A influência da professora Miriam Limoeiro Cardoso nos estudos do método e na formação de pesquisadores na pós-graduação em Serviço Social/PUC-Rio anos 1970/1980

The influence of professor Miriam Limoeiro Cardoso in the studies of the method and the formation of researches at the Postgraduate Program in Social Work /PUC-Rio in the 1970s and 1980s

Franci Gomes Cardoso 1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Brasil
Marina Maciel Abreu 2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Brasil

A influência da professora Miriam Limoeiro Cardoso nos estudos do método e na formação de pesquisadores na pós-graduação em Serviço Social/PUC-Rio anos 1970/1980

O Social em Questão, vol. 1, núm. 54, Esp., pp. 153-176, 2022

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Recepción: 01 Mayo 2022

Aprobación: 01 Junio 2022

Resumo: Expõe uma interlocução crítica sobre o clássico texto O Mito do Método (1971) da Professora Miriam Limoeiro Cardoso, centrada na desmitificação do método nas ciências sociais, com base em Marx e tradição marxista. Considera esse texto ponto de partida da influência da referida professora, na formação de pesquisadores e produção de conhecimento crítico, no processo de desenvolvimento e consolidação do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da PUC/Rio, nas décadas de 1970/1980. Finaliza com indicações concretas da contribuição da Professora Miriam Limoeiro Cardoso na produção bibliográfica em Serviço Social no período, e a referência de Gramsci nessa produção e no desenvolvimento intelectual de pesquisadores na área.

Palavras-chave: Método, Teoria, Objeto, Historicidade, Pós-Graduação em Serviço Social.

Abstract: It exposes a critical dialogue on the classic text O Mito do Método (1971) by Professor Miriam Limoeiro Cardoso, centered on the demystification of the method in the social sciences, based on Marx and the Marxist tradition. It considers this text the starting point of the influence of that professor, in the training of researchers and production of critical knowledge, in the process of development and consolidation of the Postgraduate Program in Social Work at PUC/Rio, in the 1970s/1980s. It ends with concrete indications of the contribution of Professor Miriam Limoeiro Cardoso in the bibliographic production in Social Work in the period, and Gramsci's reference in this production and in the intellectual development of researchers in the area.

Keywords: Method, Theory, Object, Historicity, Postgraduate in Social Work.

Introdução

Este artigo atende ao convite da Revista O Ser Social em Questão do Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), para compor o número 54, alusivo às comemorações dos 85 anos do Departamento de Serviço Social e 50 anos da pós-graduação em Serviço Social, celebrados neste ano de 2022, referências significativas da história da formação profissional em Serviço Social no Brasil. Nesse número especial, é prestada uma justa e merecida homenagem à Professora Miriam Limoeiro Cardoso, docente do Programa no período de 1970/1980, por sua inestimável contribuição à pesquisa e à produção do conhecimento crítico na área do Serviço Social. Na homenagem tem destaque a republicação do seu conhecido trabalho intitulado O Mito do Método (1971), sobre o qual temos a honra e a satisfação de expor uma interlocução crítica que estabelecemos com a produção da referida autora.

Sentimo-nos convocadas para mais esta interlocução como ex-alunas das primeiras turmas (1973 e 1974) desse Programa de Pós-graduação, em um dos períodos mais ricos da história do Brasil e do Serviço Social, marcado pelo projeto da modernização conservadora orientado pela ideologia desenvolvimentista da Ditadura civil-militar (1964/1985), que instaura, no país, o ciclo da autocracia burguesa (Fernandes, 1975). Em meio às contradições do período se levanta forte articulação das classes trabalhadoras e demais forças progressistas no enfrentamento da Ditadura, em defesa da democratização do país, com implicações na profissão.

Nesse contexto, a PUC-Rio tinha em seus quadros a Professora Miriam Limoeiro Cardoso, uma das mais importantes e influentes professoras do pensamento marxista no país naquele período, portanto, na contramão da ordem dominante que considerava as universidades, sobretudo os corpos docente e discente, como principais alvos do controle político-ideológico na tentativa de combate ao comunismo no meio acadêmico em que o ataque ao marxismo era estratégico. E o Serviço Social brasileiro avançava na autocrítica e busca de redimensionamento teórico-metodológico, ideológico e ético-político no amplo processo aberto pelo movimento de reconceituação da profissão no continente latino-americano, desde meados dos anos 1960, movido pela crítica ao Serviço Social tradicional e negação do cariz da neutralidade científica e profissional, porque estava orientado pela concepção da função política da profissão na dinâmica da história. E, assim, buscava a adequação da prática profissional à particularidade e singularidade da questão social em cada país, na totalidade do continente, rechaçando a influência e dependência teórica do Social Work estadunidense. Trata-se de um amplo movimento continental que conta com o “impulso da Teologia da Libertação junto às Comunidades Eclesiais de Base que vinham contribuindo, significativamente, na formação da consciência crítica popular, na organização da resistência e luta dos oprimidos”(GSERMS,2017,p.6) e, sob a influência dos processos revolucionários no continente, em que a vitória da revolução Cubana (1959) é a mais significativa referência, no confronto ao imperialismo sob a hegemonia dos Estados Unidos e aos processos contrarrevolucionários a ela atrelados. Esse movimento alinhava-se também à crítica ao colonialismo intelectual estadunidense no campo das ciências sociais no continente.

No Brasil, sob a coordenação da Comissão Executiva de Entidades de Associação Nacional de Assistentes Sociais – ANAS (1978/1994), é desencadeada ampla mobilização e orientação dos processos organizativos da categoria em todo país, na efervescência das lutas sociais populares e organização dos trabalhadores, provocados e influenciados pelas greves do ABC paulista, no fim da década de 1970, compondo assim, a grande articulação nacional das forças progressistas da sociedade, como dito, no enfrentamento da ditadura e pela democratização do país.

