Resumo: O artigo aborda aspectos das desigualdades de gênero na cidadania política de mulheres parlamentares na 12ª Legislatura da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Por meio de pesquisa documental, é traçado o perfil social das deputadas, sua presença na Mesa Diretora e Comissões e as atividades políticas parlamentares. Os resultados apontam diversidade quanto a origem social, filiação partidária e orientação político-ideológica. Esta é a Legislatura com maior número de deputadas negras e oriundas de movimentos sociais. Apesar de profícua atividade parlamentar, observa-se baixa presença das mulheres em cargos diretivos e na presidência das comissões permanentes, demonstrando a persistência de desigualdades políticas de gênero.
Palavras-chave: Cidadania, Política, Desigualdade, Violência, Gênero, Mulheres.
Abstract: The article addresses aspects of gender inequalities in the political citizenship of women parliamentarians in the 12th Legislature of the Legislative Assembly of Rio de Janeiro State. Through documentary research, it traces the social profile of the deputies, her party affiliation and political-ideological orientation. This is the Legislature term having the highest number of black women deputies and those from social movements. Despite fruitful parliamentary activity, it is observed a low presence of women in high positions and in the presidency of permanent committees, demonstrating the persistence of political gender inequalities.
Keywords: Citzenship, Politics, Inequality, Violence, Gender, Women.
Mulheres na política: as deputadas da 12ª legislatura da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Women in politics: the deputies of 12th legislature in Legislative Assembly of Rio de Janeiro State
Recepción: 01 Marzo 2023
Aprobación: 01 Mayo 2023
A luta das mulheres pela superação das desigualdades históricas constitutivas da cidadania feminina alcançou significativo sucesso na efetivação de direitos ao longo da história. No entanto, essa é uma luta permanente e incansável, na medida em que ainda não logrou êxito em extirpar as diversas formas de violência de gênero dos espaços públicos e tampouco aquelas que se verificam no interior do ambiente doméstico, no espaço privado de vida familiar.
A subordinação feminina é milenar e universal, enquanto os movimentos de emancipação e libertação das mulheres são historicamente recentes, tendo seu esboço inicial no século XVIII, mas só alcançando maior nitidez e visibilidade global nas décadas finais do século XX (COSTA e SARDENBERG, 1994, p. 81).
O reconhecimento dos direitos civis para as mulheres (do direito sucessório, por exemplo), foi alcançado com a Revolução Francesa, que, ainda assim, as manteve excluídas dos direitos políticos. Quanto à conquista de direitos políticos, especificamente o direito ao voto, foi obtido pelo sucesso da luta das sufragistas, que, no Brasil, se deu apenas na terceira década do século XX. No entanto, o direito ao voto verdadeiramente universal se deu, no país, com a promulgação da Constituição de 1988, quando foram retiradas todas as condições impeditivas do pleno exercício da cidadania política.
A luta pelo direito à educação ganhou corpo por volta da segunda metade do século XIX, com a defesa do acesso a todas as áreas do conhecimento para permitir que mulheres ganhassem a vida fora da prostituição e não fossem exploradas por companheiros e patrões (PINSKY e PEDRO, 2021, p. 274), ainda que alguma formação educacional já fosse permitida a mulheres de elite.
As barreiras e dificuldades constitutivas do que se denomina opressão interseccional ou fatores de interseccionalidade, são condições que podem dificultar e restringir o acesso a direitos para determinados sujeitos, em razão de raça, etnia, gênero, localização geográfica, religião, idade, entre outros fatores. Um recorte de gênero mostra que a criação da cidadania se deu por exclusão, pois a ideia original de quem seriam os cidadãos não abrangia todos de fato, pois excluía as mulheres, entre outros grupos.
Para elas, foi historicamente construída, naturalizada e ratificada uma visão de inferioridade como justificativa para legitimar sua exclusão da cidadania e, com mais ênfase, para seu afastamento da vida política, verificando-se maiores dificuldades para a efetivação dos direitos políticos e seu pleno exercício. As dificuldades e barreiras podem ser observadas quando mulheres ocupam cargos eletivos ou posições que envolvam poder decisório e capacidade de vocalização, possibilidades típicas da política, espaço historicamente ocupado pelos homens.
A conquista da cidadania política, iniciou-se com a luta pelo direito ao voto, mas, embora sejam votantes, verifica-se um baixo percentual de mulheres com mandatos nas casas legislativas de todo o mundo. Assim, tornam-se necessárias lutas permanentes para assegurar igualdade de condições no exercício dos mandatos, para ampliar a capacidade de vocalização das múltiplas demandas de interesse feminino e manter as conquistas. Isso pode ser observado nos parlamentos, onde o embate de forças do jogo político se dá em meio à desigualdade política e à violência política de gênero, em que o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle, se tornou um marco.
Não se pode perder de vista que, como já foi dito, é histórico o processo de silenciamento e de confinamento doméstico das mulheres, com base na ideia de inferioridade feminina. Argumento usado também para negar o direito à cidadania política (COLLING, 2021, p. 137-138). Em um cenário de desigualdades históricas, a conquista do voto não significou igualdade política real, nem mesmo no século XXI, com o aumento mundial da participação feminina, quando ainda há uma sub-representação nos parlamentos de todas as nações, sendo muito baixa a representatividade se confrontada com a demografia de cada local (PINSKY e PEDRO, 2021, p. 297-298).
No Brasil, as cotas partidárias para mulheres, inseridas na legislação eleitoral, foram fundamentais para o enfrentamento da sub-representação, significando avanço mesmo sem reverter o quadro, pois, ainda que em franca desigualdade, o número de mulheres nos Parlamentos aumentou. A destinação de recursos para as campanhas femininas também presente na legislação eleitoral, é uma forma de fazer mais pressão por acesso a um espaço de predomínio tradicionalmente masculino e pouco permeável à repartição do poder e participação no processo decisório, mesmo que o eleitorado assegure o ingresso das mulheres (MARINS, 2021, n.p.).
Mas mesmo as mulheres que conquistam o mandato parlamentar, enfrentam inúmeras barreiras e desigualdades internas para o exercício de sua cidadania política no interior da casa legislativa, onde a desigualdade de gênero presente na sociedade, dificulta a adoção de agendas transformadoras (MARINS, 2021, n.p.). Dificuldades essas geradas para, direta ou indiretamente, silenciar essas mulheres, como violência política de gênero, que tem por objetivo impedir ou dificultar o exercício de poder, a tomada do espaço pelas mulheres e a redução de sua capacidade de vocalização.
