Recepción: 01 Mayo 2022
Aprobación: 01 Junio 2022
Resumo: O presente estudo faz um breve resgate dos 85 anos da graduação e 50 anos da pós-graduação do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, além dos 25 anos da Revista “O Social em Questão”, com enfoque na interface com a política de assistência social. A metodologia adotada foi a análise documental do acervo do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio: dissertações, teses e artigos da Revista “O Social em Questão”. A motivação foi identificar o debate presente sobre o tema no período e a contribuição para os avanços da política, partindo do pressuposto de que a contribuição é real.
Palavras-chave: PUC-Rio, Serviço Social, Assistência Social.
Abstract: The present study makes a brief review of the 85 years of graduation and 50 years of postgraduate studies of the Department of Social Service at PUC-Rio, in addition to the 25 years of the Revista “O Social em Questão”, focusing on the interface with the social assistance policy. The methodology adopted was the documentary analysis of the collection of the Department of Social Service at PUC-Rio: dissertations, theses and articles from the magazine “O Social em Questão”. The motivation was to identify the current debate on the subject in the period and the contribution to the advances of the policy, based on the assumption that the contribution is real.
Keywords: PUC-Rio, Social Service, Social Assistance.
Introdução
Ao longo da história do serviço social, sua relação com a assistência social foi estreita e, por vezes, complexa posto que havia (ainda há?) uma confusão entre o espaço sócio-ocupacional com a profissão.
A discussão acerca do serviço social, como das demais profissões, não pode ser deslocada da análise socioeconômica, histórico-política e ideocultural. Tal profissão nasce e se desenvolve com e na sociedade capitalista, especificamente, na transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista.
No Brasil, ao longo de 85 anos, a profissão passou por momentos que a caracterizaram como uma profissão técnico-operativa, indissociável das dimensões teórico-metodológica e ético-política. Essa trajetória não se deu, contudo, sem contradições, conflitos, embates, debates e negações.
No momento em que o Departamento de Serviço Social da PUC-Rio - DSS faz 85 anos, a Pós-graduação 50 anos e a Revista O Social em Questão faz 25 anos (1997) é oportuno, revisitar suas publicações e identificar a relação entre o DSS/PUC-Rio e a Política de Assistência Social, bem como considerar fatos, iniciativas que fizeram parte desse processo e as contribuições para o amadurecimento das reflexões relacionadas à referida política.
Neste sentido, o resgate histórico da assistência social até que se tornasse política pública é um percurso proposto como ponto de partida para a análise, lembrando que a revista está presente desde 1997, e a Constituição Federal que traz a assistência social à categoria de política pública, dever de Estado, é de 1988; e a Lei Orgânica da Assistência Social, de 1993. Assim, a busca de fatos e de debates sobre o tema também antecipará ao período da publicação da Revista, tendo por base dissertações e teses e suas potenciais contribuições nesse processo.
Há uma linha do tempo com uma riqueza de vivências e marcos históricos que precisam ser resgatados, sem perder de vista uma visão e um fazer profissional que foram dominantes por longos anos, predominantemente, conservadores, marcados pela benemerência, pela filantropia, pela forte presença do voluntariado, da troca de favores, do não-lugar para o direito, levando os que necessitavam à subalternidade, situação que insiste em persistir, mas que encontra resistências, a partir de 1988, com a nova Constituição Federal de 1988 que vai afirmar o lugar do direito do cidadão, diante de suas necessidades que devem ser reconhecidas e respondidas pelo Estado.
Portanto, trazer o percurso das produções acadêmicas do DSS/PUC-Rio no momento de seus 85 anos e dos 50 anos do Curso de Pós-graduação é um desafio e, ao mesmo tempo, uma forma de homenagear a todos que contribuíram com suas reflexões para os avanços da Assistência Social como Política Pública.
Para fins de diálogo com as produções, entendemos que o resgate histórico é necessário e toma-se o ano de 1988 como referência, bem como um diálogo com a história do Serviço Social, por reconhecer o protagonismo dessa categoria na defesa da Assistência Social como política pública.
