Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Buscar
Fuente


Tecnologia e trabalho precarizado: crítica da economia política do capitalismo digital
Technology and precarious work: critique of the political economy of digital capitalism
O Social em Questão, vol. 1, núm. 58, pp. 37-56, 2025
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro



Recepción: 01 Junio 2023

Aprobación: 01 Agosto 2023

Resumo: O objetivo deste artigo é examinar diferentes formas de extração do mais-valor no atual estágio do capitalismo digital, à luz da crítica da economia política de Karl Marx. Sem a pretensão de dar conta de todas as possibilidades de obtenção de mais-valor, o foco da análise será direcionado às novas e antigas configurações do trabalho precarizado postas em movimento por corporações multinacionais de tecnologia, atualmente conhecidas pela alcunha de big tech.

Palavras-chave: Capitalismo digital, Big tech, Trabalho precarizado, Crítica da economia política, Karl Marx.

Abstract: The purpose of this article is to examine different forms of surplus value extraction in the current stage of digital capitalism, in the light of Karl Marx's critique of political economy. Without claiming to account for all the possibilities for obtaining surplus value, the focus of the analysis will be directed to the new and old forms of precarious work set in motion by multinational technology corporations, currently known as big tech.

Keywords: Digital capitalism, Big tech, Precarious work, Critique of political economy, Karl Marx.

Introdução

“Esses boy conhece Marx, nós conhece a fome”

Emicida, Levanta e Anda

Em termos técnicos, o capitalismo é um sistema revolucionário. Isso tem sido comprovado no continente europeu desde o século XVIII, com a invenção da máquina a vapor e do tear mecânico, a manipulação de ferro e aço em altas temperaturas, a expansão de ferrovias e a distribuição de energia elétrica nas cidades europeias, inovações impulsionadas pelo sistema capitalista no evento histórico que ficou conhecido como revolução industrial.

A indústria moderna, diz Marx (2017, p. 557), “jamais considera nem trata como definitiva a forma existente de um processo de produção. Sua base técnica é, por isso, revolucionária, ao passo que a de todos os modos de produção anteriores era essencialmente conservadora”3. Um exemplo atual desse argumento é a denominada revolução digital, cuja velocidade de renomeação por parte de seus apologistas – indústria 2.0, 3.0, 4.0, 5.0 e assim por diante – chega a causar vertigem.

O fato é que a inclinação do capitalismo para a inovação tecnológica permanece assentada na velha propriedade dos meios de produção e na igualmente antiga divisão social do trabalho. Conforme se lê no capítulo 24 de O Capital (MARX, 2017, p. 785-833), a expropriação de terras e a promulgação de leis contra a vadiagem na Europa, combinadas com a colonização e a escravização de territórios e povos estrangeiros, são os fatores históricos que forjam a “assim chamada acumulação primitiva” do capital; a ampliação do mercado mundial e do sistema colonial no período da manufatura “fornecem a este último um rico material para o desenvolvimento da divisão do trabalho na sociedade” (MARX, 2017, p. 428).

A separação entre trabalhadores e meios de produção decorrente desse processo histórico – que contrapõe, de um lado, proprietários de indústrias, fábricas, empresas, latifúndios e demais meios de produção e, do outro, a massa de pessoas livres, os trabalhadores arrancados de suas terras e desprovidos de meios de produção, a quem só resta ofertar a própria força de trabalho no mercado em troca de um salário – é precisamente o que há de particular na forma capitalista de organização econômica de nossa sociedade.

Quaisquer que sejam as formas sociais da produção, os trabalhadores e os meios de produção permanecem sempre como seus fatores constitutivos. Mas, enquanto se encontram separados uns dos outros, são fatores de produção apenas em potencial. Para que se produza efetivamente, precisam ser combinados. O modo particular dessa combinação distingue as diferentes épocas econômicas da estrutura social. No caso presente, a separação entre o trabalhador livre e seus meios de produção constitui o ponto de partida dado... (MARX, 2014, p. 119).

No atual estágio do capitalismo, cuja particularidade está na imensa coleção de mercadorias semióticas, constituídas por dados digitais que aparecem como informação audiovisual em dispositivos eletrônicos, emergem novos meios de produção que se interpõem como mediadores necessários para o processo de circulação de tais mercadorias: as plataformas. No grande shopping center que se tornou a internet desde a sua abertura total ao mercado, em meados da década de 1990, um punhado de corporações proprietárias de plataformas digitais ergueu monopólios e estabeleceu um império nos mais variados ramos do comércio digital, às margens de qualquer suspiro de regulamentação e na esteira de uma crise mundial4 que favoreceu a política neoliberal de autorregulação, livre de interferência estatal. Se o “espírito” (para usar um termo caro a Max Weber) do capitalismo do século XIX esteve apoiado em fatores como o mercado autorregulado e o Estado liberal (POLANYI, 2021, p. 51)5, o capitalismo do século XXI caracteriza-se pelo mercado autorregulado da internet e pelo Estado neoliberal.

