Resumo: Este artigo buscou descrever como é possível analisar as condições ambientais de um subsistema de veredas de um assentamento por meio de um protocolo de avaliação rápida de veredas (PARV). Para isso, realizou-se uma pesquisa exploratória de abordagem qualiquantitativa em veredas localizadas na microbacia do rio Sete de Setembro, inserido no munícipio de Água Boa – Mato Grosso, em 13 ambientes. Ao final, obteve-se a caracterização dos componentes geoambientais de cada vereda, constatou-se um certo nível de conservação em alguns pontos e interferências antrópicas iniciais em outros, além de se identificar trechos totalmente impactados.
Palavras-chave: Cerrado, Veredas, Assentamento Jaraguá, Condições ambientais.
Abstract: This article sought to describe how it is possible to analyze the environmental conditions of a subsystem of paths in a settlement using a rapid path assessment protocol (PARV). For this, an exploratory research with a qualitative and quantitative approach was carried out in paths located in the Sete de Setembro river microbasin, inserted in the municipality of Água Boa - Mato Grosso, in 13 environments. In the end, the characterization of the geoenvironmental components of each path was obtained, a certain level of conservation was verified in some points and initial anthropic interference in others, in addition to identifying sections that were totally impacted.
Keywords: Cerrado, Veredas, Jaraguá Settlement, Environmental conditions.
Análise ambiental de subsistema de veredas: um estudo no assentamento Jaraguá, Água Boa – Mato Grosso
Environmental analysis of the pathways subsystem: a study in the Jaraguá settlement, Água Boa – Mato Grosso
Recepción: 01 Octubre 2023
Aprobación: 01 Diciembre 2023
Nas últimas décadas o domínio do bioma Cerrado, situado no centro do território brasileiro, sofreu mudanças drásticas nos âmbitos econômico, social e ambiental. Tais mudanças foram causadas pelo enérgico processo de ocupação humana, ocasionado pelo somatório de intervenções políticas, naturalidade da paisagem e avanços tecnológicos na agricultura e pecuária (SOARES; FIORI, 2017).
Além dos aspectos históricos supracitados, o Cerrado se evidencia por sua protuberância ambiental, sendo compreendido como o “berço das águas” por apresentar em suas demarcações as nascentes das principais bacias hidrográficas do país (SILVEIRA; CUNHA, 2019). Com disposição fisionômica, o Cerrado é constituído pela formação de um mosaico vegetacional composto por diferentes fitofisionomias, consideradas como formações florestais, savânicas e campestres. Os solos ocorrentes no bioma constituem um peso considerável deste sistema e apresentam, em sua maioria, o tipo latossolo (FINGER; FINGER, 2015).
De acordo com a Embrapa (2019), 50 % da paisagem desse bioma foi desmatada. Nesse cenário, entre as formações savânicas, destacam-se as veredas que são fitofisionomias que possuem atributos paisagísticos e geoambientais diferenciados (STRASSBURG et al., 2017), além de função ambiental ímpar para a perenização de rios e lagos de bacias hidrográficas. Logo, pode-se atribuir a esses ambientes uma classificação de subsistema.
Para Cunha et al. (2015), os ambientes de veredas apresentam-se como uma vegetação recíproca que possui características próprias e marcantes como a presença da palmeira buriti (Mauritia flexuosa l.f.) e espécies herbáceas arbustivas, além de possuírem atributos específicos nos seus componentes geoambientais, tais como: solo, disposição hídrica e vegetação.
Além das funções ecológica e de equilíbrio hidrológico, esse ambiente desempenha papel socieconômico fundamental em várias regiões em que está localizado. Cita-se a geração de renda para as comunidades que estão ao seu entorno por meio da extração do fruto e dos derivados da palmeira buriti (DULEBA et al., 2019).