Um pouco da história: A Assistência antes de 1988- aproximações e distanciamentos com o Serviço Social
A assistência é uma presença real na vida da população ao longo dos anos, ou seja, pobres desvalidos recebiam ajuda, desfrutavam de algum nível de materialidade diante de suas necessidades, capitaneada, principalmente, pela Igreja que, por sua vez, arregimentava a classe privilegiada para a colaboração, transformando-os em benfeitores, com garantia no espaço celestial. Esse modelo esteve predominantemente presente no mundo e no Brasil.
O cenário descrito não deixou de ser carregado de preconceitos, culpabilização, cobranças, condicionalidades e de muita miséria, pois tratava-se de uma assistência esmolar, com cuidados imediatos, não preocupados com a real mudança na vida das pessoas e, essas, por continuarem dependendo de doações, não viviam só a privação, mas também, a cobrança pelo fato de não saírem da penúria, fruto do convívio com a exploração, pois qualquer ajuda ou qualquer oferta de trabalho precarizado era aceito, e o preconceito e a falta de horizonte por dias melhores era a realidade presente.
O Serviço Social não está distanciado desse período histórico, pois pessoas, principalmente mulheres, eram buscadas pela igreja para ajudar a “fazer o bem”. Assim, a própria igreja mobilizava jovens para o trabalho voluntário de apoio às famílias realizado com atividades que foram inspiradoras para o fazer profissional que teria, na década de 1930, uma configuração mais específica. Trata-se do período em que o Brasil vive mudanças na estrutura política e econômica, reflexo da crise do comércio internacional (a quebra da Bolsa de Nova York).
Nessa época, o Brasil vive a transição de agroexportador (café e açúcar) para o desenvolvimento industrial, momento de conformação da classe trabalhadora que passa a exigir melhores condições e se organizam para as reivindicações. É, também, o momento da evasão do campo para a cidade, sem qualquer preparo para a nova realidade que os aguardava e de organização da burguesia ao se ver pressionada pelo movimento operário a dar respostas diante das condições precárias nas relações de trabalho; o que, por sua vez, levou a mesma pressionar o Estado na construção de alternativas.
Conforme ressalta Iamamoto (2011), ao destacar a sociedade da época, composta principalmente por setores burgueses ligados a agroexportação e de seus prolongamentos nos setores médios mais abastados, desconhecedores da existência da questão operária, com posicionamentos hostis, repressores, contando para tanto, com o apoio explícito à repressão policial, ao mesmo tempo em que se dispõe a ações caridosas e assistencialistas, especialmente após o sufocamento dos movimentos reivindicatórios e nas crises econômicas que lançam grandes massas em situação de extremo pauperismo.
Classe burguesa e classe operária, tendo entre elas as expressões da questão social, numa expressiva correlação de forças entre o capital e o trabalho, tem por resposta a hostilidade, violência; não por acaso se diz que a proteção era “caso de polícia”, tem por realidade uma população apartada: de um lado os reconhecidos como trabalhadores com os quais as negociações se davam e as conquistas aconteciam na proporção direta da importância para o capital da área onde aqueles trabalhadores estavam incluídos no mundo do trabalho. Por outro lado, os que não estavam incluídos que se evadiram dos campos onde o café foi incendiado, devido à queda de preço no mercado internacional, e que viviam na cidade à margem, numa mísera vida, cuja única saída era a esmola e a proteção da igreja.
Este é um cenário em que se verifica um movimento corporativo, no qual os trabalhadores não avançam em conquistas coletivas a partir de uma consciência de classe, mas de grupos de trabalho, e, muito menos reconheciam os apartados do mundo do trabalho como parte da pauta de luta.
A resposta aos cidadãos que vieram dos campos e povoaram as cidades era dada por coerções, por ofertas emergenciais, pela ocupação em pequenas e efêmeras tarefas, compensadas com míseros trocados; parte das respostas aos trabalhadores era dada por medidas preocupadas com um padrão de civilidade, ou seja, havia uma preocupação com os comportamentos, principalmente fora das fábricas em seus horários ociosos que eram ocupados com consumo de bebidas e outras estripulias e, por vezes, brigas. As respostas a esta realidade vieram em formas moralistas e ideológicas, ou seja, era caso de polícia a quem cabia defender a ordem, era caso da Igreja a quem cabia a defesa moral e o aceno com o sentimento de culpa, era caso do Estado que precisava criar forma de atender a burguesia em suas pressões.
