Recepción: 01 Mayo 2022
Aprobación: 01 Junio 2022
Resumo: Maria Josephina Rabello Albano foi uma figura central no desenvolvimento e profissionalização do Serviço Social no Rio de Janeiro e mesmo no Brasil desde a década de 1940. A sua influência ultrapassa as fronteiras nacionais do país, já que sua figura foi de grande importância para o Serviço Social internacionalmente, sobretudo na América Latina, desempenhando funções proeminentes dentro da profissão em diversas instituições internacionais, especialmente no campo da habitação. O presente artigo baseia-se numa análise inicial de compilação de dados do arquivo pessoal de Josephina Albano, confiado ao Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, instituição que ela se formou e foi docente por longos anos. Este trabalho tem o intuito de pensar sua trajetória dentro de um olhar transnacional, na esperança de contribuir para outras obras que venham a resgatar a centralidade dessa figura.
Palavras-chave: Josephina Albano, Serviço Social na Habitação, História Urbana Transnacional, Política habitacional.
Abstract: Maria Josephina Albano was a crucial figure in the development and professionalization of the field of Social Work in Rio de Janeiro and Brazil since the 1940s. Her influence goes beyond the Brazilian national borders, as her influence in social work was international, particularly in Latin America. She was an important consultant and expert in the different institutions in the hemisphere, especially in the area of social housing. This article explores Albano’s professional biography from an initial analysis of her archive, located at the Department of Social Work of PUC-Rio, the institution where she conducted her studies and where she taught and trained generations of social workers over several decades. This work seeks to look at Albano’s trajectory from a transnational perspective, looking forward to contributing to future studies that will recover the centrality of her work.
Keywords: Josephina Albano, Social Work and Housing, Transnational Urban History, Housing policy.
Introdução
Maria Josephina Rabello Albano foi uma figura central no desenvolvimento e profissionalização do Serviço Social no Rio de Janeiro e mesmo no Brasil desde a década de 1940. A sua influência ultrapassa as fronteiras nacionais do país, já que sua figura foi de grande importância para o Serviço Social internacionalmente, sobretudo na América Latina, desempenhando funções proeminentes dentro da profissão em diversas instituições, tais como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas (ONU). Foi também conselheira de vários governos e consultora internacional, incluindo, por exemplo, o Centro Interamericano para a Habitação (CINVA).
Este artigo resgata a figura de Albano a partir da sua biografia profissional e a insere nos circuitos transnacionais de produção de conhecimento sobre o desenvolvimento urbano, habitacional, social e comunitário desde os anos 40 até aos anos 70. Como a historiografia recente dos estudos urbanos latino-americanos vem salientando, essas são as décadas que Adrián Gorelik definiu como o momento da produção da cidade latino-americana. A cidade é aqui entendida como uma construção cultural do pensamento urbano, do desenvolvimento de uma linguagem especializada e técnica de expertos e instituições internacionais, e como objeto de políticas públicas que tomaram o urbano e, mais especificamente a habitação, como o lócus principal de produção de ideias e ações para fomentar sua transformação (Gorelik, 2005). Essas são décadas de esperança (e desilusões...) sobre a modernização das sociedades latino-americanas, o desenvolvimento e a possibilidade de aplicar os conhecimentos técnicos e científicos para suscitar melhorias da vida urbana. Esse conhecimento não ocorreu apenas dentro das fronteiras nacionais, embora as esferas local, municipal, regional ou federal foram onde se desenvolveram as variadas experiências e políticas empreendidas.
Especialistas e profissionais, como Albano, desenvolveram e produziram esse conhecimento de maneira transnacional, ao participarem de discussões, congressos, conferências, consultorias, assessorias a governos e órgãos de fomento, bem como a setores privados, em nível pan-americano e global. Uma parte constitutiva dessa construção, no contexto do pós-guerra e até aos anos 70, foram os diálogos, encontros e circulações de profissionais, bem como a constituição de organizações multinacionais que procuraram compreender, sistematizar e produzir uma linguagem técnica e científica, apta a propor soluções aos problemas das sociedades em processo de industrialização (BENMERGUI, 2009 e 2021; ARAVECHIA-BOTAS, 2019; OFFNER 2019; GYGER 2019; HEALEY 2020; GIANOTTI E GONCALVES, 2020, entre outros). É este mundo de encontros e discussões, de dotações e negociações, de comparações e diferenças, no qual se formou um conhecimento sobre o urbano e uma forma de compreender o social, sobre o qual se pretendia agir. Josephina Albano foi uma destas protagonistas.
