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Trajetórias: relatos de vida de alunos egressos do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio
Tânia Horsth Noronha Jardim; Valéria Pereira Bastos
Tânia Horsth Noronha Jardim; Valéria Pereira Bastos
Trajetórias: relatos de vida de alunos egressos do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio
Trajectories: life stories of students graduated at the Social Work Department at PUC-Rio
O Social em Questão, vol. 1, núm. 54, Esp., pp. 205-228, 2022
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar relatos da trajetória de vida, pessoal e profissional, de assistentes sociais graduados e/ou pós-graduados pelo Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, que no ano de 2022, completa 85 anos de sua criação e 50 anos do Programa de Pós-graduação - PPGSS. Os depoimentos partem de uma reflexão sobre a relevância de um projeto político pedagógico, baseado na formação de assistentes sociais oriundos das classes populares - em sua maioria, mulheres, negras, militantes de movimentos sociais, moradoras da periferia e oriundas de pré-vestibulares comunitários – e que adentraram uma Universidade privada comunitária de alto prestígio, via política de ação afirmativa. Tais políticas vêm produzindo mudanças substanciais na sociedade, ao romper com um ciclo perverso de sucessivas exclusões de determinados grupos sociais aos quais têm sido negados seus direitos de cidadania.

Palavras-chave: Egressos, Formação Profissional, Serviço Social, Política de Ação Afirmativa.

Abstract: This article aims to present reports of the personal and professional life trajectory of graduate and/or postgraduate social workers from the Department of Social Service at PUC-Rio which completes 85 years of its creation and 50 years of implementation of its Graduate Program, in 2022. The testimonies start from a reflection on the relevance of a political pedagogical project, based on the training of social workers from the popular classes – mostly women, black, activist of social movements, residents of the periphery and coming from community college entrance exams – and who enter a highly prestigious private community university, through an affirmative action policy. Such policies have been producing substantial changes in society, by breaking with perverse cycle of successive exclusions of certain social groups that have been denied their civil rights.

Keywords: Former Students, Professional Education, Social Work, Affirmative Actions.

Carátula del artículo

Trajetórias: relatos de vida de alunos egressos do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio

Trajectories: life stories of students graduated at the Social Work Department at PUC-Rio

Tânia Horsth Noronha Jardim1
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Brasil
Valéria Pereira Bastos2
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Brasil
O Social em Questão, vol. 1, núm. 54, Esp., pp. 205-228, 2022
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Recepción: 01 Mayo 2022

Aprobación: 01 Junio 2022

Introdução

Em 2022, o Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (DDS/PUC-Rio) completa 85 anos de sua criação e 50 anos de implementação de seu Programa de Pós-graduação em Serviço Social, o primeiro a formar mestres em Serviço Social no Brasil. O presente artigo tem como objetivo apresentar breves relatos da trajetória de vida, pessoal e profissional, de sete assistentes sociais, graduados e/ou pós-graduados no DSS/PUC-Rio, contemplando desafios e possibilidades na formação profissional em uma Universidade privada comunitária, de alto prestígio acadêmico e situada num bairro da elite do Rio de Janeiro.

Os depoimentos partem de uma reflexão sobre a relevância de um projeto político pedagógico, baseado na formação de assistentes sociais oriundos das classes populares e, em sua maioria, mulheres, negras, militantes de movimentos sociais, moradoras da periferia e oriundas de pré-vestibulares comunitários (JARDIM, 2018).

Foi no ano de 1994 que a PUC-Rio iniciou um projeto voltado para inclusão de jovens carentes via política de ação afirmativa em parceria com diversos pré-vestibulares comunitários e populares em rede, para concessão de bolsas de estudos integrais, aos alunos negros e oriundos das camadas populares, mediante aprovação no exame de vestibular. Na ocasião, o Departamento de Serviço Social foi essencial, e ainda é, para o desenvolvimento do programa de ações afirmativas da Universidade, tendo o seu corpo discente composto majoritariamente por esse perfil de alunado.

A partir de então, um novo marco se inscreve na história Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, na medida em que a implantação dessa política de ação afirmativa contribuiu para alterar significativamente o perfil do discente de Serviço Social, antes composto por mulheres vinculadas a grupos conservadores e filantrópicos da Igreja Católica e/ou pertencentes aos setores médio ou alto da sociedade fluminense (CARVALHO; IAMAMOTO, 1996).

Essa transformação não se restringe ao Departamento de Serviço Social, a presença do estudante bolsista é de suma importância para a democratização do campus da PUC-Rio e para a comunidade de origem desses sujeitos. Conforme destaca Salvador (2011) “a política de ação afirmativa atingiu não só o aluno, mas também a família e a comunidade, o que leva ao caráter mais abrangente da própria política: o aluno de Serviço Social passou a desempenhar um novo papel social, depois de formado, como personalidade emblemática3 e como referência de mobilidade social” (p.177, grifo da autora).

Essas políticas vêm produzindo mudanças substanciais na sociedade, ao buscar romper com um ciclo perverso de sucessivas exclusões de determinados grupos sociais aos quais têm sido negados seus direitos de cidadania. Ao longo do tempo, as ações afirmativas juntamente com as políticas de permanência, ganharam destaque e visibilidade em todo o país, ao ponto de se tornarem uma referência nacional nas lutas pela democratização do acesso à educação e redução das desigualdades sociais.

Hoje, elas vêm se estendendo a programas de pós-graduação, alguns já formulando suas próprias políticas de acesso. É significativo e extremamente positivo destacar que no total de sete assistentes sociais entrevistados para a elaboração deste artigo, seis deram segmento a formação em nível de pós-graduação stricto sensu.

