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Precarização do trabalho e juventude: uma análise sobre a realidade laboral face à pandemia da COVID-19
Precarization of work and youth: an analysis of the labor reality in view of the COVID-19 pandemic
O Social em Questão, vol. 1, núm. 53, pp. 277-300, 2022
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro



Recepción: 01 Septiembre 2021

Aprobación: 01 Enero 2022

Resumo: Este artigo objetivou analisar o universo da precarização do trabalho face à pandemia da COVID-19, e como os jovens trabalhadores estão inseridos nesse contexto, sobretudo, com o advento de novas atividades laborais da era digital, consequentes da indústria 4.0 e do fenômeno da uberização do trabalho. O estudo é baseado em uma perspectiva essencialmente teórica, mas em termos de resultados, é propositivo, concluindo-se ao final que durante o período acentuou-se problemas ora já vivenciados a algum tempo pelos brasileiros: a flexibilização, o trabalho informal e precário, atingindo principalmente grupos vulneráveis como os jovens que na tentativa de driblar o momento de crise sanitária renderam-se ao trabalho informal intermediado por aplicativos, aprofundando-se a precarização.

Palavras-chave: Precarização do trabalh, Juventude, Pandemia.

Abstract: This article aimed to analyze the universe of precarious work in the face of the COVID-19 pandemic, and how young workers are inserted in this context, above all, with the advent of new work activities in the digital age, resulting from industry 4.0 and the phenomenon of uberization from work. The study is based on an essentially theoretical perspective, but in terms of results, it is propositional, concluding that during the period, problems that have been experienced for some time by Brazilians were accentuated: flexibilization, informal and precarious work, mainly affecting vulnerable groups such as young people who, in an attempt to circumvent the moment of health crisis, surrendered to informal work mediated by applications, leaving a deepening precariousness.

Keywords: Precariousness of work, Youth, Pandemic.

Introdução

O Brasil avançou significativamente em termos de direitos sociais com o advento da chamada Constituição Cidadã (CF/1988). No entanto, paralelo a isso, nos últimos anos tem-se presenciado o desmonte de muitos desses direitos que foram conquistados a partir de mobilizações de arranjos sociais. A realidade é que, com a expansão da lógica neoliberal no Brasil, reformas e privatizações passaram a ser regra e, nesse contexto, os direitos da classe trabalhadora são gravemente afetados. Isso é comprovado, por exemplo, com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), a Lei da Terceirização (Lei nº 13.429/2017) e a Reforma da Previdência (EC n.103/2019).

Esse cenário, favorável à precarização do trabalho, contribuiu para o crescimento exponencial do trabalho informal e precário, agravado pelo fenômeno da uberização do trabalho e do advento da nova era digital com a indústria 4.03, com a expansão de novas modalidades laborativas intermediadas por aplicativos como Uber, Cabify, 99 Pop, iFood, Rappi, Loggi4, dentre outros. Trata-se de um processo que permitiu a ampliação de novos contingentes de trabalhadores/as, especialmente no setor de serviços, correspondendo ao que Antunes (2020, p. 32) denomina como “novo proletariado de serviços'', composto em sua maioria por trabalhadores jovens.

Nesse aspecto, a pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) exacerbou ainda mais os quadros de precarização do trabalho, ao passo que a pandemia tem servido de mediação para ampliação da precarização, com o aumento da realização de atividades em formas precárias com as atividades de home office e o trabalho de motoristas e entregadores por aplicativo.

Desse modo, este artigo tem o objetivo de analisar o fenômeno precarização do trabalho, em face da pandemia da COVID-19. Nesse particular, algumas questões são necessárias estabelecer: Como a precarização do trabalho se agravou no Brasil, tendo como ponto de partida a emergência da COVID-19, elevada à categoria de pandemia mundial? De que modo os jovens foram atingidos nesse contexto? Quais implicações para as relações trabalhistas advieram da disseminação do Coronavírus? São essas, portanto, as inquietações que nortearam esta pesquisa.

A metodologia utilizada é típica das pesquisas teórico-qualitativas, aquelas em que o pesquisador, pelo critério da intencionalidade, escolhe a literatura que ajudará a responder o problema levantado, mas não dispensa os dados secundários obtidos junto a institutos de pesquisas para comprovar os argumentos defendidos. Logo, o estudo é baseado em uma perspectiva essencialmente teórica. Contudo, em termos de resultados, tem caráter propositivo.

Panorama do mercado de trabalho brasileiro atual

Com advento da Constituição Federal de 1988, foram estabelecidos novos parâmetros jurídicos, normativos os quais, agrupados a outros, compõem o modelo de proteção social brasileiro. As políticas de Previdência, Saúde e Assistência Social foram reestruturadas com base em princípios de universalização do direito, dando luz ao sistema de Seguridade Social, que consiste em apólices não contributivas para Assistência Social que é direito do cidadão e dever do Estado em prover os mínimos sociais (necessidades básicas); Previdência Social que é pautada em uma lógica contributiva que busca garantir sua sustentabilidade e visa a garantir renda ao segurado e contribuinte quando o mesmo perde a capacidade do exercício do trabalho por variados fatores (doença, invalidez, idade avançada, desemprego, maternidade e reclusão); e por fim, a política de Saúde, a qual tem como parâmetro os princípios de integralidade e universalidade, contemplando todas as pessoas do território brasileiro (BRASIL, 1990).

