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Direitos socioassistenciais e tempo de desospitalização de pacientes em internação domiciliar no Rio de Janeiro
Luciana Vicente da Silva; Vania Reis Girianelli; Jeane Tomazelli
Luciana Vicente da Silva; Vania Reis Girianelli; Jeane Tomazelli
Direitos socioassistenciais e tempo de desospitalização de pacientes em internação domiciliar no Rio de Janeiro
Socio-assistance rights and length of de-hospitalization of patients in home hospitalization in Rio de Janeiro
O Social em Questão, vol. 1, núm. 54, Esp., pp. 307-328, 2022
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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Resumo: Este estudo visa identificar os direitos socioassistenciais obtidos pelos pacientes em internação domiciliar de um hospital público, de 2012 a 2017, e comparar o tempo de desospitalização quanto às características socioeconômicas e clínicas. Foram incluídos 243 pacientes. Nem todos os direitos sociais estavam disponíveis no momento da internação domiciliar. O tempo mediano de desospitalização foi de três dias, atingindo 136 dias; sendo maior quando o cuidador não era da família, o domicílio era inadequado quanto à higiene e/ou não arejado, o diagnóstico do paciente não era câncer ou necessitava utilizar sonda para diurese (p ≤ 0,038).

Palavras-chave: Serviços hospitalares de assistência domiciliar, Direitos do paciente, Direitos humanos, Sistema único de saúde.

Abstract: This study aims identify the social assistance rights obtained by patients in home hospitalization of a public hospital, from 2012 to 2017, and compare the length of de-hospitalization regarding socioeconomic and clinical characteristics. The study included 243 patients. Not all social rights were available at the time of home hospitalization. The median time of de-hospitalization was three days, reaching 136 days; being higher when the caregiver was not from the family, the home was inadequate in terms of hygiene and/or not ventilated, the patient's diagnosis was not cancer or needed to use a tube for diuresis (p ≤ 0.038).

Keywords: Home care services, hospital-based, Patient rights, Human rights, Brazilian unified national health system.

Carátula del artículo

Direitos socioassistenciais e tempo de desospitalização de pacientes em internação domiciliar no Rio de Janeiro

Socio-assistance rights and length of de-hospitalization of patients in home hospitalization in Rio de Janeiro

Luciana Vicente da Silva1
(ENSP)/Fiocruz, Brasil
Vania Reis Girianelli2
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil
Jeane Tomazelli3
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Antigua y Barbuda
O Social em Questão, vol. 1, núm. 54, Esp., pp. 307-328, 2022
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Recepción: 01 Octubre 2021

Aprobación: 01 Marzo 2022

Introdução

A atenção domiciliar à saúde inclui ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação efetuadas no lar do usuário com a participação dos profissionais de saúde, do paciente e dos familiares (BRASIL, 2006a; BRASIL, 2016a). Ela compreende atendimento domiciliar, internação domiciliar e visita domiciliar (LACERDA et al., 2006).

A internação domiciliar é um serviço oferecido pelo hospital aos pacientes internados com indicação de desospitalização. Esse serviço é prestado por profissionais especializados com vínculo na unidade hospitalar. Profissionais da atenção básica da área adscrita de residência do usuário também podem ser inseridos na assistência prestada; pois são incluídas ações de baixa, média e alta complexidade (PAZ; SANTOS, 2003; BRASIL, 2013a).

A internação domiciliar é uma estratégia alinhada à promoção da saúde, tendo em vista que resgata a relação entre saúde e condições de vida. A proposta é superar a abordagem exclusivamente médica e focar no enfrentamento global da saúde, principalmente das doenças crônicas que afetam cada vez mais a população (CZERESNIA, 2003; SILVA et al., 2010).

O local onde o cuidado ocorre também influencia o processo de recuperação do paciente. O hospital contribui para baixa autonomia e alta instabilidade para o paciente, na medida em que precisa seguir regras institucionais com horários rígidos para refeições, banhos e curativos . Já o domicílio, embora não tenha uma equipe de saúde presente o tempo todo, proporciona maior autonomia e a assistência é mais humanizada, pois o paciente mantém o convívio com a família, além de evitar infecções hospitalares e outras complicações .