Na dinâmica desse processo de redimensionamento profissional, o Serviço Social brasileiro inicia a formação pós-graduada na década de 1970 com a criação de dois cursos de mestrado, um na PUC/SP (1971) e, o outro na PUC/Rio (1972), mediados pela política de pós-graduação do Ministério de Educação (MEC) por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que promove condições para a capacitação docente, submetidas às necessidades da ditadura, nas diferentes áreas e de forma particular e paradoxalmente favorece a área do Serviço Social. Isso porque, diferente “de outras profissões de nível superior, que padeceram a refuncionalização da sua formação pela ditadura já com lastro acadêmico, o Serviço Social ingressa no circuito da universidade justamente no lapso de vigência da autocracia burguesa” (Netto, 1991,p.125). A profissão integrada à estrutura universitária agrega novas possibilidades institucionais de avanço da formação graduada e pós-graduada, capacitação docente, organização política de docentes e discentes e de desenvolvimento da pesquisa, produção de conhecimento e da extensão universitária.

Em um primeiro momento os dois cursos de pós-graduação recebem um alunado constituído, em grande parte, de jovens e veteranas docentes de todas as regiões do país, muitas delas com forte vínculo a movimentos populares e militância política em organizações partidárias, e assim, constituíram espaços não só de formação mas também de articulação política-acadêmica de âmbito nacional de uma vanguarda de intelectuais da área, que irá protagonizar na linha de frente o movimento que gerou a chamada virada profissional, em 1979. Esse movimento provocou uma virada em relação ao Serviço Social tradicional conservador e, a partir daí se “desencadeia a construção da hegemonia da tendência crítica no Serviço Social brasileiro” (GSERMS, 2017, p.7 nota 21).

Essa tendência, em permanente construção no confronto das forças do retrocesso na sociedade e na profissão, sustentada no pensamento marxista e orientada pela necessidade histórica da emancipação humana, foi nominada a partir de 1989 projeto ético-político profissional. Expressou-se, em 1979, com força política e intelectual na XXI Convenção Nacional da então, Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS) hoje, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS,2008),com a aprovação do currículo mínimo do curso de Serviço Social, regulamentado em 1982 pelo Conselho Federal de Educação (Resolução n.6 de 23 de setembro de 1982); e no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (IIICBAS), em que as forças da nova tendência profissional crítica assumem a direção do evento.

Sem dúvida, o movimento da virada profissional tem sustentação em dois processos imbricados: a) na mobilização e organização da categoria dos assistentes sociais, como trabalhadores assalariados, impulsionadas pela ascensão das lutas sociais no continente e suas expressões particulares no Brasil; b) no avanço da pesquisa e da produção do conhecimento crítico tendo o pensamento marxiano e tradição marxista como fundamento e orientação da inserção crítica da categoria nas lutas dos trabalhadores.

Assim, o acúmulo intelectual e político na base da formação de uma massa crítica consubstanciou a proposta do Serviço Social como área de conhecimento, aprovada em 1982, pelos órgãos oficiais de fomento à pesquisa (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico /CNPq, CAPES e outros). A institucionalidade do Serviço Social brasileiro chancela, portanto, nas últimas quatro décadas, a sua configuração como profissão e profícua área de conhecimento, que abarca uma diversidade de objetos de conhecimento e de intervenção nas mediações em que se insere organicamente nas relações sociais e o particularizam no movimento da práxis, como uma expressão desse movimento e do qual é também uma mediação.

Na formação da massa crítica do Serviço Social situamos a contribuição do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da PUC-Rio ao longo de sua história, destacada aqui neste artigo a participação nos anos 1970 e 1980, na construção da base teórico-metodológica de caráter pluralista, com hegemonia do pensamento fenomenológico em interlocução com demais correntes de pensamento presentes no debate acadêmico, naquele momento do Serviço Social brasileiro, entre as quais o pensamento de Marx e a tradição marxista, sobretudo pela contribuição da Professora Miriam Limoeiro Cardoso: no adensamento teórico sobre análise marxiana e vertentes marxistas, com ênfase no filósofo e militante marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), como fontes para pensar a profissão na dinâmica da luta de classes e a perspectiva da emancipação das classes subalternas; e, inaugura no programa a discussão do marxismo no debate da questão do método, cujo ponto de partida é análise que desenvolve no trabalho O mito do método, em que recorre fundamentalmente ao pensamento do filósofo francês Gaston Bachelard (1884-1962).

A Desmitificação do Método Científico como ponto de partida da influência teórico-metodológica da Professora Miriam Limoeiro Cardoso na formação de pesquisadores e na produção de conhecimento, no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da PUC/Rio.

Neste item desenvolvemos uma reflexão, cuja centralidade é dada à interlocução crítica com o artigo O Mito do método, de autoria da Professora Miriam Limoeiro Cardoso, como uma referência básica e ponto de partida da influência exercida pela referida professora, na formação de pesquisadores na produção de conhecimento, no processo de desenvolvimento e consolidação do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da PUC/Rio, nas décadas de 1970 e 1980.

O Programa de Pós-graduação em Serviço Social da PUC/Rio criado em 1972, integra o projeto acadêmico do Departamento de Serviço Social iniciado 1937 com a formação graduada, e, no seu processo histórico esse programa amplia-se com a criação do doutorado em 2003. Nesse processo, mantem-se em permanente esforço de renovação para fazer face aos desafios lançados à Universidade, pelos processos de transformação social e de políticas sociais recentes. Assim, assume como núcleo central de análise “a articulação histórica do Serviço Social com a questão social e os direitos sociais”. (PPGSS, 2022). Tem como objetivo “formar docentes e pesquisadores em Serviço Social, capacitando-os no domínio dos paradigmas teórico-metodológicos para análise crítica da inserção do Serviço Social em diferentes formações sociais” (PPGSS, 2022).