Assim, além de arregimentadas pelas igrejas, uma parcela das voluntárias foi arregimentada como profissionais para atuar junto à população. Esse é o campo em que o Serviço Social entra em cena mais fortemente, ainda que possa se reconhecer outros espaços, que não serão possíveis de destacar aqui.
Nesse sentido, numa aliança entre Estado e empresariado tendo como convergência a acumulação do capital e as expressões da questão social, abre-se espaço para ações assistencialistas; tanto praticadas pelo empresariado, como pelo Estado, como pela Igreja.
Mais uma vez se recorre a Iamamoto (2011) para sintetizar aquele momento:
“apesar de sempre aparecerem sob uma aura paternalista e benemerente, constitui-se numa atividade extremamente racionalizada, que busca aliar controle social ao incremento da produtividade e aumentar a taxa de exploração” (IAMAMOTO; CARVALHO 2011, p. 142)
O resultado desta aliança capital-trabalho-Igreja está na formação de novas profissões para atender as exigências do mercado, de um lado, acumulação do capital na mão da burguesia e, de outro lado, uma população com muitas carências e algumas “seduções”. Ou seja, baixos salários, desemprego, moradias precárias ou inexistentes, ausência de saneamentos e de ofertas de serviços de proteção, somadas a pequenos acenos de “boa vontade”. Ou seja, o campo assistencial, emergencial e precário era prevalente.
Mesmo na década de 1940, quando a organização da institucionalidade dos serviços de atendimento aos pobres passou a contar com a Legião Brasileira de Assistência - LBA, a classe trabalhadora com a Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, ou seja, algumas conquistas e iniciativas foram mais bem formatadas, mas a assistência social não ganha a densidade do direito.
Nos anos de 1940 e de 1950 a influência norte-americana trouxe para o Serviço Social brasileiro o tecnicismo, com base positivista, funcionalista que sustentou a prática do ajustamento, o que bem atendia aos interesses burgueses. Foi a partir dos anos de 1960 e 1970 que o Serviço Social viveu um momento de renovação e busca de rompimento com o conservadorismo, ou seja, buscou um posicionamento laico, assumiu compromisso com setores subalternos da sociedade e aproximou-se de bases teóricas críticas para sustentação do seu fazer. Esse processo culminou na década de 1980 com forte debate ético que resultou na aprovação do Código de Ética de 1986, no qual claramente se expressa o “compromisso com a classe trabalhadora”. A década de 1990 foi marcada por amplo debate e por busca de estratégias de enfrentamento aos efeitos do neoliberalismo que rebateu na vida não só dos profissionais do Serviço Social mas da classe trabalhadora em geral com retrações de direitos expressos na flexibilização de economia e na reestruturação do mundo do trabalho e na forte pressão pela redução de presença do Estado nas proteções devidas à população.
É verdade que o Serviço Social se revigorou, saiu da posição atravessada pelo conservadorismo, avançou no debate ético, na definição hegemônica de estar ao lado da classe trabalhadora, ainda que tivesse que conviver com procedimentos profissionais bastante conservadores.
É verdade que a classe trabalhadora se fortaleceu com seus sindicatos e outras organizações de luta, mas é verdade, também, que a repressão e os retrocessos continuaram sendo um fantasma demolidor de sonhos.
No campo da assistência social, a visão e as iniciativas eram tímidas, diluídas em programas, projetos e atividades assistenciais sem articulação com o campo estruturante. Assim, o econômico foi ganhando cada vez mais força, ainda que algumas iniciativas fossem tentadas como a reforma agrária, iniciativas no campo da habitação etc.
O que se viu em lugar de avanços nos ideais democráticos foi a ditadura militar com iniciativas de concentração de renda com promessas de partilhas futuras “depois que o bolo crescesse”, o que nunca se tornou realidade.
