Recepción: 01 Julio 2021
Aprobación: 01 Octubre 2021
Resumo: O artigo apresenta experiências, conflitos e contradições referentes ao trabalho dos ambulantes nos trens da ferrovia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), retratando as possíveis formas de resistência desses trabalhadores. Considera-se o trabalho clandestino como primeira forma de resistência desses trabalhadores para serem inseridos no “mundo do trabalho”. Tal inserção está diretamente pautada na luta pela sobrevivência, dos próprios trabalhadores ambulantes e de suas famílias. Deste modo, estão articuladas tanto às estratégias de sobrevivência, mais relacionadas à busca por condições materiais de existência, quanto às formas de resistências, pertinentes às lutas dos trabalhadores, mesmo que ainda dispersas.
Palavras-chave: Trabalho, Experiência, Conflitos, Resistência, Ambulantes.
Keywords: Work, Experience, Conflicts, Resistance, Hawkers
Introdução
Este artigo retrata experiências dos trabalhadores ambulantes que vendem seus produtos no espaço ferroviário, tendo como referência central a categoria “experiência humana” desenvolvida por Thompson, para quem a classe se apresenta conforme o modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do “conjunto de suas relações sociais”, com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e com base no modo pelo qual aproveitaram essas experiências em nível cultural (THOMPSON, 2012).
Com base nesses elementos, investigou-se como é a experiência dos trabalhadores ambulantes na ferrovia da RMRJ nas suas diferentes dimensões (econômico, políticas e socioculturais). Trata-se, em sua maioria, de um grupo de trabalhadores itinerantes, ou seja, que se desloca, de vagão em vagão, de trem em trem, trocando de plataformas, muitas vezes ora em um ramal, ora em outro. No rol de entrevistados, estão tanto ambulantes que trabalhavam parados nas plataformas das estações quanto vendendo nas composições dos trens. Apesar de posições de trabalho diferenciadas, dependendo da ofensiva imposta naquele dia contra o trabalho ambulante, mesmo os que trabalhavam, costumeiramente, parados nas plataformas às vezes precisavam “bater trem”2.
É importante ressaltar que esses sujeitos trabalhavam de forma “clandestina”, uma vez que a SuperVia – empresa concessionária que administra, atualmente, 104 estações, distribuídas em cinco ramais e três extensões, que abrangem 270 quilômetros de via férrea na RMRJ, não permite a prática da venda de produtos nos trens. Quanto ao perfil dos ambulantes que trabalham nos trens da RMRJ, pode-se situar, brevemente, que o universo de trabalhadores ambulantes no espaço ferroviário é bastante heterogêneo. Composto desde jovens a idosos, tanto do sexo masculino quanto feminino, e, dentre esses, há pessoas com deficiência. Os ambulantes “disputam” o espaço do trem e a atenção dos passageiros com os pedintes que, em sua maioria, possuem algum tipo de deficiência ou se dizem a serviço de alguma instituição de caridade.
Neste artigo são expostos registros da pesquisa de campo, assim como trechos de alguns diálogos estabelecidos presencialmente e outros publicados em matérias em jornais e vídeos postados na Internet sobre o trabalho ambulante na ferrovia, visando apresentar a dinâmica das viagens nos trens urbanos de passageiros da RMRJ. Ademais, procurou-se, com esses elementos, contribuir na compreensão das relações constituídas e estabelecidas entre os trabalhadores ambulantes no espaço da ferrovia.
A dinâmica das viagens nos trens urbanos de passageiros
Em todos os ramais da ferrovia da RMRJ, as paisagens das janelas dos trens revelam favelas em sequência, terrenos baldios, edifícios invadidos, enfim, estruturas precárias, inclusive por onde os trens circulam. Durante a pesquisa de campo realizada no ano de 2018, uma passageira proferiu para os demais, que estavam naquela composição do trem parada na estação do Engenho Novo, que o percurso todo poderia ser daquele jeito: um cenário florido. Parecia uma miragem, mas de fato havia brotado flores ao lado dos trilhos, semelhantes às cerejeiras em flor. Isso se deu numa época específica do ano e abrangia um ínfimo percurso do trajeto. De fato: “Cada vagão é um mundo. Cada viagem, uma surpresa” (BRISO, 2015).
No que diz respeito ao trabalho dos ambulantes nos trens, foi possível observar, numa das idas ao campo, ambulantes trabalhando nos trens, dois palhaços se apresentando e passando o chapéu em seguida, além de um portador de deficiência pedindo ajuda financeira. O ambulante Fernando Sousa, apelidado “Fernandinho”, postou no YouTube pelo menos cinco vídeos retratando a dinâmica de trabalho dos vendedores ambulantes nos trens urbanos de passageiros, ilustrando situação semelhante, pois exibe ambulante e pedinte [ao fundo] ocupando o espaço ferroviário. No vídeo intitulado “Dia a dia de um camelô nos trens do Rio de Janeiro: *parte 4*”, o depoimento de um ambulante, colega de “Fernandinho”, é exposto:
Acho que vou embora. Só arrumar o do gás. O gás acabou... Aí vim arrumar do gás. Senão não rola comida no barraco. Não tem fogão a lenha. Vou passar a comprar dois [botijões] pra deixar um de reserva.