A desospitalização é indicada para pacientes clinicamente estáveis que necessitam de cuidados de internação, mas que possam ser atendidos em casa pela família e por equipe específica (BRASIL, 2006b). Ela contribui para maior rotatividade dos leitos hospitalares, prevenção de internações desnecessárias ou reinternações, e cuidados paliativos (FEUERWERKER, 2008; SIMÃO; MIOTO, 2016), abordagem que visa oferecer qualidade e bem-estar ao paciente assistido e suporte aos familiares na situação em que o risco de morte associado a doença é eminente (WHO, 2020).

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem critérios para realização da internação domiciliar e credenciamento de hospitais desde o final da década de 1990 (BRASIL, 1998). Na época foram desenvolvidos vários projetos e experiências com características diversas, nos diferentes níveis de atenção e gestão. Os programas que se destacaram foram o de Atenção Domiciliar Terapêutica para Aids e de Atenção aos Idosos (CARVALHO, 2009). A organização e funcionamento dos serviços de assistência domiciliar, no entanto, só foram estabelecidos posteriormente (BRASIL, 2002). Os Serviços de Atenção Domiciliar (SAD), foram definidos e estruturados em 2006 (BRASIL, 2006a;b), mas a regulamentação desses serviços no âmbito do SUS só ocorreu após cinco anos (BRASIL, 2011). Em 2013, a rede de atenção domiciliar foi redefinida (BRASIL, 2013a) e integrada à rede de urgência e emergência (BRASIL, 2013b), sendo estabelecido o valor de incentivo para implantação dos SAD (BRASIL, 2013c). No ano seguinte, o Ministério da Saúde estabeleceu que a habilitação dos SAD passasse a depender de aprovação de projeto apresentado pela instituição (BRASIL, 2014). Em 2016, a atenção domiciliar no SUS foi redefinida e as equipes habilitadas atualizadas (BRASIL, 2016b). Os pacientes que requerem menor frequência e necessidade de intervenções multiprofissionais são acompanhados pelas equipes de atenção básica e apoiadas pelos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, ambulatórios de especialidades e centros de reabilitação. Já os demais são de responsabilidade dos Serviços de Atenção Domiciliar (SAD) dos hospitais credenciados. A internação domiciliar, no entanto, ainda não está plenamente implantada em todos os hospitais públicos.

A indicação de desospitalização, contudo, deve considerar, além das condições clínicas do paciente, a disponibilidade de um responsável para assumir os cuidados, as condições do domicílio para instalação de equipamentos e acolhimento da equipe, e a disponibilidade de recursos humanos e materiais para prestar a assistência domiciliar prevista. Atualmente, a maioria dos adultos trabalha e as famílias não dispõem de condições financeiras para contratação de cuidadores, em particular, os usuários de serviços públicos de saúde (SIMÃO; MIOTO, 2016). Os recursos na saúde também estão escassos e muitos programas têm funcionado de forma precária ou descontinuado.

Os pacientes em internação domiciliar têm direito a tratamento adequado e oportuno (BRASIL, 2009). Quando essas condições não podem ser garantidas no domicílio, a internação hospitalar deverá ser reestabelecida (BRASIL, 2013d). Adicionalmente, esses pacientes têm direito a benefícios previdenciários e de assistência social que auxiliam a manter os cuidados na internação domiciliar entre eles: tarifa social de energia elétrica, fornecimento de medicamentos, equipamentos (aparelhos respiratórios, oxigenoterapia), materiais e insumos, auxílio na alimentação especial, isenção de alguns impostos, prioridade no andamento dos processos judiciais e saque de fundos de assistência ao trabalhador (FGTS, PIS, PASEP).

Apesar da importância dessa modalidade de atenção à saúde, são raros os estudos publicados que abordam a internação domiciliar de pacientes no SUS, e em particular que enfoquem os direitos dos pacientes.

Os objetivos do presente estudo foram identificar os direitos socioassistenciais obtidos pelos pacientes em internação domiciliar atendidos pelo Hospital Federal Cardoso Fontes no período de 2012 a 2017 e comparar o tempo para desospitalização dos pacientes em relação às características socioeconômicas e assistenciais.

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo, de seguimento retrospectivo sobre as características e os direitos obtidos pelos pacientes em internação domiciliar do Hospital Federal Cardoso Fontes, no período de 2012 a 2017.