Cabe registrar que, especificamente no caso do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da PUC-Rio, no ano de 2021, foi lançado o primeiro edital disponibilizando vagas de acesso aos alunos via política de ação afirmativa, para o período letivo de 20224. Portanto, o processo seletivo para os cursos de Mestrado e Doutorado em Serviço Social, desde então, compreende cotas para candidatos: negros(as); indígenas; pessoas com deficiência; refugiados (refugiados, solicitantes de refúgio ou portadores de visto humanitário); travestis, transexuais e transgêneros; pessoas em condição de vulnerabilidade social. O que ratifica a prática já efetivada pela Universidade e pelo Departamento para o acesso a graduação desde 1994.

Assim, esse conjunto de transformações no âmbito do desenho e da materialização das práticas político-pedagógicas do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, que contempla alunos de graduação e pós-graduação, têm estreita relação com os profissionais de Serviço Social que queremos formar, representados nas falas dos assistentes sociais que aceitaram generosamente participar do presente artigo: Alan, Claudia, Cléo, Edilma, Julio, Lorena e Valério, ‘personalidades emblemáticas”, exemplos positivos para sua família e comunidade de origem, referências de sucesso e exemplos concretos de mobilidade social.

Transformaram sua trajetória de vida, desafiando todas as previsões históricas sobre as possibilidades concretas do contingente de sua classe de origem chegar aonde chegaram. Transformaram, também, as relações sociais há muito constituídas e naturalizadas, no que diz respeito ao corpo docente e discente, ao promover a ampliação da diversidade étnica e cultural, no campus da Universidade e nas instituições as quais ingressaram como assistentes sociais (JARDIM, 2018).

A seguir, apresentaremos a transcrição das entrevistas, a partir dos relatos pessoais produzidos pelos entrevistados, divididos em 3 eixos temáticos: a chegada na PUC-Rio; a trajetória estudantil na Universidade, seus desafios e possibilidades; e as principais mudanças ocorridas na trajetória pessoal e profissional, provocadas pela formação em Serviço Social.

Breves Relatos da trajetória de vida pessoal e profissional

Alan de Loiola Alves, 42 anos

Doutor em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio Especialista em Criança e Adolescente Vítima de Violência Doméstica - PUC-Rio e graduada em Serviço Social PUC-RIO. Atualmente é pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Criança e do Adolescente - Foco no Sistema de Garantia de Direitos, coordenado pela Professora Dra. Eunice Fávero. Possui experiência de pesquisa nas áreas: Crianças e Adolescentes, Exploração Sexual Comercial, Violência, Gênero, Serviço Social e Proteção Social. Tem experiência profissional como assistente social no atendimento as crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual comercial e docente no curso de Serviço Social das disciplinas do eixo de Fundamentos Históricos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social.

A chegada à PUC-Rio

A minha chegada na PUC-Rio aconteceu em fevereiro de 2001, oriundo do Pré-Vestibular para Negros e Carentes de Petrópolis. Já a conclusão do curso de graduação se deu em junho de 2005. Lembro que foi um mix de sentimentos, pois sabia da importância desta instituição no âmbito da formação acadêmica, como também pelo seu elitismo de classe; em decorrência disso, eu vivenciava a animação pela aprovação no vestibular da PUC no curso de Serviço Social, encantamento com a beleza da instituição e do bairro Gávea, como também estava cheio de disposição para cursar Serviço Social. No entanto, estava inseguro por ser negro e pobre, como também me questionava como conseguiria me manter na universidade e na cidade do Rio de Janeiro.

A trajetória estudantil na PUC-Rio: desafios e possibilidades

O período de estudo no curso de Serviço Social na PUC-Rio foi marcado, primeiramente, pela acolhida dos colegas do curso e do corpo docente, especialmente pela rede de proteção criada pela minha turma. Além da amizade, foram desenvolvidas estratégias para a compreensão dos textos, para acessar a bibliografia do curso e para se manter na universidade, já que as despesas com transportes, livros, fotocópias e alimentação eram altas.

Além das dificuldades com os gastos e de eu provir de uma família empobrecida, as dificuldades foram as de lidar com um universo hostil à população negra e empobrecida. Outro desafio foi lidar com as abordagens da realidade social apreendidas no curso e me deparar com a minha situação social; porém, isto fez o encantamento pelo curso de Serviço Social e o interesse em apreender só aumentar, fazendo com que tivesse um bom desempenho escolar e fosse construindo a minha identidade profissional. Além disso, a possibilidade de vivenciar o espaço acadêmico e a formação segura se deram por meio de bolsa e assistência estudantil disponibilizadas pela universidade, uma vez que fui beneficiário do programa FESP, recebendo os benefícios de alimentação, transporte e moradia.

Assim, descrevo o período no qual estudei na PUC-Rio como um dos melhores momentos da minha vida, pois foi de descobertas, principalmente, que o mundo era maior do que imaginava e que ele era possível para mim. Nesta universidade fiz amigos para a vida, descobri a minha profissão e o mundo acadêmico.

Principais mudanças, na trajetória pessoal e profissional, provocadas pela formação na PUC-Rio

A formação em Serviço Social na PUC-Rio mudou minha trajetória de vida através da transformação da minha realidade social, do acesso ao mundo acadêmico, intelectual e ao planeta. Ela fez, e ainda faz, eu acreditar na educação, no direito ao acesso aos direitos sociais, na transformação social e na possibilidade de outro modelo societário.

Claudia Sabino Marques idade, 52 anos

Especialização em Psicopedagogia Clínica, Escolar e Comunitária pelo Instituto Superior de Educação Pró Saber (2014), Especialização em Terapia de Família, pela Universidade Candido Mendes (2002). Graduada em Serviço Social pela Pontifícia universidade Católica do Rio de Janeiro (1997). Atua como docente no Instituto Superior de Educação e Assistente Social na Associação Harmonicanto: Música e Cidadania.

