiram e ainda não seguem à risca as orientações da Portaria Normativa nº 4/2018, do MPDG, porque, entre outros fatores, é necessário considerar a especificidade de cada universidade, a sua localidade e, especialmente, a vontade política dos gestores para implementar da maneira mais correta e/ou justa possível as políticas públicas determinadas pela Lei nº 12.711/2012. Por exemplo, há universidades, como a UFV, que, ao criarem essas comissões, determinaram que o quórum de decisão nas comissões tem que ser por unanimidade dos votos dos seus membros (para não homologar a autodeclaração étnico-racial do/a estudante) e não por maioria (SANTOS e FREITAS, 2019b), contrariando o que determina a Portaria Normativa nº 4/2018. Essa forma de ratificar ou não quem são os sujeitos de direito dessa política pública pode impactar negativamente na quantidade de ingresso de estudantes negros/as (pretos/as e pardos/as) na universidade, como demonstraram Santos e Freitas (2019b)22.
Também houve universidades que não optaram pelo critério de verificação da veracidade da autodeclaração racial baseado exclusivamente o fenótipo do candidato que estava participando do processo seletivo, conforme determina a Portaria Normativa nº 4/2018. Por exemplo, a Universidade Federal Fluminense (UFF) criou e implementou, em 2017, o “grupo de trabalho denominado ‘Comissão de Estudo do Acompanhamento e da Aferição da Autodeclaração de Raça e Etnia nos Concursos para Ingresso de Estudantes e Servidores na UFF” (SILVA et al., 2020). Este grupo deliberou que, além do fenótipo, poderia ser considerado o uso de alguns documentos para se comprovar a veracidade da autodeclaração étnico-racial, embora o § 1º do art. 2º da Orientação Normativa nº 3, de 01 de agosto de 2016, do MPDG, portanto anterior à criação do grupo de trabalho e da comissão supracitados, determinasse que “as formas e critérios de verificação da veracidade da autodeclaração deverão considerar, tão somente, os aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato” (BRASIL, 2016). Aliás, esse parágrafo segue a determinação do STF no julgamento da ADPF nº 186, de 2009, segundo a qual nas comissões “o julgamento deve ser realizado por fenótipo e não por ascendência” (BRASIL, 2012b, p. 84). Mas, segundo Silva et al. (2020), na UFF,
Também seriam considerados “aptos” [considerados sujeitos de direito das subcotas étnico-raciais], independentemente de seu fenótipo, todos os que apresentassem cópia e original de um dos seguintes documentos: cadastro de alistamento militar; certidão de nascimento/casamento, desde que constasse a cor; cadastro das áreas de segurança pública e sistema penitenciário (incluindo boletins de ocorrência e inquéritos policiais); cadastro geral de empregados e desempregados (Caged); cadastro de identificação civil (RG); e formulário de adoção das varas de infância e adolescência (SILVA et al., 2020, p. 341-342)
Frise-se também que a implementação das comissões de heteroidentificação étnico-racial nas universidades não se deu sem resistência institucional, tanto por parte da administração superior de algumas instituições como por parte de alguns/mas gestores/as e/ou técnicos/as administrativos/as e professores/as. Por um lado, algumas universidades, apesar de receberem denúncias de fraudes nas subcotas étnico-raciais, não criaram comissões para verificá-las, bem como verificar os/as supostos fraudadores/as, embora tenham criado comissões de validação da autodeclaração étnico-racial, como, por exemplo, na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) (SANTOS, 2021). Mesmo tendo criado comissões de validação da autodeclaração étnico-racial, algumas universidades somente as criaram após a interpelação do Ministério Público Federal (MPF)23, como foram, por exemplo, os casos da UFSC (PASSOS, 2019, p. 143-144) e da UFF (SILVA et al. (2020, p. 338)24. Na UFSC, segundo a professora e pesquisadora Joana Passos,
durante os anos de 2014 a 2017, não foi realizado o processo de verificação racial. (...) essa decisão trouxe um ônus para o ingresso de pretos e pardos e criou na UFSC um ambiente propício para fraudes. Com as denúncias de fraudes veiculando na mídia nacional (UFPel, UFRGS, UFMG, UnB, entre outras), em 2017, por solicitação do Ministério Público, a UFSC voltou a aprovar no Conselho Universitário a necessidade de estabelecer uma comissão de validação das autodeclarações (PASSOS, 2019, p. 143-144).
Por outro lado, entre as universidades que criaram comissões para verificar as denúncias feitas contra supostos alunos/as brancos/as que ingressaram nas vagas destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas25 (portanto, alunos/as já matriculados/as e estudando na instituição), houve algumas que somente criaram comissões de verificação porque houve orientação e/ou determinação do MPF à universidade para tal, como, por exemplo, na UFU. Segundo os/as pesquisadores/as e professores/as Régis Rodrigues Elísio, Antônio Cláudio Moreira Costa e Guimes Rodrigues Filho (2019), ante as denúncias de fraudes nas subcotas étnico-raciais da UFU e a consequente pressão do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da universidade para coibi-las, foi criada na universidade, em 2014, a Comissão de Acompanhamento do Ingresso de Estudantes por meio do Sistema de Cotas Raciais, cujo objetivo era analisar e/ou verificar as denúncias de fraudes no sistema. Segundo os/as autores/as,
Diante desse contexto [de prática de fraudes no sistema de cotas], a UFU instituiu em 2014 uma Comissão para validação das autodeclarações; por ter prazo determinado de vigência de um ano, foi substituída por uma Comissão Permanente em 2016, por força de um ajuste de conduta com o Ministério Público Federal, que havia recebido denúncias de possíveis fraudes em 2014, e instaurou uma ação civil pública, uma vez que até aquele momento a UFU não havia promovido investigações. Tal comissão avalia, exclusivamente, os casos de estudantes denunciados pelo uso indevido das cotas raciais na UFU (ELÍSIO, COSTA e RODRIGUES FILHO, 2019, p. 46).
Assim se observa que a criação e implementação das comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial das universidades federais (tanto as de verificação e quanto as de validação) não surgiram em razão da vontade política de se implementarem da maneira mais correta e/ou justa possível as políticas públicas determinadas pela Lei nº 12.711/2012, menos ainda do dever fiscalizatório da administração pública, isto é, do dever de as universidades fiscalizarem a implementação de qualquer política pública que elas executam, especialmente uma política nova e inovadora, cujo bem ofertado e/ou colocado em disputa é extremamente valioso: uma vaga em um curso de uma universidade pública federal.
