Sessão Livre

Desafios da regularização fundiária urbana no contexto da Lei Federal nº13.465/2017

Challenges of urban land regularisation within the context of Federal Law 13465/2017

Edésio Fernandes 1
DPU Associates, Brasil

Desafios da regularização fundiária urbana no contexto da Lei Federal nº13.465/2017

O Social em Questão, vol. 1, núm. 55, pp. 241-260, 2023

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Recepción: 01 Septiembre 2022

Aprobación: 01 Octubre 2022

Resumo: A aprovação da Lei Federal n.º 13.465 em 2017 contribuiu para uma significativa mudança paradigmática quanto ao tratamento da questão da regularização fundiária urbana no Brasil – indo contra o marco conceitual e jurídico mais amplo construído no país desde o final da década de 1970, e ignorando as muitas lições da experiência internacional sobre o tema. Neste artigo me proponho a recuperar a trajetória dessa discussão no Brasil, assim como a organizar o que já se sabe como resultado de décadas de reflexão e ação sobre a questão no contexto internacional.

Palavras-chave: Informalidade urbana, Regularização fundiária urbana, Direito à moradia, Titulação.

Abstract: The enactment of Federal law 13465 in 2017 has contributed towards a significant paradigmatic change regarding the treatment of the matter of urban land regularisation in Brazil – going against the broader conceptual and legal framework constructed in the country since the late 1970s and ignoring the many lessons from the international experience on the matter. In this article I aim to recapitulate the course of this discussion in Brazil, as well as organising what is already known as a result of decades of reflection and action on that matter in the international context.

Keywords: Urban informality, Urban land regularisation, Housing right, Titling.

Introdução

A aprovação da Lei Federal n.º 13.465 em 2017 contribuiu para uma significativa mudança paradigmática quanto ao tratamento da questão da regularização fundiária urbana no Brasil – indo contra o marco conceitual e jurídico mais amplo construído no país desde o final da década de 1970, e ignorando as muitas lições da experiência internacional sobre o tema. Neste artigo me proponho a recuperar a trajetória dessa discussão no Brasil, assim como a organizar o que já se sabe como resultado de décadas de reflexão e ação sobre a questão no contexto internacional2.

Esse processo antigo é intrinsecamente complexo e altamente disputado - e tudo está aberto a interpretações de todo tipo, da própria noção de informalidade à natureza dos programas de regularização. São incontáveis os debates conceituais, filosóficos, políticos, ideológicos, econômicos, urbanísticos e jurídicos sobre a questão. Afinal, estamos falando exatamente de quê? Da informalidade urbanística, da informalidade jurídica, ou de ambas? Das questões fundiárias apenas, ou também das questões construtivas, registrais e tributárias? Das questões urbanísticas e ambientais? Por que chamar de “informal” o que na realidade em muitos contextos é a prática dominante? Por que limitar o debate às práticas que envolvem os grupos socioeconômicos mais pobres, ignorando as diversas formas de violação da ordem jurídica pelos grupos mais privilegiados – e pelo Estado? Estamos falando apenas das “favelas”, ou também dos “loteamentos irregulares”, dos “loteamentos clandestinos”, das “casas de frente-e-fundo”, dos conjuntos habitacionais sem alvará e sem registro, dos cortiços, aluguéis informais e outras formas de moradia precária? E por aí... o debate não tem limites.

Dependendo da maneira como a questão da informalidade é definida, as propostas de políticas públicas e programas de regularização variam enormemente. Da mesma forma, essa definição vai implicar em medições do fenômeno que com frequência são altamente divergentes. De fato, ninguém pode afirmar com certeza quantas pessoas vivem em assentamentos informais no Brasil e, nem tampouco, quantos assentamentos existem. Tudo depende da definição adotada. Trata-se de um campo de pesquisa e ação essencialmente indefinido.

De qualquer forma, em que pesem seus limites, desde 1979 uma ampla ordem jurídico-urbanística tem sido construída no Brasil sobre a questão da regularização fundiária de assentamentos consolidados em áreas urbanas, a qual tem sido traduzida em políticas públicas e programas de ação em todas as esferas governamentais, especialmente na esfera municipal, geralmente como parte integrante da agenda da chamada “reforma urbana”. No entanto, como será discutido adiante, dados de diversas fontes3 têm indicado que, no Brasil como em outros tantos países, o acesso informal ao solo e à moradia nas cidades tem crescido através de velhos e novos processos nas últimas décadas, agora com um significativo avanço do aluguel informal. Imobilizadas e incapazes de agir, sem terem políticas habitacionais minimamente adequadas, de modo geral as autoridades públicas – especialmente as municipais – seguem tolerando o fenômeno da informalidade de maneira quase que absoluta, somente reagindo através de medidas de remoções em casos estratégicos para os interesses dos proprietários, do mercado imobiliário e da própria administração pública e/ou agindo através de algumas tentativas de regularização fundiária de assentamentos consolidados – que ainda são poucas, se considerada a grande escala da questão.