Na dinâmica de seu desenvolvimento, referido Programa procura manter, historicamente, a perspectiva pluralista, a integração ensino-pesquisa e pós-graduação-graduação. Essa perspectiva, com hegemonia da fenomenologia, inicialmente no curso de mestrado, abre maior espaço a outras vertentes teórico-metodológicas, sobretudo com a criação do doutorado e pelas determinações históricas da sociedade, do movimento de renovação do Serviço Social, do próprio Programa e das demandas da profissão.

Nas comemorações dos 85 anos e 50 anos do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação, respectivamente, como dito, ganha destaque a interlocução com o artigo Mito do Método, da professora Miriam Limoeiro Cardoso, uma das homenageadas, pelo peso acadêmico no período de sua marcante passagem pelo Programa. Esse artigo teve seu conteúdo apresentado, inicialmente, no Seminário de Metodologia Estatística realizado na PUC-Rio em janeiro-fevereiro de 1971 e, posteriormente, em 1973, publicado no caderno da PUC – nº especial do Departamento de Ciências Sociais dessa mesma Universidade.

Na interlocução que fazemos com o Mito do Método, tomamos como referências, outras produções da própria autora: A Periodização e a Ciência da História – observações preliminares (s/d) e Para Conhecimento dos Objetos Históricos – algumas questões metodológicas (s/d), bem como autores citados pela autora, em particular, Gaston Bachelard, que é sua principal referência no artigo que tem centralidade, nesta reflexão, além de Marx e outros autores da tradição marxista, que também lhe dão suporte teórico-metodológico na sua produção acadêmica.

Nesse artigo, a autora pretende desmitificar o método que se identifica como técnica; que se autovalida nos diversos domínios da ciência; que encontra em si mesmo seus limites e jamais questiona suas propostas resultantes de esforço de aprofundamento.

Para essa desmitificação a autora organiza a sua reflexão crítica em uma parte introdutória orientada pela questão: Em que consiste uma reflexão sobre o método? E mais três partes, com os títulos: I – Existe uma história da ciência, II – O método científico e III – O método científico, ilusão empirista.

Na parte introdutória, a autora chama a atenção para os limites da epistemologia cartesiana que reduz o método a “um conjunto de regras que por si só garantem a obtenção de resultados desejados” (Cardoso, 1971, p.2). Para a autora essa epistemologia não dá conta da ciência contemporânea de então, que apresenta questões mais complexas, que exige rigor no trabalho científico e nega qualquer pretensão de seguir à risca procedimentos pré-estabelecidos, sem aprofundamento na discussão e reflexão críticas de critérios de cientificidade que os justifiquem.

Contrapondo-se a esse reducionismo metodológico, a autora expõe a sua concepção: “entende-se o método como parte de um corpo teórico integrado em que ele envolve as técnicas, dando-lhes sua razão, perguntando-lhes sobre as possibilidades e as limitações que trazem ou podem trazer às teorias a que servem no trabalho sobre seu objeto.” (Cardoso, 1971, p.2).

Orientada por essa concepção, a autora prossegue sua reflexão com ênfase na problematização, indispensável na pesquisa sustentada por teorias que, na relação com a realidade que lhes concerne, indicam lacunas e formulam hipóteses adequadas para a investigação. Problematizar exige, portanto, a reflexão crítica de “um cientista concreto frente a dificuldades tanto mais complexas quanto mais concretas”. (Cardoso, 1971, p.2).

Ainda se referindo à concepção de método e ao processo de problematização na produção do conhecimento, a autora elabora alguns questionamentos relativos ao conjunto responsável pela elaboração do conhecimento, tendo o método como componente, dentre eles destacamos: 1 – o que faz com que esse todo seja como é; 2 – o que determina a natureza das articulações entre os elementos que o constituem. Simplificando, a autora questiona o que fundamenta esse corpo teórico.

Tais questionamentos remetem à discussão da totalidade, no pensamento marxiano. Entendemos a partir de Marx, que a totalidade é uma categoria ontológica que se põe como a própria realidade social da qual o sujeito arranca as mediações, para determiná-la em totalidade, pois o caráter da verdade do conhecimento é o caráter da totalidade. A realidade social enquanto complexo de totalidades, se dispõe segundo graus de maior ou menor complexidade. Esses complexos são componentes constitutivos da realidade, mas não são partes, cuja soma forma um todo, mas sim elementos em grau menor de complexidade, que se articulam com a complexidade maior pelas mediações, em que eles mesmos são mediações. Assim, pensar a dinâmica da totalidade social é compreender as regularidades, as leis que operam na sua estrutura.

Prosseguindo na sua reflexão crítica, a autora retoma a questão da formação do conhecimento e o papel que cabe ao método. Reafirma o conhecimento como o resultado da relação entre sujeito e objeto, mas chama a atenção para os equívocos que ocorrem, se seguida uma epistemologia espontânea, supondo que essa relação entre o sujeito e o objeto se dê, entre um indivíduo concreto, considerado empiricamente e uma parte da realidade, também concreta. Para a autora, com tal modo de pensar, o sujeito seria totalmente responsável pelos resultados obtidos, haja vista terem sido elaborados a partir do contato direto com o objeto concreto real e independente do sujeito. Bastaria, portanto, que esse se neutralizasse para impedir as deformações do objeto que deveria ser captado na sua pureza. Para a autora, nessa direção de uma epistemologia espontânea, “parece que existem limitações sérias à consideração desse duplo empirismo na formação do conhecimento, quer quanto ao sujeito, quer quanto ao objeto e, consequentemente, quanto à sua orientação pelo real” (Cardoso, 1971, p.3).