Essas comissões surgiram porque os atores sociais (os movimentos sociais negros) que demandaram e pressionaram por políticas de ação afirmativa (SANTOS, 2015 e 2014) observaram que uma das medidas para estudantes negros ingressarem coletivamente no ensino superior público, o sistema de cotas, não estava sendo efetivamente concretizada porque estudantes brancos/as estavam usurpando as vagas destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas (SANTOS e NUNES, 2019). Atuando também como agente fiscalizador (paralelo) da implementação de tais políticas, os movimentos sociais negros, assim como professores e estudantes negros (organizados ou não em coletivos), entre outros atores sociais, “lembraram” à Administração pública, isto é, às universidades, que são elas as responsáveis “para assegurar a fiscalização do sistema de cotas como verdadeiro direito à (dever de) proteção contra as falsidades” (VAZ, 2018, p. 50). Ou seja, que é necessário não somente implementar a política pública como também fazer o seu controle social (VAZ, 2018), para incluir na instituição os reais sujeitos de direito dessa política pública: estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas.
Ao que tudo indica, ante à efetiva falta de interesse na concretização da política pública em questão (Vaz, 2018) ou, caso se queira, em face da resistência contra as políticas de ação afirmativa para ingresso coletivo de estudantes negros/as nas universidades públicas, pode-se afirmar que houve até sabotagem na tentativa de se incluírem na universidade os reais sujeitos de direito das subcotas étnico-raciais. Por exemplo, os/as autores/as Silva et al. (2020) afirmam que na Universidade Federal Fluminense (UFF), por questões que eles não informaram, a comissão de validação da heteroidentificação étnico-racial da universidade entrevistou os/as candidatos/as às subcotas após a realização da matrícula dos/as estudantes. Assim, dos/as 113 estudantes que não foram considerados/as “aptos/as” como sujeitos de direito da reserva de vagas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, 86 recorreram administrativamente contra a decisão da comissão, uma vez que já estavam matriculados/as. Em resposta aos recursos desses estudantes,
O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepex) da UFF designou, então, uma nova comissão recursal, incluindo entre seus membros pessoas que haviam se colocado contrariamente à formação da comissão e ao uso do critério fenotípico. Assim, dos 86 recursos analisados por essa comissão, resultaram 38 candidatos indeferidos. Critérios não previstos no edital — como ascendência — foram considerados dessa vez (SILVA et al., 2020, p. 342)
Não é preciso fazer qualquer esforço reflexivo ou fazer análises de discurso e de conteúdo da citação acima para se constatar o desrespeito, a desautorização e, por que não, a sabotagem ao trabalho da comissão de validação da UFF na medida em que o CEPEX da instituição forma uma comissão de heteroidentificação revisora e inclui nela pessoas que são contrárias aos critérios e/ou procedimentos metodológicos estabelecidos previamente para a realização da heteroidentificação dos/as estudantes candidatos às vagas destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas. Mais do que isso, desrespeitaram o edital do processo seletivo para beneficiar estudantes considerados/as brancos/as pela primeira comissão de heteroidentificação.
Há casos mais graves de desrespeito às comissões de heteroidentificação das universidades e, o pior, com a conivência de alguns membros do MPF. Como exemplo citaremos um acordo extrajudicial26 entabulado entre a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e o MPF. O acordo visava a beneficiar estudantes brancos fraudadores das subcotas étnico-raciais, conforme relatou André Bento (2019 e 2020) ao afirmar que alunos brancos do curso de Medicina da UFGD foram denunciados por terem fraudado as subcotas étnico-raciais destinadas a estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas. Após as denúncias, em 2018, a UFGD criou uma comissão para verificar as fraudes denunciadas. Essa comissão fez a heteroidentificação dos/as alunos/as denunciados/as e constatou que, de fato, havia diversos/as estudantes brancos/as fraudadores/as das subcotas étnico-raciais. Os relatórios e/ou pareceres da referida comissão sobre os casos foram encaminhados às instâncias superiores da universidade para as devidas providências. Assim, em 11 de fevereiro de 2019, a UFGD cancelou a matrícula de alguns/mas estudantes brancos/as do curso de Medicina que haviam ingressado nas subcotas étnico-raciais destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas.
Os/as estudantes desligados/as da UFGD por fraude recorreram administrativamente ao Conselho Universitário (Couni) da instituição visando a impedir o cancelamento de suas matrículas, mas tiveram seus pedidos negados. Cinco desses/as estudantes também recorreram à Justiça Federal, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) também negou os seus pedidos, ratificando, em abril de 2019, a decisão da UFGD que cancelou as matrículas dos/as estudantes fraudadores/as das subcotas étnico-raciais, expulsando-os da universidade (BENTO, 2019).
Todavia, em setembro de 2019, sob a gestão de uma reitora temporária, a UFGD supreendentemente desobedeceu à determinação da Justiça Federal e entabulou um acordo extrajudicial com o MPF para readmitir os/as estudantes na universidade. Segundo Bento (2019), essa nova reitora “readmitiu ex-alunos do curso de Medicina que haviam tido as matrículas canceladas por suposta fraude no sistema de cotas (...). O retorno dos acadêmicos foi possível graças a termo de composição extrajudicial firmado com a mediação do MPF (...)”.
No entanto, uma organização do movimento negro, o Coletivo de Mulheres Negras de Mato Grosso do Sul “Raimunda Luzia de Brito” impetrou uma ação na Justiça Federal contra esse acordo, afirmando que ele era ilegal. Segundo Bento (2020), a Justiça Federal acatou o pedido formulado pelo coletivo e determinou o cancelamento do acordo supracitado, ordenando à reitora pro tempore desfazê-lo. Ou seja, a Justiça Federal negou o reingresso à universidade dos/as estudantes brancos/as fraudadores/as das subcotas étnico-raciais, determinação que a reitora supracitada insistia em descumprir27.