Para esse trabalho, a terminologia violência política de gênero é usada em conformidade com Matos (2021, p.211 e p.220), como uma “forma de controle e disciplinamento do acesso e permanência das mulheres no campo político parlamentar”, que se revela “por meio de atos ou omissões que produzem danos à inserção e permanência de mulheres nos espaços de poder”. De acordo com a Secretaria de Mulheres da Câmara dos Deputados3.
A violência política de gênero pode ser caracterizada como todo e qualquer ato com o objetivo de excluir a mulher do espaço político, impedir ou restringir seu acesso ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade.
Matos (2021, p.217) afirma que essa violência vem sendo exercida há muito tempo com obstáculos que transformam a política em ambiente inóspito, para afastar as mulheres e manter a hegemonia masculina.
Este artigo discute alguns limites enfrentados por mulheres parlamentares da 12ª legislatura da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no que tange ao exercício de sua cidadania política como deputadas estaduais. A primeira seção apresenta dados sobre a presença das mulheres e sua participação nos colegiados internos da Alerj, desde 1975. A seguir, são apresentadas informações sobre as mulheres da 12ª legislatura, suas atividades parlamentares, e fatos que caracterizam desigualdade e/ou violência política de gênero, posteriormente debatidas nas considerações finais.
Pretende-se apontar a existência de dificuldades para que as mulheres exerçam sua cidadania política, como protagonistas, no parlamento fluminense, na medida em que sua baixa presença nos cargos diretivos da Mesa Diretora e na presidência das comissões permanentes expressam a desigualdade política de gênero.
Também são tecidas considerações sobre os efeitos das cotas partidárias para mulheres nas eleições proporcionais, medida estabelecida pela alteração feita na legislação eleitoral, reservando 30% da candidatura para cargos nas câmaras municipais e, posteriormente, com nova alteração, seu efeito foi ampliado para todas as casas legislativas das três esferas de governo – municipal, estadual e federal.
O artigo toma por referência estudo realizado para dissertação de mestrado, ancorado em abordagem qualitativa, valendo-se de pesquisas bibliográfica e documental. As principais fontes de pesquisa foram: o Diário Oficial, instrumento que dá publicidade a todos os atos do poder público, assegurando oficialidade e veracidade aos fatos; o sistema de proposições legislativas, que documenta a temporalidade e a tramitação das proposições desde sua apresentação até a transformação em lei; e, por último, dados oficiais do projeto Legislaturas, disponibilizado no site da Alerj.
O estudo contou ainda com o uso de um diário de campo, como apoio em elementos de memória, que se distingue do simples exercício de recordação. Como aponta Dores (1999, p. 113 e 116), “não é esse caráter de lembrança, de sonho, de reviver um momento passado, mas de refazer, reconstruir, repensar com imagens e ideias de hoje as experiências do passado”.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) é a sede do Poder Legislativo do estado fluminense e teve origem em 19754, a partir da fusão dos antigos estados da Guanabara e do Estado do Rio. Como se sabe, a Alerj é uma instituição da esfera estadual da organização político-administrativa brasileira. Os deputados estaduais são eleitos no mesmo pleito em que ocorrem eleições para governadores, Presidente da República, deputados federais e senadores, em eleições proporcionais de lista aberta para cadeiras de 70 deputados estaduais.
A temporalidade do Legislativo é contada com o mandato parlamentar - quatro anos -, período denominado legislatura, contada sempre do dia 1 de fevereiro do 1º ano até o dia 31 de janeiro do último ano em todas as casas legislativas no país.
A primeira legislatura do Alerj contou com um total de 98 parlamentares, até a primeira eleição geral, realizada em 15 de novembro de 1978, que elegeu parlamentares para as 70 cadeiras, mesmo número ainda hoje. Já a 12ª legislatura teve início em 1º de fevereiro de 2019 e término em 31 de janeiro de 2023.
Da primeira legislatura até a 12ª, a Alerj teve 868 parlamentares efetivos e 143 suplentes que vieram a assumir uma cadeira. Destes, foram 113 mulheres, o que corresponde a 13% do total, das quais uma renunciou ao mandato para assumir a prefeitura para a qual se elegeu, e 10 eram suplentes, 7% do geral de suplentes, destacando-se que 27 delas se reelegeram ao menos uma vez.
Os dados individualizados por legislatura mostram que o maior percentual alcançado pela bancada feminina foi de 21%, com 15 deputadas – 14 eleitas e 1 suplente efetivada no curso do mandato -, verificado na 8ª Legislatura (2003/2007). Essa foi também a legislatura que contou com a primeira deputada autodeclarada negra, Jurema Batista (PT), ativista de movimento social.
Com base nas informações disponibilizadas pela Alerj, na página da Biblioteca, no programa Legislaturas, foi elaborado o Quadro 1, que apresenta a série histórica do número de mulheres parlamentares na Alerj desde a primeira legislatura.
Quadro 1 – Percentual de deputadas estaduais mulheres da Alerj, 1975-2023
Fonte: elaboração própria a partir de Alerj/Biblioteca
Como se vê no Quadro 1, desde a primeira legislatura há mulheres deputadas, ainda que em percentual pouco expressivo em relação à representação populacional. O percentual de mulheres da 12ª legislatura – 18% - está bem abaixo da população do Estado, que, de acordo com o Censo Demográfico de 2010, as mulheres eram 52,24% da população.
A partir da 4ª legislatura (1991/1995), o percentual não esteve abaixo de 10%, exceto na 11ª legislatura (2015/2019), quando atingiu o menor patamar desde 1991, ficando em 11%, com 8 deputadas eleitas e se estabilizou em torno de 15%.
A maior representatividade feminina ocorreu na 8ª legislatura, quando havia 15 mulheres com mandato, configurando 21% da composição do Parlamento fluminense. Ainda que este crescimento não supere a sub-representação ainda muito grande, é importante considerá-lo e buscar entender as razões para o positivo aumento do número de mulheres eleitas a partir desse período.