A perspectiva empirista, com marcante presença nas ciências sociais e com influência histórica no Serviço Social, rechaçada pelo movimento de reconceituação da profissão, consiste na suposição de que a verdade do conhecimento está contida na própria realidade, isto é, o conhecimento nasce do objeto real. Cabe ao sujeito, por meio de procedimentos técnicos, a extração dessa verdade já pronta e acabada, pois a constatação é o momento do conhecimento e o método garantirá a objetividade do produto. A perspectiva empirista baseia-se fundamentalmente na experiência, considerando-a como a principal fonte do conhecimento.

Em contraposição a essa perspectiva que supervaloriza a experiência como principal fonte do conhecimento, em detrimento do sujeito que se empenha em conhecer o objeto, a autora chama a atenção para o fato de que a relação entre o sujeito que pensa e o objeto, não se dá a partir de cada ser pensante individual e específico, com seu objeto específico, mas essa relação “está baseada na explicação parcial concretamente aceita pela sociedade e o grupo social, conforme ela é assimilada pelo sujeito, tendo importância particular a posição dentro dela ou dele” (Cardoso, 1971,p. 3).

O sujeito aprende a pensar na sociedade em que se insere, antes mesmo de auto perceber-se como ser pensante.

Desse modo, embora todo o investimento no conhecer se volte para o objeto, a relação que possibilita o seu conhecimento se baseia na teorização que dá conta dele, embora parcialmente. “No fundo, é a realidade que importa, mas não é ela que comanda o processo de sua própria inteligibilidade, já a sua existência independe, não é senão uma questão”. (Cardoso, 1971, p. 4).

Essa ideia de existência da realidade, independente do sujeito pensante, remete ao pensamento de Marx quanto à anterioridade do concreto em relação ao sujeito que se dispõe a captá-lo, cujo objetivo é apreender a sua essência, ou seja, a estrutura e a dinâmica do objeto.

Nessa concepção, o método expressa o movimento da elaboração teórica, não podendo, portanto, desvincular-se do objeto historicamente determinado; e a “teoria é o movimento real do objeto transposto para o cérebro do pesquisador – é o real reproduzido e interpretado no plano ideal (do pensamento)” (Netto, 2009, p.674).

Ainda em relação ao comando da teoria, no processo de conhecimento da realidade, acrescenta a autora:

As explicações que fornecem as bases para o estabelecimento da relação com o objeto a estudar constitui atualmente parte do conhecimento que a ciência elaborou e cuja utilização social conduziu a sedimentação do saber socializado. Sua adequação como saber depende de sua adequação à experiência”. (Cardoso, 1971, p. 4).

Mas essa adequação é relativa, portanto provisória, considerando que o caráter processual da realidade põe uma complexidade tal que, a teoria é sempre aproximativa, é necessariamente menos rica e complexa do que a realidade a que se refere. Mas é importante considerar que a realidade só se torna objeto do conhecimento, quando coisa pensada, na relação do sujeito pensante com a realidade.

A característica de ser um resultado de uma construção inteligente marca todo o objeto científico em todas as teorias “[...] mas o processo de teorização não é um reflexo direto e mecânico da realidade no plano do pensamento, bem como as teorias não são verdades reveladas. São sempre o resultado de um trabalho difícil e complexo para conhecer o seu objeto”. (Cardoso, 1971, p.5).

No que se refere à verdade que se busca, nesse processo de construção do conhecimento, ela não está na cabeça do pesquisador; mas há uma verdade no próprio real, ela é ontológica e pode ser apreendida pela razão.

Essa apreensão, por ser aproximativa e pela processualidade do real, como dito anteriormente, implica uma permanente revisão da reprodução do movimento do real. Daí a teoria ser relativa, não é absoluta.

Segundo a autora, “A verdade do resultado teórico deste trabalho diz da sua adequação à realidade, ou seja, capacidade explicativa diante do próprio objeto”. (Cardoso, 1971, p.5).

Nessa explicação, entendemos que a máxima fidelidade do sujeito ao objeto impõe inteira falta de preconceitos, noções erradas sobre o objeto. Isso significa que o sujeito deve abrir-se ao objeto, isto é, que seja fiel ao seu movimento histórico.

É importante atentar que a abertura e fidelidade do sujeito ao objeto, não significa impor a sua neutralidade, mas participação crítica e empenho para aproximações que consigam construir em níveis de elaboração cada vez maiores requeridos na descoberta da verdade, na sua complexidade.

Nessa direção, trata-se de uma construção orientada “por um projeto, a teoria em ação, que o cientista tenta desenvolver exigindo uma nova teoria.” (Cardoso, 1971, p.6).

Assim, a parte introdutória da reflexão da autora é concluída pela negação da neutralidade e pela ênfase à necessidade da crítica permanente, por meio de formulações teóricas sobre a realidade, que não são meros retratos dessa.

A autora prossegue sua exposição crítica da parte I do seu artigo intitulada existe uma história da ciência, na qual enfatiza o caráter relativo do conhecimento, já apontado na discussão introdutória e contrapõe-se ao absoluto e ao relativismo. Sobre essa questão, salienta o caráter histórico e transitório da ciência, e afirma que: “o objeto do discurso histórico é, com efeito a historicidade do discurso científico, enquanto esta historicidade representa a efetivação de um projeto estabelecido interiormente, mas transpassado de acidentes, retardado ou desviado por obstáculos, interrompido por crises, isto é, por momentos de julgamentos e de verdades” (Cardoso, 1971, p 7, apud, Canguilhem, 1968, p.176). Enfim, o conhecimento, não é acabado, não é definitivo, mas sua validez é longa e perdura a partir de novas formulações que o neguem e com as quais a ciência se renova e avança. Mas o avanço da ciência não se dá por continuidade. “Cada grande avanço da ciência se marca por descontinuidade com o todo teórico anterior e é esse que serve de esteio para as explicações do senso comum, depois de longo processo de sedimentação. (Cardoso,1971, p.8).