O Hospital Federal Cardoso Fontes (HFCF) é um serviço público localizado no bairro de Jacarepaguá do município do Rio de Janeiro – RJ. Ele é vinculado ao Ministério da Saúde e presta atendimento de média e alta complexidade, sendo uma das principais referências hospitalares da população da zona Oeste do município do Rio de Janeiro e outros municípios. Possui emergência de porta aberta, que atende pacientes clínicos e cirúrgicos. O HFCF tem programas de residência médica e de enfermagem.

O Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) do HFCF foi implantado em 2011 e passou a ser denominado Serviço de Atenção à Desospitalização (SADES) a partir de 2012. O serviço oferece atendimento assistencial e não emergencial, com equipe multidisciplinar permanente das 07 às 19 horas, de domingo a domingo (incluindo feriados). Os pacientes são encaminhados via parecer profissional e avaliados quanto a inclusão no programa de atenção domiciliar. Frente a um parecer favorável é estabelecido um projeto terapêutico singular (BRASIL, 2013d).

O SADES do HFCF já foi representado em congressos nacionais e internacionais, participa como membro da Câmara Técnica de Desospitalização dos Hospitais e Institutos Federais desde 2015. Também é campo de aprendizado para os residentes de enfermagem, estágio acadêmico extracurricular do serviço social e como serviço que oferece visita técnica para alunos do curso de especialização em Cuidados paliativos da Ensp/Fiocruz. O serviço passou por mudanças em relação aos membros da equipe ao longo do tempo, mas manteve a mesma chefia. Atualmente, conta com os seguintes profissionais: três enfermeiros (incluindo a chefia), dois técnicos de enfermagem, uma assistente social, uma psicóloga, um médico, uma fonoaudióloga, um fisioterapeuta, uma nutricionista, dois administrativos, dois motoristas fixos e um rotativo. Dentre as dificuldades enfrentadas destacam-se a rotatividade de profissionais com diferentes vínculos empregatícios (estatutários, contratos temporários da união e terceirizados), falta de mão de obra (Recursos Humanos), alteração de empresas prestadoras de serviço (licitação para transporte de locomoção da equipe) e questões de violência urbana (conflitos no território).

Neste estudo foram elegíveis os pacientes com indicação de internação domiciliar atendidos no SADES do HFCF, no período entre 2012 e 2017 e que foram desospitalizados.

Os dados foram extraídos das fichas de avaliação do SADES, que são de acesso restrito aos funcionários do setor.

As variáveis analisadas foram relacionadas às características socioeconômicas do paciente e do cuidador: sexo, ciclo de vida (jovem: < 20; adulto: 20-59; e idoso: ≥ 60 anos), renda e situação conjugal, vínculo do cuidador com o paciente (familiar, amigo, contratado), características do domicílio, características clínicas (diagnóstico e presença de lesão) e funcionais dos pacientes (locomoção, micção/diurese, dieta recomendada, alimentação especial e oxigenoterapia), data da indicação de internação domiciliar e a data da desospitalização, evolução (reinternação, óbito e alta) direitos sociais em função da doença (benefícios previdenciários e assistência social) e fornecimento de medicamentos, materiais e insumos.

Para a análise descritiva foram calculadas a mediana das variáveis numéricas e o percentual de cada categoria das variáveis estudadas. O tempo de desospitalização foi calculado considerando o intervalo entre a data da indicação médica de que o paciente é elegível para internação domiciliar e a data da desospitalização. Curvas do tempo de desospitalização foram construídas, estratificando pelas características socioeconômicas e assistenciais. Essa análise foi realizada utilizando o método de Kaplan Meier, estimação não paramétrica do tempo de ocorrência (CARVALHO et al., 2005), e o respectivo teste Log-rank para comparar os estratos, considerando diferenças nos tempos de desospitalização quando o valor de p foi ≤ 0,05.

Os dados foram armazenados no programa Excel, versão 2013, e analisados no programa estatístico R versão 3.6.1.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) (CAAE 94260218.7.0000.5240).

Resultados

No período estudado, 244 pacientes apresentaram indicação de internação domiciliar. Apenas um paciente manteve-se internado no hospital, durante 577 dias até evoluir para o óbito, devido à recusa dos familiares que entraram com processo judicial para garantir uma equipe permanente (home care); sendo excluído da análise. Dos 243 pacientes incluídos no estudo, 54 (22,1%) estavam em acompanhamento pela Atenção Básica de Saúde.

A Tabela 1 apresenta as características socioeconômicas desses pacientes. A maioria era do sexo masculino (52,7%), idoso (74,1%), casado ou vivendo com companheiro(a) (48,6%). Ressalta-se que 10,7% dos pacientes não tinham renda.