Segundo Sérgio Amadeu da Silveira (2021, p. 1-2), “coube a Daniel Schiller, em 1999, no livro Digital Capitalism, mostrar que a internet, sob a influência do neoliberalismo e do mercado expansionista e desregulamentado, alicerçou o capitalismo digital”:

Para Schiller, os reguladores trataram a internet como se ela pudesse existir independentemente da infraestrutura de telecomunicações. Foi constituída a doutrina de que os Estados não deveriam ter poder sobre a rede de redes digitais, o que acelerou seu espraiamento transnacional. No Fórum de Davos, em 1996, John Perry Barlow lançou a renomada e celebrada Declaração de Independência do Ciberespaço, um texto contra as tentativas de os governos regulamentarem a internet. Schiller argumentou que a liberalização atendia às expectativas da doutrina neoliberal e permitia o aparecimento de diversos negócios e empresas de tecnologia informacional (SILVEIRA, 2021, p. 2).

Empresas capitalistas que são, as big tech companies ostentam uma ampla carteira de serviços e uma grande diversidade de modelos de negócios. Algo, no entanto, possuem em comum: todas são corporações privadas que extraem lucro a partir da exploração da força de trabalho, que ocorre mediante a extração de mais-valor. O objetivo deste artigo é examinar diferentes formas de extração do mais-valor no atual estágio do capitalismo digital, à luz da crítica da economia política de Karl Marx (2014, 2017, 2017a, 2022). Sem a pretensão de dar conta de todas as possibilidades de obtenção de mais-valor, o foco da análise será direcionado às novas e antigas configurações do trabalho precarizado postas em movimento por corporações multinacionais de tecnologia, fundadas nos últimos 25 anos6 e atualmente conhecidas pela alcunha de big tech.

A extração do mais-valor pelo capitalismo digital

A descoberta e análise das formas do que Marx chamou de mais-valia ou mais-valor (Mehrwert), que “aparece assim como finalidade determinante, o interesse impulsionador e o resultado último do processo de produção capitalista” (MARX, 2022, p. 48), estão entre as principais contribuições da teoria econômica marxiana sobre o modo capitalista de organização social. A produção de mais-valor, que corresponde ao tempo de trabalho não pago, ou seja, ao período em que o trabalhador excede o tempo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria, gerando um valor excedente (o tal mais-valor) para o seu contratante, é definido por Marx como “a função autêntica e específica do capital como capital”, que “nada mais é do que a produção de mais-trabalho, a apropriação do trabalho não pago no processo de produção real, que se apresenta, se objetiva, como mais-valor” (MARX, 2022, p. 48-49). É esse processo de valorização através da objetivação do trabalho não remunerado que “determina de maneira específica o caráter global do processo de produção” (MARX, 2022, p. 62).

No capitalismo, tal exploração é ofuscada pela forma do salário, “uma forma essencial de mediação da produção capitalista” (MARX, 2022, p. 132), indispensável intermediador fetichista das relações sociais entre capitalistas e trabalhadores livres – segundo a concepção de liberdade que se adequa à ideologia do capital. A forma do salário impede que o trabalhador tenha como saber a porcentagem do valor total criado por sua força de trabalho (e cristalizado na mercadoria) à qual o seu salário corresponde, ou seja, o quanto ele recebe e o quanto do seu trabalho é apropriado de forma gratuita por seu patrão. Hoje, no entanto, com o desenvolvimento da tecnologia, fica mais fácil de entender como funciona a exploração da força de trabalho no sistema capitalista.

Vejamos o exemplo da exploração do trabalho na Uber, que se enquadra na modalidade de trabalho remunerado por peça, “a forma de salário mais adequada ao modo de produção capitalista” (MARX, 2017, p. 627) – sendo a peça, no caso, uma viagem ou “corrida”. A empresa, que fornece serviços de transporte privado, atuando na mediação entre quem precisa do serviço e quem deseja oferecê-lo na condição de motorista, possui cerca de 120 milhões de usuários cadastrados (sendo 30 milhões só no Brasil), 5 milhões de motoristas e apenas 30 mil funcionários, destacando-se mundialmente como uma das mais conhecidas plataformas enxutas (lean platforms) – que, nos termos de Nick Srnicek (2016, p. 32), são aquelas que “buscam reduzir ao mínimo sua propriedade de ativos e lucrar reduzindo custos o máximo possível”7. A Uber não é proprietária do principal meio de produção do serviço de transporte (o automóvel), e a tecnologia da plataforma, uma vez desenvolvida, precisa apenas de alguma manutenção e do aluguel de espaço na “nuvem” para se manter funcionando. Fatalmente, custos com publicidade e gastos judiciais precisarão ser adicionados, mas vamos abstraí-los por ora para nos atermos ao mecanismo de exploração do trabalho em seu processo de reprodução.