A chegada à PUC-Rio

Iniciei o Curso na Universidade Gama Filho, onde permaneci um período, na ocasião fui para essa Universidade por conta do valor da mensalidade, já que era custeada pela Fundação Marcelo Candia, Instituição que financiava os projetos na época. Fazia parte dos movimentos sociais da Igreja Católica da Paróquia São Camilo e atuava na Comunidade Nossa Senhora das Graças na Favela do Borel. Trabalhava com desenvolvimento comunitário na mesma Favela, junto ao Padre Olinto Pegoraro e as Irmãs Missionarias do Sagrado Coração de Jesus, conhecidas como Irmãs Cabrinianas. De um encontro entre Padre/Professor Olinto Antônio Pegoraro e Luiza Helena foi iniciada a conversa e possibilidade da minha transferência para a PUC, que, na ocasião, estava iniciando a implantação de uma Política de Ação Afirmativa, que se consolidou a partir de 1994. Cheguei um pouquinho antes, junto com outros companheiros de movimentos sociais ligados à igreja. Cheguei a PUC em 1993. E colei grau em 25 de janeiro de 1997.

A trajetória estudantil na PUC-Rio: desafios e possibilidades

Quando cheguei a PUC em 1993, ela era muito, muito longe... nossa que dificuldade para chegar. A menina da Tijuca, zona norte, andava muito para chegar a Gávea. Lembrando que vim da (Universidade) Gama filho à noite. O curso de Serviço social na PUC era matutino, eu trabalhava na Creche. Conciliar isso foi difícil. Complicado. Somente o apoio e compreensão que recebi da Comunidade, das irmãs e do Padre Olinto possibilitou a conclusão do Curso. Na PUC, iniciei como uma estranha, diferente de todos e de tudo. A realidade financeira era complicada, passagem, xerox e alimentação pesaram bastante, mas não o suficiente para me paralisar. Recebi ajuda, muitas vezes da Igreja. Um dos maiores desafios foi continuar me mantendo nessa Universidade que se tornou minha casa, onde amei e amo estar e voltar sempre que necessário. Desafio manter o sonho da filha da doméstica, analfabeta, preta e favelada na Universidade.

Principais mudanças na trajetória pessoal e profissional, provocadas pela formação na PUC-Rio

Minha formação na verdade foi o sonho de muitos, afinal fui a primeira de uma família sanguínea e, também, da comunidade, que se formou em curso universitário, até então não tínhamos notícia de formando por aqui (não que não existisse). Uma grande responsabilidade, representar muitos. Ser modelo, ser exemplo, quanta responsabilidade para uma pessoinha, que fez do sonho uma realidade. Formação de forma integral, abriu olhos e horizontes. A PUC atravessou a minha vida, me formando não só profissionalmente, mas de forma integral. Como gente, gente que pensa, gente que grita, gente que adoece. E mais ainda gente que dá a vida. Ser pensante, que incomoda e não se acomoda. Que faz suas escolhas e que se faz presente na vida do outro. O outro é tão importante quanto a si próprio. Entende as relações sociais como primordial para o crescimento de uma sociedade justa.

Cléo Oliveira, 42 anos

Mestranda no PPGSS PUC-Rio, possui graduação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2018). Atualmente é Educadora do Fundação Oswaldo Cruz. Tem experiência na área de Antropologia (Texto extraído do CV Lattes, 2022).

A chegada na PUC-Rio

Me chamo Cléo Oliveira, tenho 42 anos, sou uma mulher trans negra oriunda de comunidade, ingressei na Puc-Rio no segundo semestre de 2011, conheci o programa de Ações Afirmativas da Puc através do pré-vestibular comunitário Educafro. Minha chegada a PUC-Rio foi bem difícil, “abri mão” de um emprego para poder fazer faculdade, era o início de um sonho cercado de muitas barreiras e obstáculos, minha chegada não foi fácil, uma mulher trans preta e pobre ingressando em uma das maiores universidades do país. Enfrentei grandes desafios como a distância, a falta de dinheiro e ser a primeira pessoa trans a solicitar (leia-se brigar) para ter seu nome social respeitado na universidade.

A trajetória estudantil na PUC-Rio: desafios e possibilidades

Estar na PUC-Rio para mim foi um marco em minha vida, estava adentrando um espaço que nunca foi pensado para pessoas como eu, fazer as pessoas entenderem e também me conscientizar de que aquele espaço também era meu, também poderia estar posto para mim não foi fácil, um dos grandes desafios era me sentir capaz de verdade e ainda lidar com minhas lutas diárias, driblar a fome, a falta de condições de adquirir livros, acompanhar muitos processos da vida acadêmica e ainda sim enxergar novas possibilidades.

Principais mudanças na trajetória pessoal e profissional, provocadas pela formação na PUC-Rio

A PUC-Rio foi divisor de águas em minha vida, aprendi a rever minha própria capacidade, a ver um outro ângulo frente aos meus anseios profissionais, ter a profissão como referência para agregar e contribuir com o desenvolvimento social. Essa mudança pode ser definida de muitas maneiras, porém, o que melhor posso destacar, é a capacidade de adquirir mais habilidades e o desenvolvimento de minha autonomia não apenas profissional como também pessoal. Isso me aproximou da reflexão sobre onde estou hoje e para onde quero ir.

Edilma Soares da Silva, 52 anos

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-Rio, Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2008). Tem Especialização em Atendimento à Crianças e Adolescentes vítimas de violência doméstica (2006). Graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2004) e licenciatura em História pela Universidade Estácio de Sá (2020). Tem interesse pelas temáticas de direitos sociais, políticas sociais e questões raciais. Atuou como docente no Centro Universitário Redentor - UniRedentor. Atuou como Docente da Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá. Atuou como Docente da Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá – NEAD (Texto extraído do CV Lattes, 2022).