No entanto, apesar da importância das veredas para as regiões do Cerrado, as atividades humanas estão ameaçando esses ecossistemas, provocando a sua degradação contínua. Conforme Augustin et al. (2009), Carvalho e Scopel (2018), a construção de estradas, canais de drenagem e o avanço da urbanização, indiscriminadamente, causam assoreamentos, ressecamento dos solos, diminuição do volume hídrico, erosão e perda irreparável da beleza e biodiversidade das veredas.
Neste âmbito, percebe-se que os traços intrínsecos do ambiente de vereda, na maioria das vezes, são desconsiderados no momento de seu enquadramento na legislação o que compromete a interferência da fiscalização ambiental. Logo, é necessário o estabelecimento de diretrizes mais eficientes que privilegiem a preservação e/ou conservação desses ambientes encharcados, conforme os seus aspectos físicos e geomorfológicos.
Apesar da significância dos ambientes de veredas para o bioma Cerrado são mínimos os trabalhos sobre o tema e os poucos publicados que exploram os aspectos econômicos, os impactos ambientais de grande escala e o dimensionamento territorial, concentram-se, em sua maioria, em subsistemas de veredas presentes no estado de Minas Gerais e da região sudoeste de Goiás. No caso do estado de Mato Grosso, são poucos os estudos envolvendo o ambiente de veredas como aqueles desenvolvidos por Miguez (2008), Finger e Finger (2015) e Aguiar et al. (2019), sendo que e realizaram apenas levantamentos florísticos. Em se tratando, especificamente, da análise ambiental do referido ambiente, não se encontrou nenhum estudo que caracterize os impactos sofridos por esse subsistema.
Considerando o exposto, este artigo que se originou de uma pesquisa de um Programa de Mestrado Profissional da área de Ciências Ambientais tem como objetivo principal: descrever como é possível analisar as condições ambientais de um subsistema de veredas de um assentamento por meio de um protocolo de avaliação rápida de veredas (PARV). Acrescenta-se que levantamentos geoambientais sobre as áreas de veredas localizadas na microbacia do rio Sete de Setembro, inserido no munícipio de Água Boa – Mato Grosso, lócus desta investigação, permitirão compreender o estado de conservação destas veredas que possuem uma importância econômica e histórica para o estado e que ainda não dispõe de dados acerca do seu nível de conservação.
Definição do ambiente de vereda
O ambiente de vereda é compreendido como uma fitofisionomia do bioma Cerrado e está condicionado a um maior índice de umidade no solo. É referenciado como nascentes de córregos e rios, além de se distinguir de outros ambientes, principalmente, pela presença da palmeira buriti (Mauritia flexuosa L.f.), em agrupamentos com outras plantas semi-arbustivas, arbustivas e herbáceas (DULEBA et al., 2019).
Os buritis das veredas, diferente de outras composições do bioma Cerrado, não formam dossel. Acrescenta-se que no meio acadêmico não há um consenso sobre a gênese das veredas. Geralmente, entende-se que as veredas estão condicionadas a três preceitos, sendo: superfície plana, camadas geológicas superpostas e existência de um nível de base local (SILVA; MAILLARD, 2011).
Outro aspecto observado nos ambientes de veredas é a drenagens do Cerrado. É notório o afloramento do lençol freático, concluindo-se, portanto, que as veredas são ambientes de projeção de águas bem definidos (DULEBA et al., 2019).
No âmbito geomorfológico, de acordo com Ferreira (2003), as veredas são do ponto de vista fluvial:
vales rasos, com vertentes côncavas e arenosas de caimento pouco pronunciado e fundo plano, preenchidos por argila hidromorfa. A palmeira buriti é também um elemento característico, ocorrendo tanto em alinhamentos que acompanham os pontos de maior umidade, como em formações e associações mais densas no meio dos cerrados adjacentes. O escoamento geralmente é perene, notando-se, entretanto, nítida variação sazonal de vazão (FERREIRA, 2003, p. 155).