Dentro desse mesmo marco (a cidade como construção cultural de pensamento, conhecimento específico e objeto de políticas públicas e disputas entre diferentes atores), pode-se compreender as favelas e seus moradores, focos de grande parte da obra e atuação profissional de Josephina Albano. Como Licia do Prado Valladares afirmou, a partir do reconhecimento oficial da existência dessas formas de habitação urbana, sobretudo após a promulgação do Código de Obras de 1937 (decreto nº 6.000, de 1 de julho de 1937) a favela passa a ser objeto definitivamente de um trabalho profissional que exigiu a produção de dados, metodologias específicas e abordagens teóricas (Valladares, 2005). O papel das assistentes sociais nas políticas urbanas, particularmente da primeira geração de formandas, incluindo a própria Albano, começou a ser aplicado ainda com a experiência dos Parques Proletários Provisórios do Rio de Janeiro, como é possível identificar no trabalho de conclusão de curso da assistente social Maria Hortênsia do Nascimento e Silva, que relata o trabalho social realizado durante o reassentamento dos moradores da Favela do Largo da Memória para o parque provisório da Gávea (Silva, 1942).
Nos anos 50, as ciências sociais e o trabalho de campo, incluindo o desenvolvimento comunitário, a autoajuda e as experiências de autoconstrução seriam fundamentais para definir o problema da informalidade e da pobreza urbana. Das teorias elaboradas pelas ciências sociais, seja sobre a modernidade, seja sobre a marginalidade, a questão da "desintegração" social, particularmente nas sociedades latino-americanas em rápida urbanização e migração do interior rural para os centros urbanos, despertava um particular interesse para as assistentes sociais.
No contexto da Guerra Fria, a questão da desintegração social estava também ligada às preocupações com o populismo e comunismo na América Latina. Os Estados Unidos encorajariam o intercâmbio técnico e a assistência financeira para projetos de habitação e desenvolvimento comunitário já no final da Segunda Guerra Mundial com o programa Ponto IV do Presidente Harry Truman, e, posteriormente, com a criação da Aliança para o Progresso, por John F. Kennedy, em 1961. Com a aceleração do intercâmbio de ideias, personalidades e capital, a questão urbana não se resumia somente no esforço para estabelecer mecanismos para expandir o setor da construção e a especulação imobiliária. Tratava-se também de modernizar as sociedades, especialmente as que estavam em processo de migração rural-urbano, por meio da cooperação comunitária, na remoção das favelas e, na medida do possível, por meio do acesso à propriedade privada do migrante. Essas ações levariam à formação de uma cidadania responsável de proprietários, pretensamente distante da influência de políticas populistas ou dos comunistas, segundo o entendimento dos setores conservadores dentro dos países da América Latina e dos Estados Unidos.
Assim, o papel dos expertos - aqueles com conhecimentos técnicos e específicos, equipados com os instrumentos "objetivos" das ciências sociais e do planejamento - foram centrais para a formação de uma forma de pensar as cidades e os seus residentes mais desfavorecidos naquelas décadas. Josephina Albano foi, a partir dos seus múltiplos papéis e espaços de intervenção e estudo, uma destas importantes figuras por meio das quais esse conhecimento circulou. Além dos seus estudos e do seu papel como educadora e como membro das principais instituições de Serviço Social do Rio de Janeiro, Albano também fez os seus estudos de pós-graduação nos Estados Unidos, trazendo muitos desses ensinamentos de volta ao Brasil. Assim, é neste encontro e entrelaçamento de experiências locais, aprendizagem e ensinamentos no estrangeiro, seja em nível académico, no trabalho comunitário, seja na área da consultoria e das políticas públicas, que procuramos sugerir algumas orientações analíticas para refletir sobre a trajetória de Albano.
O artigo baseia-se numa análise inicial de compilação de dados do arquivo pessoal de Josephina Albano, até agora inédito e em processo de catalogação no Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a instituição onde Albano se formou e desenvolveu grande parte da sua carreira docente no Rio de Janeiro. Propomos, então, uma narrativa inicial para pensar sua trajetória dentro desse olhar transnacional, na esperança de contribuir para outras obras que venham a resgatar a centralidade dessa figura. Não pretendemos obviamente exaurir essa temática, nem dos espaços em que ela desenvolveu o seu trabalho, nem dos debates em que interveio, que serão objetos de trabalhos vindouros. Nas páginas seguintes, oferecemos uma cronologia inicial da biografia de Albano, enfatizando o seu carácter transnacional, que esperamos ser útil para a compreensão dos problemas do período.
I. Josephina Albano: pioneira do Serviço Social brasileiro
Maria Josephina Rabello Albano, como já mencionamos, é uma das maiores referências do Serviço Social brasileiro. Nasceu em 31 de janeiro de 1916, na cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará. Seu pai, Ildefonso Abreu Albano, era comerciante e político local. Junto com sua esposa, Alpha de Queiros Rabello, migrou com a família para o Rio de Janeiro, em julho de 1924 (Silva, 2012, p.1).
Em março de 1937, Albano passou para a Universidade do Brasil (Faculdade Nacional de Filosofia), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, concluindo nessa o curso de História e Geografia em 1940, mas não se interessava em trabalhar como professora. Pensou também em ingressar em um curso de enfermagem, quando soube da abertura de um novo curso universitário de Serviço Social no Rio de Janeiro.