Em muitos contextos, as taxas de crescimento da informalidade urbana têm sido maiores do que as taxas de crescimento urbano, bem como do que as taxas de crescimento da pobreza social. Com a tendência de consolidação, adensamento e verticalização das áreas informais já existentes e dada a periferização da nova produção informal, e considerada também a maior dificuldade de ocupação das terras privadas sem contestação jurídica, por toda parte tem havido uma ocupação crescente de terras públicas e áreas ambientais, áreas de risco, fundos de vale e topos de morros. Pode-se dizer que existe no Brasil hoje uma aceitação social generalizada da necessidade de urbanização desses assentamentos consolidados, com implementação de infraestrutura, equipamentos e serviços, além de melhoramento habitacional, obras viárias e criação de espaços públicos. Contudo, há certamente menos unanimidade – e por conseguinte maior resistência de diversas ordens - quanto à sua legalização.

Quando existe, na falta de outras opções adequadas de acesso à moradia a regularização de assentamentos consolidados se tornou a principal política habitacional em muitos municípios – e com frequência tem gerado mais problemas do que soluções, já que tem provocado novas distorções nos mercados imobiliários formal e informal4.

Na falta de políticas preventivas que ampliem as condições de acesso formal ao solo e à moradia nas cidades, as administrações públicas estão sempre correndo atrás da realidade consolidada tipicamente com políticas de regularização setoriais que são totalmente dissociadas das políticas fundiárias, urbanas, habitacionais, de transporte, ambientais e orçamentárias. Se a natureza remedial/curativa da regularização ainda não foi compreendida pelos gestores públicos, dadas a extensão e as implicações diversas do fenômeno “Não regularizar” esses assentamentos não é mais uma opção válida para tais gestores – em que pese a visão de setores que acham que toda e qualquer forma de intervenção do poder público é prejudicial aos interesses dos moradores dos assentamentos.

O debate – e a disputa –, então, deve se dar em torno da questão “Como regularizar?” Nesse contexto, há internacionalmente uma disputa entre dois paradigmas principais distintos, ambos criados na América do Sul, quais sejam: as experiências do Peru e Brasil.

O paradigma peruano

O paradigma peruano, amplamente inspirado nas ideias do economista Hernando de Soto (SOTO, 1986 e SOTO, 2001), coloca ênfase quase que absoluta na titulação/legalização/formalização dos assentamentos, especialmente através da distribuição de títulos de propriedade individual plena. Já analisei esse caso em detalhes em outras publicações (FERNANDES, 2002, FERNANDES, 2006, e FERNANDES, 2011), mas para fins desta reflexão basta dizer que no Peru tem havido principalmente a legalização - e a consequente privatização – da terra pública ocupada, através de um amplo programa governamental centralizado e promovido em grande escala. Contudo, hoje já se sabe que as promessas que originalmente justificavam a ação governamental – basicamente no sentido de que a titulação individual levaria a maior acesso a crédito, melhoramento habitacional e erradicação da pobreza – não foram cumpridas. Se a titulação massiva certamente levou à promoção de maior segurança jurídica da posse para os moradores dos assentamentos – fator esse que não pode de forma alguma ser subestimado –, por outro lado também não se pode mais ignorar que a política legalista peruana tem tido uma série de implicações negativas não previstas originalmente: preços mais altos dos terrenos, mais ocupações, baixa qualidade urbanístico-ambiental dos assentamentos, novas distorções das relações de gênero etc5.

Em diversos países, programas de regularização inspirados na experiência peruana têm levado à chamada “expulsão pelo mercado” dos moradores tradicionais – aqueles que, sob pressão do mercado imobiliário especialmente nas áreas mais centrais das cidades, acabam por vender seus imóveis e com frequência não têm condições de se estabelecer em áreas igualmente bem localizadas. Se esse tipo de política de titulação exclusiva tende a ser mais barata do que outras formas mais articuladas de intervenção governamental, trata-se de mais um caso do “barato que sai caro”: o Peru teve um dos índices mundiais mais altos de infecção e mortalidade na pandemia recente exatamente porque, mesmo com títulos nas mãos, mas na falta de infraestrutura urbana e de serviços adequados, os moradores dos assentamentos tiveram de se expor a riscos diários nos precários mercados populares. A política de regularização peruana custou caro para seus cidadãos.