Fica evidenciado, no relato apresentado, a importância dos rendimentos do trabalho de ambulante para suprir suas próprias necessidades de alimentação e de sua família, dependentes do gás de fogão para cozinhar os alimentos. Deste modo, o ambulante trabalhava para a sobrevivência imediata. Malaguti (2000) já afirmava que o trabalho informal era a única forma de sobrevivência para milhões de brasileiros e que a informalidade era o “arrimo” da maior parte da população trabalhadora brasileira, constituindo-se a regra nacional de pertencimento ao “mundo do trabalho”.
Aqui é importante trazer algumas observações quando da exploração do campo, mas em momento anterior à realização das entrevistas propriamente ditas. Na maioria das estações havia, pelo menos, um ambulante vendendo de modo “parado” com seu isopor de bebidas, normalmente contendo água e refrigerantes, além de um saco com biscoitos, batatas e pipocas.
Também foi possível constatar a presença de músicos na ferrovia. Havia cinco na estação Deodoro, quatro deles seguiram para a Central do Brasil no trem parador. Entraram no primeiro vagão e dois deles se apresentaram no trem, o vocalista com violão e sua parceira com o violino, também houve participação de um dos outros músicos com um trompete. Antes da apresentação musical e instrumental, de uma forma eloquente e educada, o vocalista disse que eram artistas de rua e gostariam de divulgar seu trabalho. Perguntou se poderiam se apresentar e destacou que, caso alguém se incomodasse com o som, poderia falar que eles seguiriam para outro vagão. Após a apresentação, “passaram o chapéu” e disseram que também gastavam com a manutenção dos equipamentos. Ficaram lisonjeados quando alguns passageiros pediram para tirar fotos deles.
Em diálogo estabelecido com o vocalista, ele expôs que era natural de Belém, Pará, e que tinha vindo para o Rio de Janeiro no ano de 2017 para “viver da arte”. Trabalhavam em todos os ramais dos trens, também já havia trabalhado em ônibus e praças, por entender que todos os sujeitos deveriam ter acesso à arte. Não tinham vivenciado situação de conflito com os ambulantes, inclusive ressaltou que alguns gostavam do som deles, e acreditava que todos tinham espaço para trabalhar ali na ferrovia.
Os artistas de rua também precisam de recursos financeiros para a sobrevivência, pois, afinal, são também trabalhadores. Isto é, ainda que, em sua resposta, tenha preferido privilegiar o conteúdo de seu trabalho, evidenciando o papel da cultura e da arte, não se deve esquecer que ele é um trabalhador como os demais e, também, precisa desse trabalho para dar andamento à vida, como os demais trabalhadores e trabalhadoras.
Em março de 2019, no trem do ramal Deodoro que saía da Central, um artista de rua se apresentou no vagão com voz e violão. Ele cantou a música “Chão de giz”, do artista brasileiro Zé Ramalho, afirmando que o mencionado artista havia escrito aquela música em um dos piores momentos da vida dele. Então sugeriu que todos fizessem o movimento de encontrar força no amor, na arte, perante as dificuldades da vida. Depois ele cantou uma música de Tim Maia, explicitando que o referido músico morou no município de Belford Roxo e poderia ter feito algumas de suas canções nos trens.
Ao final de sua apresentação, o artista citou o Diário Oficial do Rio de Janeiro, de setembro de 2018, para destacar a permissão dos artistas de ruas se apresentarem nos trens, barcas e metrôs do Rio de Janeiro. Ressaltou a importância de outros estados brasileiros também regularizarem o trabalho dos artistas de rua dessa forma e, ainda, que em países europeus e no Uruguai já é regulamentado há tempos. “Para todos trabalharem com dignidade, não importa se é artista, ambulante ou presidente!”, acrescentando: “Do chapéu a gente vive e sobrevive”, passando o mesmo e contando com a colaboração dos passageiros, mas, sobretudo, pedindo “aplausos e boas energias”.
Contudo, em 24 de junho de 2019, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro considerou inconstitucional a Lei Nº 8120, de 25 de setembro de 2018, conforme publicado, em Diário Oficial, no dia 02 de julho de 2019. A referida lei foi questionada na Justiça pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Segundo o desembargador relator do caso, as apresentações podem prejudicar o sossego dos passageiros (BOM DIA RIO, 2019).