No entanto, na contramão desses avanços, a década de 1990 traz consigo as contrarreformas neoliberais, e com elas o desmonte desses direitos. O Brasil é atingido pelo ideário neoliberal, difundido pelo Consenso de Washington5, por meio das intervenções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, os quais pressionam o Estado para se adequar à dinâmica do capital financeiro e reestruturado, interferindo, principalmente nas políticas sociais, com o objetivo de reduzir as responsabilidades sociais do Estado e efetivar políticas liberalizantes, privatizantes e de austeridade fiscal.

Com a expansão da lógica neoliberal, o país avança com uma série de “reformas” e privatizações que atingem especialmente a classe trabalhadora. Desde então, a Seguridade Social vem passando por muitos percalços e, sobretudo atualmente, com os intensos ataques que vem sofrendo, expressos principalmente na Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), na Lei da Terceirização (Lei nº 13.429/2017) e na Reforma da Previdência (EC n.103/2019).

Segundo Silveira Júnior (2019), a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) caminha para um processo que põe fim às Leis do Trabalho (CLT), na medida em que aumenta o poder do capital de decidir sobre as condições de empregos e salários, que somada à Reforma da Previdência, cria obstáculos adicionais para os trabalhadores cumprirem os requisitos necessários para usufruírem dos benefícios da Seguridade Social e consolida novas formas de exploração como modalidades de contrato a termo e intermitente, trabalhador autônomo permanente, home office, flexibilização e remuneração variável.

Por sua vez, a Lei da Terceirização (Lei nº 13.429/2017), permite a terceirização em todas as atividades das empresas (as de meios e as de fins), intensificando ainda mais os mecanismos de exploração. Adicionalmente, tem-se o aumento do contrato temporário para, agora, praticamente 9 meses (antes, eram 3 meses). O texto também deixa muitas brechas sobre a aplicabilidade da Lei, que por sua imprecisão, permite a aplicação desde ao setor público ao trabalho doméstico. Além disso, torna legal a “pejotização”, ou seja, a transformação da pessoa física (empregado) em pessoa jurídica, como meio de escape do capital não aplicar as leis do trabalho e a “quarteirização”, ou seja, a empresa que já é terceirizada contratar força de trabalho também terceirizada (SILVEIRA JÚNIOR, 2019).

E a Reforma da Previdência, cuja tramitação suspensa em fevereiro de 2018, não impediu as iniciativas do governo de alterações internas, como é o caso do desmonte do Serviço Social na Previdência, tendo a PEC sido aprovada como Emenda Constitucional n° 103/2019 alterando as regras para aposentadoria e demais benefícios previdenciários. De forma geral, as alterações que a reforma da Previdência promoveu, “[...] ferem os três principais fundamentos considerados para efeitos da concessão de benefício: a idade, que é aumentada; o tempo de contribuição, que é ampliado; e o valor do benefício, que é reduzido” (SILVEIRA JÚNIOR, 2019, p. 178).

Diante do exposto, esse cenário de corrosão de direitos sociais e de conquistas históricas, consubstanciam-se com o crescimento exponencial do trabalho informal e precarizado e a redução dos empregos em escalas global, que desproporcional à ampliação do contingente de trabalhadores, intensifica dia após dia as consequências nefastas da lógica destrutiva do capital (ANTUNES, 2020). É o que mostram os dados sobre o mercado de trabalho brasileiro atual, que a partir do processo de conversão da COVID-19 em pandemia mundial, desvelou mais degradações nas condições de vida dos trabalhadores. Assim, o Coronavírus se instala no Brasil, com a seguinte configuração do universo do trabalho em 2019:

Tabela 1 - Dados sobre o universo do trabalho no Brasil referentes ao último trimestre de 2019




Fonte: PNAD Contínua, IBGE, 2020.

É possível observar, a partir dos dados apresentados, a profunda crise no mundo do trabalho que o Brasil já vivenciava antes mesmo da pandemia do novo Coronavírus vir à tona. Após as primeiras confirmações de casos de COVID-19 em 2020, os dados apontam que a pandemia trouxe muitos impactos, sobretudo no mercado de trabalho. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), a taxa média de desocupação foi recorde em 20 estados do país - as maiores taxas foram na Bahia (19,8%), Alagoas (18,6%), Sergipe (18,4%) e Rio de Janeiro (17,4%) - acompanhando a média nacional, que aumentou de 11,9% em 2019 para 13,5% em 2020, correspondendo a maior taxa média de desocupação da série histórica da PNAD Contínua. Logo, tem-se que em intervalo de um ano a população ocupada atingiu o menor número da série anual, 86,1 milhões, acarretando pela primeira vez o menor número de pessoas em idade para trabalhar ocupadas no país, pois em 2020 o nível de ocupação foi de apenas 49,4% (AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS, 2021).

A taxa média de informalidade recuou, passando de 41,1% em 2019 para 38,7% em 2020, somando ainda 39,9 milhões de pessoas. Mas, embora a taxa tenha recuado, isso não significa mais trabalhadores formais no mercado, e sim que muitos trabalhadores informais6 também perderam suas ocupações ao longo do ano de 2020. Ou seja, com menos trabalhadores informais ocupados, consequentemente a taxa de informalidade diminuiu (AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS, 2021).