Tabela 1 – Características socioeconômicas dos pacientes em internação domiciliar do SADES do HFCF, 2012-2017




Em relação às características clínicas e funcionais dos pacientes, 67,1% tinham diagnóstico de câncer, 45,3% estavam acamados e 65,4% possuíam lesão por pressão ou tumoração. Apesar de uma maior dificuldade para internação e acompanhamento domiciliar, 14,0% pacientes usavam sonda para se alimentar (gastrostomia, nasogástrica ou nasoenteral) e 34,6% para diurese (vesical de demora e cistostomia), 6,6% utilizavam oxigênio e 2,9% alimentação especial (Tabela 2).

A maioria dos pacientes usava medicamentos (97,5%) e dependia do fornecimento de materiais e insumos (98,8%). Adicionalmente, 3,7% dos pacientes não apresentavam domicílios adequados, por falta de limpeza e/ou ventilação, e 7,0% residiam em área de risco. Em função da violência no território, 9,9% dos pacientes tiveram cuidados compartilhados com atenção básica durante a internação domiciliar (dados não apresentados).

Tabela 2 – Características clínicas e funcionais dos pacientes em internação domiciliar do SADES do HFCF, 2012-2017




A maioria dos cuidadores responsáveis pelos pacientes era do sexo feminino (85,2%), familiar (90,9%), casado ou vivia com companheiro(a) (79,1%). Ressalta-se que 35,0% dos cuidadores eram idosos e um tinha 16 anos, mas era o único parente disponível. Além disso, 12 (4,9%) foram contratados pela família para realizar os cuidados com o paciente e dez eram amigos (4,1%) (Tabela 3).

Tabela 3 – Características dos cuidadores responsáveis pelos pacientes em internação domiciliar do SADES do HFCF, 2012-2017




A Tabela 4 apresenta os direitos sociais obtidos pelos pacientes. A maioria tinha isenção do imposto de renda (99,6%), da taxa de incêndio do Corpo de Bombeiros (98,8%) e assegurada à isenção do ICMS para compra de automóveis (84,8%), caso necessitasse adquiri-lo. Dentre os direitos sociais conquistados, 7,0% tinham o Benefício de Prestação Continuada (BPC), 3,7% aposentadoria por invalidez, 2,5% majoração na aposentadoria e 3,7% fizeram o saque do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS). O benefício do vale social foi utilizado por seis pacientes. A maioria dos pacientes, no entanto, não tinha indicação (78,2%) por ser idoso ou estar acamado. Apenas três pacientes tinham tarifa social da light, mas nenhum deles fazia uso de aparelho com demanda excessiva de energia. Muitos pacientes, contudo, não solicitam o benefício devido à burocracia ou existência de irregularidade no consumo. Em contrapartida, 5,3% dos pacientes tiveram que entrar na justiça para garantir os seus direitos, principalmente para fornecimento de medicamento específico e aparelho respiratório.

Dos pacientes avaliados, apenas 9,1% ainda estavam em internação domiciliar em janeiro de 2019. Quanto aos demais, 60,9% evoluíram para óbito, 21,8% tiveram alta e 8,2% reinternaram no hospital devido ao agravamento da doença.

Tabela 4 – Direitos sociais obtidos pelos pacientes em internação domiciliar do SADES do HFCF, 2012-2017




O tempo mediano entre a indicação e a internação domiciliar foi de três dias, variando de horas a 136 dias. O tempo para desospitalização foi maior quando o cuidador não era da família (p = 0,035); o domicílio era inadequado quanto às condições de higiene e/ou não arejado (p = 0,038), ou seja, de hábitos que promovam a saúde e o bem-estar; o diagnóstico do paciente não era câncer (p = 0,003); ou necessitava utilizar sonda para diurese (p = 0,023) (Figura 1). Não houve diferença estatisticamente significativa para as demais variáveis (p ≥ 0,129).

a) Cuidador Familiar




b) Domicílio Adequado




c) Diagnóstico




d) Uso de sonda para diurese


Figura 1
Curvas do tempo para desospitalização em dias estratificadas por características sociais e clínicas selecionadas dos pacientes em internação domiciliar do SADES do HFCF 20122017