Entende-se que tanto os artistas de rua quanto os ambulantes são trabalhadores que estão no espaço da ferrovia batalhando para a sobrevivência. Os vendedores ambulantes (re)vendem as mercadorias que são compradas (no caso de revenda) ou produzidas por eles (como nos casos de refeições ou docinhos). Os artistas de rua também podem ser considerados trabalhadores ambulantes que vendem sua arte em troca de uma contribuição consciente, não obrigatória, mas também em prol da luta pela sobrevivência.
Mesmo quando as manifestações culturais ainda não eram permitidas no espaço ferroviário, antes de setembro de 2018, elas já existiam de modo sistemático e, provavelmente, continuam sendo na atualidade, apesar da proibição oficial. Conforme Briso (2015), aproveitando as brechas na vigilância, toda sexta-feira, no final do dia, havia sambistas tocando nos trens rumo a Japeri e Santa Cruz, enquanto voltavam para casa. Todos bebiam, fumavam e cantavam. Próximos à Madureira, os sambistas entoavam Paulinho da Viola. Emocionado, um homem abraçou a equipe do jornal O Globo e disse: “Sabe o que é isso? Alegria de pobre!” (BRISO, 2015), que dura “até o despertador tocar, na madrugada de segunda-feira, quando o trem chamar de volta seus trabalhadores” (BRISO, 2015).
O espaço ferroviário da RMRJ, por onde transitam milhares de sujeitos diariamente, tanto nos deslocamentos casa-trabalho quanto quando utilizado para desenvolver o próprio trabalho - como no caso dos trabalhadores ambulantes - também é, há muito tempo, portanto, um espaço cultural e de lazer. Como visto, assim se constitui por meio de diferentes manifestações culturais, seja de exposição de músicas, seja de apresentações de cordel, teatro, entre outras, que são compartilhadas com os usuários da ferrovia.
Dando prosseguimento às andanças no campo, entre as estações Triagem e Jacarezinho era notória a presença de vários pontos de esgoto a céu aberto, montanhas de lixo acumuladas, banca de produção do tráfico com diversos jovens ensacando pó branco, barraquinhas vendendo bebidas e comidas [quentinhas e salgadinhos]. Também era claro nesse trajeto o maior quantitativo de vendedores ambulantes e esses, em sua maioria, pareciam mais empobrecidos, vide a sua aparência [arcada dentária, marcas de expressão, vestimentas etc.]. Um deles anunciou “Comprar barato não é vergonha não... É sabedoria!”. Outro intitulava suas mercadorias como da “loja do pretinho”, referindo-se a si próprio. Um vendedor de doces, como paçocas e pé de moça, apresentava seus produtos por meio da sua própria apresentação de hip hop e contando com o auxílio da sua caixa de som portátil.
Havia um alto-falante nas plataformas das estações Maracanã e Mercadão de Madureira comunicando, de modo repetitivo, advertência quanto aos "vendedores irregulares", assim expressa:
A venda de produtos por vendedores irregulares é proibida nos trens e estações. Você pode comprar um produto de origem duvidosa ou até mesmo vencido. Não colabore com o comércio ilegal! (SUPERVIA, 2018).
Acrescenta-se, ainda, outra advertência veiculada pelos alto-falantes da SuperVia, dirigida à “proibição” de manifestação religiosa: “As manifestações religiosas são proibidas nos trens e estações. Preze por viagens mais agradáveis e respeite o direito de ir e vir de todos". (SUPERVIA, 2018).
As manifestações de qualquer religião são práticas proibidas no espaço ferroviário, oficialmente desde o ano de 2007, conforme publicado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (JUSBRASIL, s.d.). Afinal, a ferrovia continua sendo um espaço público, uma vez que somente os serviços de transporte foram concedidos para a iniciativa privada. No entanto, as pregações são frequentes naquele espaço, inclusive, existindo horários específicos para a realização de cultos no vagão.
Embora cientes que os cultos são proibidos nos trens e incomodam os passageiros que não coadunam com essa prática religiosa no espaço ferroviário, havia pastores que realizavam pregações matinais. Isso porque tinha muitos adeptos que participavam e acreditavam no que era compartilhado, inclusive quanto às experiências narradas, como sujeitos que teriam deixado de roubar e matar por causa da pregação. O que se constata, então, é que parece haver uma grande confusão e exploração da boa-fé dos trabalhadores que são usuários dos trens.
Ainda no que se refere à importância da religião na experiência desses sujeitos, convém descrever que numa das idas a campo no trem que partiu da Central rumo à Deodoro, entraram dois sujeitos na composição que se apresentaram a todos como pastor Jeferson e missionária Cristiane. O pastor Jeferson expôs para o público a situação do espaço onde estava situada a congregação Missões ADVEC Filial Austin3. Disse que reabriram havia um ano e meio o espaço e precisavam pagar mensalmente a prestação do terreno, que foi cobrado recentemente por um sujeito sem escrúpulos, segundo ele. Por isso, estavam em missão nos trens havia quatro meses vendendo balas Halls de diversos sabores a R$1,00.