Essas informações são decisivas para comprovar os impactos negativos da pandemia no mercado de trabalho brasileiro, na medida em que parcela significativa dos trabalhadores brasileiros encontra-se desprotegida pela legislação trabalhista, e a partir do momento que esses trabalhadores perdem seu posto de trabalho informal, isso evidencia um quadro extremamente grave, acrescido do fato que esses indivíduos não possuem nenhuma proteção ou salvaguarda para poder ficar por um período maior fora do mercado de trabalho e encontram maiores dificuldades para se recompor, vivendo em pobreza absoluta, ampliando o quadro de desigualdade social brasileiro.

Com isso, evidencia-se que diversos profissionais foram afastados de seus respectivos empregos, sejam formais ou informais, e em razão disso muitos recorreram a fontes alternativas de renda para se sustentar. Esse fato talvez justifique a proliferação, durante o período da pandemia, de ocupações informais e precárias como o exemplo do trabalho dos entregadores por aplicativo (Uber, Cabify, 99 Pop, iFood, Rappi, Loggi, dentre outros).

Na opinião de Amorim e Moda (2021), a proliferação dos trabalhos intermediados por aplicativos, deu-se em razão do aumento da demanda desses serviços pela população durante os períodos de isolamento social, e esse fato tornou o trabalho por aplicativo atrativo aos olhos dos novos desempregados, “desesperados” por uma fonte alternativa de renda. “[...] A comodidade, os preços baixos e o fato de sair de casa ter se tornado algo perigoso, fez com que uma parcela da população aumentasse sua demanda pelo serviço” (AMORIM; MODA, 2021, p. 115).

Com efeito, essas modalidades laborais, que já vinham crescendo desde o advento da indústria 4.0, evoluíram substancialmente em um novo contexto de crise sanitária, iniciada com a pandemia da COVID-19. Isto é, tais alternativas passaram a expandir-se ainda mais, haja vista a nova necessidade de atendimento das demandas da vida doméstica, como entrega de refeições, de compras de supermercado, de remédios, entre outras, o que permitiu a aceleração da digitalização das empresas, que passaram a investir no serviço de entregas a domicílio, principalmente por intermédio das plataformas digitais (FERREIRA, 2021).

Diante desse cenário de precarização exponencial, a juventude foi uma das parcelas da população mais afetadas, sobretudo pelo desemprego, como demonstram os dados do quarto trimestre de 2020: as pessoas de 14 a 17 (42,7%), de 18 a 24 anos de idade (29,8%), de 25 a 39 anos (13,9%) tiveram taxa acima ou igual à média nacional. Não por acaso, entre os trabalhadores informais por aplicativo, a maioria é composta por trabalhadores jovens (AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS, 2021). De acordo com a PNAD COVID-19 é possível observar uma maior proporção de jovens entre os motoboys e entregadores, pois a porcentagem de trabalhadores com até 29 anos foi de 25,5% em maio de 2020, entre os motoboys essa proporção foi de 46,5% e entre os entregadores de 40,6% (MANZANO; KREIN, 2020).

Logo, evidencia-se que diante do cenário pandêmico, os jovens na tentativa de driblar o desemprego, passaram a aderir a arranjos laborais informais, precários e de baixa remuneração, como é o caso do trabalho oferecido por intermédio dos aplicativos, os quais são meios “[...] de geração de ocupação e renda, para o qual é necessário simplesmente aderir, ter um cadastro aprovado, fazer um investimento econômico mínimo e criar estratégias próprias de manutenção na atividade” (ABÍLIO, 2021, p. 587).

Portanto, como demonstram os dados, são visíveis os impactos da crise sanitária provocada pela COVID-19 no mercado de trabalho brasileiro, visto que a pandemia foi capaz de eclodir um processo de degradação que já se arrastava desde a crise iniciada em meados de 20147. É diante desse panorama de aumento do desemprego, da informalidade e da supressão de direitos, que se expande o contingente de trabalhadoras e trabalhadores no setor de serviços, sobretudo os trabalhadores da nova era digital, marcada pela uberização do trabalho e indústria 4.0. Nesse novo cenário, acentuado com a pandemia da COVID-19, os trabalhadores por aplicativo proliferam-se, demarcando uma nova era do proletariado de serviços, que é composta, em sua maioria, pela população jovem.

Nova pandemia, velhos desafios: a superexploração do trabalho e os jovens nesse contexto

A partir do final da década de 1960 e início de 1970, o padrão de acumulação taylorista/fordista entra em franco processo de retração. O binômio taylorista/fordista entra em crise, desencadeando um amplo processo de reestruturação produtiva, que fez com o que o capital deflagrasse uma série de transformações dentro do processo produtivo com a implementação de formas alternativas de acumulação flexível, com destaque para o toyotismo ou, modelo japonês. Deste então, o universo do trabalho vem se metamorfoseando significativamente a partir da introdução do universo informacional-digital, no qual “[...] flexibilização, terceirização, subcontratação, círculo de controle de qualidade total, kanban, just-in-time, kaizen, team work, eliminação do desperdício, "gerência participativa”, sindicalismo de empresa” etc. (ANTUNES, 2020, p. 159), tornam-se elementos dominantes na nova empresa “flexível” da era moderna.