A chegada na PUC-Rio

Sou da turma de 2000, quando entrei na PUC-Rio, morava no bairro de Marechal Hermes, zona norte do Rio de Janeiro. Vivíamos a primeira experiência de organização de pré-vestibular comunitário na Paróquia Nossa Senhora das Graças em Marechal Hermes. Fui a primeira pessoa da minha família a iniciar uma graduação, trabalhava como educadora social na Associação São Martinho, e sempre tive o desejo de fazer um curso superior, atuando como educadora social, em uma capacitação para educadores, conheci as professoras Andréia Clapp e Ilda Lopes, que falaram sobre a possibilidade de fazer Serviço Social na PUC.

A trajetória estudantil na PUC-Rio: desafios e possibilidades

O primeiro desafio foi fazer a inscrição para o vestibular, mesmo trabalhando, o salário nunca era o suficiente, pois precisava contribuir com as despesas da família. Tive ajuda do Departamento de Serviço Social e das colegas veteranas, soube que havia um “livro de ouro” criado pelos professores do Departamento que ajudavam com a taxa de inscrição para o vestibular, assim como uma caixinha criada pelas alunas veteranas. Aprovada no vestibular, iniciou-se o segundo desafio, fazer a inscrição, que se iniciava com uma entrevista no Departamento de Serviço Social que funcionava no 9* andar do prédio Cardeal Leme, aquela primeira entrevista éramos apresentadas ao curso de Serviço Social, o curriculum contava com aulas de informática e produção textual, muitas de nós não tinha computador em casa, e algumas haviam terminado o ensino médio a algum tempo, eu me encaixava nas 2 situações, e me lembro que na época a pergunta feita era se nós tínhamos condições de frequentar as aulas, algumas delas iniciavam às 13horas, tive que deixar meu trabalho. O primeiro semestre foi desafiador, e diariamente a dúvida era: compro a xérox do texto, compro algo para comer ou guardo o dinheiro para passagem? Aos poucos a turma ia se unindo, a entrevista antes da matrícula havia servido para nos conhecermos um pouco, então a troca de lanche e as ajudas com 10 centavos serviam para comprarmos alguns textos e partilharmos na turma. O benefício da Pastoral não atendia a demanda da turma, e o vale transporte que recebíamos também era dividido entre todas. Consegui meu estágio remunerado, algo difícil, mas importante para conseguir continuar me mantendo na faculdade, e aí já tínhamos aulas que terminavam às 22 horas, era comum algumas colegas saírem antes, do contrário perderiam sua condução, então conheci o ponto dos caronas, no estacionamento da PUC. Aos poucos íamos enfrentando esses obstáculos e seguíamos, no início do 5* período (2002) soube pelo PUC Urgente que havia um Programa de Intercâmbio para a Espanha, seria o primeiro Programa a aceitar alunos bolsistas, pois o Programa contava com uma ajuda financeira. Fui a Departamento Intercâmbio e verifiquei que estava dentro dos critérios.

Principais mudanças na trajetória pessoal e profissional, provocadas pela formação na PUC-Rio

Ser selecionada para o intercâmbio foi uma das experiências mais especiais vividas durante a graduação, seria a primeira aluna bolsista a fazer intercâmbio no Departamento, a alegria se misturou a tensão, pois somente quando chegasse na Universidade Autônoma de Madrid, seria possível assinar o contrato e ter acesso a bolsa, que incluía a ajuda com os bilhetes de avião e a ajuda mensal. Dos oito alunos selecionados eu era a única sem passaporte e sem “grana” para comprar os bilhetes de avião, consegui com a família o passaporte e fui ao Departamento de Intercâmbio explicar minha situação e o DI providenciou a verba das passagens junto a tesouraria da universidade, que seria pago quando eu retornasse. Durante o intercâmbio, conheci muitas experiências com migrantes, e fui convidada para muitos seminários. Sempre pensava que tudo tinha que “dar certo”, pois dessa maneira iria abrir portas para outros bolsistas. Acredito que essa experiência com alunos bolsistas, impulsionou o DI a atentar para a realidade dos bolsistas, pois soube que a partir daí o departamento financeiro e o jurídico da universidade criaram um contrato para garantir o intercâmbio dos bolsistas, que incluía um empréstimo com devolutiva no retorno do intercâmbio. Na Espanha reencontrei os alunos intercambistas que estiveram na PUC-Rio e lá criamos uma associação para angariar recursos para criarmos um centro social em Vila Isabel, a parceria durou até 2011 e mantive o centro social até 2016.

Voltei da Espanha e em 2003 e fui convidada pelo DI para ir à San Jose, na Costa Rica, para um Programa de Lideranças para as Américas da American Airlines, outra experiência incrível, havia ido para a Espanha, sem nunca ter estudado espanhol na vida e poder apresentar um trabalho na Costa Rica com falantes de espanhol do Chile, Venezuela, Argentina, Peru, foi gratificante. Ao retornar da Espanha, concluí a graduação e iniciei a pós em Violência Doméstica, as demandas do centro social em Vila Isabel, me exigiam aperfeiçoamento, em seguida me candidatei ao mestrado no Departamento, em 2006. Não era comum termos tantos ex-alunos de graduação da PUC realizando a prova para o Mestrado de Serviço Social, mas me lembro que enquanto esperávamos o início da prova, tivemos que trocar de sala, a sala ficou lotada. Aprovada na prova lembro da minha entrevista com as professoras Marilena Jamour e Myrtes Macedo.

Terminei meu Mestrado e já iniciei dando aulas na UNISUAM, nas turmas de pós e graduação, depois na Redentor em Itaperuna e depois na Universidade Estácio de Sá. Retorno à PUC-Rio, 22 anos depois, para o Doutorado, com a possibilidade de realizar uma pesquisa sobre Habitação Social, com foco nas Vilas Operárias, uma discussão que me possibilita repensar minha atuação como assistente social, que atuou durante muitos anos em Vila Isabel, com as famílias da Vila Operária Confiança, como Historiadora, minha segunda graduação, mas principalmente com um tema importante para o Serviço Social da PUC que historicamente contribuiu de maneira importante sobre a questão da moradia no Brasil e na América Latina.