Costa e Sardenberg (2008, p. 42) apontam a importância do grande seminário realizado no Rio de Janeiro (1975), que reuniu mulheres para discutir a condição feminina na sociedade brasileira, na esteira do Ano Internacional da Mulher, promovido pela Organização das Nações Unidas – ONU. Foi a partir desse evento que se deu a formação de grupos centrados na questão da autonomia das mulheres. A busca por autonomia, levantou a necessidade de representação política feminina, como forma de garantir que a luta das mulheres não fosse diluída nas lutas gerais.
Retomando a composição da Alerj, as mulheres brancas sempre estiveram presentes na Alerj, mesmo que em baixa porcentagem ou sem identificação com as pautas femininas, No entanto, a primeira representante negra só chegou na 8ª legislatura (2003/2007). O fato de as mulheres brancas estarem presentes desde a 1ª legislatura da Alerj e a primeira deputada negra só ter chegado na 8ª legislatura, mostra que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras não estão restritas à violência em sociedade, mas apresentam-se com muita força quando tentam ocupar espaços de protagonismo e fala própria. Como escreve Magalhães (2017, p. 13-14): “Essas mulheres são duplamente oprimidas, por gênero e raça, e vivem uma luta ainda maior para conquistar seu espaço e lugar de fala e garantir o protagonismo em suas próprias demandas”.
Inclusive se comparado aos homens negros, o primeiro deputado autodeclarado negro, Marcelo Dias (PT), foi eleito para a 6ª legislatura (1995/1999), e somente duas legislaturas depois, foi eleita Jurema Batista (PT), evidenciando a fala de Djamila Ribeiro (2018, p. 125), para quem: “o silêncio em relação à realidade das mulheres negras não as coloca como sujeitos políticos”. Também mostra os vieses que colocam mulheres negras em situação ainda mais desvantajosa em razão da raça, mesmo se comparado aos homens negros, conforme explica Crenshaw (2002, p. 173):
Assim como é verdadeiro o fato de que todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas ao peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores relacionados a suas identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional e orientação sexual, são ‘diferenças que fazem diferença’ […]
Reforçando a posição de subalternidade das mulheres na sociedade patriarcal, sua presença em espaços predominantemente masculinos, coloca em risco o monopólio de representação política dos homens e sua ausência em si mesma é um signo de subalternidade (MELO e THOMÉ, 2018, p. 129). Destacam-se ainda as barreiras da infraestrutura física, como a inexistência de banheiros femininos no plenário do Palácio Tiradentes, para uso das deputadas e de acessibilidade para pessoas com deficiência, problemas só resolvidos com a mudança para Edifício Lúcio Costa, em julho de 2021 e que mostram que o impacto dessas barreiras é diferente para as diversas mulheres, como escreve Biroli (2018, n.p.).
Ainda que os obstáculos à participação política das mulheres sejam um problema em si, os efeitos dessa participação desigual não atingem da mesma forma, podendo até preservar as posições vantajosas de algumas entre elas.
Ou ainda, é a demonstração do que escreveu Crenshaw (2002, p. 176)
A discriminação interseccional é particularmente difícil de ser identificada em contextos em que forças econômicas, culturais e sociais silenciosamente moldam o pano de fundo, de forma a colocar as mulheres em uma posição onde acabam sendo afetadas por outros sistemas de subordinação.
Discriminação e desigualdade que ficam ainda mais patentes se observarmos os números das representantes eleitas, considerando mulheres, mulheres negras ou mulheres com deficiência ocupando cadeiras na Mesa Diretora e nas comissões permanentes. A Alerj é dirigida pela Mesa Diretora, colegiado superior abaixo da instância máxima: o plenário. A presidência comanda o processo legislativo e a administração e a execução orçamentária são feitas pela 1ª secretaria. Destaque-se que a Alerj nunca foi presidida por uma mulher.
As pioneiras da Mesa Diretora foram Tânia Jardim (PSDB), a primeira a ocupar a 1ª Vice-Presidência por dois anos na 6ª legislatura (em 1997 e 1998) – cargo de quem substitui o presidente em seus impedimentos e ausências. Na 7ª legislatura (em 2001 e 2002), Graça Matos (PMDB), ocupou esse mesmo cargo; e, em toda a 8ª legislatura (1999/2003), o cargo foi ocupado por Heloneida Studart (PT).
A única mulher a ocupar a 1ª Secretaria, até o presente momento, foi Graça Matos (PMDB), na 8ª (2003/2007) e na 9ª (2007/2011), com a responsabilidade de administrar toda a estrutura burocrática e gerir os recursos orçamentários (MARINS, 2021, n.p.). E Tia Ju (Republicanos) foi a primeira mulher negra a ocupar um cargo na Mesa Diretora.
Quanto ao comando das comissões, a desigualdade é patente, mesmo na legislatura com o maior número de deputadas: na 8ª legislatura o percentual de presidências de comissões ocupadas por mulheres ficou em 25% no primeiro ano e estabilizou em 21% nos anos seguintes, em virtude do aumento do número de comissões.
Os baixos percentuais de comando das comissões também são verificados na legislatura atual, que conta com o maior número de mulheres ativistas de movimentos feminista ou de mulheres, em comparação com aquela 8ª legislatura, como mostra o quadro a seguir.
Quadro 2 – Deputadas mulheres na presidência das comissões permanentes – Alerj 8ª e 12ª legislaturas
Fonte: Elaboração própria a partir de Alerj/Sistema de proposições legislativas
As comissões permanentes são órgãos técnicos temáticos, responsáveis pela análise e avaliação de proposições legislativas que tramitam na Alerj e, posteriormente, serão apreciadas em plenário para se tornarem tipos normativos. O trabalho desses colegiados é fundamental, porque é a análise das comissões que baliza o trabalho em plenário, orientando o voto dos demais parlamentares que não puderam avaliar todos os aspectos das matérias. Além disso, realizam audiências públicas com a participação da sociedade e de representantes dos órgãos públicos para prestação de contas, discussão de temas relevantes ou de proposições em análise.