O pastor ressaltou, ainda, que a venda de balas não era para o sustento de ambos, mas para que a congregação não fechasse. Disse aos passageiros que poderiam procurá-los no Facebook por “Missões ADVEC Filial Austin”. Então pediu para os sujeitos, independente de religião, mas que acreditavam em Deus, fecharem os olhos para acompanhar a oração realizada pela missionária Cristiane. Ela fez uma pregação que mobilizou diversos passageiros. A venda de Halls feita pelos dois alcançou diversos interessados no vagão.
A experiência dessa apresentação no trem é de uma simbiose de culto com trabalho ambulante. Mistura de fé e trabalho. A religião se apropriando da fé dois sujeitos para desenvolver a atividade mercadológica. Percebem-se mensagens apelativas na página do Facebook “Missões ADVEC Filial Austin”, propositivas de relações de troca, em que o sujeito que contribuir também seria amparado por Deus, como se fosse mérito pelo reconhecimento de algo maior, por se tratar de auxiliar uma obra em um estabelecimento de louvação ao senhor. O pastor, no momento da apresentação no trem, ressaltou que não estava vendendo para fins de sobrevivência, como os demais ambulantes - todavia, certamente, que algum rendimento recebe, uma vez que também necessita garantir a sua sobrevivência e quiçá a de familiares. Todos são trabalhadores ambulantes vendendo mercadorias e contribuindo para o escoamento da produção capitalista. Como a venda do pastor invoca a fé dos sujeitos, acaba tendo mais adeptos naquele espaço para a compra das balas.
Destaca-se que, em uma das mensagens, contida no Facebook, o pastor Jeferson afirmou que já estava havia quase oito horas em missão nos trens e ainda faltava mais quatro horas. Ou seja, totalizando 12 horas de jornada de trabalho diária, possuindo, assim como a maioria dos trabalhadores ambulantes do espaço ferroviário, uma jornada de trabalho extensa. Configurando, diante do prolongamento da duração do trabalho e da intensidade do trabalho, que não assegura ao trabalhador a reprodução normal de sua força de trabalho, uma situação de superexploração, conforme Marini (2000).
Durante outra ida ao campo, foi observado jovens com uniformes “a serviço da instituição de caridade Anjos do Senhor”, de Guapimirim, vendendo cocadas nas composições dos trens do ramal Deodoro. Assim como havia pedinte, aparentemente com baixa visão, tendo em vista o uso de bengala para portador de deficiência visual. Nas plataformas da estação Maracanã uma gravação da SuperVia era emitida, através das caixas de sons, informando: “Você é um pequeno empreendedor e quer divulgar seu trabalho? Pode colocar seu cartão de visita no Mural da Supervia, na Central, em frente à plataforma Belford Roxo”.
Ao explorar a estação Central, foi observado o quadro de avisos intitulado “Espaço do empreendedor”, o mesmo que havia sido anunciado pelo alto-falante na estação Maracanã. Após o título “Espaço do empreendedor”, constava o seguinte conteúdo na imagem em questão:
Faz um bolo decorado delicioso? Troca muito bem o salto de um sapato?
Faz uma boa manutenção em computadores? Sabe dar aula de matemática como ninguém?
Divulgue aqui o seu produto ou serviço e mostre para o mundo o que faz de melhor. Você pode colocar o seu anúncio no espaço que estiver vazio, mas não vale retirar o do amigo (SUPERVIA, 2018).
Todavia, não constava nenhum espaço vazio para que um novo anúncio pudesse ser acrescentado. Na realidade, parece não haver espaço para esses trabalhadores nem no quadro, anteriormente mencionado, nem no mercado de trabalho. A ideia de empreendedorismo, amplamente propagada pelo Estado e por empresários, transfere para os sujeitos a responsabilidade individual de inserção no mercado de trabalho.
Ao se produzir o empreendedorismo como uma poderosa ideologia, busca-se construir e consolidar um entendimento de que são as atitudes e comportamentos individuais adquiridos no processo de qualificação que induziriam os trabalhadores a se adaptarem, com maior facilidade, à sociabilidade exigida pelo capital e, por conseguinte, alcançar sucesso profissional (AMARAL, 2012). No entanto, embora seja difundido o potencial meritocrático dos sujeitos, constata-se que na sociabilidade vigente não há espaços de possibilidades de ascensão para todos, ainda mais para aqueles que experimentam precárias condições existenciais, como os ambulantes.
Apresentada essa dinâmica da realidade dos espaços dos trens da ferrovia, em andanças durante o trabalho de campo, o próximo tópico se volta para expor os conflitos presentes nas condições e relações de trabalho dos ambulantes no espaço ferroviário e que foram passíveis de ser identificados. Tanto os conflitos entre os ambulantes e os agentes a serviço da SuperVia quanto entre os próprios ambulantes são expostos. Tais conflitos são provenientes do processo de fragmentação da classe trabalhadora em suas características, na atualidade, tendo em visto o incentivo ao maior empreendimento de si e, por conseguinte, trazendo maior competitividade e concorrência entre os trabalhadores.