Partimos de quanto a Uber cobra por uma viagem no aplicativo, conforme o valor que aparece no smartphone de quem a solicita (digamos, 50 reais), e comparamos com o valor que o motorista da Uber efetivamente recebe (digamos, 40 reais), e que aparece no smartphone desse motorista “parceiro”8. A luta de classes também está na linguagem, e por isso os motoristas “parceiros” jamais são chamados pelas plataformas de trabalhadores, embora a única coisa que os diferencie, no Brasil, de trabalhadores contratados com carteira assinada seja a falta de acesso a uma série de direitos trabalhistas, como férias, 13º salário e auxílios em caso de acidente no trânsito. Essa relação contratual também permite à Uber desligar, sem qualquer encargo, um motorista de sua rede e bloquear seu acesso à plataforma caso, digamos, participe de uma passeata contra a Uber ou simplesmente não atinja as metas de produtividade definidas pela empresa.

Dos 50 reais pagos pelo usuário à Uber, 40 reais correspondem aos custos da empresa com o capital variável, que nesse caso é a força de trabalho do “parceiro”. Sobram 10 reais, que a empresa usa para pagar os demais custos de operação. Vamos admitir que, diluídos por todas as viagens feitas através da Uber, os custos dessa plataforma enxuta representem, em nosso exemplo, dois desses 10 reais. Os oito reais restantes são o total do mais-valor extraído pela empresa da força de trabalho não paga ao motorista.

Vamos seguir em nosso exemplo fictício e imaginar que o mesmo “parceiro” da Uber atendeu a uma segunda chamada de corrida, essa mais curta, que custará ao usuário do serviço 10 reais. Mantendo-se a taxa de cobrança da Uber, o motorista dessa vez receberá oito reais. Se lembrarmos que, na corrida anterior, a Uber reteve exatamente oito reais do trabalho não pago desse motorista, veremos que, nessa segunda corrida, o gasto da empresa com o capital variável é zero. A empresa usa os oito reais que extraiu de mais-valor da primeira corrida para pagar o trabalhador pela segunda corrida, açambarcando desta o máximo possível de mais-valor. É esse efeito em espiral que se consegue verificar quando o capitalismo é analisado em movimento, em suas formas de reprodução simples e ampliada9.

O que reflui continuamente para o trabalhador na forma-salário é uma parte do produto continuamente reproduzido por ele mesmo. Sem dúvida, o capitalista lhe paga em dinheiro o valor das mercadorias, mas o dinheiro não é mais do que a forma transformada do produto do trabalho. (...) É com seu trabalho da semana anterior ou do último semestre que será pago seu trabalho de hoje ou do próximo semestre. A ilusão gerada pela forma-dinheiro desaparece de imediato assim que consideramos não o capitalista e o trabalhador individuais, mas a classe capitalista e a classe trabalhadora. A classe capitalista entrega constantemente à classe trabalhadora, sob a forma-dinheiro, títulos sobre parte do produto produzido por esta última e apropriado pela primeira. De modo igualmente constante, o trabalhador devolve esses títulos à classe capitalista e, assim, dela obtém a parte de seu próprio produto que cabe a ele próprio. A forma-mercadoria do produto e a forma-dinheiro da mercadoria disfarçam a transação (MARX, 2017, p. 642).

A cada nova viagem ou “corrida”, nosso motorista produz uma certa quantidade de mais-valor, que será apropriada pela plataforma e, em parte, reinvestida em capital variável, ou seja, no pagamento de seus “motoristas parceiros”. Conclui-se que “o trabalhador produz, portanto, o fundo de seu próprio pagamento, o capital variável, antes que este lhe retorne sob a forma de salário, e ele só permanece ocupado enquanto o reproduz continuamente” (MARX, 2017, p. 642).

