Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Política de regularização fundiária urbana de interesse social no estado do Pará (2009-2018)
Urban land regularization policy of social interest in the state of Pará (2009-2018)
O Social em Questão, vol. 1, núm. 53, pp. 201-232, 2022
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro



Recepción: 01 Noviembre 2021

Aprobación: 01 Enero 2022

Resumo: Este artigo, de fundamentação marxista, analisa a política de regularização fundiária urbana de interesse social no Estado do Pará de 2009 a 2018. Adotou-se, como procedimento metodológico: entrevistas a 15 técnicos/as (assistentes sociais, engenheiros, arquitetos/urbanistas, técnicos administrativos, gerentes e consultores) das instituições: Companhia de Habitação do Estado do Pará, Projeto Moradia Cidadã, Defensoria Pública do Estado do Pará e Instituto de Desenvolvimento Urbano de Canaã dos Carajás. Conclui-se que apesar dos limites e dificuldades à regularização fundiária no Estado (legislação mais adequada à realidade da particularidade amazônica e ausência de corpo técnico qualificado), tem havido importantes esforços nas estratégias e ações desenvolvidas pelos/as técnicos/as a exemplo do incentivo à participação social dos moradores, o que potencializa o acesso à moradia, à democratização da terra urbanizada e o direito à cidade.

Palavras-chave: Regularização fundiária de Interesse Social, Ações, Metodologias, Estado do Pará.

Abstract: This article, with a Marxist foundation, analyzes the urban land regularization policy of social interest in the Pará State from 2009 to 2018. The methodological procedure adopted was: interviews with 15 technicians (social workers, engineers, architects/urban planners, administrative technicians, managers and consultants) of the following institutions: Housing Company of the Pará State, Citizen Housing Project, Public Defender of the Pará State and Institute of Urban Development of Canaã de Carajás; bibliographical and documental survey involving actions in the Company for the Development and Administration of the Metropolitan Area of Belém. It is concluded that, despite the limits and difficulties to land regularization in the State (a more adequate legislation to the particularity of the Amazon and the absence of qualified technical staff), there have been important efforts in the strategies and actions developed by technicians, such as encouraging participation of the residents, which enhances access to housing, the democratization of urbanized land and the right to the city.

Keywords: Land regularization of Social Interest, Actions, Methodologies, Pará State.

Introdução

O presente artigo5 apresenta resultados da pesquisa que teve por objetivo analisar as ações de regularização fundiária urbana de interesse social em municípios do Estado do Pará, desenvolvidas pelas seguintes instituições/órgãos: Companhia de Habitação do Estado do Pará (COHAB/PA); Projeto Moradia Cidadã, por meio da Comissão de Regularização Fundiária da UFPA (CRF-UFPA); Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE/PA) e o Instituto de Desenvolvimento Urbano de Canaã dos Carajás (IDURB).

A metodologia da pesquisa foi baseada em levantamento bibliográfico, documental e pesquisa de campo. A pesquisa documental voltou-se para a análise dos artigos 182 e 183, da Constituição Federal de 1988, que tratam da Política Urbana; a Lei nº 11.977/20096; a Lei Federal nº 11.952/20097; a Lei Municipal nº 8.739, 19 de maio de 20108; a Lei Federal n° 13.465/20179; o Plano Estadual de Habitação e Interesse Social (PEHIS/PA); a Lei Orgânica Municipal e o Plano Diretor Participativo do Município de Canaã dos Carajás. A pesquisa de campo foi realizada no período de outubro de 2018 a março de 2019, com entrevistas a 15 (quinze) técnicos/as10 que trabalham em ações de regularização fundiária urbana no Estado do Pará.

Considera-se que o estudo sobre as ações de regularização, especialmente sobre as metodologias aplicadas pelas equipes nos projetos de regularização fundiária, pode contribuir com o compartilhamento de informações, troca de experiências e produção teórica que possam dar suporte ao aprimoramento da política habitacional em vista da construção do direito à moradia na Amazônia. Vale ressaltar, também, a importância dessas reflexões para qualificar a intervenção profissional do/a assistente social nas variadas expressões da questão social que se revelam no espaço urbano, numa perspectiva de totalidade.

O artigo está organizado em duas seções. A primeira discute as contradições na produção capitalista do espaço e aponta aspectos normativos da Regularização Fundiária no Brasil e na Amazônia. A segunda seção apresenta os resultados da pesquisa acerca das ações de regularização fundiária urbana de interesse social em municípios do Estado do Pará, a partir da análise das entrevistas com técnicos/as. Ao final, são apresentadas as considerações finais.

Produção da cidade capitalista e aspectos normativos da regularização fundiária

A disputa pelo acesso à terra se intensifica com o advento da sociedade burguesa, na qual a divisão do trabalho, ao separar o trabalhador dos meios de produção, produz um tipo de estrutura de classes, com alta desigualdade socioeconômica pela exploração da força de trabalho e apropriação privada dos bens produzidos pela sociedade (MARX; ENGELS, 2015). O processo de urbanização como um componente da constituição do capitalismo vai historicamente gerando os espaços de desigualdade no uso e ocupação do solo pelas diferentes frações de classe, restando aos/às trabalhadores/as os piores lugares de reprodução social (ENGELS, 2010).

O modo de produzir mercadorias para obtenção do lucro avança para diferentes territorialidades, sendo que o espaço é produzido e reproduzido em favor das empresas capitalistas, ao mesmo tempo em que se reproduzem as condições de desigualdade no acesso aos bens produzidos (HARVEY, 2005). Nesse processo, o Estado produz infraestrutura física e social, especialmente aquelas que contribuam para o processo de acumulação capitalista (LOJKINE, 1997).

A história do Brasil carrega a marca da produção do espaço urbano pelo processo de urbanização e particulariza a desigualdade de classe, com traços coloniais, com estrutura patriarcal, escravocrata e pela dizimação de povos originários.

A Região Amazônica, com alta diversidade de recursos naturais tem sido um lugar de forte desigualdade socioeconômica, um lugar de saque de recursos naturais em favor das empresas capitalistas e onde a disputa pela terra é acentuada e intensificada a cada movimentação do capital na Região. Para Marques (2019):

A riqueza produzida na Amazônia em grande medida migrou para outras regiões e outros países, de acordo com o grande capital e a divisão nacional e internacional do trabalho, conduzida por grandes empresas brasileiras e transnacionais. Para isso, o Estado cumpriu papel destacado, evidenciando seu caráter de classe, da classe que explora (MARQUES, 2019, p. 31).

Assim, a questão da terra é um nó (MARICATO, 1999) somente possível de ser resolvida fora dos marcos da sociedade capitalista. Mas registram-se as lutas sociais pelo acesso à terra em áreas urbanas e rurais que contribuíram para algumas respostas do Estado (ainda que limitadas pelo próprio limite do Estado capitalista), a exemplo da política de regularização fundiária.