“Em meados de junho de 1937 um encontro providencial, num elevador, de D.Stella Faro com a mamãe, dirigiu a minha vida para o Serviço Social (...). Lá na Glória, onde estavam hospedadas as diretoras do Instituto de Educação Familiar e Social, fui buscar mais informações e após trocadas algumas palavras, matriculei-me... Para falar a verdade, não sabia bem o que era..., mas parecia ser interessante e não coincidia com os meus estudos na Faculdade Nacional de Filosofia3.”
Sem abandonar o curso de História e Geografia, ingressou, como veremos abaixo, a partir de julho de 1937, na Escola de Serviço Social do recém-formado Instituto de Educação Familiar e Social, hoje Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, formando-se na primeira turma, três anos depois (Silva, 2012, p.1). A Igreja Católica foi muito atuante na origem da profissão, estando diretamente envolvida na fundação dos dois primeiros cursos do país, o da Pontifícia Universidade de São Paulo, em 1936, e o do mencionado Instituto Social, que se instalou na Rua Dona Mariana, nº73, no bairro de Botafogo, onde no dia 1º de julho de 1937 era solenemente inaugurado (Albano, 1993, p.3).
Apesar das críticas de líderes católicos às medidas estadonovistas, a posição da Igreja continuou numa linha de cooperação com o Estado, sobretudo diante do medo da influência comunista (Lima, 1977, p.39). A profissionalização do campo do Serviço Social se insere no esforço do Estado Novo de introduzir novas políticas sociais. O regime passa a tratar, por exemplo, as favelas como um problema social a ser regulado, gerido e solucionado pelo Estado com a contribuição de profissionais. Como já mencionamos anteriormente, o Código de Obras de 1937 reconhecia a existência de favelas e propunha a construção de habitações de tipo mínimo para substituí-las. Os já mencionados Parques Proletários Provisórios, construídos nos anos 1940 no Rio de Janeiro no esforço de erradicar as favelas, incorporou práticas de forte controle social dos seus habitantes. O Serviço Social dos parques foi muito atuante no esforço de forjar o novo operariado para o regime. Os conhecimentos profissionais aplicados ao estudo da população das favelas produziram conhecimentos necessários para, como afirma Licia do Prado Valladares, administrar e controlar tais populações (2005: 57-63). Assim, os primeiros estudos sobre as favelas vieram dos cursos de Serviço Social que se formavam nesse momento.
Josephina Albano não só participou da primeira turma de Serviço Social do Instituto de Educação Familiar e Social, mas foi a primeira aluna a ser matriculada nesse instituto, que organizou o primeiro curso de Serviço Social do Rio de Janeiro e o segundo do país. A primeira turma obteve, no geral, 27 (vinte e sete) inscrições, possuindo apenas 15 (quinze) alunas matriculadas, em 1937. Dessa primeira turma, quatro alunas concluíram o curso: além da Josephina Albano, Margarida Maria Mota Vieira, Maria Luiza Fontes Ferreira e Irene Tavares de Nunes de Sá. Em entrevista para o mestrado em Serviço Social de Arlette Alves Lima, Albano declarou sobre a formação das primeiras assistentes sociais: “É difícil generalizar sem elementos suficientes, mas creio que os Assistentes Sociais (os primeiros) possivelmente seriam os profissionais universitários mais bem informados sobre a realidade socioeconômica global, naquela época.” (in Lima, 1977, p.99). Foram professores das primeiras turmas, figuras como o Padre Leonel Franca, s.j., Alceu Amoroso Lima ou o Doutor Américo Piquet Carneiro.
Imagem 1: Primeira Turma de Serviço Social (Josephina Albano é a terceira da esquerda para a direita)
Fonte: Acervo Núcleo de Memória da PUC-Rio/cg0049_038 (16/9/1947)
Josephina Albano cita inúmeros campos de estágio das primeiras turmas do Instituto Social, sendo, desde o início da escola, um diferencial no seu percurso formativo. Dentre os quais, podemos citar, por exemplo, um ambulatório no Morro do Borel (Albano, 1993, p.4). No entanto, apesar de ter feito grande parte de sua carreira nas políticas urbanas e habitacionais, as primeiras experiências de estágio de Josephina Albano não se deram em favelas. Ela foi a primeira aluna da Escola do Rio de Janeiro a estagiar no Juizado de Menores, vinculado ao Ministério da Justiça, no ano de 1939. Outros espaços no âmbito público que incorporaram o Serviço Social entre os profissionais do quadro foram a Prefeitura do Rio de Janeiro, a partir de 1939 e o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), em 1942 (SILVA, 2019, p.73/74).