Já, no âmbito hidrográfico, as veredas são caracterizadas como:
zonas deprimidas, com forma geralmente ovalada, linear ou dirigida dentro de uma área estruturalmente plana ou aplainada pela erosão. Resulta de processos epidérmicos e exsudação do lençol freático, cujas águas geralmente convergem para um talvegue de drenagem concentrada, assinalada por um renque arbustivo e/ou arbóreo, caracterizado por palmeiras de diferentes espécies, particularmente o buriti (BOAVENTURA, 2007, p. 90).
No campo geomorfológico, as veredas têm origem do extravasamento de lençol profundo, sendo que há veredas com extravasamento de mais de um lençol e aquelas de superfície aplainada. Nas áreas de planícies as veredas se constituem, exclusivamente, sobre os chapadões areníticos de superfícies tabulares, evidenciando a correlação de sua presença com a litologia da área de estudo, caracterizada por formações cretáceas (SILVEIRA; CUNHA, 2019)
Ainda, de acordo com Augustin et al. (2009), os ambientes de veredas apresentam variações morfológicas internas, sendo: zona de canal, zona encharcada, zona seca e zona de envoltório. Neste cerne, citam-se os estudos que do ponto de vista arbóreo apresentam as veredas como comunidades hidrófilas que se localizam no planalto central do país, sendo notórias as formações com extratos diferenciados e que ocorrem em associação com outro nível arbóreo, estando o campo herbáceo em contato com o arbustivo e com a presença marcante do buriti.
Ribeiro e Walter (1998) afirmam que os vegetais encontrados nos ambientes de veredas são divididos por extratos, sendo comum as gramíneas, espécie das famílias Poaceae e Cyperaceae e que são vistas nas bordas das veredas no contato com outra fitofisionomia. Acrescenta-se que as plantas gramíneas estão em bordas de veredas provavelmente pela estrutura do sistema radicular que facilita o desenvolvimento em solo arenoso e periodicamente encharcado (RAMOS et al., 2006). Outras espécies arbustivas, principalmente da família Melastomataceae, também estão presentes nas veredas. Em ciclo mais saliente de formação de mata as espécies arbóreas são encontradas, caracterizando as matas de galeria associadas ao buriti (SOARES; FIORI, 2017).
Considerando o ambiente de vereda como abstruso e confuso visto que não há unicidade em sua definição, no presente trabalho se realizou uma análise conceitual, admitindo-se ao final a seguinte compreensão para a aplicação da metodologia proposta: o ambiente de vereda é a típica fitofisionomia do bioma Cerrado, congruente com o escoamento local e que ocorre em áreas de maior umidade. Condicionantes geológicos indicam a sua origem, juntamente com a sobreposição de extrato litológico e com a permeabilidade desconforme que ocasiona a projeção de água do lençol freático. É formado por vales rasos de vertentes de granulação arenosa, com baixa declividade, com topografia de fundo plano e solos do tipo organossolo. A sua vegetação indica a aparição de espécies dispostas em extratos. Ao sair do cerrado, sentido curso d´água, tem-se o extrato de espécies herbáceas, excedendo-se para arbustivo e, por fim, arbóreo onde há a palmeira buriti (RAMOS et al., 2006)
A destruição do bioma Cerrado tem se intensificado a partir de políticas de incentivo para o uso do solo com foco no crescimento e desenvolvimento econômico do Centro-Oeste brasileiro, especificamente, por meio da agricultura e agropecuária.
De acordo com Silva et al. (2018), o bioma Cerrado em conjunto com a Mata Atlântica representa o domínio que mais sofreu perturbações com o desbravamento humano e que ocasionou a diminuição dos recursos naturais do bioma. Mesmo com o reconhecimento de sua importância para a ecologia o bioma possui a menor área de proteção, com apenas 2,8% de espaço físico.
Ainda, com o passar dos anos, o bioma vem perdendo as suas características devido às ações do homem que são amenizadas por leis brandas, o que favorece a degradação ambiental, incluindo as veredas.
Além da agricultura e agropecuária, as veredas que são áreas de preservação permanente e possuem pouca capacidade de regeneração sofrem descaracterização devido às barragens, estradas e ao fogo (MIGUEZ et al., 2008).