O estudo “Revisão da literatura sobre habitação na América Latina e no Caribe”, realizado pelo Urban Institute e Habitat for Humanity11 (MCTARNAGHAN et al, 2016), identificou aspectos em comum, nessas regiões, acerca dos problemas de moradia, a exemplo dos assentamentos informais com carências de infraestrutura e insegurança de posse. O estudo revela que, dentre os tópicos de estudo, o “Uso, gestão e política da terra” é o mais pesquisado12. E entre os subtópicos de pesquisa, a “Regularização” figura entre os três temas de maior interesse dos pesquisadores. Particularmente sobre a Regularização, os principais temas apontados por pesquisadores na América Latina e no Caribe apresentam tais aspectos:

A regularização tem efeito positivo nos lares e nas comunidades em geral, embora haja alguns exemplos perceptíveis de efeitos negativos ou neutros. Frequentemente, a outorga de títulos de propriedade é feita com outras políticas habitacionais, fundiárias e proprietárias, tais como construção de infraestrutura, cobrança de tributos, etc. Frequentemente, a implementação da regularização é inconsistente, abrindo espaço para corrupção dos processos e desigualdades nos resultados habitacionais (MCTARNAGHAN, 2016, et al, p. IX).

Alfonsin (2007), comenta que, no Brasil, os programas de regularização fundiária foram executados em muitas cidades, considerando as orientações previstas no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001)13. Contudo, ao analisar várias experiências em todo o país, a referida autora percebe que o conceito de Regularização Fundiária vai além de suas dimensões urbanísticas, jurídicas e sociais, logo, são poucos os programas que se propõem a fazer essa abordagem. Uns, com enfoque apenas na regularização urbanística e com a preocupação de dotar as áreas precárias de infraestrutura urbana e serviços públicos; outros, com o discurso de que essa é uma maneira de fortalecer uma visão de direitos, já que o Estatuto da Cidade reconhece juridicamente o direito social dos ocupantes desses assentamentos informais à moradia.

Neste cenário, os programas de regularização fundiária deveriam objetivar a integração dos assentamentos informais ao conjunto da cidade, e não apenas o reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes. Conforme aponta Fernandes:

O Termo regularização tem sido usado com sentidos diferentes, referindo-se em muitos casos tão-somente aos programas de urbanização das áreas informais, principalmente através da implementação de infraestrutura urbana e prestação de serviços públicos. [...] Entretanto, a falta de compreensão da natureza e dinâmica do processo de informalidade urbana tem levado a todo tipo de problema. Com frequência, os programas de regularização acabam por reproduzir a informalidade urbana em vez de promover a integração socioespacial (FERNANDES, 2002, p. 15/16).

No ano de 2009 foi aprovada a Lei nº 11.977/2009, que instituía o Programa Minha Casa Minha Vida14 e apresentava o capítulo III, específico sobre Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social, sendo revogada no governo de Michel Temer pela Lei nº 13.465/2017.

Portanto, a regularização fundiária se coloca como questão fundamental no desenvolvimento e aplicação da política urbana brasileira contemporânea, sendo importante a referência ao Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001), a Lei nº 11.952/200915 e a recente Lei nº 13.465/201716 tratando especificamente da regularização fundiária urbana.

No caso da Amazônia, a regularização fundiária tem sua normativa em projetos de regularização em municípios dessa região, com a aprovação da medida provisória nº 458/2009 e a sua sanção como Lei Federal nº 11.952/200917. A seguir, serão apresentados os resultados da pesquisa acerca das ações de regularização fundiária urbana no Estado do Pará.

Ações de regularização fundiária urbana de interesse social em municípios do estado do Pará a partir da percepção dos/as técnicos/as

Conforme assinalado na introdução, este artigo analisa as ações de regularização fundiária urbana de interesse social em municípios do Estado do Pará, desenvolvidas pela COHAB/PA, CRF-UFPA, IDURB, DPE e CODEM (Quadro 1).

Quadro 1 – Instituição e Programa/Ações desenvolvidas




Fonte: Elaborado a partir de dados da pesquisa de campo (GEP-CIHAB, 2019).

As entrevistas com 15 técnicos/as responsáveis pelas ações de regularização fundiária - ações estas listadas no Quadro 1 - buscaram apreender as suas percepções acerca de alguns componentes que contribuam com a avaliação da implementação da política de regularização fundiária, sendo possível identificar algumas semelhanças e diferenças acerca dos Programas e Projetos desenvolvidos pelas instituições. Na maioria dos projetos estão previstos a capacitação técnica e o fortalecimento municipal quanto à temática da regularização fundiária.

a) Estratégias de ação/procedimentos adotados referentes aos aspectos jurídicos, urbanísticos, ambiental e social

Quanto às estratégias de ação/procedimentos adotados referentes aos aspectos jurídicos, urbanísticos, ambiental e social, percebeu-se a semelhança das atividades realizadas entre os/as profissionais entrevistados/as nas diferentes instituições pesquisadas, a saber: mobilização da comunidade para apresentação do projeto de Regularização (técnico/a social); reunião para apresentação e aprovação do projeto pela comunidade (coordenadores do projeto e toda a equipe que irá desenvolver); equipe jurídica estuda a dominialidade da área; equipe urbanística realiza o levantamento topográfico da área e numeração dos lotes (topógrafo, engenheiros e arquitetos urbanistas); equipe social realiza visita domiciliar para cadastro das famílias e coleta de documentos (técnico/a social e assistente social); equipe da área jurídica e da área social devem realizar estudo e análise da documentação; divulgações das famílias beneficiadas (processo individual, publicação no Diário Oficial); envio de documentações para o cartório; entrega dos títulos à comunidade.

Uma técnica da Comissão de Regularização Fundiária da UFPA, ao tratar sobre as estratégias de trabalho, relata a importância da participação popular:

Nós estabelecemos como premissa tudo àquilo que pudesse ser decidido pela comunidade assim seria feito e não pelo poder público e tudo que pudesse ser decidido pela prefeitura e não pela Universidade assim seria feito. Estabeleceu essa hierarquia para chegar nesse processo de discussão e encaminhamento da política, e a prioridade na decisão, o processo de mobilização, consulta, de capacitação, orientação para que de fato a participação social não fosse apenas consultiva, mas decisiva (ENTREVISTADA 1, PESQUISA DE CAMPO, GEP-CIHAB/UFPA, 2019).

A pesquisa demonstra que a regularização fundiária é uma ação que requer corpo técnico especializado para cada etapa, e a importância de os projetos de regularização não serem formulados isoladamente. Segundo Fernandes (2007), a efetivação dos programas de regularização fundiária requer tomadas de decisões, investimento significativo, continuidade de ações iniciadas e participação popular em todas as etapas. No entanto, em alguns programas há um único objetivo final, que seria garantir apenas a titulação do lote, quando o ideal deveria ser a proposição de outras medidas urbanísticas e sociais na área19. Há casos de assentamentos em que alguns lotes têm tamanho inferior à média dos demais lotes, e sem contar com equipamentos públicos e demais serviços de coleta de lixo, entre outros20.