Dentre as comissões presididas por mulheres, estão as de: Assuntos da Criança, do Adolescente e do Idoso; de Defesa dos Direitos das Mulheres – que sempre tem como presidente uma mulher, desde sua criação; de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania; de Trabalho, Legislação Social e Seguridade Social; de Política Urbana, Habitação e Assuntos Fundiários; e a de Saúde. As duas comissões consideradas mais importantes são a de Constituição e Justiça e a de Orçamento, Finanças, Fiscalização Financeira e Controle. A primeira, porque se pronuncia sobre todas as matérias do ponto de vista da juridicidade, da legalidade e da constitucionalidade. E a segunda, porque julga, as contas do Poder Executivo e do Judiciário, além de elaborar as leis do orçamento, de diretrizes orçamentárias e do plano plurianual. Ressalta-se que estas duas comissões nunca foram presididas por uma mulher.
De acordo com Biroli (2018, n.p.)
A política é atualizada como espaço masculino. A história do espaço público e das instituições políticas modernas é a história da acomodação do ideal de universalidade à exclusão e à marginalização das mulheres e de outros grupos sociais subalternizados.
O déficit democrático de gênero na política (MEDEIROS, 2003, n.p.), não é uma marca exclusiva da política brasileira, conforme o ranking de representação feminina nos parlamentos de diversos países, de 2015.
De acordo com o ranking, o primeiro lugar na participação feminina no parlamento é ocupado por Ruanda5 (com 68%), enquanto o Brasil ocupava a posição 129º (com 8,6%), atrás da maioria dos países latino-americanos (MENEZES, 2017, p.37).
Para enfrentar a sub-representação feminina e a desigualdade política de gênero, foram estabelecidas cotas partidárias para mulheres nas eleições proporcionais. Inicialmente para as câmaras de vereadores e depois, para todas as casas legislativas. As cotas, instituídas pela Lei federal nº 9.504, de 30 de julho de 1997, são importante instrumento de pressão sobre os partidos, na maioria comandados por homens.
Nesse diapasão, foi um grande marco para a história da participação feminina nas eleições, pois partidos que só tinham homens em seus quadros de filiados passaram a valorizar e por meio de campanhas para incentivar a filiação de mulheres com o objetivo de formar candidatas (SANTOS et al, 2017, n.p.).
Incontestável o efeito e a relevância da inclusão de cotas partidárias na legislação eleitoral para a ampliação da participação das mulheres e para retirar o Brasil da amarga condição de ser um dos países com a mais baixa representação feminina em estruturas de poder (MELO e THOMÉ, 2018, p.131).
Na Alerj, os resultados da instituição de cotas partidárias foram vistos a partir da 8ª legislatura, com a eleição de 15 mulheres ou 21% das cadeiras. No entanto, a medida não alcança a persistência da desigualdade existente no interior das instituições políticas, comprometendo o exercício do mandato dessas mulheres. Assim, é tratada apenas uma parte do problema, ou seja, a desigualdade de acesso.
É preciso adotar medidas para ampliação da presença das mulheres em posições relevantes no processo decisório e de exercício de poder no interior dos Parlamentos, para mitigar essa desigualdade e frear as violências de gênero que ocorrem nessas instituições.
Para isso, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1951/2021, originário do Senado, que pretende estabelecer percentual mínimo de vagas para reservar 15% das cadeiras do legislativo para as mulheres. Embora se trate de percentual inferior ao das cotas partidárias, se aprovado, será um marco legal importante, constituindo-se o passo seguinte, que exigirá real investimento partidário nas candidaturas femininas, sob pena de perderem espaço político nos parlamentos. Resta saber se será aprovado.
Outro aspecto importante a ser considerado é a diversidade das mulheres, como alerta Djamila Ribeiro (2018) ao tratar a questão das mulheres trans e o movimento feminista, que também pode ser aplicado ao pensamento sobre a presença de mulheres no espaço da política
Não incluir, por exemplo, mulheres trans com a justificativa de que elas não são mulheres reforça aquilo que o movimento tanto combate e que Beauvoir refutou tão brilhantemente em 1949: a biologização da mulher, ou a criação de um destino biológico. Se não se nasce mulher, se ser mulher é um construto, se o gênero é performance (em termos butlerianos), não faz sentido a exclusão das trans como sujeitos do feminismo (RIBEIRO, 2018, p. 47).
De acordo com o resultado das eleições municipais, de 2020, foram eleitas 28 vereadoras trans, dentre elas Duda Salabert, com a maior votação da história de Belo Horizonte, MG; Beny Biroli, única vereadora, e a mais votada de Niterói, RJ, em uma câmara pouco acostumada a ter mulheres em sua composição; e, em São Borja, RS, Lins Roballo, em uma câmara que nunca havia elegido uma mulher. No entanto, o desempenho do mandato dessas parlamentares é atravessado por preconceito, intolerância e violência que partem de seus pares e dos eleitores. Tanto assim, que a vereadora Beny, precisou deixar o país para se proteger de pesadas ameaças de morte, conforme notícias da grande imprensa. Enquanto isso, na Alerj, até a 12ª legislatura, nunca houve uma mulher trans eleita para o mandato no parlamento estadual.
A composição do Parlamento fluminense é a que tem mais mulheres negras e oriundas de movimentos sociais feministas ou de mulheres, além do próprio Movimento Negro. A mudança no perfil das eleitas pode estar relacionada à ocorrência da Quarta Onda do feminismo, que, através da Internet, globalizou a luta feminina, gerando movimentos cada vez mais planetários, marcados pelo protagonismo das mulheres no combate à discriminação, xenofobia e todas as formas de violência (MENEZES, 2017, p. 30-31).
Outro fator relevante, foi a última alteração na legislação eleitoral, que tornou obrigatório o investimento dos recursos do Fundo Partidário em candidaturas de mulheres para enfrentar o uso de “candidatas laranjas”. E ainda pode ser resultante da consolidação do feminismo negro, fortalecido a partir da década de 1980, com a realização do III Encontro Feminista Latino-Americano, em que emergiram os primeiros coletivos de mulheres negras (RIBEIRO, 2018, p.52), associada ao impacto do assassinato da vereadora Marielle Franco6, ocorrido em 14/03/2018, ano da eleição para a legislatura atual.