Julio Mendes de Assis, idade 46 anos

Doutorando em Serviço Social pela PUC-Rio, pesquisador na área de Políticas de Ação Afirmativa e Reconhecimento com ênfase no movimento social de educação popular Pré-Vestibulares Comunitários. Mestre em Serviço Social na PUC-Rio (2016). Possui graduação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2011). Tem experiência na área de Serviço Social, com ênfase em Serviço Social. Participou como Coordenador da Instituição Pastoral da Juventude Nacional na qual assessorava Projetos, organizava formações, seminários, encontros nacionais e assembleias. Possui experiência na área de Produção Cultural, pois já fez parte da equipe da Rádio Catedral 106,7 FM, em que produzia e apresentava um programa semanal intitulado Juventude em Ação. Foi titular da disciplina Cultura e Cidadania do Pré-Vestibular Comunitário Santo Agostinho, no qual ministrava aulas de temáticas sociais e culturais. Consultor e Professor de Cursos do SESC-Rio tais como Elaboração de Projetos Sociais e Consultoria na área de Políticas Públicas para Juventude. Conteudista da disciplina Introdução ao Serviço Social da Faculdade Unyleya. Assistente Social na instituição Arquidiocese do Rio de Janeiro, onde desenvolve um trabalho de assessoramento e formação de Lideranças Comunitárias. Presidente da Rede de Cultura e Cidadania Ricardense (texto extraído do CV Lattes, 2022).

A chegada na PUC-Rio

Ingressei na graduação da PUC-Rio em 2008 e minha formatura em 2011. Eu sou oriundo do Movimento de Educação Popular Pré-Vestibular Comunitário Dom Estevan Bittencourt, em Anchieta - RJ. Eu me identifico como suburbano carioca de nascença e, também, sou oriundo dos quadros da Pastoral da Juventude Nacional.

A trajetória estudantil na PUC-Rio: desafios e possibilidades

Eu descrevo a minha trajetória na PUC-Rio desde minha chegada em 2008 até a conclusão da graduação em 2011, como a concretização de um sonho, que era justamente fazer um curso de graduação das Ciências Sociais na PUC-Rio. Neste contexto, eu destaco o fato de que a PUC-Rio foi a minha escolha, pois para mim isso tem um simbolismo e um significado imensurável. Contudo, quando eu passei no vestibular da PUC não tão jovem, digamos assim, pois já tinha constituído família e, também, já trabalhava na Arquidiocese do Rio de Janeiro, com uma carga horaria de 40h semanais.

Desta forma, um dos meus maiores desafios era conciliar o trabalho e a faculdade, pois eu tinha disciplinas que iniciavam às15h, mas meu expediente no trabalho terminava às 16h, na Glória. Contudo, outra questão que gostaria de destacar é o fato de morar em Ricardo de Albuquerque, no Subúrbio do Rio de Janeiro e estudar na PUC, que fica na Zona Sul. Entretanto, a distância fazia com que eu chegasse em casa muito tarde da noite, pois minha última aula só terminava as 21h. Neste contexto, quando eu chegava em casa minhas filhas já estavam dormindo e quando eu saia para trabalhar no outro ida, elas ainda não tinham acordado, principalmente a minha filha caçula que nasceu no ano que ingressei na PUC.

Enfim, foi um sacrifício que tive de fazer, mas ao mesmo tempo eu sempre tive a certeza de que não era só por mim, mas por elas, pelos meus companheiros de Pré-Vestibular Comunitário, pela minha mãe (ex-empregada doméstica), pela minha comunidade, enfim, por muitos que também sonhavam em cursar uma universidade e precisavam continuar acreditando que era possível o preto, pobre e suburbano ingressar em um curso superior e concluir a graduação em uma universidade de excelência como a PUC-Rio.

Por outro lado, pelo fato de ter ingressado na faculdade já na maturidade, sobretudo pelo fato de ter sido militante da Pastoral da Juventude, inclusive como membro da Coordenação Nacional desse movimento, me trouxe uma bagagem que foi fundamental para minha trajetória, seja na compreensão dos conceitos e fundamentos da formação universitária, assim como nos debates em sala de aula e nas atividades extraclasse, tais como: organização de seminários e os eventos acadêmicos do departamento de Serviço Social e do Diretório Central dos Estudantes - DCE.

Principais mudanças na trajetória pessoal e profissional, provocadas pela formação na PUC-Rio

A principal mudança é sem dúvida a visão de mundo e de sociedade que a formação universitária agregou na minha vida como um todo, pois compreendo que cursar uma graduação é muito mais do que aprender um ofício, é um emaranhado de significados que pode ser determinante naquilo que a gente compreende como cidadão e na constituição do nosso papel na sociedade.

No campo profissional é destaco que não me arrependo de ter escolhido a PUC-Rio, pois Serviço Social da PUC-Rio forma a classe trabalhadora e tem muita consciência deste papel, portanto, eu tive a melhor formação possível e me vejo como um profissional que faz a diferença no espaço de atuação profissional muito em decorrência disso. Enfim, no contexto pessoal, eu tive a felicidade de ingressar na carreira assim que formei e lá se vão dez (10) anos no mesmo trabalhado, o regresso a PUC-Rio para o mestrado em 2014 e atualmente o doutorado na mesma escola de Serviço Social, o que faz ter a certeza de estar trilhando uma trajetória exitosa que está sendo possível por eu te optado por fazer a graduação na PUC-Rio.