Há muitas controvérsias conceituais sobre o significado de regularização fundiária. Para este estudo, identifica-se como uma política ampla, que possui várias dimensões e instrumentos de efetivação. De acordo com Alfonsin (2007):

Regularização fundiária é um processo conduzido em parceria pelo Poder Público e população beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, urbanística e social de uma intervenção que, prioritariamente, objetiva legalizar a permanência de moradores de áreas urbanas ocupadas irregularmente para fins de moradia e, acessoriamente, promove melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do assentamento, bem como incentiva o pleno exercício da cidadania pela comunidade sujeito do projeto (ALFONSIN, 2007, p. 78).

b) Descrição da integração dos aspectos jurídicos, urbanísticos, ambientais e sociais

Quanto à integração dos aspectos jurídicos, urbanísticos, ambientais e sociais, os/as entrevistados/as realizam as atividades de maneira multidisciplinar. Todas as fases do processo necessitam ser articuladas, a exemplo da atuação das equipes responsáveis pela mobilização e cadastro social, em que os técnicos são orientados a iniciarem as tarefas na área a ser regularizada com a planta cadastral da poligonal pronta, fazendo com que o número de acesso entre cadastro físico e social sejam iguais. Um técnico da COHAB/PA assinala que:

A integração desses aspectos é interessante, [...] o início dos projetos era difícil a questão de como se juntava a parte tecnicista do trabalho para a parte socioeconômica do trabalho [...] fazer o encaixe do que era urbanístico e do que era social. Primeiro entra o urbanístico com o social para não haver divergência de números de portas, de acumulação métrica, de número de quadra para ter menos problemas e acabou sendo um pouco complicado porque o rito do trabalho urbanístico é diferente dos ritos do trabalho social [...] hoje é proposto que o social entre nas áreas com a planta topográfica já que assim nós não temos diferença em número de porta e sem falar na parte jurídica que dá embasamento de como nós vamos trabalhar [...] Eu costumo dizer que essa parte ambiental ainda é crítica. E o social pós-regularização ainda é um grande buraco. (ENTREVISTADO 5, PESQUISA DE CAMPO, GEP-CIHAB/UFPA, 2018).

No IDURB, a integralização desses aspectos é considerada fundamental, pois segundo os dados da pesquisa se não há uma boa integração, a regularização não é efetiva. Uma entrevistada afirma:

A regularização fundiária ela é uma atividade que exige a integração, se não fizer uma boa integração ela não acontece. Deu trabalho, mas a gente conseguiu fazer essa ligação, por exemplo, a equipe urbanística precisa passar a planta de uma maneira que o técnico social entenda o que é lote vago, saiba ler e atuar sobre a planta; o social depois é fundamental para entender que titulação aquela família irá receber e o urbanístico esteve também integrado à área técnica que subsidiam a elaboração do projeto [de regularização fundiária] e integrado ao social e urbanístico. Então, a gente promoveu essa interação fácil, mas para o primeiro projeto a gente conseguiu que eles enxergassem a necessidade disso. A minha experiência diz que essa integração é fundamental para o sucesso dos projetos, mas não é um exercício que consegue em um projeto só, no caso de Canaã eles precisam trabalhar em mais projetos para que possam entender, mas eles entenderam na base do erro e acerto. (ENTREVISTADA 10, PESQUISA DE CAMPO, GEP-CIHAB/UFPA, 2019).

Fernandes (2002) afirma a importância em articular projetos de regularização com outras estratégias socioeconômicas e político-institucionais, sobretudo pela criação de oportunidades de emprego e fontes de renda. Nesse contexto, as políticas de regularização fundiária não podem ser formuladas isoladamente; necessitam ser combinadas com outras políticas públicas preventivas, para quebrar o ciclo de exclusão que tem gerado a informalidade: “isso requer intervenção direta e investimento público, sobretudo por parte dos municípios, para produzir novas opções de moradia, democratizar o acesso à terra e promover uma reforma urbana ampla” (FERNANDES, 2002, p. 22).

c) Identificação dos critérios de escolha das áreas de intervenção

Os critérios para escolha das áreas de intervenção se diferenciam a partir de cada órgão apesar de, majoritariamente, as decisões serem tomadas por gestores (Presidente, Prefeito e/ou Governador).

Na COHAB/PA, as áreas escolhidas são as que estavam/estão sendo beneficiadas com urbanização e saneamento de assentamentos precários, além da etapa de regularização fundiária no contrato via Programa de Aceleração de Crescimento/PAC. A advogada do processo de regularização fundiária especificou em âmbito jurídico esses critérios, citando os instrumentos específicos utilizados para áreas públicas ou particulares, previstos em Lei (Estatuto da Cidade):

A ocupação de difícil reversão, núcleo urbano informal consolidado, é um dos critérios para escolher, pode ser terra da União e particular, se for particular existe instrumentos específicos. [...] é quando a gente sabe a dominialidade da área, e quem faz isso é o jurídico, uma das etapas é essa para a escolha do instrumento. (ENTREVISTADA 07, PESQUISA DE CAMPO, GEP-CIHAB/UFPA, 2018).

Conforme consta na página eletrônica da COHAB/PA21, os projetos no Estado do Pará que estavam em andamento na época da pesquisa de regularização fundiária, são: Pantanal, Pratinha, Taboquinha, Jardim Jader Barbalho, Almir Gabriel, Jaderlândia, Bairro Liberdade, Comunidade Pantanal, Entorno do Parque Estadual do Utinga, Fé em Deus, Jardim Liberdade, Ranário, Terra Firme, Água Cristal, como se identificam nas regiões (Mapa I).

MAPA I - Municípios participantes das ações de regularização fundiária da COHAB/PARÁ




Fonte: GEP/CIHAB/UFPA, 2019.

A Comissão do Projeto Mo-radia Cidadã (CRF/UFPA), utilizou os seguintes critérios para a escolha dos seis municípios (Capitão Poço, Concórdia do Pará, Ipixuna do Pará, Nova Esperança e Tomé Açu): a) localizarem-se próximos à Região Metropolitana de Belém, dado que a coordenação do projeto se encontra no Campus Universitário do Guamá (em Belém); b) a distância entre os municípios por limites de verba. A proximidade entre os municípios e a equipe possibilitou o acompanhamento e interação permanente das equipes municipais. A técnica entrevistada afirma que:

Foram estabelecidos no hall dos municípios que estavam em 2011 no processo de regularização dominial junto ao Programa Terra Legal [...] nós estabelecemos como critério de escolhas municípios que já estavam na fase de recuperação dominial, finalizando e já tivesse a confirmação que a área era da União. (ENTREVISTADA 01, PESQUISA DE CAMPO, GEP-CIHAB/UFPA, 2019).

A identificação e distância entre os municípios podem ser observados no Mapa II.

MAPA II - Municípios participantes das ações de regularização fundiária da CRF/UFPA




Fonte: GEP/CIHAB/UFPA, 2019.

No IDURB, orientou-se a escolha da área a partir do que a legislação determina: núcleo urbano consolidado, área com infraestrutura, esgotamento sanitário, energia elétrica, relativamente urbanizada, área de domínio público e, além disso, áreas que estivessem previstas no Plano de Diretor como Zona Especial de Interesse Social, as chamadas ZEIS. A área regularizada observa-se no Mapa III.

MAPA III - Regularização Fundiária do Bairro Paraíso das Águas – Canaã dos Carajás (Estado do Pará)




Fonte: GEP/CIHAB/UFPA, 2019.

Fernandes (2002) destaca a importância da integração socioespacial por meio da inclusão urbanística, do assentamento consolidado no zoneamento urbano vigente, do reconhecimento jurídico, do parcelamento, uso e ocupação do solo, e da regularização das construções. Esses aspectos reafirmam aos moradores o direito, principalmente, à segurança, no que tange as ameaças de despejos e remoções, a implantação ou melhoria de serviços públicos e infraestrutura urbanística, acesso a modalidades de crédito formal e à inclusão em programas de melhoria habitacional.