Nesse processo, é fecundada uma forte contratendência (contrária à tese de que a classe trabalhadora estaria em fase terminal dada à sua possível substituição pelo maquinário-informacional-digital), qual seja, a expansão de um novo contingente de trabalhadores, especialmente no setor de serviços. Dessa forma, esse novo proletariado de serviços “[...] cujos trabalhos, mais ou menos intermitentes, mais ou menos constantes, ganharam novo impulso com as TICs, que conectam, pelos celulares, as mais distintas modalidades de trabalho” (ANTUNES, 2020, p. 32), radicalizando a extração do sobretrabalho, aprofundando as formas contemporâneas de exploração e dominação, que avançam para precarização total (ABÍLIO; AMORIM; GROHMANN, 2021).

Desde os anos 1980, com o novo modelo de acumulação flexível, financeirizado, globalizado e neoliberal, tem-se início uma erosão/corrosão dos direitos do trabalho em escala global, acentuando as mais distintas formas de precarização do trabalho. Constata-se, então, a recriação da forma industrial de produção, que na contemporaneidade se materializa em “[...] software de gerenciamento, controle e vigilância, que prescrevem em detalhes “o que” e “como” fazer e, ao mesmo tempo, acompanham em tempo real a execução das tarefas pelos trabalhadores” (ABÍLIO; AMORIM; GROHMANN, 2021, p. 45-46), atualizando os parâmetros taylorista/fordista do trabalho. Filgueiras e Antunes (2020) explicam melhor esta condição, afirmando que:

Ao contrário da equivocada previsão sobre o fim do trabalho, da classe trabalhadora e da vigência da teoria do valor, o que temos de fato, é uma ampliação do trabalho ainda mais precarizado, que se estende e abarca (ainda que de modo diferenciado) desde os/as trabalhadores/as da indústria de software aos de call-center (o infoproletariado ou cibertariado), atingindo progressivamente o trabalho nos bancos, no comércio, nos setores de fast-food e turismo, além da própria indústria e agroindústria, etc. (FILGUEIRAS; ANTUNES, 2020, p. 73).

Logo, o capital amplia suas formas de exploração, tornando todos os espaços possíveis e as mais distintas modalidades de trabalho em potencial gerador de mais valor. Isto é, o capitalismo amplia as formas geradoras do valor, passando a explorar trabalhos em serviços que diferente daquele trabalho marcado pela era taylorista/fordista (cuja produção era essencialmente material), o trabalho em serviços é o mais flexível possível “[...] sem jornadas pré-determinadas, sem espaço laboral definido, sem remuneração fixa, sem direitos, nem mesmo o de organização sindical” (ANTUNES, 2020, p. 38).

Sob essa morfologia do trabalho, as empresas buscam maior produtividade por meio do uso das TICs, da flexibilização total, incorporando novas formas de geração de trabalho excedente, expandindo-se em escala global o que se denomina por uberização do trabalho, cujo trabalhador é reduzido a um trabalhador que mesmo subordinado, deve arcar com os riscos e custos de sua própria produção (SOUZA, 2021).

A uberização amplia “[...] a reconfiguração da informalidade, informalização dos meios de controle e gerenciamento, transferência de riscos e custos, assim como o desmanche de garantias e direitos do trabalho” (ABÍLIO; AMORIM; GROHMANN, 2021, p. 42). E nesse cenário de uberização, ascendem modalidades de trabalho on-line por intermédio de aplicativos, como Uber, Cabify, 99 Pop, iFood, Rappi, Loggi, etc. Nessas modalidades de trabalho, as grandes corporações tornam-se invisíveis, disfarçadas sob a forma de trabalho desregulamentado, sem nenhuma preocupação com os deveres trabalhistas, transferindo as responsabilidades para os trabalhadores que devem arcar com as despesas de Seguridade Social, gastos com limpeza de veículos, alimentação, dentre outras.

No trabalho intermediado via plataformas digitais, os trabalhadores não são contratados, não são submetidos a processos seletivos, não há vagas predeterminadas, enfim, para trabalhar, basta se cadastrar. A subordinação é mascarada, é informalizada, isso porque não existem determinações claras sobre as relações de trabalho. Entretanto, mesmo que de forma disfarçada, a empresa por trás do aplicativo, detém todo o poder e exerce os meios de controle do trabalho, determinando: “[...] como opera a distribuição do trabalho, quem será incorporado e, também, quem é desligado ou bloqueado nas plataformas, o que envolve a oferta de bonificações, punições” (ABÍLIO; AMORIM; GROHMANN, 2021, p. 39).

Nesse conturbado cenário, mediado pela ausência de legalidades, é alimentada a ilusão ideológica da mercantilização, da competição e da responsabilidade individual, por meio da fantasia do “empreendedorismo” ou burguês-de-si-próprio/proletário-de-si-mesmo (ANTUNES, 2020; TAVARES, 2018). Ou seja, um auto-gerente subordinado, que define seu tempo e local de trabalho, seus instrumentos e suas estratégias, “[...] um gerenciamento que está, no entanto, inteiramente subordinado” (ABÍLIO; AMORIM; GROHMANN, 2021, p. 40). Conforme explicam Sofía Scasserra e Flora Partenio (2021, p. 185):

Sin embargo, la figura del “emprendedurismo” quedó bien lejos en las plataformas de trabajo, donde la estrategia, el diseño, el talento y la capacidad de negocios, poco tienen que ver con el grado de control que las personas dichas emprendedoras tienen sobre sus condiciones de trabajo y su nivel de ingreso. En efecto, las plataformas fijan y parametrizan todo: las condiciones de pago, las formas y tiempos de entrega, los descuentos y promociones, los niveles de exposición y publicidad (basados en sistemas de calificación algorítmica), los tiempos de trabajo y la necesidad de disponibilidad. En diferentes plataformas del mundo se comenzaron a utilizar los llamados “contratos de hora cero”, y el empleo de plataforma es la expresión virtual de ese tipo de contratos, donde trabajadores deben estar disponibles por tiempo indeterminado y se les paga solo cuando su servicio es requerido.