As forças de resistência da sociedade civil, associadas a mudanças dos interesses internacionais resultaram no fim do Ditadura militar, no processo de redemocratização do Brasil que culminou com um Congresso Constituinte e com a Constituição Cidadã, que traz novos caminhos para o país e para a Assistência Social, como poderá ser visto.
A assistência como política pública
O processo de redemocratização do Brasil trouxe consigo a possibilidade de ressignificados: vozes gritavam por liberdade, justiça social, debates foram realizados em busca de trocar ideias e construir e resgatar concepções, então, amadurecidas, para construir o novo, recuperar concepções.
A seguridade social está incluída nessa pauta. Historicamente, introduzida no país pela perspectiva da previdência social, reafirmando um processo presente também em outras políticas que a ela vieram se somar. Isto é, tanto a saúde como a assistência social contavam com configurações que, ainda que tivessem muito por avançar, estavam com seu olhar voltado à classe trabalhadora, restando aos demais as iniciativas residuais, ainda que movimentos com busca de métodos/formas de levar proteção contra riscos e ameaças aos seres humanos, buscando reduzir adversidades, sem, no entanto, desconsiderar o papel da família.
O mundo vivenciou iniciativas de proteção ao trabalhador e o Brasil trouxe essas experiências em planos que passaram por iniciativas privadas, voluntárias, planos mutualistas até chegar à intervenção do Estado. Tais iniciativas voltadas ao sujeito trabalhador, mas com extensão às famílias. Mais uma vez, cabe lembrar que as configurações desenhadas não estavam apartadas de um processo de correlação de forças, e que as maiores conquistas estavam ligadas aos trabalhadores das empresas mais fortes no mercado, do mesmo modo que diferenças eram estabelecidas entre funcionários do campo privado e do público, em particular os militares.
Não é possível desconhecer que a Lei Eloy Chaves (1923) foi um marco importante e que ampliou conquistas; não por acaso, considerada marco na evolução da Seguridade Social no Brasil. Outro marco, nesse processo, está na CF/1988, na qual com forte influência do Welfare State, traz capítulos significativos para as novas conquistas.
Do artigo 194 ao 204 a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde vão incorporar sustentações importantes, consistentes e sintonizadas com o novo momento do país, o novo padrão civilizatório que, em sua essência, reconhece um significado forte. Ou seja, a base econômica capitalista mantém a relação de pertencimento-direito, em que todos são cidadãos de direitos vinculada ao trabalho, estreitando a relação saúde-trabalhador-produção, seja o trabalhador no trabalho vivo, ou no trabalho morto3, garantindo a exploração e seu exército de reserva e, civilizadamente, possibilitando um lugar para os sobrantes na proteção ofertada, agora não mais exclusivamente pelas igrejas, ou pela sociedade, mas na condição de dever de Estado. Este, mais uma vez, é chamado a cumprir um papel, estabelecido constitucionalmente, o que é um grande passo na direção de um sistema de proteção que a Seguridade Social traz ao colocar as três políticas na perspectiva de “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” conforme caput do art. 194 da CF/1988.
A tradução da proposta está ancorada em categorias como a universalidade, a compensação e a contribuição, num jogo afiançado financeiramente, pelo que está posto no artigo 195 da referida CF/1988, na qual o trabalhador e empregador se responsabilizam pela materialidade dos direitos estabelecidos. Reconhecer os avanços não significa que não há o que se avançar e, embora não seja possível explorar essa questão, no momento, é necessário registrar que há um debate e que uma revisão se faz urgente. A questão então posta é: o como pode acontecer? Nesta perspectiva, é preciso reconhecer que as três políticas caminharam de forma autônoma, desarticuladas entre si, maculando o princípio proposto pela Seguridade Social.
No campo da Previdência Social as relações capital-trabalho vêm, a cada dia, possibilitando menores conquistas vivendo muitos retrocessos, fragilizando cada vez mais a condição da classe trabalhadora; na saúde, sorrateiramente e, por vezes, acintosamente, a lógica privada espalha suas garras, subtrai conquistas, lamentavelmente, contando com a colaboração da mídia que denuncia enfaticamente a escassez, mas não revela os avanços na mesma intensidade. Tal cenário sofreu, recentemente, pequenas mudanças com a arrasadora presença da Covid-19, ocasião em que o Sistema Único de Saúde - SUS foi “descoberto” e sua importância revelada e, principalmente de seus trabalhadores. Mas isso não significa que as ameaças foram superadas, o que exige que a população e os trabalhadores fiquem atentos.