É possível observar em relação aos critérios de escolha da área de intervenção que os dados apresentados demonstram uma particularidade regional, que se configura na concentração das áreas escolhidas para a regularização fundiária no centro da Região Metropolitana de Belém. Tais condições demonstram a concentração de renda e de infraestrutura nas áreas centrais.22.

d) Descrição do processo de participação da comunidade no processo

A participação social da comunidade nas ações constitui um desafio para os/as técnicos/as da administração pública, já que os/as moradores/as muitas vezes, não são consultados/as para tomadas de decisões. Os/As técnicos/as relatam que a participação dos moradores para a efetivação da intervenção é fundamental. Outro fator é a linguagem utilizada com os moradores, pois às vezes os/as técnicos/as responsáveis utilizam uma linguagem técnica de difícil compreensão para os participantes das reuniões. Um técnico da COHAB-PA avalia que:

Desde o Estatuto da Cidade se fala que as pessoas beneficiadas devem participar do processo do início, meio e fim, a [Lei] 11.977 resguardou essa questão e a nova lei já não fala isso [...] manter a ciência das pessoas o que está acontecendo na área, ainda é pouco porque elas precisariam participar muito mais, e isso é um ganho muito importante, a humanização e receptividade do trabalho dentro das áreas, e por experiência - e nós já quantificamos - é que quando não existia, por exemplo, a mobilização em massa você fazia o projeto e a adesão da comunidade no processo era em torno de 35 a 40% dessa população atendida que participava do processo. Quando a gente começou a massificar a participação cada vez mais, nas reuniões, nas etapas das ações, levantamento, cadastro social e a área que eles estarão trabalhando, coleta de documento, recebe o convite com seu nome e seu imóvel [...] e esse ganho é de 70 a 80% da população participante. (ENTREVISTADO 05, PESQUISA DE CAMPO, GEP-CIHAB/UFPA, 2018).

No IDURB, o processo de participação social apresentou-se como desafio para a gestão do Município de Canaã dos Carajás, conforme a entrevistada:

É um processo que de alguma forma tem certo custo e impacto no projeto, mas a gente ganha na eficácia porque a titulação amplia. A gente tentava mostrar para o gestor a questão do custo-benefício, porque tem municípios que fazem uma reunião no início e outra no fim, mas quando você vai medir o quantitativo de quantos títulos foram entregues lá fica nítido que a gente consegue ampliar. A estratégia de convite individual na casa do morador é uma atividade simples que envolve o morador no processo, tira muita dúvida e aumenta a titulação lá no final. A gente não abre mão desse instrumento de participação social [...] todas as reuniões em Canaã eram impressionantes o número de pessoas; conseguimos fazer reunião com mais de 200 pessoas, sempre à noite, antes de cada etapa. (ENTREVISTADA 09, PESQUISA DE CAMPO, GEP-CIHAB/UFPA, 2019).

A fala dos/as entrevistados/as correlaciona-se com o processo participativo brasileiro, de acordo com Santana (2013) a participação social alinha-se em torno de um projeto que se acordou chamar de modelo democrático de gestão de cidades, o qual foi sendo formatado nos anos 1980 e 1990 (do século XX), ganhando mais espaço a partir de 2000 quando um número expressivo de governos municipais passa a ser administrado por partidos vinculados à esquerda, o que impulsionou processos participativos no âmbito do planejamento, gestão e participação na política urbana.

e) Indicação de parcerias institucionais que viabilizam as ações

As parcerias institucionais acontecem nas diversas instâncias federais, municipais e participativas da comunidade (tais como, uma organização comunitária). A maioria delas ocorre por meio de termo aditivo de Cooperação Técnica com repasse de verbas ou conhecimento técnico (por exemplo: um/a pesquisador/a que tenha conhecimento sobre uma demanda de regularização fundiária).

f) Estratégias e meios de divulgação e publicidade das ações, inclusive no sentido da transparência para sociedade

A pesquisa identificou que as ações relativas ao projeto de Regularização Fundiária ainda têm sido pouco publicizadas e divulgadas, no sentido de garantir tanto a participação dos moradores quanto a transparência das ações. Alguns técnicos entrevistados afirmam que mesmo depois de terem sido desenvolvidas ações de divulgação e publicidade das ações, a comunidade acessa muito pouco as informações.

Sobre esse aspecto, destacam-se as experiências realizadas nos municípios em que a Comissão de Regularização Fundiária da UFPA atuou e no Município de Canaã dos Carajás, onde as equipes utilizaram, como estratégia de divulgação das ações, a comunicação de rádio, panfletos e “bike som”. Segundo os/as entrevistados/as, ainda é necessário o aprimoramento dessas estratégias, mas é possível identificar que todos os/as técnicos/as entrevistados/as registraram a utilização de entrega de convites individuais a cada morador do local onde o projeto foi implementado, momento em que os/as técnicos/as mobilizavam os moradores e tiravam as dúvidas sobre o processo de regularização fundiária23.

O estudo de Lima e Sousa Júnior (2020) apresenta a experiência de trabalho social em Regularização Fundiária no conjunto habitacional Eldorado, localizado no Município de Natal/RN. Pode-se perceber semelhanças nas estratégias de comunicação utilizadas no estado do Pará e desenvolvidas pela equipe de Natal:

Reunião com o conselho de Regularização Fundiária do Município; concessão de entrevista em rádio local para divulgação do Projeto e de reunião com os entes envolvidos; encontro com a população e com as lideranças comunitárias da cidade para explanação do projeto, elementos de Regularização Fundiária e áreas pré-selecionadas para intervenção do Programa; oficina de Regularização Fundiária com os Líderes Comunitários (LIMA; SOUSA JÚNIOR, 2020, p. 10).

Os autores afirmam, ainda, que a maior parte das pessoas que no início do projeto não se dispuseram a entregar os documentos necessários ao cadastro socioeconômico, foram aquelas que não participaram das ações do trabalho social, o que demonstra a importância dessa atividade em todo o percurso da Regularização Fundiária de Interesse Social (LIMA; SOUSA JÚNIOR, 2020).

g) Definição do produto final da regularização fundiária (título registrado no cartório ou o documento assinado pelo gestor)

Sobre a definição do produto da regularização, todos os órgãos responderam que é definido o título registrado em cartório, Ressalte-se também que antes do início das ações, todas as instituições devem aprovar os projetos de regularização fundiária na prefeitura municipal.

No IDURB, como as ações foram executadas pela Lei nº 13.465/2017, o produto final foi a planilha com os dados dos beneficiários entregue ao cartório para título registrado. Na DPE, o produto é considerado de acordo com o art. 9º da Lei nº 13.465, ou seja, a emissão de registro em cartório24.

Fernandes (2002, p. 38) argumenta que “título de propriedade gera acesso ao crédito”, sendo fundamental para a questão das melhorias urbanísticas, geração de emprego e renda e qualidade de vida, ou seja, no caso da habitação de interesse social, esse seria um passo importante para as demais ações nas áreas regularizadas.