O resultado desse processo, conforme ressalta Antunes (2020, p. 39): “[...] é o advento de uma nova era de escravidão digital, que se combina com a expansão explosiva dos intermitentes globais. Tudo isso se coaduna com a denominada indústria 4.0.” Na lógica da Indústria 4.0, “[...] concebida para gerar um novo salto tecnológico no mundo produtivo, estruturado a partir das novas TICs que se desenvolvem celeremente” (ANTUNES, 2020, p. 39-40), tem-se uma intensificação dos processos produtivos automatizados, por meio do uso de tecnologias digitais que “[...] alteram significativamente os conceitos tradicionais de trabalho e remuneração, possibilitando o surgimento de novos tipos de empregos extremamente flexíveis e inerentemente transitórios” (SCHWAB, 2016, p. 75). Quanto a isso, Linhart (2016, p. 68) destaca a noção de “precariedade subjetiva” que expressa as profundas tensões e contradições que essa nova morfologia do trabalho materializa, o qual responsabiliza o trabalhador por obrigações que deveriam ser do empregador.

Podemos describirla con el sentimiento de no dominar el trabajo y de tener que realizar esfuerzos sin parar para adaptarse...de no disponer de recursos en casos de problemas de trabajos graves, ni por parte de jerarquía [...] ni por parte de los colectivos laborales que se han desmembrado con la individualización sistemática de la gestión de los asalariados y su puesta en competencia (LINHART, 2016, p, 68).

Discutindo essa realidade, observa-se que a precarização do trabalho não é algo novo, mas algo que se aprimorou ao longo dos anos, sobretudo a partir da primeira e da segunda Revolução Industrial. Mas, com a reestruturação produtiva e, mais recentemente, com o advento da indústria 4.0, considerada a quarta Revolução Industrial, essa realidade se exponencia e se massifica. Para tornar a situação ainda mais complexa e incerta, em 2020 o Brasil e o mundo se depararam com um cenário até então inimaginável, provocado pela pandemia do novo Coronavírus, com a suspensão de diversos serviços e com a imposição de medidas de distanciamento social. Esta situação acabou por intensificar os quadros de precarização do trabalho (AMARAL, 2021), pois ela (precarização) que já vem se desenhando há muito tempo, “[...] caracterizou uma dinâmica de dificuldades para o enfrentamento da pandemia, ao passo que a pandemia tem servido de mediação para exponenciação da precarização” (SOUZA, 2021, p. 3).

Evidenciou-se, então, o aumento da realização de atividades em formas precárias, como por exemplo as atividades de home office e o trabalho de motoristas e entregadores por aplicativo. De acordo com os estudos de Souza (2021), com a adoção do distanciamento social, muitas medidas foram tomadas para conter o contágio do novo coronavírus, houve o fechamento de setores da economia, a fim de permitir que os indivíduos ficassem em suas casas, e em muitos desses setores adotou-se a estratégia do teletrabalho, conhecido como home office, mas logo essa modalidade laborativa mostrou suas facetas, contradições e dificuldades "[...] em meio a um contexto psicoemocional atípico, de enorme receio pela propagação do vírus e, sobretudo, sem que os trabalhadores em geral tivessem a estrutura adequada para trabalhar em casa” (SOUZA, 2021, p. 6).

No caso das atividades subsidiadas por aplicativos, que cresceram significativamente na pandemia, sobretudo, quando se trata de entrega de alimentos e outros produtos, implicou também em quadros graves de precarização. A falta de condições de trabalhos saudáveis, que já levantava alerta antes mesmo da pandemia, com a ascensão desse novo cenário, o processo de uberização evidenciou problemas adicionais. Muitos desempregados aderiram ao trabalho de motoristas e entregadores durante a pandemia, como alternativa ao desemprego ou dificuldades econômicas. Nessas atividades laborativas, a precarização “[...] fica especialmente visível na dimensão da saúde dos trabalhadores, sobretudo pela extenuação devido às longas jornadas, exponenciada pela desproteção”, (SOUZA, 2021, p. 7), além da própria exposição desses indivíduos ao vírus.

Os motoristas e entregadores não tiveram a opção de fazer isolamento social durante a pandemia. Para esses trabalhadores, a quarentena recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) não foi possível, devido à necessidade da remuneração proveniente dessas atividades laborais para suprirem as suas necessidades de reprodução social. Assim, arriscam suas vidas no contexto de “[...] disseminação de um vírus altamente perigoso e não tiveram sequer a garantia por parte das empresas, de equipamentos de proteção e higiene e auxílio em caso de contaminação pelo novo Coronavírus” (FERREIRA, 2021, p. 358). Esse fato, realçou ainda mais a precariedade desse tipo de trabalho, tornando algo o que já era precário, o mais precarizado possível. De forma complementar, Amaral (2021) lembra que:

Nesse contexto de informalização e precariedade do trabalho, agregado à pandemia, o capitalismo mostrou aos trabalhadores a sua resposta ao enfrentamento ao desemprego: tornar o informal um estado permanente. O trabalho subordinado a plataformas digitais, organizado na esfera dos serviços e das novas necessidades dos consumidores em tempos de isolamento social, ganha força, adesão e visibilidade, transformando-se em uma modalidade estruturada pelas inovações tecnológicas e marcada por uma precariedade vital dos sujeitos que estão encurralados na teia dos algoritmos que agora os organizam (AMARAL, 2021, p. 64-65).