O seu estágio no Juizado de Menores foi muito importante e já em 1938 (2º. ano do curso de Serviço Social) foi contratada pelo Juiz de Menores Sabóia Lima para trabalhar com ele, seguindo no Juizado com o Dr. Saul de Gusmão até 1941. Dessa experiência, veio o tema do seu Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social sobre a situação da criança no Rio de Janeiro: Proteção à Infância Abandonada e Delinquente (Silva, 2012: p.2) e, como veremos a seguir, norteou também a escolha do seu objeto de estudo para o mestrado.
A produção de conhecimentos por figuras como Josephina Albano não foi apenas o produto da sua formação no Brasil, baseada exclusivamente nos problemas cariocas, embora as questões locais tenham sido centrais para a configuração dos seus estudos e práticas. De toda forma, sublinhamos, que é na produção e circulação de conhecimentos sobre o urbano em escala transnacional, em que ocorrem transferências de experiências e conhecimentos. Essa dinâmica acabou conformando o universo da profissionalização de um corpo de expertos com forte incidência sobre o debate relativo à modernização e desenvolvimento social. Como foi o caso de outros profissionais, como José Arthur Rios, um importante investigador que também trabalhou como gestor em questões urbanas e especialmente em favelas. Ele exercerá um papel importante em reforçar a influência estadunidense nos estudos de desenvolvimento comunitário no Brasil, uma vez que também estudou nos EUA, no período do pós-guerra, fazendo o seu mestrado em Sociologia Rural na Universidade Estadual da Louisiana. Assim, as viagens de formação ao estrangeiro foram extremamente importantes como experiência e na formação de redes e laços institucionais. Os rumos profissionais de José Arthur Rios e Josephina Albano se entrelaçaram, como veremos mais adiante, especialmente no início da década de 1960.
Em 1940, quando ainda estudava inglês no Instituto Brasil Estados Unidos (IBEU), Albano teve conhecimento de que havia a disponibilidade de uma bolsa de estudos para Serviço Social na New York School of Social Work (primeira escola de Serviço Social fundada em 1889), na Universidade de Columbia, patrocinada pelo Instituto de Educação de Nova York. Pleiteou e obteve a bolsa, o que a possibilitou de cursar o mestrado na mencionada instituição entre março de 1941 a dezembro de 1942, quando apresentou e defendeu sua dissertação em torno do tema da proteção à infância, regressando ao Brasil em janeiro de 1943, com o título de Master of Science da Universidade de Columbia.
Nos Estados Unidos, Josephina Albano fez estágios junto às populações imigrantes, como os porto-riquenhos e outros grupos que recebiam assistência pública (Silva, 2012: p.3). Conheceu a teoria e a prática profissional do Serviço Social nos EUA. Ela foi a primeira assistente social brasileira a estudar nos EUA e obter o título de mestre. Outras assistentes sociais seguiram posteriormente seus passos e fizeram também seus estudos por lá nesse período, tais como Marília Diniz Carneiro, Aracy Cardoso, Helena Iracy Junqueira, Nadir Kfouri. O contexto era a Política de Boa Vizinhança dos Estados Unidos, durante a presidência de Franklin Roosevelt quando colocou a Nelson Rockefeller como coordenador da recentemente criada Office of Inter-American Affairs (criada em julho de 1941) em plena Segunda Guerra Mundial. Entre as muitas funções do organismo se encontravam o intercambio científico, possibilitando bolsas de estudos nos Estados Unidos. Foi assim que o Serviço Social estadunidense começou a contribuir ao Serviço Social brasileiro nos momentos da sua consolidação. Como afirma a própria Albano, essa formação nos Estados Unidos influenciou sua prática profissional e docência4. A formação e produção de conhecimento ocorrem nesses intercâmbios e encontros que vão para além do estritamente local. É na reunião dessas duas esferas que Albano irá desenvolver o seu trabalho, estabelecendo-se, além disso, como uma referência em nível internacional à medida que as questões urbana, habitacional e sobre a pobreza se institucionalizam em congressos e nos objetivos propostos pelas instituições pan-americanas e multinacionais, incluindo a OEA e a ONU, como veremos mais adiante.
Ao voltar dos EUA, Josephina trabalhou na Legião Brasileira de Assistência (LBA) de 1943 até 1947. Nesse interim, teve nova experiência nos EUA, em 1946, quando participou de um curso de 6 meses junto ao Women’s Bureau de Washington sobre a promoção do bem-estar da mulher e da criança trabalhadora. Nessa nova estadia nos EUA, chegou a frequentar algumas aulas do Doutorado de Serviço Social na New York School (Silva, 2012: p.3), mas não concluiu o curso. Teve nova experiência nos EUA, quando foi convidada para trabalhar na ONU como assessora do governo de Filipinas na formação e treinamento de pessoal para organizar programas de bem-estar social, pesquisa social e supervisão de programas sociais no contexto de reconstrução desse país no pós-guerra (10/1947-1/1949). Essa foi somente a sua primeira experiência profissional - de muitas que veremos a seguir - em um órgão internacional para consultoria, gestão ou formulação de políticas públicas, reforçando a importância de pensar a Josephina Albano transnacionalmente.