Nesse cerne, citam-se como as principais perturbações sofridas pelas veredas: o empobrecimento e a degradação dos solos oriundos das queimadas, a contaminação por agente químico da água e solo, o soterramento, a irrigação e a mineração (FINGER; FINGER, 2015).
Nos ambientes de veredas as atividades supracitadas promovem a diminuição da umidade do solo e, consequentemente, do nível do lençol freático, ocasionando a extinção de espécies de plantas e favorecendo o aparecimento de espécies invasoras. No caso das queimadas, atividades comumente observadas no Cerrado e que são utilizadas para remover vegetais para o cultivo de grãos ou, até mesmo, para a renovação de pastagens, há a exposição do solo o que desencadeia o escoamento superficial e a carreação de dejetos (BAHIA et al., 2009).
Em um estudo realizado em veredas no município de Buritizeiro-MT, Augustin et al., (2009) identificaram a presença de voçorocas nas estradas que interligavam as lavouras de Eucalipto às sedes das fazendas. Na análise da vereda perturbada, após o plantio de Eucalipto, observou-se que o aterramento construído para revigorar a estrada desviou o escoamento da vereda e os dejetos de lama gerados, promovendo o assoreamento da zona turgida.
Outros métodos comuns na agricultura que podem comprometer as veredas utilizados, principalmente, em culturas de arroz são as drenagens e a calagem do solo, concomitantemente, com o desmatamento e barramento de terreno e que podem ocasionar a diminuição da turgidez do solo, da diversidade e o acúmulo de biomassa nas veredas (BAHIA et al., 2009).
Os primeiros protocolos de avaliação rápida foram desenvolvidos pela “Divisão de Avaliação e Proteção das Bacias Hidrográficas”, fundada para abastecer um banco de dados simples sobre os ambientes aquáticos com o intuito de permitir a observação da qualidade da água e o gerenciamento de recursos hídricos (AGUIAR et al., 2019). Ressalta-se que o protocolo de avaliação rápida (PAR) tem por finalidade facilitar o acesso e a interpretação dos sistemas hídricos por profissionais ou pessoas treinadas para tal propósito, além de apresentar baixo custo em sua aplicação.
No Brasil, o controle ambiental baseia-se na análise hídrica que é realizada de maneira geral por meio de protocolos de avaliação do ecossistema. Acrescenta-se que tais protocolos, na maioria das vezes, são adaptados devido a variação existente na biodiversidade do país (FELIX; ALVES; LIMA, 2019).
Nesse cerne, destacam-se os estudos que foram desenvolvidos com o intuito de testar os Protocolos de Avaliação Rápida (PARs). Cita-se Calisto, Moretti e Goulart (2001) que testaram PARs em trechos dos rios do Parque Nacional da Serra do Cipó (MG) e do Parque Nacional da Bocaina (RJ). Rodrigues (2008), alterou um PAR para os trechos dos rios de alto e baixo curso em ambientes rupestres do cerrado. Rodrigues, Malafaia e Castro (2012), utilizaram um PAR adaptado para rios e riachos subtropicais, Já, Martins (2019), adequou um PAR para os ambientes de Veredas em uma análise ambiental no Córrego Correntinho, na cidade de Miracema do Tocantins – TO.
Logo, os PARs são protocolos utilizados para indicar o estado hídrico de modo qualitativo, podendo estabelecer um valor (pontuação) para o estado físico apresentado pelo ambiente. Quanto a utilização do PAR em veredas, Rodrigues, Malafaia e Castro (2012) descrevem tal metodologia como uma alternativa rápida e de baixo custo, permitindo, de maneira eficiente, a avaliação qualitativa de variáveis representativas de um conjunto de fatores que controlam os processos e as estruturações ecológicas dos sistemas fluviais.