A regularização fundiária, contudo, não é solução de todos os problemas das ocupações, mas é importante a vinculação de outras políticas públicas nesses territórios, com a finalidade de integralizá-los ao restante da cidade e que auxiliem na permanência na área. Por outro lado, legaliza-se o solo, mas pode-se reforçar a exclusão da população beneficiada, quando não se preveem mecanismos para desestimular uma excessiva valorização imobiliária. Ocorre, nesse caso, a exploração da mais-valia fundiária obtida a partir da concessão de títulos de propriedade, em que certos moradores vendem, muitas vezes, suas moradias e se deslocam para outras ocupações inadequadas, em geral ainda mais precárias e distantes. Portanto, os instrumentos urbanísticos e jurídicos, como as ZEIS, a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) e/ou a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM) devem colaborar para atenuar essa realidade por meio dos títulos de propriedade (GONÇALVES, 2009).

Pode-se perceber que todas as instituições priorizam o título registrado em cartório como produto da regularização, conforme previsto em Lei. Ademais, no ano de 2021, foi sancionada a Medida Provisória nº 1.085, de 27 de dezembro de 2021, a qual regulamenta todo o processo de registro em cartório de forma digital, não sendo necessário o uso de processos em papel25.

h) Conhecimento sobre a nova Lei nº 13.465/2017 em comparação com a anterior, 11.977/2009

Quanto ao conhecimento da nova lei, majoritariamente os/as técnicos/as tinham conhecimento, e ao comparar com a lei antiga, a maioria considera cedo para críticas, mas é possível perceber um retrocesso da aplicação da Lei nº 13.465/2017 para a realidade da Região Amazônica, conforme se pode observar na fala dos/as técnicos/as.

Na COHAB, após a promulgação da nova lei de regularização fundiária, os/as técnicos/as tiveram oficinas de capacitação com professores da UFPA. Assim, o técnico responsável pela ação urbanística observa que houve um retrocesso, na medida em que se retirou a obrigatoriedade do licenciamento ambiental:

Tem algumas coisas do licenciamento ambiental, e como faz parte da minha formação do viés ambiental, e hoje a 13.465 ela só chama para o licenciamento se tiverem em Área de Proteção Ambiental. Antigamente não, todos os projetos de regularização precisavam ter um órgão que fazia isso, e comparando as duas foi retroceder um pouco. (ENTREVISTADO 03, PESQUISA DE CAMPO, GEP-CIHAB/UFPA, 2019).

Na Comissão de Regularização Fundiária da UFPA, para a técnica entrevistada, a nova lei tem uma série de lacunas relativas à Amazônia, como questões de tamanho de lote, número de habitantes por núcleos urbanos e, ainda, a Lei Federal nº 11.952/2009 não supre essa demanda, conforme a fala a seguir:

Para a Amazônia vejo como um retrocesso [...] a 11.952 que é uma lei específica para trabalhar regularização na Amazônia de pouquíssimo conhecimento, inclusive do Ministério das Cidades quando eu estive lá [...] [...] Então, por exemplo, questão como tamanho de lote, que não se falava nas legislações anteriores você deixa grande parte da população fora da área de interesse social, porque estão falando de pequenas aglomerações urbanas ainda marcantes de viver no ambiente rural e não quer dizer que seja rural, são ambientes que têm uma forte relação com a terra dentro do seu lote urbano [...] 5.570 municípios 99% desses municípios tem menos de 100 mil habitantes, então é preciso discutir e ter conhecimento disso porque senão vai se pensar regularização fundiária nos centros urbanos aglomerados e adensados e mais de milhão de habitantes mas que representa 17 cidades do país [...] (ENTREVISTADA 01, PESQUISA DE CAMPO, GEP-CIHAB/UFPA, 2019).

O conjunto de leis que define os padrões de legalidade, possui um papel na produção e reprodução da informalidade urbana. Por um lado, a definição doutrinária e os direitos de propriedade, atuando de maneira individualista, sem preocupação com a função social da propriedade, prevista na Constituição, têm resultado em um padrão essencialmente especulativo de crescimento urbano, que combina a segregação social, espacial e ambiental (FERNANDES, 2002). Para tanto, segundo Trindade (2015), apesar da aprovação de leis para a efetivação da política de regularização fundiária no Brasil, ainda se encontram obstáculos na lógica capitalista, segundo a qual o determinante na ocupação e uso do solo urbano é o acúmulo de capital, e a atuação do Estado volta-se aos interesses do mercado imobiliário e grandes proprietários de terras.

Neste sentido, pode-se perceber que de maneira unânime os órgãos possuem conhecimento sobre a lei e ainda estão se adaptando nas ações. A esse respeito, alguns técnicos referem que em alguns pontos há uma regressão para a Região Amazônica, dúvidas sobre o direito de laje, também proposto na nova lei, apontando, contudo, uma celeridade na fase final do processo e a diminuição na burocracia para o envio de documentação para o cartório.

i) As ações após a promulgação da nova Lei nº 13.465/2017

Com referência aos procedimentos adotados a partir da nova Lei nº 13.465/2017, durante a realização da pesquisa de campo, a maioria dos projetos está em fase de transição, mesclando a Lei nº 11.977/2009 com a Lei nº 13.465/2017. Apenas no Município de Canaã dos Carajás às ações foram realizadas majoritariamente segundo a Lei nº 13.465/2017, pelo fato do projeto ter sido realizado em 2018.

j) Os aspectos positivos e negativos para o avanço das ações

No que se refere aos aspectos positivos e negativos encontrados para o avanço das ações, foi identificado que a partir da nova legislação federal (Lei nº 13.465/2017), há uma possibilidade de retrocesso para a Amazônia, mas a política avançou em diversos aspectos.

Na COHAB, os/as técnicos/as registram como aspecto positivo a promoção do curso à distância sobre política habitacional, com um módulo específico sobre regularização fundiária para os municípios, ou seja, constituem-se multiplicadores desse conhecimento no Estado do Pará e a conscientização da comunidade para a importância da participação.

Quanto aos aspectos negativos, na COHAB os/as técnicos/as citaram a demora para concluir a ação de regularização fundiária, bem como a falta de técnicos/as qualificados/as para trabalhar nessa política, a centralidade das ações na Região Metropolitana de Belém e o fato das ações de ainda serem muito dispendiosas.

Na Comissão de Regularização Fundiária da UFPA, a técnica entrevistada afirma que há mais pontos positivos do que negativos. Considera, todavia, que os pontos negativos estão para serem repensados visando sua superação.

No IDURB, a coordenadora da consultoria não detalhou este ponto, mas afirmou que o processo de consultoria, em seu ponto de vista, foi muito positivo, citando ainda o prazo recorde de execução do projeto em 15 meses. O Município também auxiliou nessa celeridade, pois já havia a maior parte técnica do levantamento e houve apenas uma atualização, na qual a parte topográfica tanto é a parte mais cara, como a mais demorada26.

No que tange à opinião dos/as técnicos/as que realizaram as ações, entendem também como um processo que houve pouquíssimos aspectos negativos, mas citam a questão de o corpo técnico ainda ser pouco para a realização dessas ações nos municípios. Todavia, elogiaram o corpo técnico altamente capacitado para realizar a consultoria, além do mais, Canaã dos Carajás foi o primeiro Município do Estado do Pará a realizar regularização fundiária de maneira independente e com recurso próprio27.