O Crescimento das Comissões de Heteroidentificação da Autodeclaração Étnico-Racial
Mesmo com toda a resistência institucional demonstrada acima, o número de comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial em universidades públicas federais está aumentando significativamente em razão, principalmente, da atuação de um ator social28 que tem se mostrado fundamental não somente na demanda, mas também na fiscalização e/ou controle social da política pública do sistema de cotas e, principalmente, fundamental no processo de democratização do acesso ao ensino público superior brasileiro a todos/as cidadãos/ãs, independente de sua cor/raça (SANTOS, SOUZA e SASAKI, 2013): os movimentos sociais negros.
Segundo o pesquisador Adilson Pereira dos Santos (2018), no ano de 2017 havia sessenta e três universidade federais no Brasil. Dessas, apenas sete realizavam heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial dos/as estudantes candidatos/as às vagas das subcotas destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas. Conforme o pesquisador,
Dentre as 63 universidades pesquisadas, sete adotaram procedimentos complementares à autodeclaração, sendo quatro da região sul: (i) Fundação Universidade do Rio Grande (FURG), (ii) Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), (iii) Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e (iv) Universidade Federal do Paraná (UFPR); e três do sudeste: (i) Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), (ii) Universidade Federal Fluminense (UFF) e (iii) Universidade Federal de Uberlândia (UFU) (SANTOS, 2018, p. 158).
A nossa pesquisa (SANTOS, 2021), cuja produção e/ou construção de dados foi feita a partir de informações solicitadas, em outubro de 2020, a todas as atuais sessenta e nove universidades federais, via Lei de Acesso à Informação - LAI (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011)29, constatou a criação 94 Comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial30. Desse total, 44 eram, teoricamente, provisórias, pois eram Comissões de Verificação da heteroidentificação31, e 50 são, teoricamente, permanentes, pois são Comissões de Validação da heteroidentificação32. Frise-se que cinco universidades federais não responderam ao nosso pedido33, apesar de o termos feito sob a égide da lei supracitada, que, teoricamente, nos garante o acesso a informações, conforme previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Brasileira.
Diferentemente da pesquisa de Santos (2018), que construiu/produziu seus dados tendo por base os editais do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e dos Vestibulares das universidades públicas, a nossa pesquisa (SANTOS, 2021) constatou que até o ano de 2017 havia onze universidades que tinham criado comissões de validação34, assim como onze que tinham criado comissões de verificação35. Dessas últimas, quatro criaram essas comissões antes de 2017, a UFPel, a UFSC e a UFG, que as criaram no ano de 2016, e a UFU, que a criou em 2014. Com relação às primeiras, apenas a UFSM e a UFPR haviam criado comissões de validação da autodeclaração étnico-racial antes de 2017, visto que as criaram, respectivamente, em 2014 e em 2016 (SANTOS, 2021)36.
Em tese não poderíamos comparar os dados da nossa pesquisa com os dados da investigação do pesquisador Santos (2018), uma vez que, primeiro, a forma de coleta e/ou construção de dados foi diferente. Segundo, Santos (2018) não fez a distinção que fizemos, entre comissão de verificação e comissão de validação da heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial. Ou seja, há diferenças na metodologia de construção e/ou produção de dados, bem como os dados do referido pesquisador estão agregados e os nossos estão desagregados por tipo de comissão. Contudo, a título de curiosidade, compararemos dos dados de Santos (2018) com os de nossa pesquisa, com as devidas ressalvas, pois é possível observar que houve uma explosão na quantidade de universidades que criaram essas comissões, entre 2017 e 2020, mesmo com resistências institucionais contra a fiscalização e o controle social da política pública que reservou subcotas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígena (SANTOS, 2021). Se em 2017 havia sete universidades federais que tinham implementado essas comissões (SANTOS, 2018), no ano de 2020 o número de universidades que já haviam implementado comissões de verificação e/ou de validação cresceu significativamente e chegou a cinquenta e cinco instituições, implicando um aumento de 685,71% na quantidade de universidades federais que implementaram comissões de heteroidentificação étnico-racial, ou seja, algo mais que extraordinário. Das sessenta e quatro universidades que responderam aos nossos pedidos, nove (14%)37 afirmaram que não tinham nenhum tipo de comissão de heteroidentificação: nem de verificação nem de validação (SANTOS, 2021). Contudo, a maioria das universidades, quarenta, havia implementado ambas as comissões, de verificação e de validação (SANTOS, 2021)38.
Tendo como data base o ano de 2017, conforme Santos (2018), podemos verificar por meio dos dados da nossa pesquisa citada anteriormente que, de fato, houve um aumento notável no número de comissões, tanto de verificação como de validação. Por um lado, se, em 2017, havia onze dessas últimas nas universidades brasileiras, em dezembro de 2020 a quantidade cresceu para cinquenta, indicando um aumento de 354,54% dessas comissões. Por outro lado, como citado anteriormente, também havia onze comissões de verificação naquela época, aumentado para quarenta e quatro em 2020, indicando um aumento de 300% das comissões de verificação (SANTOS, 2021).
Finalizando este item, primeiro, pensamos que o crescimento estupendo da quantidade de comissões de heteroidentificação étnico-racial nas universidades federais é um dos fortes indícios de sua eficácia. Segundo, devemos enfatizar, por questão de honestidade intelectual, mas acima de tudo de justiça, que o crescimento impressionante dessas comissões se deve principalmente às pressões (simultâneas) dos movimentos sociais negros e de alguns/mas professores/as e estudantes negros/as das universidades (organizados ou não em coletivos), entre outros atores sociais, junto às instituições de ensino e ao Ministério Público Federal (MPF).
Esclarecemos que Honestidade intelectual aqui não significa necessariamente que haja desonestidade intelectual de autores/as com relação ao tema discutido. Refere-se ao dever intelectual (e moral) de se reconhecerem e referenciarem explícita e corretamente as ações positivas desses movimentos, assim como de alguns/mas negros/as intelectuais (cf. SANTOS, 2014) na e para a luta antirracismo, bem como na e para a luta por democracia e igualdade (em sentido amplo) no Brasil. Aliás, tal reconhecimento é determinado por meio do art. 1º da Lei nº 11.645/2008, em que se estabelece que é “obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”, mostrando “a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil”, mas, especialmente, “resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil” (BRASIL, 2008).