Para Campos, Nucci e Oliveira (2021), os PARs apresentam, entre outros benefícios, a possibilidade de envolver pessoas (pesquisadores, comunidade, entre outros) nos momentos de aplicação e interpretação dos resultados. Assim, essa condição colabora para um melhor entendimento ambiental hídrico e favorece a conservação e a preservação dos ambientes de vereda e do bioma Cerrado por meio da intervenção daqueles que participaram do processo.
Os PARs não são engessados, sendo assim, é permitido adaptações no instrumento para a sua utilização em qualquer tipo de ambiente. Tais adequações são requeridas pois os cursos d`água se distinguem conforme o tipo de relevo, geologia e vegetação (RODRIGUES, 2008).
Nas veredas que compõe o rio Sete de setembro, localizadas no Assentamento Jaraguá, utilizou-se um PAR proposto por Martins (2019).
Classificação e abordagem de pesquisa
Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, de abordagem qualiquantitativa, que analisou 13 ambientes de veredas por meio de um PAR proposto por Martins (2019), que permite a avaliação do estado de conservação por meio da observação e interpretação das características de tais ambientes conforme determinados parâmetros e por meio da mensuração de valores atribuídos para cada parâmetro que representam o nível do estado de conservação.
Área de estudo
O estudo foi realizado no assentamento Jaraguá, situado sob as coordenadas geográfica 14° 00’46’’ S e 52° 31’ 23’’ O, próximo da cidade de Água Boa, com aproximadamente 21 mil hectares. Esse assentamento foi fundado em 1998 com demarcação de 420 lotes e com a média de 45 hectares (ANA, 2018).
Existem neste assentamento aproximadamente 100 cursos d’água e 40 nascentes que estão sendo modificadas, consideravelmente, para a produção de pastagens e grãos. O bioma Cerrado está presente em toda a área, apresentando várias fitofisionomias. O assentamento está distante de Água Boa, aproximadamente 33 km; porém, por ser o maior, existem pontos que estão distantes da cidade quase 70 km. Criado pelo Decreto Federal n.º 171.197 em 17/11/1997 (processo de criação nº 542410011129780), originou-se da desapropriação de parte dos lotes denominados São Julião/Clotilde/Cristalino/Planura, conhecidos como Fazenda Jaraguá, propriedade do consórcio Agropecuário Jaraguá Ltda (MAIA, 2018).
O assentamento tem como atividades a agropecuária e a agricultura, principalmente, a produção em grande escala de soja e milho, sendo o principal ¨doador¨ de terras agricultáveis dos assentamentos do município de Água Boa, MT e o quarto município em área produtiva estado (Figura 1).
Figura 1 - Mapa de localização da área de estudo
Fonte: ANA (2018) adaptado pelo Autor (2022).
Definição dos ambientes a serem estudados
No perímetro do assentamento foram avaliados ambientes de veredas utilizando-se como critérios de seleção aqueles ambientes que são margeados pelo rio Sete de Setembro e que estão interligados à córregos maiores que desaguam no rio em questão (Figura. 2).
Figura 2 - Percurso de campo realizado nas veredas no curso da microbacia do rio Sete de Setembro
Fonte: ANA (2018) adaptado pelo Autor (2022).
Para a aplicação do PARV percorreu-se a área selecionada entre os meses de julho e agosto de 2022, período considerado seco para o estado de Mato Grosso. A escolha de tal período deve-se à facilidade de acesso às veredas o que permitiu a obtenção de dados reais, visto que, no período chuvoso, há o aumento do volume d`água e, consequentemente, maior carreamento de dejetos.
Considerando os objetivos propostos por este artigo e a literatura analisada, optou-se pelo Protocolo de Avaliação Rápida (PARV) descrito por Martins (2019) e que foi aplicado em áreas de veredas no Córrego Correntinho, município de Miracema do Tocantins – TO, tendo como base o protocolo utilizado por Calisto, Moretti e Goulart et al. (2001).
Esse protocolo avalia as características dos trechos das veredas, o nível dos impactos ambientais decorrentes de atividades antrópicas, além de outros atributos, como cor da água, presença de animais, deposição de lixo, incêndios florestais e formas de uso que revelam impactos atuais ou futuros.