A 12ª legislatura diferencia-se das demais, pois, além de ser a que conta com maior número de mulheres feministas e negras, é a que sofreu alteração importante na autoria das proposições, com grande solicitação e autorização de coautorias na apreciação em plenário. O fato merece destaque porque a autoria das proposições foi tradicionalmente resguardada como patrimônio político, uma marca pessoal de seu trabalho parlamentar, apresentado ao eleitorado numa espécie de prestação de contas do mandato. Com a mudança, vê-se um movimento colaborativo em que, diante da generosidade do autor inicial, os projetos recebem coautorias e ganham, em alguns casos, o apoio unânime do Parlamento.
Outro ponto de destaque foi a pandemia da covid-19, que exigiu adequações, em tempo recorde, das atividades legislativas para assegurar o afastamento social necessário, sem fechar o Parlamento, que precisava legitimar em votações as ações do Poder Executivo a serem implantadas no enfrentamento da pandemia, com a urgência requerida.
Também é um marco a instituição da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, destinada a investigar os casos de feminicídio no Estado do Rio de Janeiro. Presidida por Martha Rocha, contando com a vice-presidência de Mônica Francisco e a relatoria de Zeidan. Foi composta por Tia Ju, Enfermeira Rejane, Rosane Félix e por Chicão Bulhões e como suplentes Renata Souza e Dani Monteiro.
Dos trabalhos da CPI foram apresentadas quatro proposições: o primeiro tornou-se a Lei 9642, de 2022, que estabeleceu a distribuição de kits de vestuário para mulheres vítimas de violência. E o segundo, ainda em tramitação, propõe a adoção de um formulário de avaliação de risco de violência familiar como alerta para evitar que tal risco resulte efetivamente em violência.
Os outros dois tornaram-se a Lei nº 9.604, de 08/04/2022, que institui o observatório do feminicídio no âmbito do Estado do Rio de Janeiro; e a Lei nº 9.895, de 07/11/2022, que institui o Programa Estadual de Enfrentamento ao Feminicídio, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. Tanto a realização da CPI, quanto a apresentação das proposições, é resultado da presença feminina na Alerj, mostrando que as deputadas são efetivamente comprometidas com as pautas de interesse das mulheres.
Das 13 parlamentares, duas iniciaram seus mandatos em janeiro de 2021, uma renunciou para assumir a prefeitura para a qual se elegeu e outra assumiu o mandato temporariamente, sem que houvesse simultaneidade de exercício das 15 mulheres parlamentares e, por essa razão, o percentual de representantes não se igualou ao da 8ª (2003/2007). No quadro a seguir estão as deputadas, o partido ao qual pertenciam quando foram eleitas e o partido atual, para verificar se houve troca de partido e variação do espectro político.
Quadro 3 – Mulheres Deputadas e partidos na 12ª legislatura – 2019/2023
Fonte: Elaboração própria a partir de Alerj/Biblioteca e Jornal Estadão.
Das parlamentares, 6 são filiadas a partidos de esquerda ou centro-esquerda; 3 são de direita ou extrema direita; e 4 são de centro. A maior parte abraça temas relativos ao desenvolvimento social, como emprego ou por defesa de pautas diretamente de interesse social, como saúde, educação, moradia, direitos humanos. A classificação das parlamentares no espectro político foi feita com base na descrição apresentada pelos próprios partidos em suas páginas da internet ou é um posicionamento declarado pelas próprias deputadas.
A despeito da diversidade de espectros políticos aos quais pertencem as deputadas, a bancada feminina, denominada pelos homens como a “bancada do batom”, é bastante coesa nas lutas significativas para as mulheres, apresentando projetos em coautoria e fazendo denúncias de preconceito, discriminação e desigualdade no tratamento recebido em uníssono.
Como se vê na fala, proferida em 11/08/20227, durante a discussão do Projeto de Lei nº 3193/2020, quando a Enfermeira Rejane (PC do B), denunciou a “discriminação sofrida pela bancada feminina”, que não consegue ser atendida pelo governador, que não as recebe e não dá importância às pautas de interesse das mulheres do estado. Fala endossada por Alana Passos (ex-PL, atual PTB), de extrema direita, alinhada ao então presidente Jair Bolsonaro, e por Martha Rocha (PDT), ex-chefe de polícia do Estado do Rio de Janeiro, como explícito no trecho abaixo de um fragmento de discurso, publicado no Diário Oficial.
[…]do Governador Cláudio Castro, a bancada feminina está esperando até hoje resposta a um ofício protocolado ao Governador para que ele recebesse a bancada feminina da Alerj. Nós estamos esperando […]
A SRA. ALANA PASSOS – V.Exa. me concede um aparte?
A SRA. ENFERMEIRA REJANE – Pois não, Deputada.
A SRA. ALANA PASSOS – Deputada Enfermeira Rejane, […] É um absurdo a forma com que este Governador trata a bancada feminina desta Assembleia. É um absurdo. Eu não estou falando somente por mim, mas por todas, independentemente de partido, de ideologias.
A SRA. ENFERMEIRA REJANE – Muito obrigada, Deputada Alana. V.Exa. reafirmou a minha fala. Sou uma Deputada de esquerda com muito orgulho, do Partido Comunista do Brasil, mas aqui tem Deputadas de vários partidos e a Deputada Alana é de outro partido. Então, nós estamos aqui reafirmando e falando que o Governador Cláudio Castro não tem o mínimo respeito pelas Deputadas, pela bancada feminina da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. O Governador não tem o mínimo respeito por nenhuma mulher no Estado do Rio de Janeiro […]
A SRA. MARTHA ROCHA (Para emitir parecer) – Presidente, primeiro de tudo, fazer coro com as minhas companheiras de Parlamento e digo sem medo de errar que o Governador não se preocupa com políticas públicas afirmativas que fortaleçam a cidadania feminina […] (ALERJ, Diário Oficial – Parte II, nº 149, de 12/08/2022, p.7).
As falas das parlamentares deixam patente a existência de um tratamento diferenciado para as deputadas, confirmando a desigualdade política de gênero, tendo em vista não terem acesso às instâncias de poder político em igualdade com os homens. Corroborando a ideia de construção social dessas barreiras e dificuldades para a participação das mulheres na política, Melo e Thomé (2018, p. 127) dizem que:
[…] o espaço que coube às mulheres, na maior parte do tempo, foi apenas um: o doméstico. Ali confinadas, a sociedade as excluiu dos convívios e relações que fossem além das fronteiras da casa, ou seja, que estivessem relacionados com a cidade, a pólis e, por conseguinte, com a política. Alijadas do poder político em praticamente todas as diferentes culturas do mundo, consideradas uma espécie subalterna para os temas públicos, não importa se no Ocidente ou no Oriente.