Esses movimentos foram e têm sido protagonistas não somente na demanda por inclusão coletiva de estudantes negros/as nas universidades públicas brasileiras - que beneficiou milhares de estudantes não negros/as (cf. SANTOS, SOUZA e SASAKI, 2013) -, mas também na exigência de fiscalização da política pública implementada (para que não haja o desvio de sua finalidade). Mais ainda, o reconhecimento referenciado se faz necessário porque, entre outras razões, a literatura (clássica) sobre movimentos sociais no Brasil raramente contempla de forma significativa os papéis e ações desses movimentos por igualdade e/ou para a construção da democracia brasileira, quando muito reservam um ou dois parágrafos (protocolares, em um livro) ou comentários superficiais sobre esses movimentos (GOHN, 1997). Não bastasse isso, vários/as intelectuais (alguns/mas dos/as quais não iniciados/as no tema) e jornalistas brasileiros/as reproduzem afirmações infundadas contra esses movimentos, como, por exemplo, de que eles estimulam, assim, logo, defendem, um sistema de classificação racial binário ou bicolor (negros e brancos) para o Brasil (SILVEIRA e TOMAS, 2019; MUNIZ, 2012, FRY et al., 2007, KAMEL, 2006). Há autores/as renomados/as que ultrapassaram o limite da razão ou possibilidade crítica ao fazerem acusações graves, mas completamente infundadas e/ou sem evidências, contra os movimentos sociais negros quando esses começaram a reivindicar políticas de ação afirmativa, especialmente o sistema de cotas, para estudantes afro-brasileiros (e indígenas) no início da década de 2001. Por exemplo, o historiador José Murilo de Carvalho afirmou que:
Os genocidas [ativistas negros/as entre outros/as] somam pretos e pardos e decretam que todos são negros, afro-descendentes. Pronto. De uma penada, ou de uma somada, excluem do mapa demográfico brasileiro toda a população descendente de indígenas, todos os caboclos e curibocas. Escravizada e vitimada por práticas genocidas nas mãos de portugueses e bandeirantes, a população indígena é objeto de um segundo genocídio, agora estatístico. (...). A inspiração do genocídio vem naturalmente dos Estados Unidos. (...). Valorizam-se duas cores, raças, etnias, seja lá o que for, com exclusão das outras. Viramos um país em preto e branco, ou melhor, em negro e branco (CARVALHO, 2004).
No mínimo duas questões podem ser levantas a partir da afirmação/acusação de Carvalho (2004), entre outros/as intelectuais. Primeiro, quem diz que a criação ou construção da categoria “negros” não permite que haja outras categorias raciais ou étnicas no Brasil como, por exemplo, amarelos e indígenas? Desconheço qualquer afirmação dos movimentos sociais negros de que amarelos/as e indígenas não existem no Brasil, menos ainda que essas categorias deveriam ser extinguidas dos Censos Demográficos ou das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs), ambos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo, e talvez o mais grave, a afirmação do historiador Carvalho (2004) inverte e distorce ações e papéis desempenhados por atores sociais no Brasil. De protagonistas na luta antirracismo, os/as ativistas dos movimentos sociais negros são transformados em "genocidas". Ou seja, de vítima de um sistema racista, os/as negros/as passaram a ser não somente opressores/as racistas, mas assassinos em massa ("genocidas") de outros grupos étnicos ou raciais brasileiros.
O reconhecimento referenciado explicitamente também se faz necessário porque algumas vezes muitos/as intelectuais negros/as são invisibilizados/as, isto é, seus trabalhos acadêmicos não são citados apesar de lidos e utilizados por outros/as pesquisadores/as. Por exemplo, no artigo de Silva et al. (2020) alguns/mas renomados pesquisadores/as negros/as da área de estudo sobre relações raciais que publicaram artigos no “Dossiê temático: A importância das comissões de heteroidentificação para a garantia das ações afirmativas destinadas aos negros e negras nas universidades públicas brasileiras” foram ocultados/as, nas referências bibliográficas, na denominação “Vários”. Ou seja, eles/as e suas respectivas pesquisas e produções acadêmicas não foram citados nominal ou explicitamente no artigo de Silva et al. (2020), mas reunidos/as e ocultados/as/invisibilizados/as na categoria “Vários”. Nem mesmo a organizadora do dossiê, uma intelectual negra, foi citada39. Consultamos, por meio de entrevista, uma profissional formada em Biblioteconomia com mais de 20 anos de experiência exercendo seu ofício, Alessandra Lessa Matos Costa, bibliotecária do Tribunal Superior do Trabalho (TST), se essa forma, “Vários”, de referenciar autores/as que publicaram artigos em dossiês de revistas acadêmicas é comum. A resposta dela foi a seguinte:
Nas normas da ABNT não existe a possibilidade de utilizar "vários" para se referir a autores (...). No exemplo acima você pode optar por citar artigo por artigo como você fez (acredito que seja a forma mais correta pois cada parte do dossiê tem autores definidos). A ABNT ainda permite colocar a professora Dra. Eugenia Portela como organizadora (informação retirada da apresentação da revista) MARQUES, Eugenia Portela de Siqueira (org.). Dossiê temático: A importância das comissões de heteroidentificação para a garantia das ações afirmativas destinadas aos negros e negras nas universidades públicas brasileiras. Revista da ABPN, v. 11, n. 29, jun. ago. 2019. Disponível em: <http://abpnrevista.org.br/revista/index.php/revistaabpn1/issue/> (COSTA, 2021).
Enfim, retornando após a pequena digressão, o MPF, como os movimentos sociais negros e demais atores sociais, começaram a interpelar e pressionar as universidades para que criassem algum mecanismo de controle social da política pública estabelecida pela Lei nº 12.711/2012, como, por exemplo, as comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial, para que as subcotas étnico-raciais fossem ocupadas realmente por estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas e não por estudantes brancos/as ou amarelos/as. Resta-nos saber se essas comissões são eficazes contra as fraudes ou as tentativas de fraudes, que é o tema do próximo item.
As Comissões de Heteroidentificação são Eficazes Contra Fraudes nas Subcotas Étnico-Racial?
Evidentemente que as comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial, tanto de verificação como de validação, não são a panaceia. Longe disso. Aliás, essa afirmação já poderia ter sido inferida quando, anteriormente, citamos a ingerência do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPEX) da UFF nas decisões da comissão de validação da universidade, conforme demonstraram Silva et al. (2019).