Conflitos constituídos nas condições e relações de trabalho
Trabalhar nos trilhos da RMRJ é uma batalha. Como o trabalho de vendedor ambulante não é permitido no espaço ferroviário da RMRJ, os trabalhadores ambulantes se organizam como podem. Normalmente, existe um acordo entre eles e que quase todos respeitam: cada um trabalha em um ramal. Os preços também são combinados. Uma vendedora de doces foi ameaçada de morte por outro ambulante na frente da equipe do jornal O Globo. Tal fato ocorreu no ramal de Belford Roxo e a razão era que, como a ambulante estava no final do expediente e querendo ir embora, oferecia balas Halls a R$0,60 a unidade e o estipulado seria R$1,00 (BRISO, 2015).
Em vídeo postado no Youtube pela reportagem de A Nova Democracia (AND), a equipe do referido jornal foi nos trens da RMRJ, assim como nas ruas ao seu entorno, que ficam repletas de vendedores ambulantes, em setembro de 2017, dialogar com os trabalhadores ambulantes. No mês anterior (agosto de 2017) ocorreu uma ofensiva contra os ambulantes que trabalhavam em Bangu por parte da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
Um dos entrevistados pelo jornal AND denunciou a usurpação experimentada pelos trabalhadores ambulantes. Sublinhou a dificuldade em obter emprego e em trabalhar como ambulante nos ônibus, o que ocasiona um maior quantitativo desses trabalhadores nos trens. Idêntico depoimento foi coletado na estação Mercadão de Madureira, onde um dos ambulantes que estava na plataforma falou para os demais: “Estou aqui pra levantar um dinheiro mais rápido. Nos ônibus tá foda!”, visto que os motoristas não estariam deixando os ambulantes ingressarem nos ônibus para vender.
Sobre as situações de concorrência entre os trabalhadores, é importante destacar que o entrevistado mencionado anteriormente também expressou o possível conflito entre os próprios pares, trabalhadores ambulantes, que vendem igual mercadoria no mesmo vagão. Expôs, ainda, que alguns sujeitos acabam se envolvendo com crimes, especificamente roubos, além de ressaltar o aumento do preço dos alimentos, exemplificando que o arroz e o feijão estavam muito caros e “o governo tá fazendo nós fazer isso... comprar miojo pra comer” [sic].
A referida alta do preço dos alimentos proporciona uma alimentação deficitária, pobre em nutrientes, para frações mais empobrecidas da classe trabalhadora. A alta dos preços dos alimentos é mais um elemento da exploração aos consumidores de média e baixa renda. Há bastante tempo os trabalhadores já vêm sendo lesados por tarifas dos serviços privatizados no corrupto processo das privatizações, como eletricidade, telefone, e pedágios etc., impostos diretos e indiretos e taxas de juros extorsivas (BENAYON, 2008).
Pode-se acrescentar também o processo de privatização dos trens urbanos de passageiros da RMRJ ocorrida no ano de 1998, havendo o predomínio de um compromisso com interesses econômicos privados em detrimento do interesse social público. As principais vítimas desse processo são os trabalhadores e usuários que ficam expostos a condições precárias de trabalho e transporte, chegando a ter a própria vida posta em risco (STAMPA, 2011).
Outro entrevistado pela AND afirmou que trabalhava há um ano como ambulante nos trens, antes trabalhava como servente de obra. Expôs que com o trabalho como ambulante nos trens ele garantia a sobrevivência, mas as vendas estavam fracas. Nesse sentido, pode-se afirmar que “a imigração para o setor informal é um recurso em última instância, uma ‘migração de sobrevivência’, e não um ideal acalentado” (MALAGUTI, 2000, p. 92). O ambulante mencionou, ainda, a possibilidade de haver uma operação “Choque de Ordem” nos trens, que era um receio que prejudicaria o desenvolvimento do trabalho dos ambulantes na ferrovia.
Constatou-se, durante a pesquisa de campo, ser frequente a ofensiva da SuperVia contra os trabalhadores ambulantes e dos artistas de rua no espaço ferroviário da RMRJ. Portanto, foi possível identificar que a situação deles era muito instável durante o processo de coleta de dados. Tal fato impactava diretamente na obtenção de renda desses sujeitos e, por conseguinte, em sua própria sobrevivência e de suas famílias.