Desse modo, reafirma a autora:

O fato científico é da ordem do teórico e não do real. É sempre uma abstração, à qual não se chega, porém, sem romper com o espontaneísmo, marca do senso comum, que não tem meio de evitar a sua subjugação pelas formas de pensar dominantes. Sem este rompimento o progresso científico é impossível”. (Cardoso,1971, p.8).

Na pesquisa conduzida por uma teoria, essa marca de descontinuidade é dada pela novidade dos seus resultados, pelas mudanças qualitativas que se processam no conhecimento produzido. Verifica-se, assim, o caráter cumulativo da teoria e da sua historicidade.

Sobre o caráter histórico do conhecimento, a autora chama a atenção para o fato de que a ciência não se produz para atender apenas às suas próprias necessidades, mas as da sociedade. Assim, “suas aplicações vão tornando as invenções mais arrojadas e as explicações mais revolucionárias, de certa forma mais acessíveis a outras camadas sociais.” (Cardoso, 1971, p 9). Trata-se de um processo de vulgarização, por meio dos técnicos e especialistas que se apropriam e utilizam essas invenções e explicações na realização do seu trabalho na produção em geral, bem como por intermédio daqueles que delas usufruem.

Desse modo, o conhecimento científico mais avançado de hoje, integra, progressivamente, o conhecimento vulgar de um novo momento histórico, sem por isso deixar de ser científico.

Por outro lado, a autora também aponta que, quando a ruptura ocorre no domínio da produção científica e não da sua aplicação, não há negação da verdade anteriormente aceita, como se perdesse o caráter de cientificidade. A negação que se dá é de outra espécie, “[...] não se restringe aos aspectos substantivos, mas envolve também o método, a técnica e o objeto.” (Cardoso, 1971, p 9)

Sobre a mudança de objeto, a autora considera indispensável ressaltar que: “trata-se de um campo específico sobre o qual a teoria anterior já não mais tem o direito de falar, ao qual ela não mais pode se aplicar”. (Cardoso, 1971, p.9)

Nessa discussão sobre a historicidade da ciência, de acordo com a autora, impõe-se a tarefa de pensar a ciência como corpo teórico já constituído bem como o seu processo de formação ao longo do tempo. Por conseguinte, a tentativa de acompanhar esse processo se complica quando o foco do pesquisador é num momento da ciência se constituindo. Na verdade, não é tarefa fácil analisar a história atual em processo.

Podemos entender que para autora, os aspectos substantivos da ciência são insuficientes para caracterizá-la, pois a ciência “se compõe de um processo constante de pesquisa em interrelação profunda com os produtos intelectuais desta pesquisa. Ela é tanto método quanto teoria, um como condição do outro” (Cardoso,1971, p.10).

Portanto, se a teoria tem seu período de validez, no tempo, determinado pelas descontinuidades das grandes descobertas científicas, o mesmo acontece com o método. Ou seja, ao caráter transitório do conhecimento científico, corresponde o caráter não absoluto do método. É importante destacar, aqui, a epígrafe do artigo do Mito do método em que é afirmada essa historicidade e o caráter relativo da teoria e do método: “Apoiar-se constantemente uma filosofia como sobre um absoluto é realizar uma censura da qual nunca se estudou a legalidade”. (Cardoso, 1971, p 3. Apud Bachelard).

Admitindo-se, assim, que os fatos históricos são determinados, específicos, para pensar a história é, pois, necessário pensar antes o que são as totalidades que a história se compõe indagando sobre suas determinações, sobre suas razões e seus elementos constitutivos. Determinações essas que estão nas totalidades concretas, cuja transformação é a própria história, “[...] a história é a transformação dessas totalidades.” (Cardoso,S/d, p.5).

Ora, se as formações sociais ou totalidades concretas mudam, também mudam as suas determinações ou elementos constitutivos dessas totalidades. Assim, a configuração das determinações dessas totalidades históricas concretas é condição para explicação da história. E isso só é possível sob a condição de que se configure a própria totalidade em movimento, em processo de transformação.

Sob essa ótica, entendemos que na reconstrução histórica de uma dada formação social, nenhuma dessas categorias – totalidade e determinação - se situa no plano da evidência, elas não se mostram no plano da aparência para que possam ser recolhidas por simples observação.

Desse modo, para apreendê-las é necessária a utilização de “outra mediação que não o aparato sensorial. É necessário utilizar a razão, não apenas como capacidade de pensar, mas principalmente como produto do pensamento sistemático já elaborado”. (Cardoso, s/d p.6). Daí, a importância da teoria na elaboração do conhecimento da realidade histórica.

Os fatos históricos têm uma dimensão subjetiva, isto é, um nível de explicação na subjetividade, mas não se esgotam nessa. Eles são sociais, articulam-se entre si de forma organizada e têm um sentido que é dado por essa articulação. Sentido esse, que não é atribuído pelo sujeito que conhece e ultrapassa a aparência imediatamente dada dos fatos. Portanto, a apreensão do sentido que é dado por essa articulação não é mais imediata, sensorial, mas é mediada pelas relações que o pensamento elaborou.

Reafirmando a existência de uma história da ciência, a autora destaca que:

A cada momento do desenvolvimento científico algum ou alguns métodos são apontados como os mais eficientes no tratamento de tais ou quais problemas, até que outros os suplantem [...]. A ciência não é mera sistemática, não é simples classificação; ela se abre para o conhecer, é apenas isso que lhe importa, por isso que sofre tantas vezes tantas oposições do social. (Cardoso, 1971, p.15).