O paradigma peruano dominou internacionalmente nos anos 1990 e 2000, tendo sido inicialmente adotado por entidades influentes como UN-Habitat, World Bank e Inter-American Development Bank. Com a devida avaliação empírica dos seus impactos negativos em diversos países, contudo, na última década as ideias de Hernando de Soto perderam muito de seu apelo internacionalmente.

A construção da “Fórmula Brasileira”

No entanto, essas ideias não entraram no Brasil até recentemente, dada a prevalência no país de um outro paradigma multidimensional, chamado de “Fórmula Brasileira” por muitos analistas (HUCHZERMEYER, 2004; HUCHZERMEYER e KARAM, 2006, e PAYNE 2002) e que propunha a articulação da titulação das áreas, lotes e construções com uma série de medidas urbanísticas, socioambientais e jurídicas que permitissem um tratamento mais amplo e sustentável da questão.

Esse paradigma brasileiro começou a ser construído em 1979 com a introdução na importante Lei Federal n.º 6.766 de um capítulo específico sobre a regularização de loteamentos irregulares, bem como da noção vaga de “urbanização específica” que permitia o tratamento diferenciado de certas áreas. Foi essa noção que possibilitou a aprovação em 1983 inicialmente do Pro-Favela de Belo Horizonte e logo em seguida do PREZEIS do Recife, dois programas municipais pioneiros e influentes. Nos dois casos, foi proposta a demarcação, nos mapas dos planos urbanísticos, das áreas correspondentes aos assentamentos já existentes naquelas cidades, hoje chamadas de Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS ou Áreas Especiais de Interesse Social - AEIS, as quais deveriam ser submetidas a regulação urbanística específica e a processos de gestão democrática participativa, além de receber ações governamentais variadas para implementação de urbanização, infraestrutura, equipamentos e serviços. Naquele momento, surgiu uma divergência importante – que ainda não foi devidamente equacionada no país e que está na base da mudança paradigmática atual - quanto à natureza jurídica da titulação e dos direitos a serem reconhecidos aos moradores: tratava-se de uma questão de direito de propriedade, ou de uma questão de direito de moradia na qual a propriedade era apenas uma das possibilidades – mas não a única, e com frequência não a melhor? Belo Horizonte optou pelo reconhecimento de títulos individuais de propriedade plena – em que pese o fato de que a maioria dos assentamentos na cidade ocupava terrenos privados - fator esse que, dadas suas implicações financeiras, certamente determinou a escala limitada da legalização naquela cidade até hoje. Já Recife recorreu ao então pouco reconhecido Decreto-Lei n.º 271/1967 para distinguir entre assentamentos em terras públicas e aqueles em terras privadas: no primeiro caso seriam reconhecidos títulos de concessão de direito real de uso aos ocupantes, e no segundo caso seriam propostas ações judiciais de usucapião para que seus direitos fossem reconhecidos. Nos dois municípios, contudo, tratava-se da regularização como política discricionária, já que os ocupantes não tinham direitos próprios claramente reconhecidos pela ordem jurídica.

A Constituição Federal de 1988 avançou significativamente no tratamento da regularização fundiária, no sentido de que, ao mesmo tempo em que reconheceu a função socioambiental da propriedade, as funções sociais da cidade e o papel central do governo municipal, o texto constitucional também reconheceu o “direito à regularização” com a introdução do Usucapião Especial Urbano e da Concessão de Direito Real de Uso – novamente distinguindo entre terras privadas e terras públicas. A Emenda Constitucional de 2000 reconheceu o direito de moradia como direito social, e o celebrado Estatuto da Cidade – Lei Federal N.º 10.257/2001 – confirmou a “Fórmula Brasileira”, tratando da regularização como direito subjetivo dos ocupantes no caso de assentamentos consolidados e como política discricionária do poder público nos demais casos, além de reconhecer, através da Medida Provisória n.º 2.220/2001, o Usucapião (Individual/Plúrrimo/Coletivo) e a Concessão e Uso Espacial para Fins de Moradia - CUEM (Individual/Coletiva).