Deve-se lembrar que as metodologias das comissões, os seus procedimentos, critérios e/ou quórum para tomada de decisão, inclusive o desrespeito às orientações e/ou às normas jurídicas, entre outros fatores, podem impactar sobremaneira a possibilidade de não ingresso nas universidades federais dos reais sujeitos de direito das subcotas étnico-raciais: os/as estudantes pretos/s, pardos/as e indígenas. Por exemplo, os pesquisadores Santos e Freitas (2019b) demonstraram que o critério da unanimidade40 dos votos dos membros da “Comissão de Verificação de Autodeclaração Étnico-Racial” da UFV41 para decidir que um/a estudante “não se enquadra na condição” de pessoa pardo/a, preto/a ou indígena, isto é, para não homologar as autodeclarações étnico-raciais dos/as estudantes denunciados/as por fraudar as subcotas étnico-raciais da universidade, foi prejudicial42 aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, visto que
por um lado, alguns/mas estudantes brancos/as estão sendo legitimados/as e legalizados/as pela universidade como beneficiários/as de políticas públicas destinadas exclusivamente aos estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas. O que indica que a “Comissão de Verificação de Autodeclaração Étnico-Racial” da universidade pode não somente estar coibindo fraudes, seu objetivo primeiro, mas, por mais contraditório que possa parecer, também pode estar sendo um locus de legitimação dessas mesmas fraudes. Por outro lado, e como consequência, alguns/mas estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas estão sendo impedidos/as de entrar na universidade em razão da legitimação das fraudes pela universidade, especialmente em cursos de alto prestígio (SANTOS e FREITAS, 2019b, p. 54).
Porém, mesmo com imperfeições e/ou alguns erros de procedimento como os citados acima, ao que tudo indica, as comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial têm sido eficazes contra as fraudes ou tentativas de fraudes nas subcotas étnico-raciais, conforme a recente literatura sobre o tema. Esta, infelizmente, tem apresentado poucos dados sobre os resultados das heteroidentificações. Mas essa pouca quantidade de dados tem indicado que as comissões de heteroidentificação não somente impedem, durante a heteroidentificação, que estudantes que não são sujeitos de direito dessa política pública ingressem nas subcotas destinadas a estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, como também tem indicado que as comissões inibem significativamente tentativas de fraudes nas subcotas étnico-raciais. Para ilustrar essa afirmação, vamos citar alguns dados e/ou resultados de sete universidades que já os disponibilizaram, a saber: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), UFSC, UFPel, UFPR, UFOP, UFU e UFRB. Começaremos pela UFRGS, à qual dispensaremos mais tempo para descrição e análise, pelos motivos que se verão abaixo. Mais ainda, esclarecemos que a escolha dessas sete universidades não foi aleatória. De acordo com a literatura consultada sobre o tema, elas foram as únicas universidades de que tivemos conhecimento que divulgaram dados e/ou resultados das heteroidentificações étnico-raciais dos/as estudantes43, justificando-se, assim, a escolha dessas universidades.
Sete universidades federais e alguns resultados da operacionalização das suas comissões de heteroidentificação étnico-racial
Conforme os/as professores/as Neusa Chaves Batista e Hodo Apolinário Coutinho de Figueiredo, no ano de 2018, de um total de 1.330 candidatos/as às vagas das subcotas étnico-raciais da UFRGS, 285 desistiram de comparecer à comissão de validação da autodeclaração étnico-racial da universidade para fazer a heteroidentificação44. Segundo os/as referidos/as professores/as,
O quantitativo de candidatos(as) chamados(as) para aferição étnico-racial pela comissão, na seleção de 2018, foi de 1.330. Desse total, não compareceram 285 (25,2%)45 candidatos(as) com autodeclaração de pessoa preta ou parda, restando para a aferição um total de 1.045 (74,8%) candidatos(as). Esse dado já mostra que há uma abstenção alta dos(das) candidatos(as) autodeclarados(das) pessoas negras (pretas e pardas), sugerindo que tais pessoas repensaram sua negritude antes de comparecer diante da comissão (BATISTA e FIGUEIREDO, 2020, p. 877).
Os/as professores/as Batista e Figueiredo (2020), ao que parece, não pensaram na plausibilidade da hipótese de que a alta abstenção supracitada ocorreu porque muitos/as estudantes podem ter pensado que seriam heteroclassificados/as como brancos/as pelos membros da comissão e, em razão dessa reflexão, desistiram de comparecer à heteroidentificação. Ao que tudo indica, os/as professores/as assumem que todas as pessoas que se inscreveram nessa modalidade de ingresso da UFRGS eram negras, pois afirmam que mesmo aqueles/as que não compareceram à heteroidentificação “repensaram sua negritude”46. Portanto, em tese, não haveria entre esses/as candidatos/as alguns/mas ou muitos/as com intenção de fraudar as subcotas étnico-raciais, pois todos/as seriam negros/as conforme Batista e Figueiredo (2020).
A assunção de que todos/as os/as estudantes que se candidataram às subcotas étnico-raciais da UFRGS são negros/as também pode ser ratificada em uma das conclusões dos/as referidos/as professores/as após analisarem os dados da heteroidentificação da universidade, qual seja, “os dados apontaram que, após a heteroidentificação por fenótipo, o acesso de pessoas negras diminuiu significativamente na UFRGS” (BATISTA e FIGUEIREDO, 2020, p. 879).
Contudo, divergimos das interpretações e/ou conclusões supracitadas dos/as professores/as Neusa Batista e Hodo Figueiredo (2020), uma vez que é plausível pensar que, primeiro, muitos/as estudantes desistiram de comparecer à heteroidentificação porque sabiam de antemão que seriam heteroclassificados/as como brancos/as. Há indícios consistentes para essa hipótese no próprio artigo dos/as autores/as. Por exemplo, Batista e Figueiredo (2020) afirmam que alguns candidatos/as convocados/as, mas que não compareceram à heteroidentificação fenotípica (presencial), recorreram à Comissão Recursal, onde puderam apresentar fotografias47 e documentos para tentar comprovar a sua suposta identidade racial ou étnica de preto/a, pardo/a ou indígena por meio de sua ascendência. Conforme os/as próprios/as autores/as,
Em relação aos recursos interpostos pelos não homologados, incluindo-se nesse cálculo os recursos dos(as) candidatos(as) que não compareceram para a verificação fenotípica, houve um total de 451 recursos. Desse quantitativo de recursos interpostos, 52 foram deferidos pela Comissão Recursal (com verificação fenotípica positiva para pessoa negra), que também considerou fotos e documentos, e 399 foram indeferidos (com verificação fenotípica negativa para pessoa negra ou por não comparecimento à sessão de verificação da CPVA) (BATISTA e FIGUEIREDO, 2020, p. 877). (grifos nossos).