Nessa perspectiva do desenvolvimento histórico da ciência, é importante lembrarmos que, nessa abertura da ciência, os novos conhecimentos não se acumulam em continuidade com os anteriores, como pretendem os defensores do método científico como técnica, nem por mera oposição a esses conhecimentos, mas acrescentam-se aos mesmos em nível superior de elaboração.

Prosseguindo a exposição do seu pensamento crítico, na desmitificação do método, a autora passa a refletir sobre o Método Científico e acentua, inicialmente, nessa II parte do seu artigo, que a ciência na contemporaneidade de então, no século XX, ainda apresenta marcas profundas de valorização excessiva do método como técnica e como lógica, concebendo o método científico como superior a outros métodos, sem considerar especificidades históricas.

Para consubstanciar sua reflexão crítica, volta sua atenção para autores que formulam referido método, estabelecendo uma interlocução com os mesmos.

Nessa interlocução, faz uma abordagem comparativa entre as concepções dos autores Durkheim (1956) e Radcliffe-Brown (1964), Nagel (1961) e Hegenberg (1965) apontando, criticamente, entre eles, convergências e diferenças fundamentais.

Sobre os dois primeiros, analisa que enquanto Durkheim pretende a exclusividade do seu método, no âmbito sociológico, Radcliffe-Brown (1964) pensa na ciência da sociedade como ciência da natureza. Mas, quanto à pesquisa, as preocupações aproximam-se entre eles: o método é identificado como técnica, ressaltando nessa a rigorosa quantificação.

A questão do surgimento de gênios se destaca em Radcliffe-Brown (1964) que atribui, a essa figura tão antiga, as grandes revoluções dos pensamentos científicos.

Quanto às suposições fundamentais do método científico, as convergências são evidenciadas no apelo à realidade como critério de cientificidade, pela ilusão da transparência do real e oposição ao sujeito de conhecimento que, enquanto individuo pesquisador, luta para vencer sua subjetividade na relação com objeto concreto. Destaca-se, aqui, a grande questão da relação objetividade-subjetividade e objetos concretos na pesquisa.

Tais suposições indicam que a verdade está contida na “cópia” do objeto obtida pelo recolhimento e sistematização de sinalizações do real. Verdade essa que é confundida com objetividade, quando várias subjetividades têm acordo quanto a ela.

Em síntese há uma convergência entre esses autores de que o conhecimento não é senão o resultado da manipulação de dados e o essencial para conseguir é o método (Técnica) adequado.

Na abordagem, que faz do pensamento de Nagel (1961) e Hegenberg (1965), a autora ressalta a compreensão, do primeiro, de que é da prática do método científico que resultam as conclusões da ciência. O que, segundo ele, não significa que essa prática consista na utilização de técnicas especiais em todos os processos de pesquisa, independente de qual seja o objeto de investigação. Não significa, também, que o método científico elimine possibilidades de erros e que sua prática assegure a verdade de qualquer resultado alcançado em pesquisas que o empreguem. Para o autor, a prática desse método se desenvolve pela crítica persistente dos argumentos submetidos a uma política definida, posta à prova para julgamento da fidedignidade de procedimentos, por meio dos quais são obtidos os dados que constituem a base das conclusões da ciência.

Nesta direção, segundo a autora, “o método científico é uma avaliação da evidência disponível, que se compõe mais de hábitos intelectuais do que de regras fixadas”. (Cardoso, 1971, p.16-17).

Em relação a Hegenberg (1965), a autora destaca que, de forma semelhante a Nagel (1961), o método científico tem a ver com os objetos reais constatáveis, com os objetos do mundo sensível. São os dados que decidem e, se mudam, o conhecimento os acompanha, pois o que importa é descrevê-los.

Na proposta de Hegenberg (1965), atinge-se o saber científico com a crítica do senso comum, ficando-se no bom senso que será sistematizado e controlado. Neste aspecto há uma diferença em relação a Nagel (1961), o qual ultrapassa o bom senso na crítica que propõe aos argumentos.

Feitas essas considerações críticas de alguns autores que formulam sobre o método científico, a autora elabora uma espécie de síntese de sua abordagem crítica na desmitificação do método científico como técnica, no desenvolvimento de uma reflexão sobre a relação entre ciência e filosofia, na III e última parte, denominada O método científico, ilusão empirista”.

Inicia com a afirmação de que os métodos empregados pela ciência contemporânea (século XX) não se formulam, anteriormente, nem fora da ciência. São atividades distintas e não absorvidas uma pela outra, mas são duas atividades fortemente imbricadas.

Para a autora, “a ciência não prescinde da filosofia, não precisa romper com ela para se fazer como ciência, nem se pode dar a ela inteiramente como objeto porque, num sentido, é parte dela. Por outo lado, a filosofia não dispensa a ciência como forma rigorosa do saber humano (Cardoso, 1971, p.22). Portanto, é equívoco pensar uma filosofia da ciência, pois supõe uma separação entre estas. Desse modo, entendemos que a autora alerta para o reconhecimento da relação intrínseca e complexa entre ciência e filosofia e que a separação entre estas, vai de encontro a toda a negação que ela faz no decorrer do seu artigo, na desmitificação do método científico na constituição da ciência.

A autora acentua que, “fazendo ciência a renovação é permanente: da teoria, do método, da técnica, do objeto”. (Cardoso, 1971, p. 24). Isto reforça o entendimento de que o caráter científico do método está nessa transformação, sempre presente, desses elementos, do processo de construção da ciência. Esse processo não se dá a partir do vazio, mas a partir de um corpo teórico anterior como condição para reconstrução do novo.