O mesmo ocorre com os prestadores de serviços de entrega de produtos, sendo os aplicativos que oferecem serviços de delivery de comidas e bebidas os mais conhecidos. No Brasil, esse setor é encabeçado pela plataforma iFood, que, com mais de 300 mil estabelecimentos “parceiros” (entre restaurantes e mercados), 200 mil entregadores, 40 milhões de consumidores e menos de 10 mil funcionários, abocanha mais de 80% do mercado brasileiro de entrega de alimentos à domicílio (ou 70%, se o Whatsapp for considerado como plataforma de delivery, o que, de fato, também é). Nesse caso, diferentemente dos aplicativos de transporte que se conectam com apenas duas pontas de uma cadeia informacional (o motorista e o usuário), nas plataformas de delivery há uma mediação triangular entre o usuário, o restaurante, bar ou mercado e o entregador, sendo este último a ponta mais desassistida e precarizada de todo o arranjo.

Os entregadores que prestam serviços de entrega ao iFood, devidamente cadastrados na plataforma como parceiros autônomos, são trabalhadores que recebem por peça, como os motoristas mencionados anteriormente, em um ritmo de trabalho chamado zero hour contract, no qual o trabalhador fica à disposição para que sua força de trabalho seja solicitada conforme a demanda10. O entregador de uma pizzaria, por exemplo, provavelmente terá um ritmo intenso de trabalho aos sábados à noite, mas pode passar longos períodos sem trabalho em uma segunda-feira.

Assim como o motorista de aplicativo em suas corridas, sempre que o entregador concluir uma entrega terá direito a receber uma certa quantia, que será necessariamente menor do que a que a plataforma reterá após pagar o restaurante. E, novamente, parte desse valor criado pela força de trabalho do entregador que foi retida pela plataforma será reinvestido por esta em capital variável, ou seja, irá pagar os trabalhadores pelas próximas entregas e abocanhar uma parte ainda maior de mais-valor.

O capital, portanto, não é apenas o comando sobre o trabalho, como diz A. Smith. Ele é, em sua essência, o comando sobre o trabalho não pago. Todo mais-valor, qualquer que seja a forma particular em que mais tarde se cristalize, como o lucro, a renda etc., é, com relação à sua substância, a materialização [Materiatur] de tempo de trabalho não pago. O segredo da autovalorização do capital se resolve no fato de que este pode dispor de uma determinada quantidade de trabalho alheio não pago (MARX, 2017, p. 602).

Na citação acima, do livro I de O Capital, vemos que o capitalista pode dispor do trabalho não pago que extrai da força de trabalho do trabalhador; no capítulo VI inédito, texto que realiza uma espécie de transição entre o livro I e o livro II, Marx (2022, p. 5) escreve que “a mercadoria como produto do capital contém trabalho em parte pago e em parte não pago”11; já no Livro II, lê-se que “o mais-trabalho da força de trabalho é o trabalho gratuito do capital e cria para o capitalista um valor que não lhe custa equivalente algum” (MARX, 2014, p. 120); e finalmente, no livro III, o autor vaticina:

O processo de produção capitalista consiste essencialmente na produção de mais -valor, representado pelo mais -produto, ou na alíquota das mercadorias produzidas, na qual o trabalho não pago está objetivado. Não se pode jamais esquecer que a produção desse mais -valor – e a reconversão de parte dele em capital (ou seja, a acumulação) constitui parcela integrante dessa produção do mais – valor – é a finalidade direta e o motivo determinante da produção capitalista (MARX, 2017a, p. 283).

Está claro que o mais-valor como apropriação do trabalho gratuito é um entendimento fundamental da crítica da economia política de Marx, que produz um corte epistemológico entre a economia política clássica e a análise marxiana do modo de produção capitalista (expressão, aliás, cunhada pelo pensador alemão).

Tecnologia e trabalho precarizado

No afã de ampliar ao máximo a extração de mais-valor, o capitalista encontra duas frentes de ação: uma delas é a ampliação da jornada de trabalho, prolongando o tempo em que o trabalhador excede o tempo de trabalho necessário e permanece produzindo mais-valor, mediante um quantum de mais-trabalho. Marx chama essa modalidade de mais-valor absoluto. A outra modalidade, o mais-valor relativo, consiste no uso de inovações tecnológicas para aumentar a produtividade e diminuir o tempo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria, com a possibilidade de incorporação de maquinário que custe ao capitalista menos do que o seu gasto com a força de trabalho. Esse processo resulta na substituição de capital variável (força de trabalho) por capital fixo ou constante (máquinas, processos automatizados, inteligência artificial etc.). A produtividade da máquina é medida, assim, pelo grau em que ela substitui a força humana de trabalho, sendo a autovalorização do capital por meio da máquina “diretamente proporcional ao número de trabalhadores cujas condições de existência ela aniquila” (MARX, 2017, p. 502-503).