Outra divergência de entendimento que temos dos/as dois/duas professores/as da UFRGS tem a ver com a conclusão de Batista e Figueiredo (2020) de que a quantidade de estudantes negros/as que ingressou na UFRGS diminuiu significativamente por causa heteroidentificação étnico-racial com base no fenótipo (BATISTA e FIGUEIREDO, 2020, p. 876-879), visto que, em 2017, houve 1.117 estudantes classificados/as para vagas ofertadas para pessoas negras e, em 2018, após a implementação da comissão de validação da autodeclaração, o número caiu para 436 classificados/as. Não podemos deixar de indicar que Batista e Figueiredo (2020) invertem a lógica de análise do papel da comissão de validação da heteroidentificação étnico-racial da UFRGS. Em vez de a analisarem como um mecanismo de fiscalização e/ou controle social de uma política pública, que tem o objetivo de garantir que as vagas das subcotas étnico-raciais sejam preenchidas pelos seus reais sujeitos de direito, Batista e Figueiredo (2020), por assumirem que basta um indivíduo autodeclarar-se negro/a que negro/a é (perante a sociedade)48, concluem que, em 2018, a comissão fez diminuir a quantidade estudantes negros/a na universidade quando se compara o ingresso desses/as estudantes na universidade com o ingresso em anos anteriores, quando não havia a comissão. Assim, sem grandes esforços, logo pode-se concluir que a comissão de validade da UFRGS seria prejudicial ao ingresso coletivo de estudantes negros/as e indígenas na instituição.
Contudo, os dados apresentados por Batista e Figueiredo (2020)49 indicam a eficácia da comissão no que diz respeito a impedir que pessoas que não são sujeitos de direito da política pública tenham acesso a ela, uma vez que “do total de 1.045 candidatos(as) que comparecerem para aferição, 357 (34,16%) não foram homologados como pessoas negras, sendo 688 (65,83%) homologados(as)” (BATISTA e FIGUEIREDO, 2020, p. 877). Esses dados mostram que se não houvesse o controle social e/ou a fiscalização da política pública, por meio da comissão de validação da heteroidentificação, provavelmente muitos estudantes brancos/as e/ou amarelos/as estariam se apropriando das vagas destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, desvirtuando o objetivo da política pública.
Os dados mostram também que a maioria (65,83%) das autodeclarações étnico-raciais dos/as estudantes candidatos às subcotas foi homologada na comissão da UFRGS. Mas aqui devemos lembrar que esta alta porcentagem foi calculada com base apenas nos/nas estudantes que foram convocados/as e compareceram à heteroidentificação, portanto, para esse cálculo não foram levados em consideração a quantidade de estudantes que foram convocados/as mas não compareceram à heteroidentificação, que, conforme vimos anteriormente, é alta. Chamamos a atenção desse fato porque ele impacta negativamente o cálculo das homologações das autodeclarações dos/as estudantes.
Contudo, ao analisarmos os dados das sete universidades com que estamos trabalhando, com as devidas ressalvas, observa-se que, na maioria delas, isto é, em cinco, mesmo quando é incluída a quantidade de estudantes que se abstiveram de ir à heteroidentificação da comissão, isto é, mesmo quando calculamos a quantidade de autodeclarações homologadas baseada na quantidade de todos/as os/as estudantes convocados (tanto os que compareceram como os que não compareceram à heteroidentificação), observa-se que há elevada homologação das autodeclarações étnico-racial dos/as estudantes candidatos/as às subcotas. Na UFRGS, no ano de 2018, houve a homologação da autodeclaração étnico-racial de 740 estudantes na comissão de validação da autodeclaração da universidade, que correspondeu a 55,63% do total (1.330) de estudantes convocados/as (BATISTA e FIGUEIREDO, 2020, p. 877). Na UFSC, no ano de 2018, houve a homologação da autodeclaração de 554 estudantes, que correspondeu a 70,12% do total (790) de estudantes convocados/as (PASSOS, 2018, p. 144-145). Na UFPel, no período de 2016/2 a 2018/1, houve a homologação da autodeclaração de 1.022 estudantes, que correspondeu a 82,40% do total (1.240) de estudantes convocados/as (NUNES, 2019, p. 170). Na UFOP, em 2018/2, houve a homologação da autodeclaração de 360 estudantes, que correspondeu a 81,40% do total (442) de estudantes convocados/as (SANTOS, CAMILLOTO e DIAS, 2019, p. 35).
Apenas em duas universidades, na UFRB e na UFU, a quantidade de homologação de autodeclarações étnico-raciais de estudantes candidatos às subcotas não foi elevada quando calculamos essa quantidade baseada na quantidade de todos/as os/as estudantes convocados (tanto os que compareceram como os que não compareceram à heteroidentificação). Ao que tudo indica, isto aconteceu em razão da elevada a abstenção. Isto é, em razão da elevada porcentagem de estudantes que não comparecem à heteroidentificação em ambas as universidades. Na UFRB, no período de outubro de 2017 a abril de 2019 (semestres 2017.2, 2018.1, 2018.2 e 2019.1), 60,27% dos/as estudantes não se apresentaram à comissão de validação para realizar a heteroidentificação (FONSECA e COSTA, 2019, p. 108-109). Ao que parece, essa elevada abstenção impactou significativamente a homologação das autodeclarações étnico-raciais dos/as estudantes, que correspondeu a 37,10% (1.445) do total 3.894 de estudantes convocados/as (FONSECA e COSTA, 2019, p. 109-111). Fato semelhante ocorreu na UFU, em 2017/2. Nessa universidade houve a homologação da autodeclaração de 396 estudantes, que correspondeu a 36,23% do total de estudantes convocados/as (1.093) (ELÍSIO, COSTA e RODRIGUES FILHO, 2019, p. 48-49).