Lorena Anile, 33 anos

Doutoranda do curso de Serviço Social do Instituto Universitário de Lisboa - ISCTE-IUL, Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro - PUC-Rio, graduada em Serviço Social também pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. Integrante do grupo de pesquisa do Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais - LEUS, e investigadora do Núcleo de Doutorandos em Serviço Social Latino-América do ISCTE-IUL. Atualmente é professora assistente convidada do Laboratório de Competências Transversais (LCT) do ISCTE, e do curso de Serviço Social do Instituto Politécnico de Portalegre. Tem experiência na área de Regularização Fundiária em favelas no Rio de Janeiro (2010-2018). (Texto extraído do CV Lattes).

A chegada à PUC-Rio

Oriunda do pré-vestibular comunitário do Engenho Pequeno em Nova Iguaçu, cheguei na PUC em 2007 (turma 2007.1). Como eu era moradora de Nova Iguaçu, gostava de frequentar uma universidade mais perto de casa, ou pelo menos com mais fácil acesso, mas fui logo passar para a universidade que era mais longe, com a influência e apoio do coordenador do PVNC que fazia parte na altura. Minha família me apoiou logo de primeira, mesmo com o receio da distância, meus pais se revezavam nos gastos que eu tinha com deslocação e alimentação, até conseguir a ajuda do FESP , esse apoio foi fundamental para minha permanência na universidade, sem ele eu não conseguiria continuar. Lembro de perceber que não fazia parte daquele mundo da PUC, e ao mesmo tempo entender que aquele passou a ser o meu mundo. A recepção desde o “meu primeiro dia na PUC” até os primeiros professores e a minha turma, foram ótimas logo eu já estava adaptada. Colei grau em janeiro de 2011.

A trajetória estudantil na PUC-Rio: desafios e possibilidades

Foram 4 anos de pura aprendizagem. A PUC me proporcionou, para além de um ensino de qualidade, meios para continuar no estudo, uma boa estrutura (biblioteca, sala de estudos, computadores), acesso fácil aos professores, para além dos apoios que recebia do FESP (bilhete para o transporte, alimentação, cópias e livros). A minha maior dificuldade era a distância, eram 2 horas para ir e voltar da PUC, com um sistema de transporte falho, com horários de ónibus que não podia perder, por vezes tinha que pedir ao professor para sair um bocadinho mais cedo, por conta do ónibus. O desafio que tive, talvez pudesse ser na socialização com outros cursos, nunca ocorreu comigo.

Principais mudanças na trajetória pessoal e profissional, provocadas pela formação na PUC-Rio

A PUC me proporcionou competências pessoais e profissionais que talvez eu não tivesse tido em outro lugar. Os professores que tive foram quem me incentivaram a estar onde eu estou hoje. Então profissionalmente e pessoalmente são coisas que se entrelaçam, porque eu só sou a profissional que eu sou hoje pelo incentivo apoio que tive na PUC e, também, pelos professores que tive, cada um colocou lá a sua semente dentro de mim. Hoje eu sou professora em Portugal e muitas vezes eu paro e penso em como faziam quando eu era a aluna, foram com eles que aprendi a ser professora. Eu fiz a graduação e mestrado na PUC, queria ter feito o doutoramento, mas não consegui, eu queria ter terminado a minha trajetória académica lá, porque lá eu me sentia em casa. Na verdade, foi o departamento de Serviço Social da PUC que me fez sentir assim. Ouso dizer que eu não seria quem eu sou hoje, a pessoa e a profissional que eu sou, se eu não tivesse feito o curso na PUC. Parece clichê o que vou dizer, mas eu sou sim “Filha da PUC” com muito orgulho.

Valério da Silva, 55 anos

Mestre em Serviço Social pela PUC-Rio, Assistente Social graduado também pela PUC- Rio e Especialista na área de planejamento e uso do solo. Participou na pesquisa “As habitações de interesse social como agentes de transformação do espaço urbano” - Moradia e Tecnologia Social no Convênio / UFRJ – Rede FINEP. Atua na área de desenvolvimento urbano ênfase em políticas para favelas com experiência em desenvolvimento local, produção de habitação de interesse social, mediação de conflitos fundiários e regularização fundiária de assentamentos populares. Experiência em projetos diversos como Planos Locais de Habitação de Interesse Social e de Regularização Fundiária. Ex-Membro do Conselho Nacional das Cidades – Concidades. Diretor Executivo da Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião e, atualmente, técnico responsável pelos empreendimentos habitacionais do Programa MCMV da Prefeitura de Maricá/RJ.

A chegada à PUC-Rio Não identifiquei o lattes

Me tornei aluno regular da PUC-Rio no primeiro semestre do ano de 1995 e finalizei o curso de graduação em dezembro de 1998. Retornei posteriormente para fazer a pós-graduação nos anos de 2011 a 2013.

Penso que minha trajetória como militante nos movimentos sociais (favelas, moradia, ONG’s entres outros) são os elementos que me levaram ao encontro do Departamento de Serviço social e em consequência com o curso de graduação em Serviço Social. Não foi algo que se deu de maneira repentina e automática, mas um processo que se deu inicialmente através de uma experiencia concreta e transcorreu ao longo da minha experiencia profissional.

Acho, portanto, que minha formação como pessoa com minhas dificuldades, dúvidas e certezas foram os elementos que me levaram à PUC-Rio. Por essa razão acho que seria injusto não falar de onde eu sou, deixando claro o lugar de onde estou falando. Eu nasci na localidade hoje conhecida como Morro da Pedreira entre os bairros de Acari, Pavuna e Costa Barros na zona norte da cidade do Rio. A casa onde morava minha família, antes havia sido uma vacaria que foi adaptada para casas / barracos de aluguel pelo então arrendatário da época. Mais tarde meus país conseguiram mudar para uma casa maior no mesmo local onde me criei. Era uma casa de “mea água”, “parede e mea” ou “geminada”, meus avós moravam do outro lado da parede e por toda extensão do quintal residiam parentes mais próximos e outros chamados de segundo e terceiro graus (Silvas, Messias, Peçanhas e outros sobrenomes maravilhosos).