Além de expor a patente desigualdade política de gênero, o pronunciamento das deputadas demonstra um tipo de violência simbólica que desqualifica a presença das mulheres nos espaços políticos institucionais, conforme Rosário (2021, p. 143), para quem “a violência política de gênero ocorre, sem dúvida, mantendo limitada a presença das mulheres nos espaços de poder parlamentar”.
Nessa legislatura, houve um aumento substancial no número de projetos de lei apresentados, que geralmente fica em torno de 4 mil e já se encontra em 6.306, quatro meses e meio antes do fim da atividade legislativa desta legislatura, que cessará com o início do recesso em 01/01/2023. Esses dados são apresentados no quadro 4, no qual podemos acompanhar o quantitativo desde a 5ª legislatura até a atual. Não estão disponíveis, em meio digital, os dados das legislaturas anteriores.
Quadro 4 – Total de projetos de lei apresentados por legislatura – Alerj, 1991/2023
Fonte: Elaboração própria a partir de Alerj/Sistema de proposições legislativas.
Do total de 6.306 projetos de lei, 2.676 ou 42.43%, são iniciativas das deputadas, em que 18,6% das representantes são responsáveis por quase a metade de todos os projetos, demonstrando a alta produtividades das mulheres, como se vê no quadro que segue.
Quadro 5 – Percentual de produção legislativa por gênero – 12ª legislatura (2023/2027)
Fonte: elaboração própria a partir de Alerj/sistema de proposições legislativas.
A alta produtividade pode ter relação com o enfrentamento da Covid-19, e a urgência para aprovação de medidas, que também fez com que o tema principal dos projetos aprovados a partir de março de 2020 até o início da vacinação em 2021, fosse relacionado à pandemia e seus efeitos. Também têm como coautores quase a totalidade do Parlamento, numa rara junção de esforços de representantes de todos os espectros políticos em torno de algo maior que suas diferenças.
A seguir, vêm os perfis das deputadas da 12ª legislatura, com as informações sobre idade, raça, escolaridade, profissão, religião, origem ou base política, elaborados a partir de informações retiradas da biografia oficial disponível no sítio da Alerj/Biblioteca/Legislaturas; do Jornal Estadão; das páginas do partido ao qual estão filiadas ou de suas páginas pessoais, quando possível.
Quadro 6 – perfil das deputadas da 12ª legislatura/Alerj - 2019/2023
Fonte: elaboração própria a partir de Alerj/Estadão.
Os perfis mostram que algumas são de famílias que já estavam ou estiveram na política antes do exercício de seu mandato ou concomitantemente. Outras são oriundas de movimentos sociais, das igrejas, com vínculo corporativo ou aliadas a representantes de espectros políticos bem delimitados.
É importante destacar a eleição de três deputadas ligadas à vereadora Marielle Franco, do Psol– Dani Monteiro, Monica Francisco e Renata Souza; e a eleição da mulher mais bem votada, que é politicamente alinhada, de forma declarada, às ideias do então presidente Jair Messias Bolsonaro – Alana Passos.
Cinco, são de famílias de políticos: Célia Jordão (casada com Fernando Jordão, prefeito de Angra dos Reis); Franciane Motta (casada com Paulo Melo, ex-deputado e ex-presidente da Alerj); Zeidan (ex-esposa de Washington Quaquá, ex-prefeito de Maricá); Marina Rocha (filha do ex-vereador de Guapimirim, César do Modelo); e Paula Tringuelê (casada com Zelito Tringuelê, ex-prefeito de Guapimirim).
Destas, tiveram experiência anterior, ocupando cargos de gestão política na administração pública: Célia Jordão foi Secretária de Desenvolvimento Social de Angra dos Reis; Franciane Motta foi prefeita de Saquarema por dois mandatos consecutivos. Zeidan é ativista política com atuação em movimentos sociais e político-partidária anterior ao casamento. Marina e Paula, também ocuparam cargos públicos de gestão política.
Sete são oriundas de movimentos sociais ou sindicais: Dani Monteiro (Movimentos Feminista, Negro e de Juventude); Enfermeira Rejane (Movimento Sindical – Sindicato de Enfermagem); Mônica Francisco (Movimento de Defesa de Direitos Humanos); Renata Souza (Movimento de Defesa de Direitos Humanos); Lucinha (Movimento Popular Organizado por habitação na Zona Oeste) e Zeidan (Movimento Eclesial de Base da Igreja Católica e ativista político partidária); e Adriana Balthazar (líder do movimento a favor do impeachment da Presidenta Dilma Roussef, na cidade do Rio de Janeiro).
Uma é radialista e evangélica, cantora gospel, conciliando características que asseguram maior amplitude de alcance popular: Rosane Félix. Outra é oriunda de núcleo religioso, Tia Ju é evangélica com atuação forte na área de evangelização e é casada com pastor da Igreja Universal do Reino de Deus - Iurd.
Martha Rocha tem forte vinculação corporativa com a Pcerj, como Delegada de Polícia, com atuação na instalação de Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher, as Deams. Além disso, foi a única mulher a ocupar a Chefia de Polícia Civil, até hoje. Alana Passos é originária do Exército Brasileiro e alinhada à política de Jair Bolsonaro, eleita, inclusive, com esse discurso.
Esses vínculos e suas experiências anteriores são fundamentais para esclarecer as bases sobre as quais estão assentadas suas ações atuais, permitindo apreender as razões pelas quais aderem determinadas iniciativas ou recusam certos posicionamentos, ainda que se trate de ideias importantes para as lutas das mulheres.
[…] é bem verdade que chegar ao poder não redime a mulher, nem a política. A velha crença na “superioridade moral da mulher” caiu por terra assim que mulheres concretas puderam ser finalmente vistas em ação no poder. Ao mesmo tempo que nos orgulhamos de muitas delas, não é menos verdade que não há afinal um “jeito feminino de fazer política”. (PINSKY, 2020, p. 540).
Corroborando as discussões apresentadas por Pinsky, Rosário (2021, p. 146) diz que “a representação feminina poderá ser maior e nem por isso exercer uma qualidade transformadora na luta pela autonomia”.