Os seus onze (11) parâmetros ou indicadores estão condicionados à determinados critérios de pontuação sendo quatro (04) pontos para os indicadores classificados como “não impactados”, dois (02) pontos para os “razoavelmente impactados” e zero (0) pontos para os indicadores classificados como “impactados”. No caso dos indicadores “tipo de ocupação no entorno da vereda” e “cobertura vegetal no leito da vereda” observou-se as margens esquerda e direita do canal e atribuiu-se uma pontuação para cada margem, separadamente, devido a heterogeneidade dos ambientes, obtendo-se o resultado final por meio da média aritmética dos resultados, conforme a metodologia descrita por Martins (2019).
O ambiente de veredas que apresenta a somatória referente aos 11 parâmetros acima de 31 pontos é considerado como “não impactado”, o que apresenta somatória entre 11 e 30 pontos é considerado “razoavelmente impactado” e aquele que apresenta somatória entre 0 e 10 pontos é considerado “impactado”, conforme Tabela 1.
Tabela 1 – Escala de avaliação do PAR (somatória dos 11 parâmetros)
Fonte: Autor (2022).
Descrição dos parâmetros inseridos no protocolo PARV
O protocolo utilizado possui 11 parâmetros ou indicadores que avaliam as características físicas de um ambiente de veredas e que resultam em valores absolutos que representam a sua condição de conservação. Basicamente, de acordo com essa escala, as condições dos trechos das veredas podem se aproximar daquelas consideradas naturais (conservação) conforme se obtém uma maior nota para cada parâmetro de avaliação.
Parâmetros 1 a 3: caracterização da cobertura vegetal no entorno e leito das veredas
Os ambientes de veredas são típicos do bioma Cerrado e são constituídos, entre outras vegetações, pela palmeira buriti que está disposta ao longo de canais e em áreas pantanosas de veredas ou de cabeceiras. Nas veredas de transição, a palmeira buriti desenvolve-se nos entremeados de árvores que estão restritas às margens. Com a superficialidade da lâmina d´água e continuidade do fluxo os buritis recuam para as bordas, sendo extintos devido a evolução do substrato e das camadas vegetais. Em condições de antropização, estas palmeiras que são sensíveis e suscetíveis às alterações e estresse hídrico, ressecam com o assoreamento do canal ou encharcam com o alagamento das veredas (SILVA et al., 2018). Logo, estes parâmetros buscam verificar a presença de estrato vegetal nos ambientes de veredas e a conservação da cobertura vegetal, principalmente, no caso das palmeiras buritis. Busca-se averiguar também, a presença de macrofitas aquáticas que são consideradas invasoras e indicadoras de eutrofização.
Parâmetros 4 e 5: ocorrência de erosão e estágio dos processos erosivos
Esses parâmetros buscam avaliar a ocorrência de erosão nas margens dos ambientes de veredas e o estágio dos processos erosivos (laminar, em sulcos ou voçorocas). Especificamente, busca-se avaliar se as margens ou bordas estão protegidas pela vegetação ou se há áreas desprotegidas com acesso e pisoteio de animais no canal da vereda. Busca-se também identificar se há detritos se acumulando no leito ou na margem do ambiente.
Parâmetros 6 e 7: natureza do material de substrato e alterações no canal da vereda
Nesses parâmetros busca-se por alterações no canal da vereda como barragens, desvio para irrigação, canalização ou dragagens além da natureza. Avalia-se também a composição do material de substrato do ambiente da vereda. Considera-se a analogia feita por Almeida (2007) que retrata as veredas como vertentes enfunadas de abatimento pouco pronunciado e preenchidas por areias hidromórficas.
Parâmetro 8: Presença de lixo
Nesse parâmetro busca-se identificar a presença de lixo nas margens ou leito do canal da vereda. O acúmulo de dejetos ao longo das margens do curso d’água da vereda traz depreciações aos cursos hídricos. A poluição e assoreamento torna o ambiente incapaz de suportar a fauna, apresentando-se como impróprio para as atividades metabólicas humanas (ALMEIDA, 2007).