Considerada exclusivamente como meio de barateamento do produto, o limite para o uso da maquinaria está dado na condição de que sua própria produção custe menos trabalho do que o trabalho que sua aplicação substitui. Para o capital, no entanto, esse limite se expressa de forma mais estreita. Como ele não paga o trabalho aplicado, mas o valor da força de trabalho aplicada, o uso da máquina lhe é restringido pela diferença entre o valor da máquina e o valor da força de trabalho por ela substituída (MARX, 2017, p. 466).

Portanto, não surpreende que, ao lado da excitação geral com as infinitas possibilidades de aplicação de processos de inteligência artificial no mundo do trabalho, seja possível notar uma apreensão em diversos setores profissionais com as possibilidades de substituição de trabalho vivo por trabalho automatizado. Afinal, como lembram Marx e Engels (2010, p. 43), “essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes”.

Em 2023, a popularidade do Chat GPT-4 (sigla para Generative Pre-trained Transformer), um gerador de textos em modelo de linguagem extensa (Large Language Model) que gera respostas em formato de redação a partir de uma varredura na informação disponível na internet, veio acompanhada de um temor de professores, tradutores, compositores, estagiários de direitos profissionais de marketing e outras ocupações passíveis de substituição. O leitor e a leitora que exercem alguma dessas profissões ameaçadas pelo desenvolvimento da tecnologia deveria, então, concluir que um robô vai tomar o seu trabalho?

Bem, é possível que sim. Mas a culpa não é da tecnologia, e sim da forma como ela é empregada no sistema capitalista: “aqui, como em toda parte, é preciso distinguir entre a maior produtividade que resulta do desenvolvimento do processo social de produção e aquela que resulta da exploração capitalista desse desenvolvimento” (MARX, 2017, p. 494).

As contradições e os antagonismos inseparáveis da utilização capitalista da maquinaria inexistem, porquanto têm origem não na própria maquinaria, mas em sua utilização capitalista! Como, portanto, considerada em si mesma, a maquinaria encurta o tempo de trabalho, ao passo que, utilizada de modo capitalista, ela aumenta a jornada de trabalho; como, por si mesma, ela facilita o trabalho, ao passo que, utilizada de modo capitalista, ela aumenta sua intensidade; como, por si mesma, ela é uma vitória do homem sobre as forças da natureza, ao passo que, utilizada de modo capitalista, ela subjuga o homem por intermédio das forças da natureza; como, por si mesma, ela aumenta a riqueza do produtor, ao passo que, utilizada de modo capitalista, ela o empobrece etc. (MARX, 2017, p. 513).

Por outro lado, o Chat GPT também cria novos postos de trabalho, uma vez que sua linguagem precisa, como diz a sigla, de algum pré-treinamento. A versão anterior do Chat, o GPT-3, embora produzisse textos coerentes graças a sua grande capacidade de processamento da informação encontrada na rede mundial, frequentemente escrevia comentários racistas, sexistas, homofóbicos e violentos – justamente graças à sua capacidade de processamento da informação (o que inclui o chorume informacional) encontrada na rede. Para solucionar o problema, a OpenAI, desenvolvedora da ferramenta, contrata o serviço de uma empresa baseada em São Francisco, no coração do Vale do Silício, que usa mão de obra de países como Quênia, Índia e Uganda para trabalhar como etiquetadores de dados (data labelers), classificando conteúdo impróprio para empresas como Alphabet, Meta e Microsoft. De acordo com uma reportagem da revista Time, quenianos receberam menos de 2 dólares por hora para fazer com que a linguagem do chat da empresa se tornasse menos tóxica12.

A classificação dos dados no Chat GPT é feita submetendo trabalhadoras e trabalhadores mal pagos a textos que descrevem, graficamente, abuso infantil, tortura, automutilações, assassinatos, suicídios e demais usos abjetos e traumatizantes da linguagem humana, para que esses trabalhadores rotulem tais conteúdos como impróprios e tornem a nova versão do Chat GPT mais impermeável a redações ofensivas. A produção de um ambiente digital menos tóxico, como o que o Chat GPT-4 apresenta hoje, é feita às custas da saúde mental desses gatekeepers do trabalho precarizado. O expediente, longe de ter sido inaugurado pela OpenAI, faz parte do modus operandi das big tech de contratação de mão de obra terceirizada em países periféricos, como mostra o filme The Cleaners, de 2018, dirigido por Hans Block e Moritz Riesewieck, que acompanha a rotina de trabalhadores nas Filipinas responsáveis pela remoção de vídeos impróprios do YouTube e do Facebook.