Apenas Dani Monteiro e Renata Souza se declaram feministas em seus perfis oficiais. Mesmo aquelas que declaram apoiar a causa das mulheres, não se declaram feministas nos perfis oficiais.
De acordo com a identificação racial, tem-se o seguinte quadro:
Quadro 7 – deputadas por raça/etnia – Alerj 2019/2023
Fonte: Elaboração própria a partir de Biblioteca Alerj e Jornal Estadão
Quanto à escolaridade, nove deputadas têm nível superior completo, duas com superior incompleto e outra cursando, num total de nove das 15 deputadas (efetivas e suplentes), ou seja, 60% têm nível superior de escolaridade. Destas, 20% cursaram especialização e uma fez doutorado. Ou seja, a maioria (80% das deputadas) tem mais de 11 anos de estudo. Na realidade, um terço das deputadas tem 15 anos de estudo ou mais. O elevado número de anos de escolaridade é uma marca destas mulheres, que, ainda assim, enfrentam barreiras enormes para realizar sua cidadania política.
A seguir destacam-se iniciativas voltadas para o exercício do mandato dessas mulheres, relevantes para a observação da dimensão da cidadania política que é tratada aqui. São medidas destinadas a mitigar a desigualdade de gênero que assinala a atividade parlamentar e enfrentar a violência política de gênero a que estão submetidas, consideradas, para esse estudo, como mecanismos para assegurar a efetivação da cidadania política das mulheres.
Em 04/11/2021, foi publicado Projeto de Resolução nº772/2021, das Deputadas Zeidan, Tia Ju, Franciane Motta, Enfermeira Rejane, Martha Rocha e Mônica Francisco, instituindo a Procuradoria Especial da Mulher, na Alerj, para zelar pela defesa dos direitos da mulher, receber, examinar e encaminhar as denúncias de violência e discriminação contra a mulher e discutir a participação política da mulher.
Apresentado em resposta a um episódio de violência política de gênero enfrentado por Renata Souza, em face de Rodrigo Amorim, como reação coletiva das parlamentares ao ocorrido. Porém, a proposta está parada, desde 18/11/2021, quando foi retirada da pauta do plenário e não mais retornou. O que mostra a grande dificuldade que a bancada feminina da Alerj encontra para aprovar medidas de seu interesse, mesmo aquelas destinadas à sua proteção.
As palavras de Djamila Ribeiro parecem adequada descrição do resultado esperado por quem impõe a violência
A linguagem opressora do discurso de ódio não é mera representação de uma ideia odiosa; ela é em si mesma uma conduta violenta, que visa submeter o outro, descontruindo sua própria condição de sujeito arrancando-o do seu contexto e colocando-o em outro onde paira a ameaça de uma violência real a ser cometida – uma verdadeira ameaça, por certo (RIBEIRO, 2018, p. 65).
A iniciativa parlamentar semelhante ao que já existe na Câmara dos Deputados desde 2009, em que as deputadas elegem uma delas para o cargo de procuradora e outras três como procuradoras adjuntas8, ligadas à Secretaria da Mulher, com a Coordenadoria da Bancada Feminina, com atuação similar à das lideranças partidárias, inclusive com as mesmas prerrogativas destes órgãos.
O projeto de Lei nº 3335/2020, das Deputadas Renata Souza, Dani Monteiro e Mônica Francisco, propõe alteração na Lei nº 8.621, de 18 de novembro de 2019, que instituiu o Estatuto da Mulher Parlamentar ou ocupante de cargo ou emprego público, para incluir a terminologia “violência política de gênero”, e também propõe considerar o pertencimento racial, a sexualidade e a religiosidade como marcadores interseccionados ao gênero e que podem amplificar as formas de violência política. Apresentado em 19/11/2020, foi levado ao plenário em25/03/2021, mas foi retirado de pauta, permanecendo parado desde então.
O Projeto de Lei nº 3770/2021, da Deputada Dani Monteiro, em coautoria com a bancada do Psol, propõe a inclusão no Calendário Oficial do Rio de Janeiro do Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política contra Mulheres Negras, LGBTQIA+ e periféricas, a ser comemorado anualmente em 14 de março.
O projeto propõe a realização de eventos e palestras para o enfrentamento da violência política em memória da vereadora Marielle Franco. Na justificativa, os autores citam que a “violência política no Brasil tem caráter histórico e raízes estruturais refletidas em nossa sociedade”. Com a tramitação abreviada pela aprovação do Requerimento de Urgência, o projeto permanece sem parecer, na Comissão de Constituição e Justiça desde 05/03/2021.
As três propostas têm como objetivo promover algum tipo de proteção para mulheres no exercício do mandato ou simplesmente criar um dia destinado à reflexão sobre as violências sofridas no exercício da cidadania política de mulheres, mas, confrontadas com barreiras invisíveis, não conseguem finalizar seu ciclo legislativo e ganhar o status de lei ou resolução. O fato das autoras não se utilizarem dos dispositivos regimentais para fazerem avançar suas proposições é exemplo do que escreve Jo Moraes (2021, p. 115)
São muitas as facetas da violência que sofremos enquanto mulheres. Talvez por isso demoremos a compreender como elas são naturalizadas em nosso cotidiano, invisíveis para nós mesmas. Exemplo maior é o caso da violência política de gênero, como parte destacada da violência política do Estado, que sempre teve pouca abordagem no debate da construção de uma sociedade mais democrática, a não ser pelo movimento feminista.
Diante das situações apontadas, é fato que a instituição de cotas partidárias para a participação das mulheres nas eleições teve reflexos na composição do parlamento, ampliando a presença feminina no Legislativo do Estado do Rio de Janeiro, como era esperado. No entanto, a desigualdade e a violência de gênero, estruturais da sociedade brasileira, também se encontram no seio da instituição política no regime democrático, mostrando que aquela medida por si só não basta para trazer igualdade de condições para o exercício parlamentar. Nas palavras de Rosário (2021, p. 144)
[…] a violência política de gênero visa calar e/ou descredibilizar mulheres que exercem representação com autonomia e disputam espaços de poder desafiando práticas políticas que foram consolidadas naturalizando sua exclusão. A construção da equidade na representação política é uma tarefa da democracia […]
É fundamental a adoção de medidas no âmbito dos parlamentos para vencer essa desigualdade gritante, como por exemplo assegurar cotas para mulheres na composição e na presidência das comissões, nos altos cargos da Mesa Diretora, além da efetivação de punições exemplares nos casos de violências cometidas contra as mulheres parlamentares. A criação de uma secretaria de mulheres é importante para o enfrentamento da assimetria de espaço político e para assegurar a voz da bancada feminina, que mesmo diversa, tem se mostrado coesa na luta por demandas que as afetam.