Parâmetro 9: Animais e vestígios
Refere-se à análise visual das margens da vereda com o intuito de identificar a presença ou vestígios de animais silvestres ou animais domésticos no trecho avaliado. Os compostos orgânicos associados às partículas inorgânicas oferecem substratos diversificados para a fixação e colonização de plantas e invertebrados, criando um micro-habitat favorável à reprodução, abrigo e refúgio para a biota em geral. Portanto, quando se observa com facilidade animais silvestres e ou pegadas a situação é pontuada com 4 pontos (não impactado), quando se detecta apenas passagens eventuais e/ou vestígios de animais domésticos, pontua-se com 2 pontos (razoavelmente impactado). Já, no caso da ausência de animais silvestres e apenas presença e ou vestígios de animais domésticos a situação é pontuada com 0 pontos (impactado).
Parâmetro 10: Indícios de incêndios
Este parâmetro busca identificar indícios de incêndios florestais nos ambientes de veredas que impactam, consideravelmente, esse subsistema. Logo, busca-se constatar a presença de vestígios ou não de queimadas nestes ambientes provenientes de ação antrópica.
Parâmetro 11: Característica da água
Esse parâmetro busca avaliar os traços da água, a cor e o odor (de óleo, gasolina e ou produtos agrícolas). As águas das veredas geralmente são transparentes ou turvas devido a presença de sedimentos turfosos. As águas barrentas indicam, mutualmente, processos erosivos. As alterações nos odores são provenientes de atividades antrópicas, principalmente, de atividades agrícolas e lançamento de efluentes.
Resultados e discussão
Resultados obtidos com a aplicação do PARV
Os resultados do PARV de cada local observado e a variação quanto ao estágio de conservação do ambiente de veredas constam na Tabela 2.
Tabela 2 – Resultados da aplicação do Protocolo de Avaliação Rápida de Veredas na bácia do Rio Sete de Setembro. 1. vereda do Zalém; 2. Vereda do Gaieiro; 3. Vereda do João da Roça; 4. Vereda do Priole; 5. Vereda da Santo Antônio; 6. Vereda do Rafael Calixto; 7. Vereda do Lindomar; 8. Vereda do Aldenor; 9. Vereda do Mi; 10. Vereda do wambaster; 11. Vereda da Divininha; 12. Vereda do Luizinho; 13. Vereda da Maria da Glória.
Fonte: Autor (2022).
Os resultados da pesquisa apresentam números que refletem as condições ambientais das 13 veredas (pontos) da microbácia do rio Sete de Setembro - Projeto de Assentamento Jaraguá.
Os pontos amostrais com maior impacto são aqueles em que há alguma interferência antrópica no meio natural, tais como: canalização, balneários, bovinos, edificações e plantios nos canais das veredas. Por isso, houve uma frequência do peso 0 em parâmetros avaliados como impactados.
Os resultados do PARV demonstram que as veredas (1, 5, 8, 9, 10) possuem uma vegetação nativa permanente pouco alterada, contribuindo assim com os demais parâmetros do PARV e evidenciando que esses ambientes estão em boas condições naturais, sendo considerados de nível não impactado (Figura 3).
Figura 3 - Ponto A: Verera 1 (vereda do Mi); Ponto B: Vereda 5 (veredas típicas); Ponto C: Vereda 8 (canal principal); Ponto D: Vereda 9 (área utilizada para lazer); Ponto E: Vereda 10 (área de transição para mata de galeria).
Fonte: Autor (2022).
Constatou-se também que as veredas de 1 a 13 apresentam variações em cada parâmetro, de acordo com os valores encontrados por meio do PARV. Esses valores representam de maneira quantitativa os estágios de conservação das veredas e os impactos identificados.