Abaixo dos círculos do inferno dos motoristas e entregadores de aplicativos e dos moderadores de conteúdo impróprio, está o ainda mais dantesco e nada inovador trabalho de extração de minerais valiosos, como o coltan e o ouro, para a indústria dos eletrônicos. O coltan – uma mistura de dois minerais, a columbita (de onde se extrai o nióbio, que tem propriedades de supercondutor) e a tantalita (de onde se extrai o tântalo, utilizado na fabricação de pequenos condensadores) – é um minério metálico utilizado na maioria dos aparelhos eletrônicos, como smartphones, notebooks e demais computadores, sejam portáteis ou de bordo (como em foguetes e estações espaciais). Filamentos de ouro, um excelente condutor de energia elétrica e térmica, também não podem faltar na produção de iPhones, iMacs e iPads.

(...) não há hardware sem software. Falta dizer que também não há hardware sem ouro, lítio, columbita, tantanila, coltan, cobalto entre outras matérias-primas frequentemente extraídas de forma violenta de terras indígenas ou africanas pelo garimpo predatório. (...) Como argumentou Frantz Fanon, o colonialismo foi fundamental para o desenvolvimento da democracia e da tecnologia nas metrópoles europeias e agora, em caminho similar, o colonialismo digital garante o funcionamento normal de nossos smartphones e sistemas de navegação aérea. Um fenômeno que só é possível mediante a criação permanente de mundos de morte em territórios de extração de matérias-primas imprescindíveis para a indústria eletrônica, como as minas no lago Kivu, na fronteira do Congo com Ruanda e Burundi (FAUSTINO; LIPPOLD, 2023, p. 86-87)

Como a lei brasileira, até 2023, se baseava na declaração de boa-fé do vendedor para legitimar a comercialização do ouro brasileiro no mercado, é difícil precisar a porcentagem do ouro extraído ilegalmente de reservas indígenas (como as Yanomami) que está contida em cada smartphone. A mesma dificuldade se coloca no cálculo da quantidade de trabalho não pago que está presente na extração de coltan das maiores reservas desse minério no mundo, localizadas na República Democrática do Congo, palco de uma guerra civil envolvendo a posse das minas (dentre outras questões étnicas e territoriais) que se estende por anos no país africano.

O que não é razoável é ignorar as práticas de garimpo ilegal de ouro no Brasil e de exploração do trabalho escravo e semiescravo no Congo como expedientes necessários à produção dos dispositivos eletrônicos que franqueiam o acesso ao mercado mundial da internet. Antes do dado, há o minério; ou, como afirma Antunes (2018, p. 20), “o ponto de partida do trabalho digital se encontra no duro ofício realizado pelos mineiros”. Tais atividades figuram no rol do trabalho precarizado do século XXI, que se esconde sob o véu leve e aparentemente imaterial do capitalismo digital que se desmancha na “nuvem”.

Considerações finais

Na década de 1960, quando os EUA e a URSS disputavam a hegemonia mundial e a ideologia da sociedade industrial seguia em alta, Herbert Marcuse (2015, p. 36, grifos do autor) escreveu que, “como universo tecnológico, a sociedade industrial avançada é um universo político, o estágio mais recente da a realização de um projeto histórico específico – a saber, a vivência, transformação e organização da natureza como mero material de dominação”. Três décadas depois, com o fim da URSS e o espraiamento da tecnologia digital, Douglas Kellner (apud MARCUSE, 2015, p. 25) atualiza as racionalidades científicas e tecnológicas que o filósofo frankfurtiano havia descrito, considerando-as "mais poderosas hoje com o surgimento da computação, a proliferação de mídias e informações e o desenvolvimento de novas técnicas e formas de controle social”.

Lamentavelmente, as afirmações desses teóricos críticos têm atravessado décadas sem envelhecer; ao contrário, revelam todo o seu vigor no processo de flexibilização de contratações que grassa no mundo do trabalho atual, que se soma a altas taxas de desemprego e é aprofundado pelo compromisso de lideranças governamentais conservadoras com medidas de austeridade que tendem a sacrificar direitos trabalhistas consolidados. Tais fatos têm contribuído para um acentuado processo de precarização da força de trabalho local, que se soma à tendência de precarização estrutural do trabalho em escala global, do qual resultam terceirizações, desregulamentações, assédios, adoecimentos e padecimentos.

Em seu livro sobre o novo proletariado de serviços da era digital, Antunes (2018) procura desfazer o mito presente nas percepções de alguns pensadores sobre as novas configurações pelas quais passa o mundo do trabalho nas últimas décadas. O sociólogo brasileiro problematiza certas teses e formulações associadas a autores como Jürgen Habermas, André Gorz, Daniel Bell e Manuel Castells, que teriam enxergado, ao longo da segunda metade de século passado, a perda de vigência da lei do valor e a perda de relevância do trabalho enquanto elemento estruturante da sociedade. Para esses autores, segundo afirma Antunes, estaríamos presenciando a emergência de novos estratos sociais oriundos das atividades comunicativas, movidas pelo avanço tecnocientífico e pelo advento da sociedade da informação.