Numa viagem realizada em junho de 2018 no trem expresso, sentido Japeri, um ambulante, de aproximadamente 30 anos de idade, disse, para um colega ambulante, que havia sido colocado para fora da estação Deodoro pelos guardas. Depois ele pulou o muro e retornou ao trabalho na ferrovia. Avisou que estava "cheio de guardas lá" e, em seguida, eles se deslocaram para vender em outra composição do trem. No mesmo trem, um ambulante, que aparentava ter cerca de 25 anos de idade, estava revoltado porque tinha sido colocado para fora, na estação Central do Brasil, por guarda. Um colega ambulante perguntou se ele estava com as mercadorias à mostra, mas ele afirmou que suas mercadorias (cortador de unhas etc.) estavam todas dentro da bolsa. Este trabalhador expressou em tom alto, na composição do trem, ao vender suas mercadorias: “passageiro tem que ouvir o que a gente passa”. Narrou que o guarda ameaçou pegar suas mercadorias na próxima vez. Ficou nervoso e disse que não pode perder o foco do trabalho, denunciando: “Os guardas pegam nossas mercadorias e bota pra vender lá fora numa banquinha. Coloca alguém pra vender pra eles. Dá vontade de botar uma peixeira na cintura e pegar esse guarda”. Expôs, ainda, que já havia sido constrangido por esse mesmo guarda quando estava com a esposa no trem. “Aí mandei: hoje não estou de camelô não. Eles tão defendendo o deles e a gente tá defendendo o nosso. Faz derrame4 direto com a gente!”.
Quanto às apreensões, o primeiro entrevistado, que tinha muita experiência como ambulante na ferrovia - 40 anos -, disse: “Já perdi muito mesmo... Tinha dia que eu perdia duas, três vezes as mercadorias. Teve um dia que eu perdi cinco vezes. Aí entrei em depressão porque fiquei devendo e fiquei mal em casa. Em relação aos conflitos, o mesmo entrevistado expressou: “Já corri muito pelos trilhos dos policiais pra ficar com minha mercadoria. Até Triagem!” Relatou que conheceu um antigo guarda ferroviário que criou um armazém no ano de 1992 ou 1993 com as mercadorias que apreendia dos ambulantes. Contou que chegava com um caminhão e levava tudo. “Isso era roubo! Agora vem ordem da Central, um coronel que tem gabinete lá, e manda expulsar a gente. Tem policial à paisana contratado pela SuperVia que ganha R$200,00 por dia”. O terceiro entrevistado que, assim como o primeiro, tinha muita experiência no trabalho como ambulante no trem - 43 anos -, relatou acerca das apreensões: “Já! Falam que vão doar as mercadorias, mas é mentira! Eles (os guardas) levam pra casa!”.
Ainda no que se refere às apreensões e conflitos, o quarto entrevistado expressou: “Lógico! Essa semana mesmo já perdi R$50,00 pra policial”, que não estava a serviço da SuperVia, segundo ele. “Eles pegam dinheiro e produtos mesmo. Os mais ‘antigão’ encaram e não pagam”, referindo-se aos ambulantes mais experientes na ferrovia. Pagava R$20,00 por semana aos policiais que “tomam conta” [sic] do ramal para poder trabalhar. “Já ganhei porrada... Fiquei três dias sem conseguir vir trabalhar com dor na coluna”, referindo-se aos guardas e policiais que o agrediram na ferrovia, acrescentando: “Eles querem dinheiro e quando nós não tem... Um colega tomou vários socos nas costelas. Um amigo tomou uma cacetada de um policial que abriu a testa dele”. Quanto aos conflitos entre os próprios ambulantes, expôs: “tem briga se passar de Deodoro, porque pra lá o esquema é outro”. Conforme desenvolvido mais adiante, cada ramal tem seu “coletivo” [sic].
O quinto entrevistado, antes que fosse levantada qualquer questão, salientou: “Os caras massacram a gente! Tem briga direto... A tropa machuca quando tá na pista!”, referindo-se aos guardas e policiais. Disse que já pegaram suas mercadorias diversas vezes e que era “muito esculacho mesmo. Tinha que ver na sexta... tinha que ter gravado. Levaram tudo! Dá revolta... Tristeza. Me sustento disso aqui!”. Relatou também que, na semana anterior, suas mercadorias foram levadas e foi colocado para fora da estação. O sétimo entrevistado destacou a percepção de que os agentes pareciam estar apreendendo mercadorias roubadas, o que não era o caso. Devido aos conflitos experimentados, precisava comprar novamente as mercadorias, assim como pagar nova passagem para ingressar na ferrovia e dar prosseguimento ao seu trabalho.
A 11ª entrevistada relatou que ocorreu uma briga entre dois camelôs, havia três meses, por conta de venderem a mesma mercadoria. A briga aconteceu pela manhã, sendo que, no início da tarde, um deles chegou à plataforma da estação Mercadão de Madureira com um facão e rasgou o outro da cabeça até a cintura. Não sabia explicar como o homem não morreu. Ficou internado por bastante tempo. Os guardas e policiais expulsaram todos da plataforma. Soube que o ambulante agressor já teria voltado a trabalhar no trem, mas em outro ramal. Para ela: “aqui é mais fácil ter briga entre os camelôs do que com os guardas”. Situação semelhante, de conflito entre os próprios ambulantes da ferrovia que poderia ocasionar um assassinato, foi retratada no início deste tópico, pois, de acordo com a matéria de Briso (2015), uma ambulante foi ameaçada de morte por vender mais barato que o preço pactuado.