NA DPE, os/as técnicos/as consideram como aspecto negativo, para o avanço das ações, a sociedade historicamente enxergar os direitos sociais que são propalados como favores na qual um ente promove em prol de uma comunidade ou pessoa. Essa visão estabelecida dificulta a efetividade não apenas da regularização fundiária como o direito social à moradia, que não é vista pelos cidadãos como um dever do Estado, mas como um favor. Além disso, os entrevistados/as citam também a atualização dos procedimentos e conhecimentos dos órgãos e servidores públicos que, dada a complexidade do tema, têm dificuldade em sua implementação.

No que tange aos aspectos positivos, o técnico responsável pela GTRF da DPE destaca a legitimidade da Defensoria Pública para o requerimento da REURB-S para a população de baixa renda.

No âmbito da Lei nº 13.465/2017, Ferreira Filho (2018) aponta que tal legislação foi substancialmente aprovada, apesar de diversas alterações e inclusão de novos temas que não eram abordados na redação original, e possivelmente sequer tratados com os movimentos sociais e conselhos de política urbana. Portanto, a referida lei segue as premissas do autor Hernando de Soto, no qual o autor aborda a titulação de terras como algo necessário à movimentação econômica do mercado imobiliário28. Dessa maneira, conclui-se então que: “Acreditando-se que os títulos de representatividade de propriedade servem não apenas para dar maior segurança jurídica aos ocupantes, mas também fomenta o potencial de crescimento econômico do país” (FERREIRA FILHO, 2018, p. 1464).

Considerações finais

As reflexões empreendidas, a partir da análise das entrevistas, permitem afirmar que há semelhanças entre os aspectos metodológicos adotados pelas instituições, como parcerias, meios de divulgação dentre outros, que precisam estar de acordo com a demanda de cada localidade/Município. No que tange à participação da comunidade nas ações, apresenta-se essa como fundamental para o avanço das ações que envolvem a mobilização para apresentação de projeto e reuniões antes de cada etapa a ser iniciada. Cabe registrar o importante papel das lideranças comunitárias no apoio durante a mobilização e todas as etapas do projeto de REURB. A comunidade precisa estar envolvida em cada etapa do projeto para que não seja meramente ouvinte do processo, mas sujeito ativo na participação.

A identificação de dificuldades, apesar da legislação que dispõe sobre a política de regularização fundiária, demonstra que ainda se faz necessário um estudo mais detalhado sobre as particularidades da Amazônia. Nesse sentido, percebe-se a falta de um corpo técnico qualificado para executar as ações. Além do mais, no que diz respeito à dimensão do Estado do Pará, muitas vezes as áreas escolhidas estão em torno da Região Metropolitana de Belém, enquanto o Estado é bastante extenso, sendo necessária uma melhor integração das equipes e órgãos responsáveis.

A Regularização Fundiária é considerada por Silva e Silva (2012) como uma ação de complexidade no contexto do Estado do Pará; porém, é reconhecida como um importante instrumento de ordenação do espaço, democratização da terra urbanizada e direito à cidade.

Estudos dessa natureza são fundamentais para a formação e exercício profissional do/a assistente social na política urbana e, especificamente, na regularização fundiária, em que as ações devem ser operacionalizadas no campo da intersetorialidade, o que demanda conhecer práticas e conceitos de outras áreas do conhecimento, na perspectiva de totalidade da intervenção. Lima e Sousa Júnior (2020) afirmam que apesar de todas as etapas da Regularização Fundiária serem essenciais para sua materialidade, o trabalho social é um elemento fundamental para o sucesso dos demais passos para a legalização de áreas, pois é a partir dele que a população adquire conhecimento da importância desse procedimento e colabora, de forma participativa, para a sua efetivação.

O compromisso ético-político dos/as profissionais de Serviço Social envolve a defesa intransigente dos direitos humanos. Portanto, nos processos de regularização fundiária, cabe ao assistente social, dentre suas competências, elucidar aos/às beneficiários/as que a certidão de regularização deve articular-se ao direito à moradia adequada, ressaltando ainda que a segurança da posse, o princípio legal da gestão democrática da cidade, entre outros direitos e princípios instituídos legalmente, são resultados de conquistas históricas da mobilização social da classe trabalhadora organizada.

Referências

ALFONSIN, Betânia. O significado do Estatuto da Cidade para os processos de Regularização Fundiária no Brasil. In: Regularização Fundiária Plena: Referências Conceituais/ Raquel Rolnik (et. al.). Brasília: Ministério das Cidades, 2007.

BELÉM, PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM. Lei Municipal nº 8.739, de 19 de maio de 2010. Institui o Programa Municipal de Regularização Fundiária "Programa Chão Legal" e dá outras providências. Belém, 2010.

BRASIL, Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União. Congresso Nacional, Brasília, 2017.

BRASIL, Decreto nº 9.310, de 15 de março de 2018. Institui as normas gerais e os procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana e estabelece os procedimentos para a avaliação e a alienação dos imóveis da União. Congresso Nacional, Brasília, 2018.

BRASIL, Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV e a regularização Fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Congresso Nacional, Brasília, 2009.

BRASIL, Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal. Congresso Nacional, Brasília, 2009.

BRASIL. Lei nº 10.257, de 1º de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Congresso Nacional, Brasília, 2001.

BRASIL. Medida Provisória nº 1.085, de 27 de dezembro de 2021. Dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27 dez. 2021.

CAMPOS, Ronaldo. Política Urbana e Participação: Construção coletiva para Regularização Fundiária nos espaços urbanos de domínio da União. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, Recife, V. 03, N. 02, 2014.

DE SOTO, Hernando. O mistério do capital: porque o capitalismo dá certo nos países desenvolvidos e fracassa no resto do mundo. Rio de Janeiro. Record. 2001.

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Tradução B. A. Schumann; supervisão, apresentação e notas José Paulo Netto. –[Edição revista]. – São Paulo: Boitempo, 2010.

FERNANDES, Edésio. Perspectivas para a renovação das políticas de legalização de favelas no Brasil. In: Regularização Fundiária Plena: Referências Conceituais/ Raquel Rolnik (et. al.). Brasília: Ministério das Cidades, 2007.

FERNANDES, Edésio. A produção socioeconômica política e jurídica da informalidade urbana. In: Regularização da Terra e Moradia o que é como implementar. Instituto Polis. São Paulo. 2002.

FERNANDES, Edésio. Regularização de Assentamentos Informais na América Latina. Foco em Políticas Fundiárias, Lincoln Institute of Land Policy. Ministério das Cidades, 2011.

FERREIRA FILHO, Paulo Sérgio. As lógicas por trás das políticas de regularização fundiária: a alteração de paradigma pela lei 13.465/2017. Revista de Direito da Cidade, vol. 10, n. 3, 2018.

GONÇALVES, Rafael Soares. Repensar a regularização fundiária como política de integração socioespacial. Estudos Avançados, v.23, n. 66, p. 237-250. 2009.

HARVEY, David. A produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005.

IBGE/INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Aglomerados Subnormais: informações territoriais. Censo 2010, Rio de Janeiro, p.1-251, 2010.

LIMA, Daniela de Freitas; SOUSA JR, Almir Mariano de Sousa Junior. O trabalho social na regularização fundiária urbana. Revista Brasileira de Assuntos Regionais e Urbanos. v. 6. Goiânia. 2020.