Porém, considerando somente os/as estudantes que compareceram à heteroidentificação nas comissões de validação da autodeclaração étnico-racial das duas universidades supracitadas no parágrafo anterior (não incluído no cálculo as abstenções), constata-se que nessas instituições também houve mais homologações que não homologações da autodeclaração dos/as estudantes, uma vez que na UFRB 93,40% (1.445) das autodeclarações dos/as estudantes foram homologadas e apenas 6,60% (102) não foram homologadas, de um total de 1.457 estudantes que compareceram à heteroidentificação étnico-racial (FONSECA e COSTA, 2019, p. 110-111). Na UFU 54,85% (396) das autodeclarações foram homologadas e 45,15% (326) não foram homologadas, de um total de 722 estudantes que compareceram à heteroidentificação étnico-racial (ELÍSIO, COSTA e RODRIGUES FILHO, 2019, p. 48).
Pensamos que esses dados corroboram a afirmação das pesquisadoras Fonseca e Costa (2019, p. 109-110) de “que mais do que identificar casos de fraudes na autodeclaração, o maior ganho das instituições com a instalação de comissões de verificação é o desencorajamento do acesso de possíveis fraudadores”, em razão de dois fatos concretos observados nos parágrafos anteriores: a) há considerável índice de abstenção dos/as estudantes convocados/as para realizar a heteroidentificação étnico-racial; b) há mais homologação da autodeclaração étnico-racial nas comissões de validação da autodeclaração que não homologação.
Retornando à UFRGS e finalizando este item, como visto anteriormente, muitos/as candidatos/as que não tiveram a autodeclaração étnico-racial homologada na universidade recorreram à sua Comissão Recursal, porém poucos recursos foram deferidos (BATISTA e FIGUEIREDO, 2020, p. 877), demonstrando a eficácia da comissão de validação da autodeclaração étnico-racial. Mas a eficácia dessa comissão não se limitou a uma de suas funções manifestas: impedir tentativas de fraudes nas subcotas étnico-raciais, garantido, desse modo, que política pública estabelecida pela da Lei nº 12.711/2012 não seja desvirtuada. Ela também inibiu essas tentativas, conforme se pode constatar na quantidade de pessoas que não comparecem à heteroidentificação pessoalmente, 25,20% segundo os cálculos dos/as autores/as50.
A inibição de fraudes, inferida das abstenções, também pode ser observada na atuação das comissões de validação de outras universidades, entre as quais: a) UFSC, onde, em 2018, de um total de 790 candidatos/as convocados/as para heteroidentificação étnico-racial na comissão de validação da universidade, 170 (21,51%) não compareceram (PASSOS, 2018, p. 144); b) UFU, onde no 2º semestre de 2017, de um total de 1.093 candidatos/as convocados, 371 (34%) não compareceram à comissão (ELÍSIO, COSTA e RODRIGUES FILHO, 2019, p. 48-49); c) na UFPR, onde, no processo seletivo de 2018/2019, de um total de 1.876 candidatos/as convocados, 59% compareceram à heteroidentificação étnico-racial na comissão de validação da universidade (DIAS, MOREIRA e FREITAS, 2019, p. 127), inferindo-se que 41%, ou seja, 769 candidatos/as não compareceram; e d) na UFRB, como citado anteriormente, onde, no período de outubro de 2017 a abril de 2019 (semestres 2017.2, 2018.1, 2018.2 e 2019.1), de um total de 3.894 candidatos/as convocados, 2.347 (60,27%) não se apresentaram para a heteroidentificação (FONSECA e COSTA, 2019, p. 108-109). Conforme afirmam Fonseca e Costa,
Considerando o grande número de candidatos/as que não comparecem no dia da aferição e mesmo sabendo que existem outros fatores que podem explicar a ausência destes/as (por ex., a aprovação em outra instituição), há que se considerar que essas ausências também podem indicar que o fato do/a candidato/a ser convocado/a a se apresentar para uma comissão de heteroidentificação pode estimular uma reavaliação do/a próprio/a candidato/a sobre a condição autodeclarada. Dessa forma, ao não se perceberem enquanto pessoa negra (preta/parda), algumas pessoas podem optar por desistir da vaga antes mesmo de se apresentarem à comissão. Ou seja, a própria existência das comissões de verificação se apresenta como um importante instrumento pedagógico51 que tem como consequência a diminuição do número de possíveis fraudes (FONSECA e COSTA, 2019, p. 109).
Observa-se assim que as comissões de heteroidentificação étnico-racial além da função manifesta de fiscalização e/ou controle social também têm funções latentes importantíssimas, tais como inibir possíveis tentativas de fraude nas subcotas étnico-raciais, reeducar indivíduos para as relações raciais brasileiras, visto que, de alguma forma, os/as induzem a fazerem reflexões sobre comportamentos ético, moral e político, entre outros.
Conclusão
O assunto comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial tem ganhado bastante visibilidade a partir da segunda metade da década de 2011, após as frequentes denúncias às universidades federais e ao MPF, feitas pelos movimentos sociais negros, professores/as e estudantes negros/as (organizados/as ou não nos chamados coletivos negros), entre outros atores sociais, em razão da ocorrência de práticas de fraudes e/ou tentativas de fraudes nas subcotas étnico-raciais.
Lembramos que os dois assuntos, fraudes contra o sistema de cotas e comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial, que “caminham” de mãos dadas, não são tão novos aos/às estudiosos/as das relações raciais brasileiras. Por exemplo, por um lado, Santos (2015) já havia alertado sobre o problema das fraudes quando analisou o sistema de cotas para estudantes negros da UnB, implementado no segundo semestre de 2004. Por outro lado, em razão da heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial realizada na UnB52, alguns/as intelectuais brasileiros/as que são contrários ao sistema de cotas para estudantes negros/as, entre os quais Ricardo Ventura Santos e Marcos Chor Maio (2004a, 2004b e 2004c), Ricardo Ventura Santos (2004) e Peter Fry et al. (2007), endossaram, a partir de 2004, a expressão “Tribunal Racial”, que foi cunhada para se referir pejorativamente à comissão de heteroidentificação racial da UnB53. Designação depreciativa que foi rechaçada com veemência pelo atual Ministro-Presidente do STF, Luiz Fux, no seu voto contrário à ADPF nº 186 (FUX, 2012, p. 119).