No entanto, ao contrário da sociedade pós-industrial de Bell, que proclamava a superação do trabalho degradado do chão de fábrica pela criatividade no setor de serviços ligados ao uso das novas tecnologias de informação, pesquisas desenvolvidas nos últimos anos têm apontado para a expansão do que Antunes (2018, p. 78-79, grifos do autor) chama de “novo segmento do proletariado da indústria de serviços”, setor que vem crescendo desde que o capitalismo fez deslanchar a “era das mutações tecnológico-informacionais-digitais”. A enorme expansão do setor de serviços e dos chamados trabalhos imateriais que se subordinam à forma-mercadoria confirmam sua hipótese: “o mito de que a ‘sociedade de serviços pós-industrial’ eliminaria completamente o proletariado se mostrou um equívoco enorme. Evaporou-se. Desmanchou-se no ar” (ANTUNES, 2018, p. 33).

Às costureiras e costureiros, que desde o século XIX prestam serviços usando suas próprias máquinas de costura, juntam-se motoristas com seus próprios carros comprados a prazo, que vendem sua força de trabalho para plataformas que não possuem carros, bem como entregadores que prestam serviços a aplicativos de entrega de empresas que não possuem nem entregadores nem veículos de entrega, muitas vezes arcando com o aluguel de bicicletas para a realização do trabalho, além de uma série de outros serviços que são ofertados por trabalhadoras e trabalhadores autônomos, para os mais variados cadastros de empresas de tecnologia, que disponibilizam tais serviços em suas plataformas sem precisar passar por um processo formal de contratação, extraindo seu lucro da intermediação entre o consumidor e comprador, seja de bens ou serviços.

Não importa se uma atividade realizada no âmbito do atual mundo do trabalho é predominantemente material ou imaterial, mais ou menos regulamentada; para Antunes (2018, p. 31), em sua nova morfologia, o conceito ampliado de classe trabalhadora “deve incorporar a totalidade dos trabalhadores e trabalhadoras, cada vez mais integrados pelas cadeias produtivas globais e que vendem sua força de trabalho como mercadoria em troca de salário, sendo pagos por capital-dinheiro”. Esses trabalhadores, chamados pelo autor de “infoproletariado” ou “intermitentes globais”, encontram-se submetidos às instabilidades e inseguranças que caracterizam as novas formas de contratação do capitalismo digital, que, como lembra o bielorusso Evgeny Morozov (2018, p. 163), só podem ser compreendidas “no contexto da liberalização do mercado de trabalho e da crescente precarização da mão de obra no setor de serviços em geral”.

A criação de termos como uberização e pejotização, este em referência aos microempreendedores individuais que possuem status de pessoa jurídica, é resultante das tendências desregulamentadoras e do caráter neoliberal do mercado de trabalho dominante, atualmente atravessado por um novo regime de mediação da informação (BEZERRA, 2017) que torna trabalhadores e trabalhadoras dependentes das novas formas de mediação tecnológica e empurra-os para jornadas de trabalho cada vez mais desgastantes. Assalariados por peça como motoristas, entregadores e rotuladores de conteúdo estarão sempre propensos ao sobretrabalho (“só mais uma corrida, só mais uma entrega, só mais um vídeo de esquartejamento”, pensam), já que é “do interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois assim aumenta seu salário diário ou semanal” (MARX, 2017, p. 625). A ilusão dessa escolha mascara o fato de que, seja no velho capitalismo industrial ou no capitalismo digital de nossos dias, “não é o trabalhador quem emprega as condições de trabalho, mas, ao contrário, são estas últimas que empregam o trabalhador”, como bem sabem os que conhecem Marx (2017, p. 495) e os que conhecem a fome.

Referências

ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços da era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.

BEZERRA, A. C. Vigilância e cultura algorítmica no novo regime de mediação da informação. Perspectivas em Ciência da Informação (on-line), v. 22, p. 68-81, 2017.

FAUSTINO, D.; LIPPOLD, W. Colonialismo digital: por uma crítica hacker-fanoniana. São Paulo: Boitempo, 2023.

MARCUSE, H. O homem unidimensional: estudos da ideologia da sociedade industrial avançada. São Paulo: EDIPRO, 2015.

MARX, K. Capítulo VI inédito. São Paulo: Boitempo, 2022.

MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2017 (2ª edição).

MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro II: o processo de circulação do capital. São Paulo: Boitempo, 2014.

MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro III: o processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017a.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.

MOROZOV, E. Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: Ubu editora, 2018.

POLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. Contraponto, 2021.

SILVEIRA, S. A. Capitalismo digital. Revista Ciências do Trabalho, nº 20, out. 2021, p. 1-10.

SRNICEK, N. Platform capitalism. Cambridge: Polity Press, 2016.

Notas

1 Este artigo conta com apoio das agências de fomento CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), mediante, respectivamente, bolsa de produtividade PQ2 e bolsa Jovem Cientista do Nosso Estado.
2 Pesquisador titular do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Professor do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCI IBICT UFRJ). Bolsista CNPq e FAPERJ. E-mail: arthurbezerra@ibict.br. Orcid 0000-0001-5445-6263
3 No Manifesto Comunista, Marx e Engels (2010, p. 42-43) já haviam escrito que “a burguesia desempenhou na História um papel iminentemente revolucionário. (...) A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais”.
4 A crise financeira de 2007-2008 foi precipitada por uma bolha artificial criada no mercado imobiliário que resulta na falência de tradicionais instituições financeiras (como o banco norte-americano Lehman Brothers, fundado em 1850), criando um efeito dominó de dimensões globais. A crise estimula na população uma busca por alternativas de consumo mais baratas e convenientes, acelerando o crescimento do comércio eletrônico e o propiciando o surgimento de uma variedade de serviços mais econômicos. Na outra ponta da economia capitalista, a crise leva investidores a buscarem setores mais estáveis e com maior potencial de crescimento, aumentando o investimento em corporações como Google, Amazon, Apple, Microsoft e Facebook. À medida que empresas, consumidores e investidores buscam formas mais eficientes e seguras de realizar negócios, o uso e a dependência das plataformas digitais como necessárias intermediadoras alça as empresas proprietárias dessas plataformas à condição de líderes do mercado digital global, retroalimentando seus lucros sob a vista grossa do laissez-faire neoliberal.
5 Segundo o economista Karl Polanyi, além do mercado autorregulado e do Estado liberal, a civilização do século XIX apoiava-se no sistema de equilíbrio de poder, que pôde garantir a “paz de cem anos”, e no padrão-ouro internacional, “símbolo de uma organização única da economia mundial”, cuja queda foi a causa imediata do desmoronamento civilizacional e da “grande transformação” que tal catástrofe trouxe (temas centrais do livro de Polanyi).
6 Criada em 1998, a Google é a mais antiga big tech citada neste artigo. Todas as demais empresas foram fundadas no século XXI.
7 Em Platform Capitalism, Srnicek lista cinco tipos de plataformas: o primeiro é o das plataformas de publicidade (por exemplo, Google, Facebook); o segundo tipo é o das plataformas de nuvem (como a Amazon Web Service); o terceiro é o das plataformas industriais (General Eletric, Siemens); o quarto tipo é o das plataformas de produtos (Netflix, Spotify); finalmente, o quinto tipo é o das plataformas enxutas (por exemplo, Uber, Airbnb). O autor ressalta que essas divisões analíticas podem funcionar em conjunto dentro de uma mesma empresa (SRNICEK, 2016, p. 32).
8 Em 2022, a Uber declarou cobrar entre 1% e 40% de cada viagem, conforme o tempo e a distância. Em nosso exemplo fictício, a taxa é de 20%, abstraindo-se demais fatores como promoções, bônus, variações dinâmicas de preço etc.
9 Ver os capítulos 21 e 22 de O Capital, em Marx, 2017, p. 641-687.
10 Ricardo Antunes (2018) localiza no Reino Unido a experiência pioneira do zero hour contract, em que profissionais (sejam eletricistas, faxineiros, passeadores de cachorros, costureiros etc.) se cadastram em uma plataforma e são acionados para trabalhar mediante uma demanda específica, estando à constante disposição de uma eventual chamada – da mesma forma como estão os motoristas da Uber e os entregadores do iFood.
11 Embora Marx destaque a imprecisão da afirmação, uma vez que o que a mercadoria realmente contém é trabalho objetivado, admite que “é útil como abreviação caracterizar uma parte como trabalho remunerado e outra como trabalho não-remunerado”. (MARX, 2022, p. 25).
12 Disponível em https://time.com/6247678/openai-chatgpt-kenya-workers/ Acesso em 20 de junho de 2023.

Notas de autor

1 Este artigo conta com apoio das agências de fomento CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), mediante, respectivamente, bolsa de produtividade PQ2 e bolsa Jovem Cientista do Nosso Estado.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por