Figura 1 - Curvas do tempo para desospitalização em dias estratificadas por características sociais e clínicas selecionadas dos pacientes em internação domiciliar do SADES do HFCF, 2012-2017

Discussão

A internação domiciliar é uma proposição para garantia de uma assistência humanizada, principalmente para os pacientes que necessitam de um longo período de internação. Esta estratégia de atenção vai ao encontro dos esforços institucionais para reduzir custos, aumentar a rotatividade dos leitos e consequentemente ampliar o acesso da população à assistência (PAZ; SANTOS, 2003; SANTOS et al., 2011). Contudo, apesar dessa modalidade de cuidado ter trajetória construída no SUS, na saúde suplementar as decisões acerca do cuidado domiciliar se dão de forma diferenciada, pois não se observa primazia pela garantia da integralidade e humanização (SILVA et al., 2013).

A maioria dos pacientes era oncológico e idoso, características semelhantes aos pacientes em cuidados paliativos na atenção domiciliar no país (ATTY; TOMAZELLI, 2018). Em estudo nacional sobre atenção domiciliar (RAJÃO; MARTINS, 2020), as doenças do aparelho circulatório corresponderam a 28,6% das internações domiciliares, mas o estado do Rio de Janeiro apresentou baixa adesão a esse tipo de assistência (3,5%). Já em estudo realizado em Montes Claros, Minas Gerais (MARTELLI et al., 2011), no entanto, os pacientes com pneumonia foram os mais prevalentes (16,1%) na internação domiciliar.

No cuidado domiciliar é necessário um diagnóstico da realidade do paciente, incluindo suas limitações, possibilidades, rede de apoio (familiar e comunitária), bem como as características do ambiente domiciliar (PAZ; SANTOS, 2003; SANTOS et al., 2011). Nem todos os direitos sociais que os pacientes têm acesso, no entanto, já estão disponíveis no momento da desospitalização, pois eles não são impeditivos para garantir a internação domiciliar. As exigências estão relacionadas ao suporte clínico visando uma alta hospitalar responsável. A orientação quanto aos direitos sociais é fornecida pelos profissionais do serviço social antes e após a desospitalização, bem como durante a internação domiciliar. A família, no entanto, em função das demandas e cuidados com o paciente, geralmente não dispõe de tempo para acessar os seus direitos, que ainda são dificultados pelo requisito de laudos médicos bem específicos e recentes, necessidade de agendamento, além do custo com deslocamento para cumprir as demais exigências. A burocracia dificulta e atrasa o acesso dos pacientes aos seus direitos. Os resultados indicam que os benefícios relacionados às necessidades mais cotidianas (BPC, aposentadoria por invalidez, majoração na aposentadoria, saque do FGTS) foram proporcionalmente menores do que os benefícios de isenção de imposto de Renda, da taxa de incêndio e isenção do ICMS para compra de automóveis.

Apesar do tempo mediano de desospitalização ser baixo, para alguns pacientes esse tempo foi superior a quatro meses. O atraso na desospitalização geralmente é devido as dificuldades da família para dispor de um cuidador responsável e a insegurança dos familiares em relação ao custo, fornecimento e acesso à assistência. Alguns fatores associados ao maior tempo para desospitalização (cuidador não familiar, domicílio inadequado, utilização de sonda para diurese) sugerem avaliação da continuidade da qualidade do cuidado. Por outro lado, seria necessário realizar estudos semelhantes para compreender o menor tempo para desospitalizar pacientes quando o diagnóstico é de câncer.

Em contrapartida, a violência urbana vivenciada no estado do Rio de Janeiro também tem sido um entrave para desospitalização dos pacientes que residem principalmente em áreas conflagradas, podendo contribuir para um maior tempo de desospitalização. Nessa situação, utiliza-se a estratégia de compartilhar os cuidados com a atenção básica de referência do domicílio. Para isto, é necessário adesão e posterior treinamento da equipe da rede básica para garantir o atendimento com qualidade ao paciente em internação domiciliar.

A desospitalização tem sido implantada nos hospitais públicos envolvendo diversos profissionais especializados e em articulação com uma rede de assistência que são regulados pelas Secretarias de Atenção à Saúde. O presente estudo identificou que cerca de 20% dos pacientes já estavam em acompanhamento na Atenção Básica, esse resultado indica uma rede primária operante e que esses pacientes possivelmente demandavam cuidados de menor complexidade (BRASIL, 2013a; ATTY; TOMAZELLI, 2018).