II. Josephina Albano: referência internacional no debate habitacional
A reportagem do jornal Tribuna da Imprensa, de 23 de setembro de 1952, informa que a assistente social Josephina Albano foi nomeada para a chefia da seção de Serviço Social da divisão de assuntos sociais e do trabalho da União Pan-Americana (nomeada posteriormente Organização dos Estados Americanos/OEA), com sede em Washington. Albano, nesse momento, já era presidente da Associação Brasileira de Assistentes Sociais (seção DF), chefiava especificamente a seção de serviço social do SESI (Serviço Social da Indústria), lecionava no Instituto Social e dirigia a Associação de Assistência ao Adolescente, instituição que criou em 1950, para fornecer bolsas de estudos para apoiar jovens para chegarem à Universidade5. Além de ser a inspiradora e cofundadora, sempre que esteve no Brasil, Albano acompanhou de perto essa Associação, como presidente ou conselheira (Silva, 2022: 5). (Error 1: La referencia Silva, 2022 debe estar ligada) (Error 2: El tipo de referencia Silva, 2022 es un elemento obligatorio) (Error 3: No existe una URL relacionada)
Cabe destacar a importância do cargo que desempenhou Albano em um organismo que procurava resolver o que se entendia como o problema dos desajustes sociais e comunitários de sociedades que se urbanizavam rapidamente. Trabalhou na OEA de novembro de 1952 até dezembro de 1959, sendo responsável, como chefe do Serviço Social, em mobilizar recursos sociais, organizar centros sociais, supervisionar e organizar e ministrar programas de treinamento de pessoal. Na OEA foi assessora técnica de vários programas de bem-estar na América Latina. Ela relata que foi uma descoberta da riqueza da América Latina: “Essa descoberta abriu meus horizontes6”.
A partir de um contexto de Guerra Fria, com forte influência dos Estados Unidos, compreendia-se que tais desajustes continham o perigo potencial decorrente não só da pobreza e marginalidade, mas sobretudo da influência do comunismo e experiências populistas latino-americanas. O ajustamento social, a assimilação e a aculturação aos ambientes e mentalidades urbanas, como lócus do moderno, fizeram parte de uma intervenção para a produção de uma cidadania moderna, politicamente moderada e economicamente responsável. Parte desse debate, como veremos, se debruçará sobre a questão habitacional, o estímulo à expansão da propriedade privada e os programas de desenvolvimento comunitário como agentes modernizadores (BENMERGUI 2009, 2021; OFFNER 2019).
Em seu trabalho na OEA, Albano participou de atividades junto ao Centro Interamericano de Vivienda y Planeamiento (CINVA). O CINVA foi criado pela OEA dentro do Programa de Cooperação técnica em 1951 (OFFNER, 2019; ARAVECHIA-BOTAS, 2019; HEALEY, 2020; MONTOYA PINO, 2021). Foi inaugurado no ano seguinte, em Bogotá, nas instalações da Universidade Nacional da Colômbia (UNAL), em parceria com o Instituto de Crédito Territorial (ICT) até o seu fechamento em 1972. Teve por objetivo a capacitação e formação técnica de profissionais e comunidades nos aspectos econômicos, sociais, culturais, administrativos, normativos, espaciais, construtivos, comunitários e sobre a habitação social e o planejamento urbano. Procurou estabelecer relações interinstitucionais com outros países pan-americanos no esforço de propor soluções para os problemas da habitação social na América Latina.
Nesse contexto, publica o manual “El Factor Humano en La Reabilitacion de Tegurios.” Segundo Raquel Paiva Gomes (2020, p.277), o referido manual foi:
“elaborado a partir de diversas experiências (chilena, Norte americana e dos trabalhos desenvolvidos pela Fundação Leão XIII e Cruzada São Sebastião no Rio de Janeiro). O documento, também de caráter prescritivo, antecede os procedimentos adotados pelas COHABs e demais órgãos federais nos processos de urbanização de favelas e remoção dos moradores para conjuntos habitacionais.”
Esse documento cita projetos e programas de vários países, sendo um compilado interessante de ideias sobre políticas habitacionais, que vinham ganhando força nesse momento no continente. Ele identifica a circulação de modelos e ideias, exemplificando o que representou o próprio CINVA para a América Latina. Neste sentido, o CINVA tornou-se, tal como outras organizações, uma ponte entre as ideias sobre urbano, rural e habitação entre os Estados Unidos e a América Latina. Como "zona de contato", o papel do CINVA sintetizou e irradiou ideias e soluções para habitação, gestão de programas públicos, incluindo a ideia de autoajuda e autoconstrução, bem como os princípios do desenvolvimento comunitário para essas décadas (OFFNER, 2019; ARAVECHIA-BOTAS, 2019; HEALEY, 2020; MONTOYA PINO, 2021)7. O CINVA funcionou como uma caixa de ressonância desses debates no continente (GORELIK, 2022).