A questão da regularização fundiária passou a ser tratada no contexto mais amplo de uma nova ordem jurídico-urbanística que articulava diversos princípios: função socioambiental da propriedade e da cidade; direito à cidades sustentáveis; direito de moradia; gestão democrática da cidade; distribuição dos ônus e benefícios da urbanização; recuperação pelo poder público das chamadas mais-valias urbanísticas; urbanismo como função pública; e o reconhecimento da autonomia do Direito Urbanístico com uma outra constitucionalização do tratamento do direito da propriedade e o reconhecimento de uma ordem pública maior do que ordem estatal. De forma inequívoca, a regularização fundiária foi tratada como uma dimensão do direito social de moradia e como um dos pilares da agenda da reforma urbana no país.

Nesse contexto, na década de 1990 muitos programas municipais de regularização foram promovidos em diversas partes do Brasil, sendo que, embora esse paradigma mais amplo e multidimensional fosse nominalmente reconhecido, na prática, na enorme maioria dos casos, a dimensão da “urbanização” dos assentamentos teve muito mais destaque do que a dimensão de sua “legalização”. De fato, em que pese a dificuldade de obtenção e organização de dados especialmente dada a fragmentação do tratamento da questão que resulta da maior autonomia municipal no país, pode-se afirmar que – em face da enorme escala da questão – relativamente poucos títulos foram conferidos aos ocupantes dos assentamentos ao longo de todos esses anos, em boa parte devido à falta de uma ordem jurídica federal mais detalhada que removesse os muitos empecilhos criados pela ordem jurídica e pelo sistema judicial e cartorário do país.

Com a criação do Ministério das Cidades em 2003, no âmbito da Secretaria Nacional de Programas Urbanos foi aprovado o “Programa Nacional de Apoio à Regularização Sustentável em Áreas Urbanas – Papel Passado”, que visava criar várias formas de apoio e suporte jurídico, técnico, institucional e financeiro que dessem condições para a ação dos governos municipais, encorajando o enfoque combinado de regularização fundiária e reconhecendo a função social da terra pública federal. Dados os poucos recursos orçamentários disponíveis e marcado por contradições político-institucionais – por exemplo, a manutenção por outra Secretaria no mesmo Ministério do programa HBB do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que era baseado em outras premissas -, esse programa nacional teve alcance limitado e pouca ênfase foi colocada na legalização dos assentamentos, inclusive aqueles em terras da União (FERNANDES, 2006 e SILVA e DIOGO, 2015).

De qualquer forma, diversas leis federais foram aprovadas na década de 2000 para facilitar a regularização – e a legalização - dos assentamentos informais:

• Lei Federal n.º 10.9931/2004 - gratuidade do registro da regularização

• Lei Federal n.º 11.124/2005 – criação do FNHIS – Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social

• Lei Federal no. 11.481/2007 – transferência de terrenos pela União para que Municípios regularizem ocupação

• Lei Federal no. 11.888/2008 – direito de assistência técnica gratuita

• Lei Federal no. 11.952/2009 – regularização fundiária na Amazônia Legal

• Lei Federal no. 11.977/2009 – importante lei que, além de criar o programa Minha Casa Minha Vida, buscou no Projeto de Lei 3.057/2000 – chamado de “Lei de Responsabilidade Territorial” – diversos instrumentos e mecanismos para a regularização de assentamentos informais consolidados.

Algumas experiências variadas foram promovidas fora dessa “Fórmula”, como, por exemplo, alguns programas estaduais e municipais de legalização de loteamentos irregulares e uma tentativa no Rio de Janeiro de promover a legalização de favelas no caso do “Projeto Cantagalo”. São, contudo, poucas ações e de pouca escala – mesmo porque, de maneira geral, diferentemente do que acontecia nos anos 1970 e 1980, mais seguros de suas posses dado o clima político mais democrático, há pouca demanda social da parte dos moradores de assentamentos pelo reconhecimento de títulos. Nas palavras precisas de Rafael Soares Goncalves:

“A regularização fundiária revela-se uma operação complexa que atinge diferentes atores urbanos. Diante da descentralização administrativa, proposta pela Constituição de 1988 e, ao menos, até a criação do Ministério das Cidades pelo governo Lula em 2003, a esfera municipal exerceu um papel central e muitas vezes solitário em prol da regularização fundiária. A própria ausência de interesse de tantos favelados pela legalização do solo contribuiu evidentemente para o fracasso desses projetos. Ora, o fim das políticas de remoções assegurou uma certa segurança da posse, o que fez diminuir, em muitas favelas, as reivindicações sociais pela regularização do solo. Essa segurança pode, no entanto, revelar-se enganosa, como observamos na retomada atual do discurso, anacrônico, a favor da remoção das favelas. O impacto do aumento da violência sobre as atividades imobiliárias nos arredores das favelas, aliado à profusão de argumentos ecológicos sobre as ameaças causadas por elas à natureza, tem servido para justificar as críticas atuais às políticas de urbanização de favelas. Nesse contexto, a regularização fundiária deve ser compreendida não somente como um meio de suprimir o status fundiário ilegal dos espaços favelados, mas sobretudo como um meio de garantir a inclusão socioespacial das populações faveladas no tecido urbano” (GONÇALVES, 2009: 243)