O 14º entrevistado narrou, [referindo-se às apreensões]: “Já! Pegaram e não consegui mais ver... Deram um papel, aí fui no depósito [da SuperVia] e não tinha mais nada! Vários camelôs tomam prejuízo... Os guardas agridem e mandam não ficar parado na plataforma”. O 15º contou que o “dono” que alugava o ponto da plataforma do Méier para ele, pagava R$50,00 para a polícia não perturbar, mas “não tinha conchavo com os guardinhas”, que às vezes o colocava para fora da estação. Ou seja, esse entrevistado pagava pela “locação” do ponto de venda na estação, e o “dono” do ponto, desse e de outros, pagava a algum policial para que “os seus locatários” pudessem trabalhar no espaço ferroviário. Todavia, parecia que ainda não havia sido negociado com os guardas ou esses poderiam não ter aceitado, a prática de suborno para não haver mais expulsão do ambulante “locatário” da estação. Trata-se da consolidação de uma rede de exploração, em que os trabalhadores ambulantes precisam pagar aluguel a outro sujeito para poder trabalhar, ainda que de modo clandestino, naquele espaço.
A 16ª entrevistada narrou: “Ainda não tive essa ‘sorte’! Nós que somos camelôs é normal se expor, mas eu tento não me expor tanto. Esse trabalho é muito marginalizado, criminalizado mesmo”. Na verdade, em sua maioria, são trabalhadores que sofrem com o não acesso aos direitos fundamentais, como ao trabalho, à cidade, aos serviços básicos, à moradia. São constantemente reprimidos em sua dinâmica de trabalho clandestino e impedidos de trabalhar para garantir a sobrevivência, precisando arquitetar estratégias para driblar os ataques e dar continuidade ao trabalho.
Os conflitos entre os vendedores ambulantes e os agentes a serviço da SuperVia são inúmeros, assim como também ocorrem conflitos entre os próprios trabalhadores ambulantes. Alguns casos são velados enquanto outros não. Há casos que se findam no momento, porém existem os que têm repercussão. Foi observado, assim, os conflitos, em especial entre os guardas da ferrovia e os ambulantes, especialmente tendo em vista que o trabalho ambulante, a rigor, seria proibido pela empresa que controla a ferrovia. Mas os conflitos também se expressam entre eles próprios, em relação direta com a delimitação seja dos espaços para a venda, em uma espécie de divisão do trabalho para que cada um ocupe o seu lugar, seja em relação às mercadorias a serem vendidas e, também, ao preço de cada uma delas. Outra questão se refere à dinâmica de inserção dos ambulantes nas estações e composições, em função, justamente, da proibição de seu trabalho.
As situações identificadas e apresentadas corroboram o pressuposto da inserção clandestina no “mundo do trabalho” como primeira forma de resistência para a defesa da sobrevivência. Tal processo é repleto de contradições, pois os governos que deveriam promover, por meio de políticas públicas, o acesso aos direitos fundamentais, como saúde e educação, muitas vezes está empenhado em reprimir o trabalho ambulante para “limpar a cidade”, impedindo esses trabalhadores de exercerem o direito ao trabalho e à cidade, em um contexto de significativo desemprego.
A experiência de trabalho dos ambulantes
O campo empírico evidenciou que os trabalhadores da ferrovia, como agentes de segurança e ambulantes, não se reconhecem como classe. Como a consciência de classe é constituída a partir da articulação entre experiência, vivida e percebida, e a cultura de um determinado grupo social (THOMPSON, 2012), a partir da experiência de exploração a que os trabalhadores estão submetidos, surgem lutas de classe que podem contribuir para que eles se percebam enquanto classe.
A proibição do trabalho dos ambulantes nos trens e metrôs da RMRJ é uma contradição, visto que os próprios legisladores reconhecem que os ambulantes trabalham no espaço ferroviário e metroviário porque necessitam trabalhar para sobreviver. Assim, os legisladores propuseram que esses trabalhadores não tivessem mais suas mercadorias apreendidas pelos agentes de segurança metroviário e ferroviário. Todavia, ainda segue proibido, oficialmente, o trabalho dos ambulantes nos trens e metrôs, embora todos os usuários desses meios de transportes coletivos estejam cientes da presença deles nos trilhos da RMRJ.
Os sujeitos se expõem a adquirir experiências como essas oriundas do trabalho clandestino porque necessitam trabalhar para sobreviver. Os ambulantes não trabalham no espaço ferroviário de forma extremamente precarizada simplesmente porque querem. Mesmo os ambulantes que já estão habituados a trabalhar na ferrovia há muitos anos trabalham ali por necessidade. Na maioria das vezes não é uma escolha, mas sim a falta de opção que os leva a trabalhar naquele espaço, sendo a única alternativa encontrada.