Assim, Josephina Albano combinou, na sua própria figura, suas experiências acumuladas no Brasil e noutras partes do mundo, num conhecimento que se transformava ao circular e que ela mesma gerou pela sua ação internacional. Na introdução do documento, o diretor do CINVA, o estadunidense, Eric Carlson, descreve da seguinte maneira Josephina Albano:
“La Autora. M. Josephina R. Albano está ampliamente capacitada para preparar este documento, debido a su gran experiencia em muchos países del mundo, y por otra parte debido a la importancia de su trabajo como Jefe de la Sección de Servicio Social de la Unión Panamericana y además como profesora de Servicio Social en el CINVA en varias ocasiones.” (in ALBANO, 1957)
Como documento oficial do CINVA, trazia uma compreensão sobre o fenômeno das favelas coerente com a reflexão da época sobre essa realidade, baseada em grande parte nas teorias da modernização e da marginalidade: “Promiscuidad, enfermidades, falta de Higiene, desorganización familiar, delincuencia, etc., reinan en los tugúrios. Es una cadena creciente de problemas sociales que tienden a tomar proporciones incalculables, casi intratables.”
No entanto, trazia também ideias inovadoras de maior participação da população em todas as etapas dos projetos de habitação, mediados por um caráter pedagógico de preparação dos moradores para ingressar nos projetos de habitação, coerentes com os princípios do Desenvolvimento de comunidades em que Josephina Albano definia em outra publicação posterior como uma “mudança cultural orientada” (Albano, 1993, p.18).
Montoya Pino (2022, p.26) esclarece que a proposta experimental e educativa de desenvolvimento de comunidades com baixos recursos do CINVA envolvia quatro noções: o desenvolvimento comunitário como um discurso intermediário entre a ideia do desenvolvimento econômico e social promulgados pelos EUA e instituições internacionais como a CEPAL; a noção de ação comunitária como marco dos processos comunitários de autogestão e ajuda mútua; a renovação urbana por meio da urbanização de favelas e, por último, a noção de habitação social, econômica, higiénica, produtiva e comunitária. Esses princípios foram sendo definidos, ainda segundo Montoya Pino (2021, p.27), por autores de distintas disciplinas e nacionalidades, como o sociólogo Orlando Fals Borda, o arquiteto Ernesto Vautier, a assistente social Josephina Albano, os antropólogos Alicia Dussán de Reichel, Gerardo Reichel-Dolmatoff e Roberto Pineda Giraldo, assim como os planejadores Francis Violich y Anatole Solow.
Ainda no contexto do supramencionado manual do CINVA, Josephina Albano reforçava a grande centralidade do Serviço Social nesse processo para se compreender a realidade local e estimular a construção de soluções no contexto do desenvolvimento de comunidades:
‘El asistente social, conociendo la dinâmica del grupo, procura descobrir las fuerzas que mueven aquella comunidade, los líderes naturales, los grupos existentes. Procura conocer sus necessidades, despertar su deseo de mejorarse y reunirlos para buscar la solucion de su problema comum (ALBANO, 1957, p. 7).
Nesse contexto, foi uma grande defensora da profissionalização do Serviço Social: “Los especialistas en servicio social son los assistentes sociales graduados em las escuelas de servicio social. Existen em el momento escuelas de este tipo em todos los países de America Latina exceptuando Haiti y Nicaragua (Albano, 1957, p.11)”
A participação de Josephina Albano como chefe da Seção de Serviço Social da OEA foi importante para a consolidação do ensino e pesquisa em Serviço Social nos vários países da América Latina, como descreve Ilda Lopes Rodrigues da Silva (2012, p.9):
“Foi criada nesse período a revista Serviço Social Interamericano da Secretaria do Conselho Interamericano Econômico Social com a finalidade de agregar contribuições de colegas latinos, para além de serem oferecidos resumos de textos de interesse social. Várias publicações foram comunicadas em Congressos, a intenção era levar aos altos escalões nacionais o que objetivava o Serviço Social.
A sua influência na profissão no continente foi coroada com o prêmio de destaque da Assistência Social da Escola de Serviço Social da Universidade de Nova York (dependência de Columbia). Segundo o jornal Tribuna da Imprensa, de 18 de maio de 1957, Josephina Albano, após receber o prêmio em Nova York, viajaria de Nova York a Puerto Rico e depois para Bogotá em Colômbia para representar a União Pan-Americana em estudos sobre Habitação e Planejamento. Ela inclusive participou da missão de trabalho de acompanhamento dos trabalhos de urbanização do bairro de Siloé, em Cali (1957-1958).