Dessa casa eu acompanhei o processo de remoção promovido pela SEHAB em 1974. A metade da família foi levada para o Conjunto Habitacional de Realengo conhecido como Fumace. Para as casas dos meus tios e demais parentes foram levadas outras famílias, que segundo contam, foram vítimas de enchentes da favela de Acari. Ganhamos vários vizinhos desconhecidos, um deles passou a dividir a parede com minha família na casa onde antes viviam os meus avós. E meus avós foram fazer comida em fogão de lenha improvisado no terceiro andar de um apartamento em Realengo (talvez daí o nome fumace), e como tantas outras histórias, não deu certo, no quarto mês eles foram morar em São João de Meriti numa casa cedida por um de meus tios. La tinha fogão de lenha.

Com 8 anos de idade conheci essa faceta violenta do Estado. Três anos depois entre os anos de 1977 e 78 já não havia exploração de pedras no local e com toda a área abandonada a Pedreira foi ocupada por famílias sem teto. Eu, sem entender o que estava acontecendo, acompanhei a chegada das pessoas num misto de sentimentos, somente mais tarde fui compreender a relação entre a ausência de uma política habitacional versus a necessidade de morar.

Posteriormente presenciei as primeiras melhorias acontecerem com a chegada da light, pondo fim aos relógios coletivos (no nosso tinha pelo menos 15 famílias), o projeto de urbanização e a chegada da água com o Proface, além do Programa Cada Família Um Lote no Governo Leonel Brizola. E tantos outros programas que vieram a seguir como O Mutirão da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, o Favela Bairro e o Morar Carioca mais recente.

Em paralelo o fortalecimento do tráfico, que é assunto mais específico para ser tratado em outra oportunidade. O fato é que desde muito jovem participei de alguma forma dos processos de mudança que ocorreram no Bairro seja através do núcleo de base de igreja católica, da associação de moradores e das demais organizações comunitárias existentes. E foi por esse caminho cheguei como militante para atuar na Fundação Bento Rubião. São os processos que me levaram ao encontro da PUC, juntamente com o sentimento de indignação pela ausência de serviços, a ausência de direitos, a necessidade de uma política urbana não excludente.

Na época eu já havia ingressado na Fundação Bento Rubião, instituição com forte atuação no campo de luta pelo direito à cidade que desenvolve ações específicas voltadas para a defesa dos direitos à terra e à moradia das populações pobres das favelas e demais periferias.

No ano anterior ao ingresso na PUC, em 1994, o Departamento de Serviço Social através das Professoras Rosa e Luiza Helena, buscaram parceria a Bento Rubião para ajudar na identificação de lixões nas favelas onde atuava. A pesquisa, denominada “Vidas em Risco”, foi desenvolvida em parceria com o Departamento de Engenharia da PUC. Foi numa dessas visitas de campo que despertou o desejo de ingressar na faculdade e fazer um curso de nível superior.

Penso que essa aproximação e o diálogo decorrente de uma ação concreta possibilitou um encorajamento e o início de uma desmistificação que antes se colocava como um verdadeiro entrave para mim e acredito também que para a maioria dos jovens moradores das favelas e dos bairros populares. A percepção de que entrar na universidade era algo possível fez toda a diferença e foi fundamental para a minha entrada na faculdade. Algo como se uma primeira barreira tivesse sido vencida.

A trajetória estudantil na PUC-Rio: desafios e possibilidades

Estudar numa Universidade como a PUC-Rio é sempre um grande desafio para a maioria dos alunos independente de sua origem social. Mas não se pode deixar de abordar o prejuízo e o distanciamento que são provocados pelo racismo estrutural presente na sociedade brasileira e que faz grande diferença no momento que dificulta o ingresso de alunos pobres e negros, em especial, nas escolas de nível superior. É importante destacar esse período que antecede a entrada de alunos que guardam características iguais as minhas nos cursos universitários, esse é o ponto divisor de águas. As dificuldades e desafios aqui se entrelaçam e foram superados na medida da compreensão do novo espaço, as diferenças ali existentes e a convivência altiva com consciência de nosso papel e certeza daquilo que todos nós buscamos no espaço acadêmico.

Essa permanência com sucesso na universidade trouxe ainda uma experiencia única que foi fazer parte de uma turma de Serviço Social muito especial. A turma era formada por uma maioria de alunos oriundos da Baixada Fluminense e dos bairros e favelas das periferias da cidade do Rio de Janeiro que, em boa parte, haviam passado pelos pré-vestibulares para negros e carentes, uma experiencia exitosa e transformadora. O que possibilitou maior proteção, fortaleza e potência para nós alunos, facilitando o enfrentamento das dificuldades de maneira coletiva. A longa distância percorrida diariamente nos transportes coletivos tornou-se parte dos desafios para a realização do curso, mas não os únicos. Ao mesmo tempo foi um período de muita troca, aprendizado e demonstração viva de nossa cultura dentro da Universidade, foi um período de muita riqueza.

Principais mudanças na trajetória pessoal e profissional, provocadas pela formação na PUC-Rio

Acho que para nós a primeira mudança ocorre sempre no campo familiar e mesmo entre os amigos, tendo em vista o baixo nível de formação escolar. Em geral, somos os primeiros a entrar na universidade e alcançar a formação de nível superior o que nos dá um certo destaque e faz aumentar a responsabilidade já que a percepção sobre a realidade se torna bem diferente e precisamos ser bastante sensíveis para não impor posições radicais que por vezes não são totalmente verdadeiras. Hoje posso dizer que o quantitativo de membros familiares e amigos com ensino superior até aumentou, mas ainda somos muito poucos e com forte risco de regredir. A pergunta nos faz refletir essa dificuldade em dar continuidade de maneira crescente no quantitativo de parentes e de pessoas próximas frequentando cursos universitários.