A assistência social, por sua vez, historicamente chamada de “prima pobre” da Seguridade Social, veio, desde 1988, com o protagonismo de algumas categorias profissionais, entre as quais o Serviço Social se destaca. Se a luta pela inclusão da Assistência Social como política pública no campo da Seguridade Social não foi uma interlocução fácil, também não foi fácil ter sua regulação específica, o que demorou cinco anos.
Assim, em 1993, a Lei 8. 742 dá a organicidade que foi possível à política, o que não impediu a não visibilidade de parte do público que não se via parte da proteção da referida política, apesar de a referida Lei definir que era destinada a todos que dela necessitasse, mas além da definição do público destaca a criança, o idoso, a pessoa com deficiência, principalmente, tinha esta pouca visibilidade reafirmada na formulação de programas que, em lugar do direito se afirmando, deram ênfase à solidariedade da comunidade, não reconhecendo a importância do trabalhador da área, nem possibilitando uma visão de totalidade das necessidades das famílias.
Assim, a relação serviços-benefícios era precarizada por metas restritas e por pulverizações nas ofertas. A relação com os municípios e estados não traziam a unidade necessária para a consolidação de uma política ainda tão recentemente estabelecida e os recursos repassados além de pouco chegavam “aos pingos”.
Por sua vez, há que se reconhecer que, por exigência da Lei Orgânica, avanços se deram na configuração político-administrativa com a implantação de conselhos em grande parte dos municípios e a ocorrência do que se reputa de grande potencializador para a política: a realização de conferências municipais, estaduais e nacional, possibilitando o debate democrático, facilitando a troca e, acima de tudo, que o Brasil reconhecesse os “Brasis da assistência social” e avançassem em propostas unificadas em torno de temas estratégicos.
O que vinha historicamente ocorrendo de forma mitigada, revelando um sistema de crença que a cultura política reafirmava, embarreirando o acesso a direitos precisava ser transposto. Essa transposição não foi tarefa fácil; precisou de análises, avaliações, participação popular, produções acadêmicas, conjunto de esforços que subsidiaram e inspiraram grandes avanços, facilitados pela presença de atores que vinham de uma trajetória do debate de base. Assim, a relação entre os entes federados por meio do espaços colegiados de pactuação ganharam novas dinâmicas, ocorreu a melhoria na estruturação do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, possibilitando fluxos de informações mais ágeis, diálogo constante e o respeito ao seu papel deliberativo; a estruturação do Fundo Nacional de Assistência Social - FNAS, a revisão de valores a serem repassados e da forma de repasse que ganhou regularidade, destaca-se, também, as regulações pactuadas entre os entes e deliberadas no conselho resultantes de amplos debates descentralizados pelo país, as participações nas conferências nacionais tiveram seus números de participantes ampliados, diversificados, possibilitando o surgimento de novos temas e de novos perfis de públicos aos quais a assistência social deveria chegar, regulações como a Política Nacional de Assistência Social - PNAS e a Norma Operacional Básica - NOB foram revisadas e readequadas ao novo contexto4.
O processo de avanços tem um marco que, sem dúvidas, fez a diferença para a Assistência Social que foi a revisão da Lei Orgânica que sofreu complementos por meio da Lei 12.435 de 2011 que, finalmente, trouxe o Sistema Único de Assistência Social - SUAS para a institucionalidade devida. Esse sistema é bem revelador do que vinha em processo de amadurecimento nos debates democráticos, inclusive na academia que, por meio de pesquisas, congressos, simpósios, criação/implementação de núcleos de pesquisa foi trazendo visibilidade ao tema, aproximando entidades-gestões-docentes, revelando o quanto era necessário se avançar no investimento junto à classe trabalhadora da assistência social, e até mesmo definir quem a compõe.