Imagem 2 Reunião do Projeto do CINVA de urbanização da localidade de Siloé (Cali/Colômbia)
Josephina Albano está sentada ao centro da foto
Fonte: Fundo Josephina Albano. Arquivos do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio
O seu trabalho internacional se manifestou também na docência. Realizou cursos para equipes de programas de bem-estar social nas Filipinas, em 1948. No CINVA, ensinou aspectos sociais da habitação e administração de programas de habitação por vários anos (1954, 1955, 1957 e 1958). Deu cursos na Escola de Serviço Social de Assunção (Paraguai), em 1955, assim como deu cursos em Caracas (Venezuela) na Escola Nacional de Serviço Social, em 1959 e 1964 e no Departamento de Serviço Social (Universidade Católica Andrés Bello), em 1974.
III. A atuação de Josephina Albano no país
Ao contrário da década anterior, Josephina Albano concentrará mais suas atividades nos anos 1960 no país. Após retornar de sua experiência na OEA, ela trabalhou no Serviço Social Rural do Rio de Janeiro por um breve período, entre março de 1960 até abril de 1961, como assessora em desenvolvimento de comunidade e orientação de programas e treinamento de pessoal. Foi convidada por Jose Arthur Rios, então secretário de Serviços Sociais da Guanabara e, como mencionado, grande teórico sobre desenvolvimento de comunidades, para chefiar o Departamento de Assistência Social da mencionada Secretaria, trabalhando com planejamento, execução, supervisão e avaliação dos programas de bem-estar social do Estado da Guanabara. Exerceu essa atividade entre maio de 1961 até novembro de 1962, período que foram empreendidos projetos de mutirão nas favelas do Rio de Janeiro. Diante das alterações políticas no governo da Guanabara, que levaram a substituição de Jose Arthur Rios pela então deputada Sandra Cavalcanti à frente da secretaria, Josephina Albano foi transferida para a Universidade do Estado da Guanabara para lecionar na Escola de Serviço Social. Nesse período, foi a primeira presidente do Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro, no período de 1963 a 1966 (Silva, 2012, p.1).
Já em 1962, o governo Carlos Lacerda iniciou um grande projeto de remoção de favelas, quando assinou um acordo com a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) para a construção de Vila Aliança, Vila Kennedy, Vila Esperança e o início da Cidade de Deus, para além da urbanização de algumas pequenas favelas. Como resultado dessas negociações, o Estado da Guanabara estruturou a Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara - COHAB (BENMERGUI 2009; 2021). Albano passaria a trabalhar como assessora da presidência e chefe do Serviço Social da COHAB, nas áreas de orientação às famílias, programação da infraestrutura social e comunitária.
Exerceu essa função de dezembro de 1962 até 31 de janeiro de 1966. Após sair da COHAB, passou a assessorar o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), ligado ao Banco Nacional de Habitação (BNH), na tarefa de orientar os municípios na elaboração dos planos diretores das cidades, no período entre 2 de abril de 1966 até 10 de novembro de 1966, até ser convidada para assumir a direção do Centro Nacional de Pesquisas Habitações (CENPHA).
A criação do CENPHA foi resultado de um convênio entre o SERFHAU e a PUC-Rio e funcionou de novembro de 1966 até novembro de 1972. Ela foi diretora desse centro, de janeiro de 1966 até junho de 1968 e, posteriormente, trabalhou como consultora técnica do órgão, de julho de 1968 até o fechamento do órgão. O CENPHA realizou pesquisas sobre aspectos culturais da habitação popular, tipos de materiais de construção, técnicas de construção civil, assim como procurou realizar intercâmbios com outras entidades tanto nacionais como estrangeiras. Ilda Lopes Rodrigues da Silva afirma que houve resistências do órgão na avaliação das experiências das instalações das vilas habitacionais do projeto habitacional do Estado da Guanabara, o que desgostou Albano e a levou a sair da direção para passar a fazer apenas assessoria técnica até ser desligada do órgão, após o seu fechamento (Silva, 2012, p.6).
Imagem 3: Autoridades e professores com a turma concluinte do primeiro curso de Política e Programação Habitacional realizado pelo Centro de Pesquisas Habitacionais (CENPHA) - 3/6/1967 (Josephina Albano é a mulher no centro da foto)
Fonte: Acervo Núcleo de Memória da PUC-Rio (cg0036_098)
Mesmo com suas obrigações no país, continuou realizando inúmeras missões de trabalho no exterior. Em 1959, foi contratada pela OEA para avaliar os programas dos superblocos do Banco Obrero em Caracas, conjunto habitacional de inspiração modernista, denominado 23 de janeiro8. Em 1963, compôs um grupo técnico, organizado pela ONU, para trabalhar em administração e educação de inquilinos em programas de habitação de interesse social em Wellington, na Nova Zelândia. Em 1964, voltou a Caracas, convidada pela Fundação FORD, para avaliar o Programa Dividendo para la comunidade. Em 1968, fez uma missão de trabalho em El Salvador pela OEA para abordar aspectos sociais e de administração de programas de habitação horizontal.