Parece que muitos preferem viver na situação ambígua em que, embora não tenham títulos, mantêm uma ampla “liberdade urbanística”, pagam menos tributos e não arcam com muitos custos da formalização de suas relações fundiárias. Trata-se, contudo, de uma percepção falsa de segurança da posse que decorre de um pacto sociopolítico que por sua vez resulta de um conjunto de fatores que podem mudar rapidamente – como de fato já mudaram em diversos casos, notadamente no caso das remoções de favelas consolidadas no Rio de Janeiro durante a preparação para os Jogos Olímpicos naquela cidade (AZEVEDO E FAULHABER, 2016).

Nesses casos e outros, na falta de títulos muitos moradores removidos somente receberam indenização por seus pertences e benfeitorias – e não pela terra que ocupavam6. Os casos de remoções têm se multiplicado no país, inclusive durante a pandemia. A titulação continua sendo condição essencial para promoção de segurança jurídica da posse: a questão é como promovê-la de maneira articulada com os objetivos de promoção de integração socioespacial das áreas e de permanência das comunidades.

A mudança de paradigma em curso

Em que pesem seus muitos limites e problemas, o paradigma da regularização sustentável como princípio integrante da “reforma urbana” continuou dominante no país. Essa situação tem mudado rapidamente nos últimos anos, com o avanço de uma outra agenda política que, ao invés de propor a promoção de inclusão social e integração espacial, tem colocado maior ênfase na “liberdade econômica” e nos direitos e interesses individuais, repetindo as mesmas promessas desacreditadas do caso peruano sem absorver as muitas críticas já feitas internacionalmente. De fato, se a experiência brasileira da regularização fundiária sempre foi deficiente, tenho me preocupado ainda mais com o rumo que a questão tem ganhado no país especialmente com a aprovação da Lei Federal 13.465/2017.

Antes de 2017, de modo geral havia certamente no país pelo menos uma tentativa de articular urbanização e (pouca) legalização, propondo a promoção ao mesmo tempo de segurança individual da posse para os moradores e a integração socioespacial das áreas e comunidades. No tocante à legalização, a ênfase maior foi colocada no direito de moradia – e não no direito individual de propriedade -, com destaque para a concessão em terras públicas e para a usucapião em terras privadas. Havia também pelo menos uma tentativa de, especialmente através da demarcação e regulamentação das ZEIS, garantir a permanência das comunidades nas áreas urbanizadas e providas de serviços e infraestrutura através de ações governamentais caríssimas. Como mencionado, a regularização municipal assim concebida pode ser mais cara, mas pode se tornar no todo mais sustentável. Novas estratégias jurídico-políticas estavam sendo pensadas em diversos municípios, sempre reconhecendo a necessidade de novos mecanismos financeiros, cadastrais e registrais. A “Fórmula Brasileira” era: ZEIS + normas urbanísticas + gestão democrática + novos instrumentos jurídicos + políticas sociais.

As mudanças político-ideológicas no país - que começaram ainda no Governo Dilma Rousseff e ganharam fôlego nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro – têm rompido aos poucos com aquela “Fórmula”: o avanço do neoliberalismo econômico, político e jurídico tem requerido o desmonte sistemático da ordem jurídico-urbanístico-ambiental duramente construída. A mencionada Lei da Amazônia Legal de 2009 já apontava outros caminhos para a legalização das terras públicas ocupadas em áreas urbanas, e a Medida Provisória n.º 759/2016 tratou da regularização fundiária rural e urbana com base em outros princípios distintos daquelas da “Fórmula Brasileira”, tendo posteriormente se convertido na Lei Federal n.º 13.465/2017. Na sequência dessa lei, o movimento de mudança paradigmática continuou com a apresentação da PEC no. 80/2019 – que praticamente abole a noção constitucional da função social da propriedade, pilar do Direito Urbanístico - e a Lei Federal n.º 13.875/2019 – que aprovou a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, princípio constitucional que nunca foi devidamente articulado com os princípios da reforma urbana. Medidas Provisórias e propostas diversas sobre a Amazônia, licenciamento urbanístico-ambiental, Habite-se etc. têm consolidado essa mudança, culminando com a aprovação do Programa Casa Verde e Amarela em 2021 e a promoção legalista da propriedade individual sem maiores considerações de outras naturezas.