Ou seja, as plataformas digitais, a Internet, a inteligência artificial e a economia de compartilhamento expandem-se e passam a integrar diversas dimensões da vida social. Paralelamente a isso, emergem atividades laborativas às custas da pragmática do trabalho instável, informal, flexível, sem proteção social. Confere-se, portanto, uma involução social na realidade brasileira, com especial destaque para a situação dos jovens, os quais lutam para conseguir colocação e renda.

Em outros termos, expande-se uma classe trabalhadora que deve ter disponibilidade perpétua para o labor, uma precariedade que é colocada como um privilégio, o privilégio da servidão que implica na disponibilidade perpétua para o trabalho precário (ANTUNES, 2020), “[...] pronta para realizar qualquer tipo de trabalho e/ou se manter à disposição dos representantes do capital, os quais pretendem convertê-la em trabalhadores intermitentes ou mesmo em empreendedores” (AMARAL, 2021, p. 66). Nessa ótica, ter um emprego, mesmo que precário, é tido como um privilégio, o privilégio de não estar desempregado, o privilégio da subordinação eterna, sobretudo quando se trata de jovens trabalhadores nos novos serviços da era digital, o que torna a juventude trabalhadora um dos contingentes mais precarizados, principalmente nas atividades laborativas intermediadas por aplicativos.

Quando se fala de jovens trabalhadores, é necessário primeiramente dedicar especial enfoque à noção geral de juventude enquanto condição social, isso porque, em razão das diferenças socioeconômicas, há distinção na constituição da totalidade da categoria jovem, havendo diversas formas de ser que, no geral, dividem-se em duas grandes tendências, quando vinculado ao mundo do trabalho: jovens pobres que se submetem a condições precárias de trabalho, e jovens privilegiados em sua origem social que acabam por adiar a busca pela inserção profissional, perpetuando-se na condição de estudantes. Essas seriam, portanto, as concepções reais da juventude, considerando que na contemporaneidade tem-se uma concepção real e uma ideal (SOUZA; PAIVA, 2012).

Ora, a forma idealizada de pensar a juventude, como um ideal social em uma sociedade marcada por valores associados à mocidade, acaba por cair na armadilha de desconsiderar as especificidades tão peculiares dessa fase da vida. “[...] Existe uma distância abismal entre essa representação ideal da juventude e as diversas realidades em que se encontra a maioria dos jovens do Brasil” (SOUZA; PAIVA, 2012, p. 357). O fato é que, os jovens subalternizados, que geralmente são os que se rendem ao emprego informal, nem sempre se adequam às molduras simbólicas da juventude. Logo, os índices de informalidade e desemprego entre os jovens se constituem em um indicador de exclusão social, resultantes das desigualdades sociais características do modo de produção capitalista (SOUZA; PAIVA, 2012).

Essa exclusão social foi evidenciada mais do que nunca nesse momento histórico-social-crítico vivenciado em 2020, que impactou como um todo a sociedade, e no caso dos jovens, atingiu principalmente aqueles de camadas populares e precarizadas, pois são os que possuem menos experiências no mercado de trabalho, menos escolaridade e nenhuma estabilidade financeira. Além disso, apostam na informalidade como uma das últimas chances de um sustento, por se encontrar em situação de desespero, pelo desemprego e pelos desafios de realizar atividades laborativas devido ao momento de crise sanitária ora vivenciada (LIMA; ABREU, 2020).

Segundo pesquisa realizada por Lima e Abreu (2020), na qual foram entrevistadas 130 pessoas de 15 a 29 anos, no intuito de compreender as situações de vida e trabalho de jovens que não possuíam vínculo empregatício nem trabalho fixo desde o começo da pandemia, foi constatado que menos da metade dos jovens entrevistados estava inserida em trabalho formal, sendo a maioria trabalhadores informais ou temporários. Foi percebida a prevalência de empregos precários ou de baixa renda, como manicure, motorista de aplicativo, design de sobrancelhas, entregador de correspondência bancária, entregador de sacolão, barbeiro, entregador de aplicativo e pedreiro.

Corroborando com a pesquisa de Lima e Abreu (2020), os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2020), revelam que um em cada seis jovens de até 29 anos parou de trabalhar desde o começo da pandemia da COVID-19, o que significa que aproximadamente 267 milhões de jovens estão desempregados no mundo, sem frequentar escolas, nem cursos profissionalizantes.

Assim, é possível constatar que o impacto da pandemia nas atividades trabalhistas é especialmente mais grave para o contingente de trabalhadores desprotegidos e vulneráveis que estão no trabalho informal, como forma de driblar as circunstâncias impostas pela pandemia. Portanto, o mercado de trabalho brasileiro, que já há tempos caminha com enormes contingentes de trabalhadores informais, desempregados, desalentados e empregados sem carteira assinada, piora com os ataques recentes à legislação trabalhista, aprofundando a precarização e a informalidade, compondo o cenário que a pandemia delineou e ampliou, e que atingiu, especialmente os trabalhadores informais, já precarizados, como é o caso de parcela significativa dos jovens brasileiros (LEITE, 2020).