Antes de sair definitivamente do CENPHA, Josephina Albano fez uma formação, em 1972, em planejamento para o desenvolvimento urbano na University College of London, na escola de estudos ambientais. Logo depois de sua saída do CENPHA, foi contratada pela consultoria Latinoconsult Brasileira Ltda, entidade de origem italiana, para atuar novamente no exterior, participando de projetos de planejamento urbano para produção do plano diretor das cidades bolivianas de Cochabamba e de La Paz de maio a dezembro de 1973 (Silva, 2012, p.7).
Ao término dessa consultoria, foi contratada pela Informação documental da América Latina (INDAL). Exercia o trabalho de documentalista sobre a realidade sociorreligiosa da América latina, tendo ficado inicialmente na cidade de Caracas, entre novembro de 1973 até setembro de 1975. Com a transferência da instituição para a Universidade de Montreal, Josephina Albano se muda para o Canada e permanece na instituição até janeiro de 1978. Como explica Silva (2012: 7), o INDAL é um Centro de Documentação Sociopolítica Religiosa fundado em 1971 na Bélgica, com vistas a resgatar a documentação dos países da América Latina, algo fundamental no contexto de ditaduras no continente, quando a circulação de informação foi duramente cerceada.
Após essa experiência, volta ao Brasil, em 1978, para se dedicar apenas ao ensino e à pesquisa. Passa a lecionar no Programa de Mestrado em Serviço Social da PUC-Rio, as disciplinas de Planejamento Social, Serviço Social em Programas de Habitação, Administração Social, Estudo de Problemas Brasileiros (Silva, 2012: 8). Além da PUC, já tinha ensinado na Faculdade de Serviço Social do Estado da Guanabara na década de 1960, na Faculdade de Serviço Social da UFRJ (1973), assim como, no retorno do Canada, lecionou na Escola de Serviço Social de Campos (UFF) em 1979.
Imagem 3. Profa. Maria Josephina Rabello Albano (15.10.1979)
Fonte: Acervo do Prof. Paulo Novaes. Arquivo do Núcleo de Memória da PUC-Rio (cg0044_027)
Ao seu retorno ao Brasil, já no contexto da democratização, decide se filiar ao Partido dos Trabalhadores. Segundo reportagem do Jornal da PUC, de 15 de maio de 1989: “A injustiça, a violência e o desprezo pela pessoa humana preocupam-na muito. Por isso, ela filiou-se ao PT.” Em 1979, obtém a titulação de Doutora, por equivalência, por meio do parecer nº1538 de 1979 do Conselho Federal de Educação. Recebeu a medalha de mérito Cardeal Leme da PUC-Rio, no dia 6 de dezembro de 1994, um pouco menos de um ano antes de falecer, no dia 26 de novembro de 1995.
Conclusão
A figura de Josephina Albano na profissionalização e modernização do Serviço Social no Brasil e no mundo é notável. A cronologia aqui brevemente reconstruída mostra, em traços largos, a forma como Albano desenvolveu a sua carreira neste ir e vir. O seu pensamento foi o produto desses encontros, circuitos, em que seu aprendizado num lugar podia influenciar a sua prática noutro. Nessas experiências e encruzilhadas, o conhecimento específico sobre o urbano foi se formando e transformando nesse período, marcado pela convicção na modernização, no desenvolvimento e na capacidade do gestor ou técnico aplicar os seus conhecimentos objetivos para promover a transformação social.
O presente trabalho almejou introduzir o debate sobre Josephina Albano, mas somos convictos que, no futuro, se fará necessário desenvolver estas linhas de trabalho em maior profundidade. Por exemplo, como a experiência brasileira influenciou o trabalho de Albano no estrangeiro, e vice-versa. A questão não é tanto o que é propriamente "original" ou "autêntico", uma vez que a ideia de transnacional como um momento de encontro e transfiguração implica precisamente uma hibridização de ideias, apropriações seletivas, influências, adaptações e rejeições. O fundo Josephina Albano, confiado ao Departamento de Serviço Social, é uma fonte de riqueza para aqueles que querem entrar no mundo do serviço social no Brasil, mas também para aqueles interessados nessas questões mais amplas e complementares.
Por fim, é interessante sublinhar a importância do Serviço Social para os estudos urbanos no país, sobretudo em relação às favelas cariocas. Muitos dos primeiros trabalhos de conclusão de curso do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio analisaram políticas públicas voltadas para as favelas, onde as alunas realizavam seus estágios durante a formação. A habitação, como campo de trabalho e reflexão acadêmica do Serviço Social, depende muitas vezes da existência de políticas públicas urbanas voltadas à classe trabalhadora. Esperamos que o exemplo de Josephina Albano reforce, certamente a partir de um discurso renovado com a evolução teórica do Serviço Social nas últimas décadas, o papel central do Serviço Social na reflexão, formulação e aplicação de políticas de habitação mais justas e coerentes com as demandas e necessidades da população.
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Notas