No campo da regularização fundiária, é inconteste o avanço rápido dessa outra agenda que, ao invés de propor a promoção de reforma urbana e inclusão socioespacial, tem colocado maior ênfase na “liberdade econômica”. Basta acompanhar o muito bem-sucedido "Observatório da Regularização Fundiária" que coordeno com a colega Rosane Tierno no Facebook para monitorar a aplicação dessa lei, hoje com mais de 3.500 membros de todo o país, para verificar que, impulsionado pela nova lei, está claramente acontecendo por todo o Brasil um processo muito impressionante e crescente de regularização fundiária - de vários tipos, em várias esferas, com vários objetivos. Ainda que não se possa organizar esse fenômeno em números, parece-me que se trata de algo único na história das políticas urbanas no país sobre o tema da regularização fundiária de assentamentos informais consolidados. Municípios, Estados e União; Ministério Público e Defensoria Pública; Cartórios e Escritórios de Advocacia; Universidades, Movimentos Sociais, Associações de Moradores: muitos têm sido os atores envolvidos nesses processos de diversas maneiras.

Contudo, também me parece que, de modo geral, tem prevalecido uma leitura mais legalista e tradicional da questão da regularização fundiária, com muito mais ênfase em aspectos jurídicos e cartorários do que era o caso do paradigma mais amplo e articulado que marcou o tratamento da questão no país até então - e revelando assim outra visão, para mim mais limitada, da questão. Em muitos casos, chega até a ser uma visão da “legalização como mero negócio,” e não como política pública, gerando mesmo as bases de uma “indústria” da legalização – e favorecendo quase que exclusivamente as soluções individuais. Também cabe notar que muitos dos argumentos que têm sido utilizados para justificar essas iniciativas são questionáveis: a propriedade como direito natural, a titulação como direito humano, a propriedade como garantia de acesso a crédito, garantia de permanência no lugar etc.: o fato é que a experiência histórica internacional já nos mostrou que não podemos tomar nada disso por garantido, e que devemos sempre problematizar a questão.

Por um lado, esse novo movimento parece indicar que, no âmbito mais amplo da questão da regularização de assentamentos informais, a dimensão da legalização dos assentamentos sempre foi historicamente maltratada no Brasil - a dimensão da urbanização tendo certamente tido muito mais destaque –, o que gerou uma "demanda represada" que é legítima e que deve ser reconhecida e estimulada, e não apenas por razões jurídicas ou políticas, mas também por razões humanitárias, sociais e econômicas. Já tinha passado da hora de se enfrentar com seriedade – e na devida escala – a questão da legalização dos assentamentos informais consolidados. É mesmo um absurdo constatar que assentamentos consolidados há muitas décadas até hoje não foram plenamente legalizados e seus ocupantes não têm direitos próprios plenamente reconhecidos, dada a tradição de naturalização, invisibilização e repressão.

Não há como ficar indiferente ao fato de que “Só 1% dos imóveis em favelas do Rio têm título de propriedade entregue pela prefeitura”!7 Mesmo reconhecendo os fortes interesses de diversos agentes na titulação de áreas estratégicas para o mercado imobiliário – com a expectativa de que seus moradores vendam suas casas e transfiram seus títulos, assim permitindo a gentrificação dos lugares –, não se trata jamais de negar os direitos dos ocupantes, mas sim de pensar quais seriam as estratégias jurídico-urbanísticas que podem promover a permanência das pessoas e comunidades nas áreas regularizadas. Como garantir que os beneficiários finais dos programas de regularização sejam os moradores e comunidades originais? Eis uma questão difícil que nunca foi devidamente respondida. Mesmo com todas as limitações na sua criação e regulamentação, as ZEIS – saudadas por muitos analistas internacionais como a grande criação do urbanismo brasileiro - cumprem um papel fundamental nesse sentido.

Com foco exclusivo nos assentamentos informais dos grupos sociais mais pobres, a experiência brasileira da regularização fundiária em áreas urbanas nunca tinha enfrentado de maneira sistemática a realidade dos assentamentos irregulares ocupados por outros grupos socioeconômicos, como é o caso de diversas formas de “condomínios fechados”/”condomínios urbanísticos”: ao tratar da “regularização de interesse específico”, e mesmo sem entrar em maiores considerações sobre a maneira como isso foi proposto, é inegável que a Lei Federal n.º 13.465 abriu um debate importante e necessário.