Frise-se que o endosso supracitado não era apenas uma crítica à forma de operacionalização para selecionar o público-alvo (ou sujeitos de direito) do sistema de cotas para estudantes negros/as (pretos/as e pardos/as) e indígenas. Ele, o endosso, também foi um meio utilizado, à época, para criticar dura e negativamente esse sistema, indicando que seriam utilizados todos os meios e/ou as armas possíveis na guerra ou, se se quiser, no “vale tudo” contra o sistema de cotas para negros/as.
As críticas às comissões de heteroidentificação étnico-racial emergiram novamente nos últimos cinco anos, sob os mesmos argumentos anteriores. Contudo, mais experientes ou, caso se queira, já “cascudos” na luta antirracismo e por inclusão coletiva de estudantes negros/as no ensino superior público, a maioria dos/as defensores/as do sistema de cotas imediatamente perceberam que, novamente, se tratava de mais uma batalha na guerra contra esse sistema. Não recuaram diante de mais essa batalha, uma vez que sabiam que ela era contra o sistema de cotas e não somente contra uma das formas possíveis da operacionalização desse sistema. Além disso, ao que tudo indica, os/as defensores/as do sistema de cotas estavam e estão convictos/as de que a política pública estabelecida pela Lei nº 12.711/2012 precisava (precisa) de mecanismos de fiscalização e/ou controle social para sua efetiva implementação, isto é, para se garantir que os reais sujeitos de direito às subcotas étnico-raciais, os/as estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas, pudessem efetiva e coletivamente ingressar nas universidades federais. As comissões de heteroidentificação foram um dos mecanismos propostos e implementados para tal, embora não seja a única forma de fiscalização desse tipo de política pública.
Como se observa, a guerra contra as ações afirmativas para os/as negros/as não acabou. Tal assertiva é confirmada na atual batalha sobre a necessidade ou não da existência de comissões de heteroidentificação étnico-racial das universidades federais. Contudo, essa batalha, ao que parece, está sendo vencida (até o presente momento) pelos defensores do sistema de cotas, visto que os números de comissões de heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial vêm crescendo constantemente. Em 2017, sete universidades federais haviam implementado essas comissões (SANTOS, 2018). Atualmente, ou seja, até este ano de 2020, cinquenta e cinco universidades já haviam implementado comissões de verificação e/ou de validação, conforme pesquisa que realizamos via Lei de Acesso à Informação (SANTOS, 2021). Esse crescimento impressionante, com aumento de 685,71% na quantidade de universidades que implementaram essas comissões, num intervalo de quatro anos, também é um forte indício de que as comissões de heteroidentificação étnico-racial são eficazes, caso contrário, não aumentariam significativamente.
Eficácia que também é constatada por meio dos resultados da operacionalização das comissões de heteroidentificação. A partir dos dados disponíveis sobre a atuação e/ou resultado das heteroidentificações étnico-raciais nas comissões, pode-se inferir que elas têm sido eficazes contra as fraudes e tentativas de fraudes nas subcotas étnico-raciais da universidades federais, não somente porque as impedem durante o processo de aferição da autodeclaração étnico-racial, mas, principalmente, porque inibem a tentativa de fraude, como comprovam as altas porcentagens de não comparecimento às referidas comissões, como visto anteriormente.
Sendo essa inferência plausível e considerando que nove universidades até dezembro de 2020 não implementaram nenhum tipo de comissão de heteroidentificação étnico-racial, considerando que doze universidades não criaram comissões de verificação de denúncias de fraudes, considerando que treze não tinham criado comissões de validação da autodeclaração étnico-racial dos/as estudantes no momento da matrícula, considerando que trinta e nove universidades só criaram comissões de validação nos últimos três anos (dezesseis no ano de 2018, quatorze no ano de 2019 e nove no ano de 2020) (SANTOS, 2021), considerando que no período de 2013 a 2016 (mais de um terço do tempo de execução da Lei das Cotas) a autodeclaração étnico-racial do/a estudante foi o requisito exclusivo para efetivação da sua matrícula, praticamente não havendo, nesse último período, a heteroidentificação das autodeclarações dos/as estudantes candidatos/as às vagas destinadas aos/às estudantes pretos/as, pardos/as e indígenas das nas universidades federais (SANTOS, 2018), considerando a ocorrência de fraudes nas universidades federais de norte a sul do país desde a implementação do sistema de cotas (SANTOS e NUNES, 2019), também é plausível se colocarem em suspeição alguns resultados da pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior - ANDIFES (2019), como, por exemplo, que a quantidade de estudantes pretos/as nas universidades federais brasileiras era 12%, em 2018, a de pardos/as 39,20%, a de brancos/as 43,30%, a de amarelos 2,10% e a de indígenas 0,90%. Ou seja, pode-se colocar em suspeição um dos mais importantes achados da referida pesquisa, qual seja, que “pela primeira vez, desde que as pesquisas de Perfil da ANDIFES foram realizadas, a maioria absoluta [dos estudantes de graduação] é negra , alcançando 51,2% do universo” (ANDIFES, 2019, p. 232). Esses dados da ANDIFES podem estar superestimados principalmente para os/as estudantes pardos/as e subestimados para os/as estudantes brancos/as, visto que eles, os dados, foram coletados/construídos por meio da autodeclaração racial dos/as estudantes (ANDIFES, 2019), mas sem a ratificação dessa autodeclaração através da heteroidentificação étnico-racial, ou seja, sem a conferência da veracidade da identidade étnico-racial dos/as estudantes por meio de comissões de validação da autodeclaração étnico-racial.
Por fim, pode-se concluir também que, ao serem implementadas e operacionalizadas, as comissões de heteroidentificação étnico-racial comprovaram-se necessárias para além do suprimento de uma “lacuna” jurídica na Lei nº 12.711/2012, visto que os seus benefícios ultrapassam o esperado, ou seja, a sua função manifesta de fiscalizar e fazer o controle social de uma política pública. Essas comissões também desempenham funções latentes importantíssimas que podem proporcionar a construção de uma sociedade mais justa e igualitária na medida em que elas induzem milhares de indivíduos (majoritariamente jovens) a se questionar e/ou refletir sobre seus valores, comportamentos e/ou ações no que diz respeito às relações raciais em um país multirracial, mas racista. Ou seja, ao que tudo indica, essas comissões têm, por um lado, possibilitado que os reais sujeitos da política pública destinada a eles a usufruam, como, por outro lado, e ao que parece, têm induzido vários estudantes a repensarem a sua maneira de agir no mundo.
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Notas
Autor notes