Nessa mesma direção, a autora ratifica: “parte-se de uma teoria-base para problematizar o objeto que lhe é próprio, quando ele aparece como um desafio. Mas também ela se problematiza enquanto faz ciência”. (Cardoso,1971, p. 23). Assim, retoma, ainda, nessa última parte do seu artigo, a direção do vetor epistemológico no dinamismo da pesquisa, o qual vai, seguramente, para ela, do racional para o real, referindo-se, quanto a esse vetor, à concepção bachelardiana. Daí, reforça a ideia de que “não é a realidade que se dá integralmente e sensibiliza o observador, começando o conhecimento. Se um pesquisador observa alguma coisa é porque a considera importante no esclarecimento de algo dentro do contexto teórico mais geral que o mobiliza para a pesquisa. (Cardoso, 1971, p. 26), pois o pesquisador já possui alguma ideia do que busca na problematização do objeto no processo de pesquisa.

Repetidas vezes a autora destaca a importância de compreender o método como relação que é parte de um conjunto de relações que especificam um determinado corpo teórico e contesta o pensamento de que o método, por si só, garante a certeza do produto elaborado nas pesquisas. Desse modo, reafirma a concepção de método que a norteou na trilha da desmitificação do método que se identifica como técnica, com destaque: ao caráter histórico do método; ao seu caráter intracientífico; à sua negação como conjunto de regras que garantem a sua cientificidade e a reafirmação que cada teoria tem um método que lhe é adequado.

Compartilhamos da concepção de método que norteia a autora neste trabalho em discussão, bem como com os argumentos e destaques feitos por ela nessa reflexão crítica.

Considerações finais

Nesta discussão periodizada e sucinta da nossa interlocução com o pensamento da Profa. Míriam Limoeiro Cardoso a partir d’ O Mito do Método, como uma referência importante do debate que ela inaugura no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-Rio sobre a questão do método nas ciências sociais, apontamos na introdução também a sua contribuição aos estudos gramscianos em Serviço Social naquele período, que sem dúvida repercutiram significativamente no debate nacional na área do Serviço Social.

Sentimos a necessidade de registrar ainda que brevemente nestas considerações finais indicações importantes dessa influência materializada dentre outras formas na bibliografia produzida a partir de dissertações elaboradas sob sua orientação, assim como de outras dissertações que não tendo sido por ela orientados nortearam-se no debate teórico-metodológico por ela instaurado no programa e buscaram fundamentos no marxismo com ênfase em Gramsci.

Em 1979, é publicado o livro resultante da dissertação de mestrado de Josefa Batista Lopes intitulada “O objeto e a especificidade do Serviço Social: pensamento latino-americano, a primeira dissertação orientada pela Profa. Miriam Limoeiro Cardoso no Mestrado da PUC-Rio; que representa também uma das primeiras publicações da Editora Cortez&Moraes/SP, recém-criada, que apostou na potencialidade da produção intelectual da área das ciências sociais, particularmente no Serviço Social que, até então, a bibliografia se limitava principalmente a traduções de autores norte-americanos e a escassa produção de autores brasileiros, editada pelo CBCISS, por meio da Revista Debates Sociais e textos mimeografados.

Em seguida, veio a publicação pela mesma Editora já transformada em Editora Cortez, de outras dissertações orientadas pela Professora Míriam Limoeiro Cardoso defendidas no mesmo programa: Ideologia e Serviço Social: reconceituação latino-americana, de Maria de Guadalupe Silva, em 1982; e, A questão da transformação social e o Trabalho Social: uma análise gramsciana, de Alba Maria Pinho de Carvalho, em 1983, podemos considerar esta obra como a primeira a explicitar-se de orientação gramsciana na análise do Serviço Social.

Ainda em 1982, segundo Simionatto (1995) são publicadas pela citada editora as dissertações de Maria Helena de Almeida Lima e Rose Mary Sousa Serra, intituladas, respectivamente: Serviço Social e Sociedade Brasileira e A prática institucionalizada do Serviço Social: determinações e possibilidades, embora não elaboradas sob a orientação direta da Professora Miriam Limoeiro Cardoso, inspiram-se no debate por ela instaurado no referido Mestrado.

O debate desenvolvido pela Professora Míriam Limoeiro Cardoso teve ampla repercussão na formação pós-graduada no âmbito do Mestrado da PUC/Rio e se irradia nas experiências acadêmicas e orienta o desenvolvimento intelectual de alunas egressas em muitas universidades de origem, como é o caso da forte influência desse debate na formação pós-graduada e no desenvolvimento intelectual de um grupo de docentes vinculadas ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão (DESES/UFMA) do qual fazíamos parte junto a Josefa Batista Lopes.

Com essa iniciação teórico-metodológica procuramos avançar nos estudos sobre o pensamento de Marx e tradição marxista com ênfase em Gramsci, que vem fundamentando toda nossa trajetória de estudos, pesquisas e debates acadêmicos e militância político-profissional. Dentre as nossas produções, destacamos as teses de doutoramento, defendidas na PUC/SP: Organização das Classes subalternas: um desafio para o Serviço Social, de Franci Gomes Cardoso, publicada pela Cortez Editora/EDUFMA, em 1995; O Serviço Social na América Latina: nas malhas da modernização conservadora e do projeto alternativo de sociedade elaborado por Josefa Batista Lopes3, sob a orientação da professora Miriam limoeiro Cardoso; Serviço Social e a Organização da Cultura: perfis pedagógicos da prática profissional de Marina Maciel Abreu, publicada como livro pela Cortez Editora, em 2002, logo alcançou expressiva repercussão no meio acadêmico nacional de Serviço Social4.