Por outro lado, tem sido lamentável ver como em muitas das experiências em curso as outras dimensões da regularização como política pública, tais como a urbanização, a regulamentação das ZEIS, a preservação ambiental e os programas socioeconômicos de geração de emprego e renda - aquelas dimensões que podem torná-la sustentável - estão se perdendo rapidamente. Da mesma forma, a ênfase quase que absoluta na legalização não tem aberto espaço suficiente para a afirmação de políticas preventivas que garantam a democratização do acesso ao solo urbano e à moradia nas cidades – de forma a pelo menos minimizar os processos informais, que continuam crescendo. Além disso, a ênfase quase que exclusiva em títulos individuais de propriedade plena também tem inviabilizado um debate necessário sobre outras formas jurídicas de titulação e reconhecimento da segurança jurídica dos ocupantes – posse, títulos coletivos, aluguel, cooperativas, Community Land Trusts/Termos Territoriais Coletivos etc8.

Mais do que nunca, necessitamos da promoção de uma reflexão mais equilibrada entre o jurídico, o urbanístico e o socioambiental, sobre a aplicação da Lei Federal n.º 13.465/2017 e sobre o conceito mais amplo de regularização. Ao contrário do que muitos parecem acreditar, a Lei Federal n.º 13.465/17 não revogou o Estatuto da Cidade!

O marco da governança da terra urbana

Com o avanço dos processos de produção informal do espaço urbano, os programas de regularização certamente trazem grandes benefícios para os moradores, mas já ficou claro que temos de repensar a questão crítica e profundamente. A falta de capacidade de ação institucional tem certamente sido um grande problema, requerendo maior articulação intergovernamental, envolvimento dos diversos setores tradicionais e novos atores como cooperativas e associações, assim como ação comunitária com apoio técnico e jurídico. O desafio da continuidade dos programas continua sendo enorme, na falta de políticas de estado. A falta de envolvimento amplo e sistemático das comunidades tem limitado a eficácia dos programas de regularização.

Contudo, mais grave ainda é a natureza intrinsecamente excludente do marco de governança da terra urbana dominante em todos os níveis governamentais, especialmente nos municípios. Enfrentar e intervir diretamente na estrutura fundiária é crucial. Não podemos mais aceitar o modelo perverso dominante que historicamente tem gerado um gigantesco déficit habitacional e um número astronômico de moradias precárias ao mesmo tempo em que um número igualmente enorme de terras e edificações privadas e publicas são mantidas vazias ou subutilizadas9.

A principal lição da pandemia foi de que necessitamos urgentemente de recuperar a noção do planejamento territorial inclusivo – na qual a regularização fundiária é apenas uma parte - como dimensão crucial de um novo marco – justo, eficiente, democrático, sustentável - de governança da terra urbana. Afirmar as funções socioambientais da propriedade e o valor social da terra e da cidade; criar as condições de gestão democrática da cidade - a participação popular sendo critério para a validade jurídica das leis e das políticas, assim como dos planos, programas e projetos; estabelecer o princípio da responsabilidade territorial do estado e consequentes direitos coletivos dos cidadãos, essas são as condições para abraçar plenamente a agenda da reforma urbana e construir o Direito à Cidade.

A interpretação restritiva que tem sido dada ao tratamento da questão da regularização fundiária na esteira da aprovação da Lei Federal n.º 13.465/2017 não pode ser aceita sem questionamentos. Essa lei não existe em um vácuo jurídico e tem necessariamente de ser articulada com os princípios internacionais e constitucionais, bem como com o Estatuto da Cidade e outras leis urbanísticas, ambientais e sociais.

Não há soluções individuais para problemas coletivos…

Referências

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Silva, Marcelo Lessa da; Caldas, Diogo Oliveira Muniz. Programa Papel Passado: Apoio às Regularizações Fundiárias? Revista de Direitos Sociais e Políticas Públicas, v.1, nº1, 2015.