Assim, novas regulações chegam ao sistema como a NOB-RH/SUAS (2006); a política de Educação permanente, também, dando novo tom a essa dimensão, valorizando o trabalhador, ainda que muitos sejam os desafios a serem superados como a realização de concurso público, melhorias nas condições salariais e de trabalho, mas tal constatação não diminui as conquistas e, não por acaso, coloca a assistência social como política pública essencial no enfrentamento da covid-19.
Ainda que os avanços sejam reais, há muito a avançar, muito a resistir diante das constantes ameaças de retrocessos, em particular, as vivenciadas nos últimos seis anos: a relação com a sociedade civil por meio dos conselhos vive o encolhimento, o ruído ou a ausência de informação/comunicação, por vezes, o não reconhecimento do CNAS como instância deliberativa, a regularidade das conferências desrespeitada; e foram embarreiradas as possibilidades de uso de recursos de repasse federal para suas realizações em estados e municípios, exigindo muita firmeza e organização por parte das representações colegiadas de estados e municípios, bem como um amplo apoio das forças da sociedade civil organizada e frentes de resistência para que as conferências acontecessem. Este, também, foi um importante momento de contribuição da academia que, por meio de seu corpo docente, esteve disponível para escrever textos orientadores para o debate, bem como para dar palestras que estimulassem e orientassem os debates.
O cenário recente continua sendo preocupante: decisões continuam sendo tomadas sem reconhecer os espaços de pactuação e de deliberação, calotes em relação a parcelas de repasses de recursos e a realocação das repassadas para as ações emergenciais sem considerar que a ação continuada se faz necessária, ainda que nos momentos emergenciais, como a pandemia, possam exigir novas dinâmicas. A falta de diálogo, a não leitura da dinâmica econômico-social ou a sua expressão mitigada, trouxe o país novamente a um quadro crítico em relação à fome, a presença nas ruas de uma população, antes em moradia, cujo aluguel não pode ser pago ou pela total ausência de proteção se viram obrigadas a irem para as ruas para serem vistas.
A falta de diálogo não é expressa apenas na assistência social, mas para ela que é a “prima caçula” da família da seguridade social, cuja consolidação ainda estava muito fragilizada e abalada por golpes, o quadro se faz mais grave e os desafios para superação ainda maiores apontando para a academia mais responsabilidades em relação à análise dos fatos e os caminhos a serem percorridos para recuperação e avanços do SUAS
Departamento de Serviço Social e Assistência Social
O Departamento de Serviço Social da PUC-Rio sempre esteve atento à política de assistência social, ofertando disciplinas sobre o assunto, além da implantação do Núcleo Integrado de Estudos e Pesquisas sobre Seguridade e Assistência Social - NIEPAS e da Especialização em Assistência Social e Direitos Humanos.
A graduação em Serviço Social é inaugurada em 1937 e a pós-graduação em 1972. A Revista “O Social em Questão”5 surgiu em 1997 e desde lá vem recebendo artigos que abordam o tema assistência social. As dissertações de mestrado6 e as teses de doutorado7 também se dedicam à política de assistência social ou a temas correlatos.
Para o estudo, que ora se apresenta, foram levantados todos os títulos e períodos das publicações de teses, dissertações e artigos da Revista “O Social em Questão” do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio. Para pesquisas futuras, tem-se o interesse do levantamento desta temática nos Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC. Portanto, é importante deixar claro que o estudo não trata dos TCC’s, por indisponibilidade de tempo para as análises que os 85 anos demandam.
Utilizou-se a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009) como parâmetro para a seleção do material, considerando os temas abordados e sua relação com a assistência social a partir desse marco regulatório. Assim, foram elencados os tipos de serviços e as proteções afiançadas como temas correlatos à temática. A busca, portanto, não se limitou a palavra assistência social. Foram considerados os segmentos, as vulnerabilidades, as violações que fazem referência à política analisada.
A partir da seleção do material foi realizada uma busca pelos títulos de todas as obras. Em um segundo momento, levantou-se o quantitativo de produções sobre a assistência social nas teses e dissertações do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio; bem como nas 52 edições da Revista “O Social em Questão”.