A emergência de novos movimentos sociais: há uma luz no fim do túnel?

Sob o cenário de precarização, Antunes (2020) levanta um alerta para a necessidade de união do conjunto da classe trabalhadora, de forma a articular alianças e buscar elementos comuns em suas lutas, pois, caso contrário, tendem a serem “esmagados” por um contexto ainda maior de precarização. Por isso, é necessário “[...] construir laços de solidariedade e sentido de pertencimento de classe, de consciência de seu novo modo de ser conjugando suas lutas cotidianas com seus projetos societais” (ANTUNES, 2020, p. 63). Entretanto, o fato é que nesse contexto a consciência de classe fica extremamente fragilizada, como esclarece Breman (2015):

Por la escasez de trabajo assalariado, hay um peligro mucho mayor que en vez de unirse los ejércitos de reserva caigan en la tentación de ver a los demás como rivales y luchar por cualquier oportunidad de empleo que aparezca. Al no movilizarse sobre la base de la identidad ocupacional, no ven otra alternativa que apoyarse en las lealtades primarias de la etnicidad, la casta, la raza y el credo religioso (BREMAN, 2015, p. 15).

E é justamente diante dessa fragilidade de sentido de pertencimento de classe, que se encontra o maior desafio para as atuais lutas dos trabalhadores. Antunes (2020) ressalta que nesse momento marcado pela ascensão de novas modalidades laborativas consolidadas a partir da indústria 4.0 e do fenômeno da uberização do trabalho e dadas as dificuldades de acolhimento no espaço sindical tradicional, tudo isso possibilitou o florescimento de uma nova morfologia também de lutas sociais, de auto-organização e de novas formas de representação.

Esse é o caso, por exemplo, do “Breque dos Apps”, nome dado à greve de trabalhadores por aplicativos no Brasil, ocorrida em julho de 2020, em meio à pandemia. O Breque foi uma estratégia de paralisar o trabalho dos entregadores por aplicativo, com o objetivo de chamar a atenção para o dito descaso com esses trabalhadores (WEISS; DUARTE, 2020). Em meio ao cenário caótico de crise sanitária, política e social, motoboys e bikeboys se organizaram nacionalmente e manifestaram condições mais justas de trabalho, que evidenciaram formas de resistência que envolveram não só os protestos em si, mas bloqueios dispersos de pontos de entrega, envolvimento dos consumidores, dentre outras estratégias. Esse movimento mostrou a força que a classe trabalhadora possui, e “[...] sua ação jogou lenha na fogueira em torno das possibilidades, disputas e conflitos em torno da regulação e proteção a esses trabalhadores” (ABÍLIO; AMORIM; GROHMANN, 2021, p. 48).

Desse modo, convém indagar se seria, então, esse florescimento de novos movimentos sociais, uma luz no fim do túnel? É possível afirmar que se trata de um sinal do início de uma nova fase de lutas sociais desencadeadas por esse quadro de profunda precarização ora vivenciado pelo contingente de trabalhadores nos últimos anos, e sobretudo atualmente, diante da atual crise sanitária decorrente da instalação do novo coronavírus no Brasil e no mundo?

Provavelmente sim, considerando que essa é uma centelha de esperança que se desvela em meio a uma pandemia que, para o mundo do trabalho, revelou-se em um “pandemônio” de precarizações. Como bem assevera Antunes (2020, p. 63) “[...] somente através de fortes ações coletivas é que serão capazes de se contrapor ao sistema de metabolismo social do capital, profundamente adverso ao trabalho, aos direitos e as suas conquistas”. Portanto, diante do aprimoramento do capital em tornar o trabalho precário em algo permanente, a classe trabalhadora deverá também se reinventar, de modo a viabilizar uma nova era de lutas sociais.

Considerações finais

Foram visíveis os impactos da crise sanitária provocada pela COVID-19 no mercado de trabalho brasileiro. O desemprego cresceu em termos absolutos e, paralelo a isso, aliado à necessidade de isolamento social, arranjos laborais precários ficaram ainda mais precarizados. Muitos setores adotaram a estratégia do teletrabalho, conhecido como home office, no qual a exploração é maquiada de vantagens, mas, na verdade, o espaço da vida privada e o ambiente laboral, fundem-se em um só, não havendo dissociação. A demanda por serviços de delivery, tais como entrega de refeições, de compras de supermercado, de remédios, dentre outros, aumentou, implicando a necessidade de digitalização das empresas que diante das novas demandas, passaram a investir no serviço de entregas a domicílio, principalmente por intermédio das plataformas digitais (Uber, Cabify, 99 Pop, iFood, Rappi, Loggi, etc.). Esse fato, consequentemente, permitiu a proliferação de ocupações informais como o caso dos entregadores por aplicativos.

A questão é que, a falta de condições dignas de trabalho – que já levantava alerta antes mesmo da pandemia vir à tona – restou aprofundada com a ascensão desse novo cenário, na medida em que a precarização, a informalidade e o processo de uberização ganharam níveis alarmantes, levando em consideração o aumento de postos de trabalho informais e subqualificados durante o período pandêmico. Esse é o caso das ocupações intermediadas por plataformas digitais, pois não oferecem qualquer salvaguarda social aos trabalhadores.