Notas

1 Jurista e Urbanista, Mestre e Doutor em Direito, Professor, Consultor; membro da DPU Associates, do Lincoln Institute of Land Policy e da RSA – Royal Society for Arts, Manufactures and Commerce, E-mail: edesiofernandes1@gmail.com, nº Orcid: 0000-0002-9421-7854.
2 Trabalho há mais de 40 anos com o tema da regularização fundiária de assentamentos consolidados no Brasil e em diversos outros países, tendo participado das primeiras discussões sobre a então recém-aprovada Lei Federal no. 6.766/1979 que lançou as bases iniciais da ordem jurídica aplicável. Também participei diretamente da elaboração da lei municipal que aprovou o “Pro-Favela” de Belo Horizonte em 1983 criando o conceito pioneiro de “Setor Especial - SE” - que foi posteriormente tratado como “Zona Especial de Interesse Social - ZEIS” ou “Área Especial de Interesse Social – AEIS” - e que ampliou as bases do paradigma jurídico-urbanístico dominante para as políticas e programas de regularização no país, tido por muitos analistas como a “Fórmula Brasileira”. Sigo trabalhando com o tema internacional e nacionalmente através das diversas entidades de que participo – IRGLUS – International Research Group on Law and Urban Space, LILP – Lincoln Institute of Land Policy, IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbansitico, em trabalhos de consultoria e por meio da pesquisa acadêmica. Em 2003, na condição de Diretor de Assuntos Fundiários do recém-criado Ministério das Cidades, coordenei a formulação do “Programa Nacional de Apoio à Regularização Fundiária Sustentável - Papel Passado”. Tenho escrito e publicado extensivamente sobre a questão, além de participar de Cursos Virtuais de Capacitação/Debates que tem envolvido milhares de pessoas de diversas profissões e afiliações institucionais em todo o país. Muitas das principais lições desse longo aprendizado foram reunidas nesta publicação, na qual trato com mais detalhes vários dos temas mencionados neste artigo: https://www.lincolninst.edu/publications/policy-focus-reports/regularizacao-assentamentos-informais-na-america-latina?fbclid=IwAR0uAGBpiAjJE6Gl4yYGWVAkY7eg8Z7yhn1rzLianAOKqRej6sUP2WIvT4M (acesso em setembro de 2022)
3 Uma das fontes mais utilizadas é certamente o importante “Relatório Déficit e Inadequação Habitacional no Brasil” da Fundação João Pinheiro, mas que certamente não cobre todas as dimensões de informalidade mencionadas: https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/habitacao/ (acesso setembro de 2022). Da mesma forma, os números do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística não cobrem o fenômeno da informalidade em toda a sua extensão: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/tipologias-do-territorio/15788-aglomerados-subnormais.html?=&t=acesso-ao-produto (acesso setembro de 2022).
4 Ver, por exemplo, Abramo, Pedro, Mercado Informal de Solo e Estrutura Urbana, 2016 in https://www.lincolninst.edu/es/publications/multimedia/mercado-informal-solo-e estrutura-urbana (acesso setembro de 2022).
5 Sobre esse paradigma, ver referências o Policy Focus Report que escrevi para o Lincoln Institute of Land Policy: https://www.lincolninst.edu/publications/policy-focus-reports/regularizacao-assentamentos-informais-na-america-latina?fbclid=IwAR0uAGBpiAjJE6Gl4yYGWVAkY7eg8Z7yhn1rzLianAOKqRej6sUP2WIvT4M (acesso em setembro de 2022).
6 Uma referência importante é a da Comunidade da Vila Autódromo que, por conta de sua situação dominial mais clara, conseguiu resistir em parte à pressão por sua remoção e os que foram obrigados a sair conseguiram melhores indenizações. Ver https://www.theguardian.com/global-development/2016/apr/26/rio-de-janeiro-favela-change-vila-autodromo-favela-olympics (acesso setembro de 2016).
7 Ver: https://oglobo.globo.com/rio/so-1-dos-imoveis-em-favelas-do-rio-tem-titulo-de-propriedade-entregue-pela-prefeitura-1-25371724?fbclid=IwAR0uAGBpiAjJE6Gl4yYGWVAkY7eg8Z7yhn1rzLianAOKqRej6sUP2WIvT4M (acesso setembro de 2022)
8 Sobre outras formas, ver, por exemplo: Ribeiro, 2020 e Gonçalves, 2021.
9 Ver https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44028774?fbclid=IwAR17bQQfHx7Hr4-_kA-NNOJss2BGILoRlFnZE5fwSlPi9xAxyt9Kg0uydNE (acesso em setembro de 2022).

Notas de autor

1 Jurista e Urbanista, Mestre e Doutor em Direito, Professor, Consultor; membro da DPU Associates, do Lincoln Institute of Land Policy e da RSA – Royal Society for Arts, Manufactures and Commerce, E-mail: edesiofernandes1@gmail.com, nº Orcid: 0000-0002-9421-7854.
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