LOJKINE, Jean. O Estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

MARICATO, Ermínia. A terra é um nó na sociedade brasileira... também nas cidades. Cultura Vozes[S.l.], v. no/dez. 1999, n. 6, p. 7-22.

MARX. Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2015.

MARQUES, Gilberto de Souza. Amazônia: Riqueza, Degradação e Saque. Belém. Ed. Expressão Popular. 2019.

MCTARNAGHAN, Sara; MARTÍN, Carlos; SRINI, Tanaya; COLLAZOS, Juan; GOLD, Amanda; SUMINSKI, Micaela; GUZMAN, Yazmin. Revisão da literatura sobre habitação na América Latina e no Caribe. Fase I: Iniciativa Global de Pesquisa sobre Habitação (Relatório de Pesquisa). Washington, DC: Urban Institute. Outubro de 2016.

ROCHA, C. S. DA; VITTE, C. C. S. O espaço dos pobres e a regularização fundiária: A segregação em favelas de países da América do Sul. Em: 12º Encuentro de Geógrafos de América Latina, v. 1, p. 1-15, 2009.

SANTANA, Joana Valente. Gestão de Cidades no Brasil: estratégias e orientações do Banco Interamericano de Desenvolvimento. 1ª Ed. Campinas-SP: Papel Social, 2013.

SILVA, Semírames Silva da; SILVA, Maria do Carmo Campos da. Capacidade Institucional Municipal e Regularização Fundiária Urbana Plena: Análise das ações de capacitação e assistência técnica para implementação da política fundiária urbana municipal – Pará – 2007 a 2010. In: SANTANA, Joana Valente; HOLANDA, Ana Carolina; MOURA, Aldebaran do Socorro Farias de (ORGS). A questão da habitação em municípios periurbanos na Amazônia. – Belém: ed. UFPA, 2012.

TORO, José Bernardo; WERNECK, Nísia Maria Duarte Furquim. Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação. Belo Horizonte: Editora Autêntica. 1º reimpressão. 2004.

TRINDADE, Márcio Marcelo de Souza. A regularização fundiária de interesse social em Belém: A experiência do bairro do Jurunas. 2015. 116 f. Dissertação (Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social) – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Pará. Belém/PA. 2015.