Nesse sentido, foi desenvolvida a contradição fundamental deste estudo que diz respeito ao trabalho clandestino ser a primeira forma das resistências dos trabalhadores ambulantes da ferrovia para serem inseridos no “mundo do trabalho”. Eles visam à reprodução própria e de suas famílias, em geral, estando contribuindo, em demasia, para a reprodução do capital, mesmo sem se darem conta do processo de exploração a que estão submetidos.
Resgata-se a questão “Luta de classes sem classes?” (THOMPSON, 1984, p. 13) para analisar o caso dos trabalhadores ambulantes da ferrovia da RMRJ. Eles são trabalhadores que lutam e resistem em prol da sobrevivência, configurando uma luta de classes, todavia não se trata de um coletivo articulado que enfrente a sociabilidade capitalista. Portanto, ainda não constituem a classe na definição thompsiana (1984), pois, embora esses trabalhadores pertençam à classe trabalhadora, independente da percepção que possuam a respeito da sua situação social, não possuem consciência desse pertencimento.
No que diz respeito a outras estratégias e formas de organização adotadas pelos ambulantes, alguns entrevistados citaram o “Coletivo”, que se referia a um grupo do WhatsApp formado por ambulantes de determinado ramal. Segue o depoimento do primeiro entrevistado que revelou essa estratégia: “Agora é fácil... Tem um grupo no Zap chamado Coletivo. Tenho contato de geral! Agora todo mundo tem celular”. O entrevistado em questão mostrou o celular dele, que era simples e não tinha como ter aplicativo de WhatsApp, mas disse que seus colegas ambulantes ligavam para ele, quando necessário. Contou, ainda, que antigamente um avisava o outro conforme iam passando pelas estações e que agora cada ramal de trabalho tinha seu “Coletivo no Zap”.
Ao ser indagado sobre as estratégias e formas de organização adotadas pelos ambulantes, o quinto entrevistado disse que não tinham porque “Camelô é tudo burro! Governo não ajuda em nada... Se junta cem camelôs e iam quebrar tudo na Central, iam dar atenção a nós!”. Arquitetando, assim, uma estratégia mais ampla que culminaria em uma forma de resistência com repercussões midiáticas. Entretanto, de um modo geral, a experiência ou a oportunidade se aproveita onde surge a ocasião, com poucas considerações sobre as consequências, exatamente como impõe à multidão seu poder em momentos de ação direta insurgente, conscientemente de que o triunfo não durará mais que uma semana ou um dia (THOMPSON, 1984).
Cabe sublinhar que a maioria dos entrevistados não participava do grupo do WhatsApp, apesar de ter conhecimento da existência do mesmo. A 16ª ambulante entrevistada foi a única que afirmou participar do “Coletivo do Zap”. No que se refere ao uso dessa rede de comunicação, pondera-se que a construção de uma resistência no interior do novo horizonte em que os sujeitos se articulam por meio da realidade das redes de cooperação e comunicação não depende mais, para se consolidar como força política, da mediação realizada pelas instituições (NASCIMENTO, 2016).
O contexto é extremamente devastador para a classe trabalhadora, tornando-se cada vez mais necessário produzir e situar a análise crítica em direção ao movimento real dos trabalhadores na nova fase de estruturação do capital, “valorizando as lutas, os encontros e os acontecimentos da vida de modo geral” (NASCIMENTO, 2016, p. 9). A análise acerca das atuais transformações do sistema capitalista deve ser referida e elaborada a partir das experiências originadas pelos sujeitos na vida social.
No decorrer da pesquisa de campo, os trabalhadores ambulantes estavam o tempo todo denunciando o não acesso aos direitos básicos, tendo em vista suas experiências diárias atravessadas por escassezes de múltiplos domínios. A base da organização e resistência se encontra na própria capacidade relacional da classe trabalhadora. A expressão dos trabalhadores não provém de nenhuma organização externa, mas surge diretamente das próprias condições materiais de existência. O sujeito é determinado a partir de sua composição material de luta, do seu rendimento, de sua localização, do seu modo e condições de vida, da sua identidade cultural, dos seus afetos, ou seja, das condições materiais e imateriais de produção (NASCIMENTO, 2016).
Entende-se, portanto, que a possível união dos trabalhadores ambulantes, enquanto um coletivo, em uma experiência comum está relacionada ao processo de exploração e opressão a que estão submetidos no “mundo do trabalho” e em outros âmbitos da vida sob a hegemonia do capital. Essa experiência comum informa, em termos de seu modo de vida e suas condições de trabalho e de vida, uma série de precariedades superpostas em diversas dimensões da vida social que podem gerar perdas, rebeldias/resistências e esperanças, articulando-os a outros trabalhadores que formam a classe trabalhadora.
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Notas
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