É importante mencionar a participação desse grupo de docentes por meio da inserção como pesquisadoras, de Marina Maciel Abreu e Franci Gomes Cardoso na pesquisa nacional sobre O ensino da Metodologia em Serviço Social (PUCSP, ABESS, 1987-1988) em que apresentam o texto Metodologia do Serviço Social: a práxis como base conceitual5, no qual discutem a questão metodológica no Serviço Social, pensada na totalidade da relação teoria e prática na profissão no movimento totalizante da práxis, sob a orientação do marxismo com destaque para Gramsci. O texto desencadeou polêmicas no debate nacional sobre a temática embora o debate não tenha avançado em aprofundamento, em um contexto em que incidiu no Serviço Social a força das polêmicas entre as referências de Gramsci e Lukács, sobretudo postas na interlocução entre dois intelectuais brasileiros de grande influência nas Ciências Sociais e Humanas e, particularmente, no Serviço Social: Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto6. É inegável a contribuição dos dois intelectuais brasileiros na disseminação marxismo na sustentação e orientação teórico-metodológica e ético-política do projeto profissional crítico do Serviço Social em toda sua trajetória.

A contribuição de Gramsci na particularidade das atividades acadêmicas no âmbito do DESES/UFMA, ganha mais força, sobretudo a partir 1998 quando se institucionaliza o Grupo de Estudo, Debate e Pesquisa em Serviço Social e Movimento Social (GSERMS) na UFMA, com vinculação à base de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFMA, atualmente articulado à Internacional Gramsci Society/Brasil (IGS) e à Red Latinoamericana e Caribeña de Estudios Gramscianos.

Uma das primeiras atividades abertas do GSERMS na tentativa de ampliação do debate e aprofundamento dos fundamentos que orientam suas atividades, foi a realização do I Jornada de Gramsci em 1999, com presença de intelectuais marxistas dentre eles Carlos Nelson Coutinho (UFRJ) e Edmundo Dias (Unicamp), Ricardo Antunes (Unicamp) e do intelectual italiano Domenico Losurdo (Universidade de Urbino/Itália). Em 2017, o grupo cria o Núcleo de Estudo, Debate e Pesquisa Gramsci, Marx e Marxismo (NEGRAM) cuja dinâmica envolve: pesquisas, o ciclo mensal de estudos do pensamento de Gramsci e a realização da Conferência Gramsci, Marx e Marxismos (CGRAM). A CGRAM é concebida como evento permanente de realização de dois em dois anos, com primeira versão realizada em 2018, a segunda em 2020 e a terceira em organização que acontecerá em novembro deste ano. Esse evento afirma-se como um espaço fecundo de articulação de estudiosos pesquisadores do pensamento de Gramsci, de Marx e do marxismo e de militantes das lutas populares, dedicados à análise crítica da realidade e intervenção na dinâmica da sociedade na perspctiva de sua transformação.

Sem dúvidas tributamos à contribuição da professora Miriam Limoeiro Cardoso o despertar e a motivação de muitas assistentes sociais alunas do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-Rio nos anos 1970/1980 aos estudos sobre Marx e vertentes marxista com ênfase em Gramsci, como fundamento para pensar criticamente o movimento da sociedade e a inserção orgânica do Serviço Social nesse movimento. O pensamento de Gramsci agregou e agrega elementos novos aos esforços de análise marxista da profissão no permanente debate e busca de rigor metodológico na pesquisa e produção do conhecimento crítico.

Referências

CARDOSO, Miriam Limoeiro. O Mito do Método. Texto mimeografado, PUC-Rio, 1971.

CARDOSO, Miriam Limoeiro. A Periodização e a Ciência da História. Texto mimeografado, s/d.

COUTINHO, Carlos Nelson. Lukács e Gramsci: apontamentos preliminares para uma análise comparativa. In: COUTINHO, Carlos Nelson. De Rousseau a Gramsci. São Paulo: Boitempo, 2011.

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. Ensaio de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987 (3ª edição).

GSERMS, Grupo de Estudo, Debate e Pesquisa em Serviço Social e Movimento Social. Projeto Núcleo de Estudo, Pesquisa e Debate sobre Gramsci, Marx e Marxismo (NEGRAM). Departamento de Serviço Social/Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. São Luís, 2017.

PPGSS/PUC-Rio. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-Rio. http://www.ser.puc-rio.br/index.php/pos-graduacao/programa. Acesso em 28/04/2022

NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social. Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1991.

NETTO, José Paulo. Introdução ao método na teoria social. In: CFESS/ABEPSS. Serviço Social direitos e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009

SIMIONATO, Ivete. Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no Serviço Social. Florianópolis: Ed. da UFSC; São Paulo: Cortez, 1995

Notas

1 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (UFMA) Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7959-0431. E-mail: cardosofranci@uol.com.br
2 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (UFMA). Pesquisadora bolsista CNPq. Orcid: https://orcid.org/0000.0002-4355-9870E-mail: maciel.m@uol.com.br
3 Durante o seu doutorado, a professora fez estágio em pesquisa, com bolsa sanduiche de um ano, na Fundação Instituto Gramsci de Roma, sob a supervisão de Giuseppe Vacca, de agosto de 1993 a agosto de 1994.
4 O livro teve sua 5ª edição em 2016, além de quatro reimpressões.
5 O texto integra os resultados da pesquisa O ensino da Metodologia em Serviço Social, publicados nos Cadernos ABESS, nº3, pela ABESS e Editora Cortez, 1995 (1ª reimpressão).
6 Como apontado no Projeto do NEGRAM (GSERMS,2017, p.8, nota 25), constitui um indicativo dessa polêmica, “o texto LUKÁCS E GRAMSCI: apontamentos preliminares para uma análise comparativa, de Carlos Nelson Coutinho (2011, p.149). Expressa a polêmica travada entre dois pensadores de grande influência no Serviço Social: Carlos Nelson Coutinho, gramsciano, e José Paulo Neto, lukácsiano”.

Notas de autor

1 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (UFMA) Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7959-0431. E-mail: cardosofranci@uol.com.br
2 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (UFMA). Pesquisadora bolsista CNPq. Orcid: https://orcid.org/0000.0002-4355-9870E-mail: maciel.m@uol.com.br
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