Chama atenção o alto percentual de óbitos (60,9%), no entanto, a maioria dos pacientes era oncológico e estava em cuidado paliativo no domicílio, o que está de acordo com o esperado. Em contrapartida o percentual de reinternação foi relativamente baixo (8,2%), apesar do indicador ser influenciado pela alta proporção de óbito, também pode indicar a qualidade da assistência prestada no domicílio, pelos profissionais e cuidadores, bem como a articulação com a atenção básica.

Aplicar o saber profissional fora do ambiente hospitalar é um desafio, agravado pela dificuldade de acesso, falta de recursos materiais, alta rotatividade de profissionais, violência urbana, entre outros entraves. A desospitalização deve ser conduzida com rigor, responsabilidade e comprometimento; garantindo o acolhimento do paciente, mudança de valores nos cuidados e cuidadores, e principalmente, o acesso a Política de Saúde. O processo de desospitalização com a garantia da integralidade do cuidado ainda possui grandes fragilidades (SILVA et al., 2017). A literatura refere o despreparo e a dificuldade do cuidador para realizar o cuidado, com grande desgaste emocional e físico (SANTOS et al., 2011).

Considerações Finais

O presente estudo constatou que mais de um terço dos cuidadores eram idosos e predominantemente femininos, o que acrescenta a esse membro da família mais uma sobrecarga, dentre as historicamente conhecidas. Cabe destacar que os pacientes com menor condição socioeconômica tendem a ser mais vulneráveis, em função do custo relacionado ao cuidar, das condições desfavoráveis do ambiente domiciliar e a dificuldade dos familiares de compreender a dinâmica do cuidado. Essas questões acabam por influenciar negativamente a qualidade do cuidado e consequentemente a recuperação ou estabilização do paciente, e devem, portanto, ser consideradas nas políticas públicas.

O estudo mostrou as características dos pacientes com indicação de internação domiciliar e a obtenção de seus direitos socioassistenciais, além do perfil de seus cuidadores. Apesar do tempo mediano para desospitalização ser relativamente baixo, identificou-se tempo longo para alguns pacientes. Espera-se que o resultado deste estudo dê maior visibilidade à questão da internação domiciliar no setor público e contribua para que os direitos sociais previstos sejam garantidos.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 Assistente social, com especialização em Direitos Humanos e Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP)/Fiocruz. Atualmente é assistente social do Hospital Federal Cardoso Fontes. Orcid nº 0000-0001-6903-7459. E-mail: lucianvicente@gmail.com
2 Psicóloga, com pós-doutorado em Epidemiologia pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisadora e docente do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (DIHS) e do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Orcid nº 0000-0002-8690-9893. E-mail: vaniagirianelli@yahoo.com.br
3 Psicóloga, com especialização em neuropsicologia clínica, doutorado em Saúde Coletiva e pós-doutorado em Epidemiologia pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente trabalha na Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede da Coordenação Geral de Prevenção e Vigilância e como Pesquisadora e Docente do Curso de Mestrado Profissional de Controle do Câncer do Instituto Nacional de Câncer (INCA)/Ministério da Saúde. Orcid nº0000-0002-2472-3444. E-mail:jtomazelli@gmail.com.
Notas de autor
1 Assistente social, com especialização em Direitos Humanos e Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP)/Fiocruz. Atualmente é assistente social do Hospital Federal Cardoso Fontes. Orcid nº 0000-0001-6903-7459. E-mail: lucianvicente@gmail.com
2 Psicóloga, com pós-doutorado em Epidemiologia pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisadora e docente do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (DIHS) e do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Orcid nº 0000-0002-8690-9893. E-mail: vaniagirianelli@yahoo.com.br
3 Psicóloga, com especialização em neuropsicologia clínica, doutorado em Saúde Coletiva e pós-doutorado em Epidemiologia pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente trabalha na Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede da Coordenação Geral de Prevenção e Vigilância e como Pesquisadora e Docente do Curso de Mestrado Profissional de Controle do Câncer do Instituto Nacional de Câncer (INCA)/Ministério da Saúde. Orcid nº0000-0002-2472-3444. E-mail:jtomazelli@gmail.com.






















Figura 1
Curvas do tempo para desospitalização em dias estratificadas por características sociais e clínicas selecionadas dos pacientes em internação domiciliar do SADES do HFCF 20122017
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