Trata-se de dificuldades criadas pelo simples fato de as mulheres estarem no espaço político de poder, nos quais o predomínio masculino é tradição e impõe barreiras visíveis e invisíveis para o sucesso das ações de mulheres e para mulheres, porque em alguma medida representam ameaça ao poder hegemônico dos homens.
A cidadania não resulta de um acordo estabelecido pacificamente entre os atores de uma sociedade inteira. É sempre uma conquista, especialmente para aqueles sujeitos originalmente excluídos da idealização de cidadão moderno, fundada no modelo masculino, branco, europeu, tomado como único e universal. A criação de um status universal, na verdade, serve para deixar de fora os que não se encaixam no padrão desse status, transformando a diferença em desigualdade, usada para legitimar o processo de exclusão de tais sujeitos.
Para homens não brancos, originários de territórios colonizados, na maioria dos casos, a aquisição do título de cidadãos se assemelha a um enquadramento em categoria de segunda classe, que, se for mesmo possível, para atingir a plenitude é exigida a satisfação de condicionantes inerentes ao sistema capitalista de acumulação de riquezas, por exemplo.
No caso das mulheres, em sua multiplicidade de identidades, não há possibilidade de qualquer conquista sem muita luta, resistência e perseverança, tendo em vista que elas constituem grupo social historicamente invisibilizado, silenciado, subalternizado, dominado e excluído de qualquer possibilidade de ação, pois que são objetificadas, na categoria de patrimônio dos homens.
Ao pensar nas mulheres em termos históricos, sua presença no ambiente público, em atividades produtivas do mercado de trabalho, em profissões tradicionalmente masculinas, é fato relativamente recente, que ganhou alguma naturalidade, a partir da segunda metade do século XX. E, com mais força, no último quarto do século. Ou seja, há menos de 50 anos.
Sempre com a acumulação das funções profissionais àquelas tradicionalmente de sua responsabilidade: o cuidado do lar, da prole, dos mais velhos, dos doentes. O que confere à ampliação de possibilidades de vida fora do ambiente doméstico um sabor amargo de sobrecarga e fracasso, convertendo a conquista social em punição emocional, visto que sujeita a mulher a um grande sentimento de culpa por falhar na conciliação de seus papeis de esposa/mãe ou no fracasso no desempenho laboral.
A posição subalterna e de incapazes só pode ser vencida pelas lutas, sempre necessárias para a conquista da cidadania. O que lhes foi negado muitas vezes, a despeito da ativa participação das mulheres em movimentos coletivos e revoluções feitas a título de expansão de direitos para todos, nos diversos momentos históricos.
Como pode ser visto ao longo do artigo, há uma crescente participação política das mulheres no parlamento fluminense, com aumento do número de deputadas eleitas. Essa ampliação se manifesta também na diversidade no perfil social e político das parlamentares, sendo possível identificar maior presença de mulheres negras e vinculadas a movimentos sociais, quando comparado a legislaturas anteriores.
Foi possível identificar também grande ativismo parlamentar das deputadas estaduais na 12ª Legislatura e a tendência de apresentação de proposituras legislativas em coautoria, apontando para o fortalecimento de esforços colaborativos. No entanto, as mulheres continuam pouco presentes nas mesas diretoras e na presidência de comissões permanentes estratégicas na função parlamentar, expressando as assimetrias das relações de gênero. Essas também se manifestam no desprestígio verificado no atendimento a demandas postas pelas parlamentares em relação ao Executivo. Além disso, episódios explícitos de violência de gênero no desempenho parlamentar têm sido constantemente noticiados e denunciados. Em face desse quadro e a despeito da diversidade ideológico-partidária que marca o perfil das parlamentares, nota-se forte articulação da bancada feminina na Alerj em torno de temas caros para as mulheres, bem como a voz uníssona na denúncia de casos de violência política de gênero.
É necessária, pois, vigilância contínua, assim como luta cotidiana para manter direitos duramente conquistados e para alcançar outros, porque o caminho é árduo e longo para as cidadãs de todo o globo terrestre e é ainda mais difícil para as que se caracterizam por fatores adicionais de opressão interseccional – étnico-racial, sexual, de capacidade física ou intelectual, de faixa etária, de origem geográfica colonial, econômica.
O quadro de desigualdade mostra-se muito agudo no aspecto político da cidadania das mulheres, em que se verifica o déficit democrático, a desigualdade e a violência políticas de gênero; quando o ingresso na vida política vem se sedimentando como território de possibilidade para avanços.
A reformulação da Lei Eleitoral com a instituição de obrigação para uso das cotas partidárias de gênero e a destinação de recursos para essas candidaturas, tem produzido melhoras, mesmo que o déficit democrático de gênero (MEDEIROS, 2003, n.p.) ainda permaneça. Nesse sentido, é preciso avançar na construção de estratégias e mecanismos capazes de enfrentar as desigualdades de gênero também em termos de cidadania política.
Do ponto de vista institucional, com o objetivo de melhorar as condições de exercício dos mandatos femininos e enfrentar a desigualdade e a violência política de gênero, é necessário fazer cumprir a lei que criou o Estatuto da Mulher Parlamentar9, prevendo o uso de mecanismos de prevenção, cuidado e responsabilização individual e coletiva de assédio e qualquer tipo de violência política contra mulheres.
Da mesma forma, a institucionalização de uma Secretaria de Mulheres e a criação de uma Liderança das Mulheres podem assegurar a vocalização e facilitar a articulação das deputadas em torno de ações para a aprovação das proposições e a adoção de medidas de seu interesse. E a adoção de ação afirmativa para criação de cotas para as cadeiras na Mesa Diretora e nas comissões permanentes, trará melhora da participação das mulheres nesses colegiados, assegurando sua presença nos espaços privilegiados de poder na casa legislativa.