Nessas atividades, as grandes corporações camuflam os deveres trabalhistas, transferindo as responsabilidades para os trabalhadores que devem arcar com as despesas de Seguridade Social, gastos com limpeza de veículos, alimentação, dentre outras. O trabalho nessas modalidades é totalmente desregulamentado, os indivíduos não são contratados e para trabalhar basta se cadastrar, de tal modo que as relações de trabalho são mascaradas às custas do trabalho informal.

Configura-se, então, um novo espectro nas relações trabalhistas, no qual os direitos sociais – permeados pelo Sistema de Proteção Social – não são assumidos pelo detentor do capital e, nessas circunstâncias, a dialética laboral é fragilizada pela necessidade de enquadramento do sujeito social numa lista de “assistentes de plantão”, cuja subordinação na relação patrão-empregado não permitem dúvidas, mas que transfere aos “colaboradores” o ônus de suas garantias elementares.

Nesse contexto, os jovens trabalhadores se transformaram num dos contingentes populacionais mais atingidos pelos impactos da pandemia do novo Coronavírus no mundo do trabalho, sobretudo, aqueles de grupos sociais vulneráveis. Isso porque a grande maioria dos jovens não possui experiência no mercado de trabalho, possui menos escolaridade e detém nenhuma estabilidade financeira, e em razão disso, esses jovens acabam se rendendo à informalidade como fonte de renda. Tais fatores, consubstanciados com o aumento do desemprego, contribuíram para o aumento nos indicadores de jovens nas atividades de entrega por aplicativos durante o período de crise sanitária.

Assim, constata-se que a chegada do Coronavírus no Brasil provocou ao mundo do trabalho mais precarização, de modo a afetar o conjunto da classe trabalhadora como um todo, mas, especialmente os jovens trabalhadores/as que estão inseridos em atividades laborais intermediadas por aplicativos. Entretanto, paralelo ao contexto de superexploração, uma centelha de esperança foi acesa, por meio do florescimento de novos movimentos sociais como o Breque dos Apps, o qual alerta sobre a necessidade de melhores condições de trabalho para esse contingente de trabalhadores que, com a disseminação da COVID-19, passou a ser ainda mais precarizado.

Com isso, percebeu-se que o capital tende a se reinventar no que tange às formas de exploração e precarização, acompanhando o percurso dos eventos históricos e, nesse caso, a classe trabalhadora também deverá se reinventar dando início a uma nova fase de lutas sociais, pois a tendência é trabalho uberizado, pejotizado, temporário, em tempo parcial ao lado de poucos trabalhadores formais e protegidos, dualizações que tendem a se intensificar no período pós-pandemia.

Referências

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ABÍLIO, Ludmila C. Uberização e Juventude periférica: Desigualdades, autogerenciamento e novas formas de controle do trabalho. Novos estudos CEBRAP, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 579-597, set./dez. 2021

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LIMA, Evelyn S.; ABREU, Kamila E. Dificuldades de jovens sem vínculo formal de emprego durante a pandemia da COVID-19: Limites do empreendedorismo em tempos de crise. Boletim de Conjuntura (BOCA), Boa vista, v. 3, n. 9, p. 56-73, set. 2020

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Notas

1 Mestranda em Políticas Públicas (PPGPP/UFPI), Especialista em Gestão e Elaboração de Projetos Sociais (FAR), ORCID nº 0000-0002-1337-1965, E-mail: karinekessia@hotmail.com.
2 Doutor em Educação (UFRJ), Mestre em Controladoria e Administração (UFC), professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP), vinculado ao Centro de Ciências Humanas e Letras (CCHL) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), ORCID nº 0000-0002-5901-5026, E-mail: jairoguimaraes@ufpi.edu.br.
3 A Indústria 4.0, “[...] constitui um conjunto de tecnologias inovadoras, como a nanotecnologia, as plataformas digitais, a inteligência artificial, a robótica, a internet das coisas, entre outras, que representam um salto de qualidade na capacidade de organizar e de controlar o trabalho” (GONSALES, 2020, p. 125).
4 Uber, Cabify, 99 Pop, iFood, Rappi, Loggi, são aplicativos ou plataformas digitais, que fazem a intermediação de atividades nas quais trabalhadores/as oferecem serviços de motoristas e/ou entregadores de forma autônoma.
5 Consenso de Washington é como ficou popularmente reconhecido um encontro ocorrido em 1989 na capital dos Estados Unidos, onde foram elaboradas uma série de recomendações visando ao desenvolvimento por meio do neoliberalismo, com foco no combate a crises em países subdesenvolvidos, sobretudo na América Latina.
6 São informais os trabalhadores sem carteira, trabalhadores domésticos sem carteira, empregador sem CNPJ, conta própria sem CNPJ e trabalhador familiar auxiliar.
7 Refere-se à crise econômica no Brasil ou à grande recessão brasileira que teve início em meados de 2014 e que levou a um recuo no produto interno bruto (PIB) por dois anos consecutivos.

Notas de autor

1 Mestranda em Políticas Públicas (PPGPP/UFPI), Especialista em Gestão e Elaboração de Projetos Sociais (FAR), ORCID nº 0000-0002-1337-1965, E-mail: karinekessia@hotmail.com.
2 Doutor em Educação (UFRJ), Mestre em Controladoria e Administração (UFC), professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP), vinculado ao Centro de Ciências Humanas e Letras (CCHL) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), ORCID nº 0000-0002-5901-5026, E-mail: jairoguimaraes@ufpi.edu.br.


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