Notas

1 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Residente em Serviço Social na Clínica de Direitos Humanos da UFPA. Mestranda em Serviço Social pela UFPA. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Cidade, Habitação e Espaço Humano (GEP-CIHAB). Orcid nº0000-0002-2430-3546. E-mail: isabellacorrea51@gmail.com.
2 Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ. Professora Associada da Faculdade e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Cidade, Habitação e Espaço Humano (GEP-CIHAB). Orcid nº 0000-0003-4033-1317. Bolsa produtividade em pesquisa do CNPq. E-mail: joanavalente@ufpa.br/joanavalentesantana@gmail.com.
3 Mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA). Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/UFPA). Auditora de Controle Externo no Tribunal de Contas do Estado do Pará. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Cidade, Habitação e Espaço Humano (GEP-CIHAB). Orcid nº0000-0002-4107-9312. E-mail: acgholanda@gmail.com
4 Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/PGSS/UFPA. Professora e atual coordenadora do Curso de Serviço Social no Centro Universitário Metropolitano da Amazônia UNIFAMAZ. Advogada na área de Regularização fundiária e ambiental. Orcid nº 0000-0002-4850-1379. E-mail: laira.vasconcelos@outlook.com.
5 Os dados apresentados resultam do projeto de pesquisa constituinte do Convênio de Cooperação Técnica entre a Universidade Federal do Pará/Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/Grupo de Pesquisa Cidade, Habitação e Espaço Humano/UFPA/PPGSS/GEP-CIHAB e a Companhia de Habitação do Estado do Pará/COHAB-PA, do período de 2018 a 2020.
6 Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. O capítulo que trata da regularização fundiária foi revogado em 2017, pela Lei 13.465/2017, que trata especificamente sobre Regularização Fundiária Urbana.
7 Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal.
8 Institui o programa municipal de regularização fundiária "Programa Chão Legal” por meio da Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém/CODEM/Prefeitura Municipal de Belém, atualmente o Programa intitula-se Terra da Gente.
9 Trata-se da Regularização Fundiária Urbana.
10 Sendo entrevistados/as, na COHAB/PA: 1 assistente social, 1 sociólogo, 1 gerente estratégica de regularização (arquiteta e urbanista), 1 advogada, 1 Diretora de Política Habitacional, 1 gerente executivo de regularização (engenheiro civil); na Comissão de Regularização Fundiária da UFPA/Projeto “Moradia Cidadã”: 1 coordenadora técnica operacional do Projeto; na IDURB: 1 Diretor Presidente do Programa Canaã Meu Lugar, 1 coordenadora geral da consultoria, 1 coordenadora interna do programa, 1 arquiteto urbanista e 2 assistentes sociais; na Defensoria Pública do Estado do Pará: 1 defensor público e 1 assessora jurídica. As entrevistas foram gravadas via gravador de celular e os/as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
11 Participaram como parceiros no projeto do referido estudo, o Ministério das Cidades (hoje extinto) e a Caixa Econômica Federal no Brasil, o Ministério da Habitação e das Cidades no Chile, o ONU-Habitat e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Com base em revisão da literatura produzida em países da América Latina e do Caribe, os pesquisadores levantaram por volta de 1.000 documentos publicados entre 2000 e 2016. O documento informa que apesar da quantidade de dados encontrados, registra-se uma “escassez geral de evidências bem apuradas sobre questões habitacionais na América Latina e no Caribe” (MCTARNAGHAN et al, 2016, p. VII) e, mais ainda, no Caribe. Os países com maior destaque nos estudos são Brasil, México, Chile e Argentina e o menor número de trabalhos estão na bacia do Caribe e na América Central. Destacam-se, como fontes de pesquisa sobre o tema da habitação, os centros de investigação e universidades e; no caso do Brasil, destacam-se as publicações do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (Universidade de São Paulo) (MCTARNAGHAN et al, 2016).
12 Os demais tópicos de pesquisa (do maior para o menor número) identificados nos estudos são: Políticas de habitação e ambiente propício; Condições de habitação de baixa renda; Organização social; Financiamento e investimento habitacionais (MCTARNAGHAN et al, 2016).
13 Antes da instituição da Lei nº 11.977/2009 que tratava no capítulo III sobre regularização fundiária urbana.
14 O PMCMV foi revogado em 2021 pelo Programa Casa Verde e Amarela, Lei nº 14.118, de 12 de janeiro de 2021, que institui o Programa, tal normativa também regulamenta o Programa de Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional.
15 Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes. (BRASIL, 2017).
16 A Lei nº 13.465/2017 trata especificamente da regularização fundiária, no âmbito urbano, rural, de interesse social e específico. “Art. 1o. Esta Lei dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; e dá outras providências.” (LEI 13.465 de 2017, art. 1).
17 A Lei nº 11.952/2009 instituiu o Programa Terra Legal, cujo objetivo é o repasse de Terras de domínio da União para os Municípios da Amazônia Legal. Apesar de uma medida importante, a maioria dos municípios não possui corpo técnico e conhecimento específico para tratar sobre Regularização Fundiária nessas áreas. Ademais, no final de 2021, o presidente da República assinou a Lei nº 14.285, de 29 de dezembro de 2021, a qual altera a decisão para os limites das áreas de preservação permanente marginais.
18 No período que foi realizado a pesquisa de campo em 2018/2019, no âmbito da Defensoria Pública a atuação era no Núcleo de Moradia. No ano de 2020 foi instituído a criação do Núcleo de Defesa da Moradia – NUDEMOR, por meio da Resolução CSDP nº 252, de 3 de novembro de 2020, o qual passa a atender as demandas referentes à regularização fundiária.
19 De acordo com o decreto nº 9.310/2018, algumas demandas e propostas com a sociedade podem ser colocadas no Termo de Compromisso e deve ser acompanhado pela população titulada. Art. 26 § 4º Quando a área a ser regularizada for pública, o termo de compromisso poderá ser celebrado entre o Poder Público titular e o Poder Público municipal ou distrital para fins de elaboração do projeto de regularização fundiária e implantação da infraestrutura essencial, dos equipamentos comunitários e das melhorias habitacionais previstas nos projetos de regularização fundiária. (BRASIL, 2018).
20 “É necessário chamar a atenção para uma deficiência do trabalho de urbanização desacompanhado de outras intervenções. O Poder Público tem de acautelar-se ao dotar assentamentos de infraestrutura, sem garantir a titulação dos lotes em nome dos moradores, pois a falta de regularização jurídica pode gerar futuros despejos e/ou desperdício de dinheiro público. Salvo melhor juízo, as intervenções de regularização fundiária exigem uma preocupação mais abrangente. Esta situação é uma tendência do neoliberalismo com a redução dos espaços urbanos públicos e menor compromisso do Estado com questões de moradia, infraestrutura e decisão política sobre a função social da propriedade, considerando a minimização dos espaços informais em áreas de grande valor mercantil. Desta forma, a competição por espaços urbanos passa a fazer parte de um mercado imobiliário com fluxo global, no qual a informalidade urbana é um incômodo para a competitividade das cidades” (CAMPOS, 2014, p. 11).
21 Disponível em: http://www.cohab.pa.gov.br/.
22 Em um contexto latino-americano, a partir dos estudos de Rocha e Vitte (2009), apesar de vários países terem Programas de Regularização Fundiária e todos terem iniciado intenções de aplicação destas políticas antes da década de 1990 (ou no caso da Bolívia e do Peru, ainda na década de 1960), somente a partir dos anos 1990 que essas políticas passaram a ser aplicadas efetivamente. Em apenas cinco países, como a Argentina, Bolívia, Brasil, Equador e a Venezuela. Ademais, existem outros estudos que apontam nas décadas de 1980 e 1990, os despejos foram bastante utilizados em áreas urbanas e rurais da América Latina. Um estudo indica que entre 2004 e 2006 quase 150.000 pessoas foram despejadas em 15 países da América Latina, com os maiores números estando concentrados no Brasil (70.637), Peru (42.728), México (10.374) e Venezuela (6.848) (FERNANDES, 2011). Pode-se salientar, então, que tais ações são resultantes das práticas excludentes que contribuíram para as condições históricas desiguais de crescimento econômico e de distribuição da riqueza na América Latina.
23 Conforme se identificou na pesquisa, ainda se tem muito a avançar nas instituições no que diz respeito à publicidade das ações. Toro e Werneck (2004) destacam a importância da mobilização social para que os usuários das políticas tenham acesso às informações do projeto. No entanto, no Brasil, após o golpe civil e midiático de 2016, os espaços públicos de discussão têm sido esvaziados, sobretudo a partir do Decreto nº 9.759, assinado pelo Presidente Jair Bolsonaro em 11 de abril de 2019, o qual trata da extinção e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal.
24 Para tanto, nos termos do art. 23, §5º, da Lei nº 13.465/2017 (BRASIL, 2017), fica dispensada a apresentação de títulos individualizados, bastando que o Poder Público encaminhe para registro imediato da aquisição de propriedade a Certidão de Regularização Fundiária (CRF).
25 Conforme previsto no artigo 3º, que trata sobre os objetivos do Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP) no inciso V a recepção e o envio de documentos e títulos, a expedição de certidões e a prestação de informações, em formato eletrônico, inclusive de forma centralizada, para distribuição posterior às serventias dos registros públicos competentes.
26 O Instituto de Desenvolvimento Urbano de Canaã dos Carajás recebeu prêmio da Associação Brasileira de Cohabs e Agentes Públicos de Habitação (ABC), o Selo de Mérito 2019, na categoria Habitação de Interesse Social, por ser o primeiro município a realizar regularização fundiária pela 13.465/2017, com o resultado sendo a entrega de certidões de regularização fundiária a 172 famílias do Bairro Paraíso das Águas.
27 É importante salientar que o protagonismo de Canaã dos Carajás em realizar regularização fundiária com recurso próprio, diz respeito ao setor minerário na Região, a qual concentra-se a Maior Mina de Ferro do mundo – Mina do Sossego, além de outros minérios como manganês, cobre, ouro e níquel. Segundo o Ministério da Economia, no ranking de exportação do primeiro semestre em 2021, sendo os 5 primeiros: Duque de Caxias, Parauapebas, Canaã dos Carajás, Rio de Janeiro e Itaguaí. Parauapebas e Canaã dos Carajás, os dois municípios paraenses, exportaram cerca de 45 bilhões de quilogramas líquidos, em um valor total de mais de US$ 5 bilhões e US$ 4,5 bilhões e mais de 33 bilhões de quilogramas líquidos, respectivamente.
28 Em seu livro, De Soto (2001) traz aspectos sobre a pesquisa realizada em vários países sobre as dificuldades para legalizar um terreno ou um empreendimento, colocando milhares de atividades para o setor informal e evidenciando o quanto os chamados “pobres do mundo” têm poupado na forma de terrenos, moradias e pequenos negócios, sobretudo pela falta de legalização, na qual essa poupança é considerada capital morto.

Notas de autor

1 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Residente em Serviço Social na Clínica de Direitos Humanos da UFPA. Mestranda em Serviço Social pela UFPA. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Cidade, Habitação e Espaço Humano (GEP-CIHAB). Orcid nº0000-0002-2430-3546. E-mail: isabellacorrea51@gmail.com.
2 Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ. Professora Associada da Faculdade e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Cidade, Habitação e Espaço Humano (GEP-CIHAB). Orcid nº 0000-0003-4033-1317. Bolsa produtividade em pesquisa do CNPq. E-mail: joanavalente@ufpa.br/joanavalentesantana@gmail.com.
3 Mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA). Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/UFPA). Auditora de Controle Externo no Tribunal de Contas do Estado do Pará. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Cidade, Habitação e Espaço Humano (GEP-CIHAB). Orcid nº0000-0002-4107-9312. E-mail: acgholanda@gmail.com
4 Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/PGSS/UFPA. Professora e atual coordenadora do Curso de Serviço Social no Centro Universitário Metropolitano da Amazônia UNIFAMAZ. Advogada na área de Regularização fundiária e ambiental. Orcid nº 0000-0002-4850-1379. E-mail: laira.vasconcelos@outlook.com.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por