Foi um período de grande desafio, de transformações pessoais e realizações, mas principalmente foi um período de construção e superação para mim e para todos os alunos da turma, hoje em boa parte bem-posicionados no mercado de trabalho. No meu caso especialmente abriu novos horizontes e possibilidades no local de trabalho e fora dele fortalecendo a capacidade de articulação com outros campos do conhecimento. Foi possível discutir e propor políticas públicas para a minha área de atuação através de ações diretas com os demais movimentos sociais, nos processos participativos pelo direito à cidade, assim como desenvolver metodologias com experiencias concretas que puderam ser replicadas no campo da produção social da moradia, na defesa da posse da terra e regularização fundiária, no fortalecimento comunitário articulando os atores sociais para defesa de seus direitos e na necessidade de desenvolvimento social mais integrado. A formação profissional qualificou os caminhos que escolhi para fazer militância política.

Considerações Finais

Acreditamos que o presente artigo evidencia, por meio das falas dos assistentes sociais aqui apresentados, que a formação acadêmica pela via das políticas de ação afirmativa impulsionou positivamente a transformação das relações sociais, alterando a provável trajetória pessoal e profissional, filhos das classes populares.

A ampliação do acesso à universidade de estudantes das classes populares, figura como um importante mecanismo de mobilidade social, visto que possibilita uma mudança de status que resulta na transição da sua posição social em uma outra. No caso da dimensão educacional da mobilidade social, verifica-se o nível de escolaridade do filho, estudante universitário, em relação ao do pai.

Uma vez que o indivíduo consiga aumentar seu grau de escolaridade, também aumentam as chances dele conseguir uma ocupação condizente com seu nível educacional. Por isso, a educação já seria um grande indicativo de mobilidade social. Como alguns estudos têm mostrado, o diploma de ensino superior e de pós-graduação traz para das pessoas ganhos sociais e econômicos que podem propiciar um movimento ascendente na escala social.

Todavia, o valor da formação acadêmica não se restringe aos ganhos materiais e à mobilidade social, diz respeito, ainda, ao prestígio social adquirido pela obtenção de um diploma - ainda mais em uma universidade de excelência como a PUC-Rio - ou, nos termos de Bourdieu, na incorporação de capital cultural institucionalizado (JARDIM, 2018).

Compreende, além da dimensão objetiva de ampliação das oportunidades no mercado de trabalho e de melhoria das condições de vida, uma dimensão simbólica significativa, pelo efeito multiplicador que suas trajetórias provocam em suas famílias e comunidades de origem. Isto é, o valor da ação afirmativa para este sujeito, assistente social graduado e/ou pós-graduado pela PUC-Rio, é o de formação integral, não estando circunscrito somente à inserção no mercado de trabalho e à mobilidade social. Cria possibilidades concretas de romper com um ciclo perverso de exclusão.

Cria, sobretudo, um ciclo virtuoso que beneficia a todos e aqui, em especial, destacamos o Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, considerando que o fortalecimento das redes de apoio amplia o contingente de novos estudantes de graduação oriundos das comunidades, movimentos sociais e pré-vestibulares dos alunos egressos e o acesso destes aos cursos de Mestrado e Doutorado, promovendo a democratização da pós-graduação, outrora circunscrita aos estudantes das classes privilegiadas.

Transformam, ainda, as relações sociais há muito constituídas e naturalizadas, no que diz respeito ao corpo docente e discente, ao promover a ampliação da diversidade étnica e cultural, no campus da Universidade e nas instituições nas quais ingressaram como assistentes sociais.

Material suplementario
Referências
CARVALHO, R.; IAMAMOTO, M. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1996.
GOMES, J. B. B. Ação afirmativa e o princípio constitucional da igualdade. O direito como um instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
JARDIM, T. Destinos (im)prováveis: a formação em Serviço Social transformando trajetórias. Rio de Janeiro: Letra Capital: PUC-Rio, Departamento de Serviço Social, 2018.
PUC-RIO. Departamento de Serviço Social (2022). PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO. Disponível em: http://www.ser.puc-rio.br/. Acesso em 27 de abril de 2022.
SALVADOR, A. C. Ação Afirmativa na PUC-Rio: a inserção de alunos pobres e negros. Rio de Janeiro: ED. PUC-Rio, 2011.
Notas
Notas
3 “Personalidade Emblemática” é um termo cunhado por Joaquim Barbosa Gomes em sua obra sobre Políticas de Ação Afirmativa e o princípio constitucional da igualdade, publicada em 2001.
4 Portaria Normativa do MEC nº 13 de 2016 dispõe sobre a adoção de Ações Afirmativas na Pós-Graduação e a Lei Estadual 6.914/2014 compreende o sistema de ingresso nos cursos de Pós-Graduação.
5 Criado, em 1997, o Fundo Emergencial de Solidariedade da PUC-Rio – FESP vem atendendo os estudantes beneficiários das bolsas filantrópicas integrais que encontram dificuldade com os custos referentes a transporte, alimentação, moradia e material, entre outros.
6 Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária.
Notas de autor
1 Doutora, Mestre e graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora e Coordenadora do Curso de Graduação em Serviço Social da PUC-Rio. Professora do Curso de Especialização em Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (CCE/PUC-Rio). Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e integrante da Linha de Pesquisa “Trabalho, Políticas Públicas e Serviço Social”. ORCID 0000-0003-3837-9688.
2 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Integrante da Linha de Pesquisa “Questões Socioambientais, urbanas e formas de resistência social”. Lider do Grupo de Pesquisa cadastrado no Diretório do CNPq – Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas Socioambientais e Comunitários - GRIPES, Bolsista de Produtividade do CNPq e Pesquisadora apoiada pela FAPERJ – Jovem Cientista do Nosso Estado. ORCID ID 0000-0001-7412-0353.
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