A partir das publicações (teses, dissertações e artigos da Revista), foram selecionadas as produções sobre a assistência social. Esse primeiro levantamento considerou os títulos das obras. Desse modo, foi realizada a análise de títulos de publicações do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio. Após essa etapa inicial, foram somados esforços para a análise das produções.
No quadro 01, é possível perceber que a produção teórica sobre a política de assistência social representa 31% do acervo do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio. Isso sem levar em conta o quantitativo de artigos sobre a assistência social nas 44 edições da Revista que tratam da temática – esse exercício ficou como etapa 03 desse estudo. Lembrando que a etapa 01 tratou do levantamento de títulos e a etapa 02 do estudo do material de dissertações e teses.
Quadro 01: Acervos do DSS da PUC-Rio
Fonte: elaboração das autoras, com base nos documentos disponibilizados, 2022
Com relação à Revista, das 52 edições analisadas, apenas 08 não se referem à temática assistência social. No que se diz respeito ao acervo de teses e dissertações do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, podemos constatar que foram produzidas, até o ano de 2021, 64 teses e destas 13 abordam o tema. Das dissertações, elaboradas até 2021, 154 tratam da política de assistência social, ou seja, 27% delas. E das teses, elaboradas no mesmo período, 20% abordam a temática.
Das dissertações e teses que tratam da assistência social, buscou-se perceber quantas utilizaram o termo “assistência social”, ainda que, como já salientado, esse estudo não se limitou a busca desta terminologia, entendendo que as proteções sociais básica e especial ofertadas nos Centros de Referência da Assistência Social - CRAS, Centros de Referência Especializados da Assistência Social - CREAS, rede socioassistencial privada, bem como a alta complexidade extrapolam o uso restrito da busca pela expressão “assistência social”.
É curioso, contudo, perceber que as produções remetem ao ano de 1980, anteriores à Constituição Federal de 1988. Quase triplicam de número, após a implantação da Lei Orgânica de Assistência Social (1993), e ganham um escopo maior pós SUAS (2005).
Importante assinalar o avanço das produções acadêmicas com o uso do termo assistência social após 2005 – momento em que há a implantação do SUAS no país, por meio da instalação de CRAS e CREAS. É ilustrativo, ainda, o declínio de produções pós 2016, período em que há cortes severos nas políticas sociais, além do congelamento dos gastos por 20 anos.
De 2016 até os dias atuais, vive-se um desmonte na política de assistência social, com fechamento de unidades, demissões de trabalhadores, sucateamento das relações trabalhistas, falta ou escasso acesso à infraestrutura mínima.
Gráfico 01: Teses e Dissertações com a palavra assistência social
Fonte: elaboração das autoras, com base nos documentos disponibilizados, 2022
Em 2020, com a pandemia provocada pelo novo coronavírus, e a necessidade de isolamento social, a fim de diminuir a transmissão; foram grandes os impactos nas famílias e indivíduos que vivem em condições de vulnerabilidades e riscos sociais. A assistência social passa a ser reconhecida oficialmente pelas autoridades federais como um serviço essencial, mas, ainda hoje, não dispõe do essencial para assegurar ações de qualidade.
Figura 01: Nuvem de palavras das 13 teses selecionadas
Fonte: elaboração das autoras, com base nos documentos disponibilizados, 2022
Cabe esclarecer que não é objetivo desse artigo esgotar o assunto e, tampouco, abordar em profundidade as obras selecionadas. Interessa-nos, nesse momento, o levantamento do tema e o trato da política de assistência social no e pelo Departamento de Serviço Social da PUC-Rio.
Desse modo, fizemos o levantamento de temas que mais aparecem nas 13 teses que tratam da assistência social, com destaque para: assistência social, seguida da localidade – cidade do Rio de Janeiro; além da proteção social, trabalho profissional, atuação com crianças e adolescentes desde cumprimento de medidas socioeducativas até casos de violências e violações de direitos.
Rede socioassistencial também fez parte das análises das teses, bem como acolhimento institucional, envelhecimento, filantropia, refilantropização, ações de prevenção, de acesso a direitos com ofertas de serviços, tais como atividades em favelas, Funabem, em desastres e calamidades públicas e em localidades como Duque de Caxias, Minas Gerais, além do Rio de Janeiro e outras metrópoles.
Figura 02: Nuvem de palavras das 154 dissertações selecionadas
Fonte: elaboração das autoras, com base nos documentos disponibilizados, 2022
A figura 02, ao tratar de temas abordados em 154 dissertações, reforça como principal assunto a assistência social, acrescida de: Rio de Janeiro, Niterói, Manaus, rede, crianças, adolescentes, serviço institucional, famílias, favela, conselhos, situação de rua, trabalho infantil, violência, representações, trabalho, juventude, pobreza, convivência familiar e comunitária, direitos sociais e humanos, exploração e abuso sexual, violações de direitos, atuação do Serviço Social, Legião Brasileira de Assistência - LBA, mulheres, cidadania, Varas da Infância, Juventude e do Idoso, dentre outros temas.
Assim, as figuras 01 e 02 exemplificam o que tratamos até aqui: não há como abordar a temática assistência social sem considerar os temas a ela afetos, mas com atenção para não reforçar o jargão de se tratar de uma política pobre para pobre, sem especificidades e sem materialidade. O SUAS e, mais especificamente, a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, somados as demais normativas e orientações técnicas da política de assistência social, definem o objeto e objetivos dessa política, os serviços e usuários da mesma.
As teses e dissertações somam 167 obras que tratam da assistência social, sendo 13 teses e 154 dissertações, num universo de 632 produções. Portanto, dessas obras, 26% analisam a assistência social.
Gráfico 02: Teses e Dissertações por temas
Fonte: elaboração das autoras, com base nos documentos disponibilizados, 2022
Além das 167 dissertações e teses que analisam a assistência social, tem-se 44 edições das 52 da Revista “O Social em Questão”, ou seja, 85% das edições tratam da temática.
Gráfico 03: artigos da Revista O Social em Questão
Fonte: elaboração das autoras, com base nos documentos disponibilizados, 2022
Das 52 edições da Revista, somam-se 679 artigos, dos quais 144 abordam temas da área da assistência social, perfazendo 21% no universo de artigos.
Gráfico 04: Artigos sobre assistência social na Revista OSQ
Fonte: elaboração das autoras, com base nos documentos disponibilizados, 2022
A mesma análise feita no gráfico 01 sobre as teses e dissertações serve para o gráfico 04 sobre os artigos na Revista “O Social em Questão”, ou seja, um aumento de produções pós Sistema Único de Assistência Social e um retrocesso em obras pós 2016 – momento de sucateamento das políticas sociais, aflorado com a pandemia em 2020.
Figura 03: Nuvem de palavras dos artigos da Revista selecionados
Fonte: elaboração das autoras, com base nos documentos disponibilizados, 2022
A partir da figura 03, é possível perceber que a Revista aborda temas da assistência social enquanto política pública de direitos e as diversas expressões das questões sociais que expressam vulnerabilidades e riscos sociais: pobreza, violência, família, comunidade, proteção, desproteções, intervenção profissional, renda, fome, crianças, adolescentes, jovens, trabalho, política.
Breves Considerações
A intenção, aqui, foi apresentar produções do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, em seus 85 anos de existência, que buscam trazer reflexões sobre a política de assistência social. Utilizou-se teses, dissertações e artigos da Revista “O Social em Questão” numa aproximação ao objeto de análise.
O presente estudo pretende provocar debates e pesquisas futuras, em especial, utilizando-se dos Trabalhos de Conclusão de Curso do referido Departamento. Além disso, algumas questões levantadas cumprem seu papel de provocar inquietações e análises futuras a partir do estudo aqui iniciado.
Referências
LCHORNE, S. C. A. (2012). Das políticas nacionais aos planos municipais: avanço da Política Pública de Assistência Social em Metrópoles - Estudo das Cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Repositório PUCSP. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/17597
BOSCARI, Marilene; SILVA, Fátima Noely da. A Trajetória da Assistência Social até se Efetivar como Política Social Pública. Disponível em: https://periodicos.uniarp.edu.br/index.php/ries/article/view/341
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IAMAMOTTO, Marilda V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 1998.
IAMAMOTTO, Marilda V. Carvalho, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1983.
Notas
Notas de autor