Por meio da observação de campo e registros fotográficos, identificou-se em todas as veredas impactos próximos à área da nascente como a presença de bovinos, bueiros para a canalização de água para pontes ou drenos para a secagem do solo para cultivo. Na medida em que o escoamento superficial se intensifica ocorre o assoreamento da nascente que pode ser potencializado por meio da rotação de bovinos em áreas próximas às veredas. Esses animais pisoteiam as margens do córrego na busca por água, ocasionando processos erosivos.
Apesar de praticamente todas as veredas estarem submetidas às intervenções antrópicas exercidas por grandes fazendas ao redor do Projeto de Assentamento ou pequenas propriedades integradas, muitas destas ocupações são para fins de lazer. Com isso, provocam alterações por meio de edificações nas suas margens e, concomitantemente, nas veredas localizadas no curso do rio Sete de Setembro. Essas intervenções do tipo barramentos e edificações causam impactos no fluxo do canal das veredas e instabilidade nas margens, resultando em erosões nas margens do rio.
As veredas incluídas no nível de não impactadas apresentaram parâmetros com indicativos de perturbações, no entanto, por não ocorrer uma atividade acentuada, no somatório final obtiveram tal classificação. Estas veredas apresentaram ainda valores quase uniformes, visto que os locais avaliados estão diretamente relacionados à fitofisionomia de mata ciliar, desaguando em córregos de porte maior, ainda pouco explorados.
Assim, obteve-se de 32 a 44 pontos nos locais analisados, precisamente nas veredas (1, 5, 8, 9 e 10), o que indica que estas não estão impactadas e que a veredas 10 encontra-se ainda em condições naturais, com pouca alteração, apresentando um somatório de 44 pontos.
Já, a vereda 13, apresentou um nível de impacto maior, sendo caracterizada como impactada. Neste local, constatou-se a presença de barragens, drenos, início de pisoteio por animais, pontos com presença de lixo, material orgânico, edificações e processos erosivos.
Logo, a legislação precisa controlar as práticas desordenadas acerca do uso das veredas no Assentamento, cumprindo a Resolução do Conama nº 303/200 que considera as veredas como áreas de preservação permanentes. Acredita-se ainda, que os componentes e a importância do ambiente de veredas são vistos de maneira irrelevante pelo Código Florestal de 2012. Portanto, é necessário que os órgãos de fiscalização estejam atentos aos impactos causados por essas ocupações para agirem com o intuito de reverter o quadro, considerando que há veredas no Assentamento Jaraguá ainda em condições pouco alteradas pela ação antropogênica.
Nos pontos 2, 3, 4, 6, 7, 11 e 12 a pontuação variou de 14 a 28. Essas sete veredas foram caracterizadas pelo PARV como razoavelmente impactadas, principalmente, devido aos seguintes impactos identificados: canalização na vereda, pisoteio por bovinos, processos erosivos na vereda e presença de lixo no interior da vereda.
Outro aspecto percebido por meio do PARV, no caso das veredas 3 e 4, foi o alargamento do canal da vereda onde os buritis passam a ficar mais raros e submersos, ocasionando uma vegetação mais densa em estágio de transição para a vegetação arbórea. Nesse estágio, a vegetação no curso da vereda apresenta características de Matas de Galeria que se trata de um ambiente do bioma Cerrado que se destaca pela riqueza de espécies e pelo seu papel na proteção dos recursos hídricos (VALERA et al., 2019). A figura 5, a seguir, apresenta o cenário descrito.
Figura 4 - Ponto N (Vereda 3) e Ponto O (Vereda 4); Vegetações com características de Matas de Galeria, demonstrando canal estreito pouco alterado.
Fonte: Autor (2022).
Averiguou-se que as veredas mais afastadas das margens do rio Sete de Setembro sofrem interferências antrópicas com maior frequência e, consequentemente, apresentam uma alteração em seus componentes geoambientais, seja devido ao uso dos recursos hídricos e/ou do solo. Estas alterações podem interromper ciclos do ambiente ecológico e comprometer os estratos vegetacionais das veredas. Acrescenta-se que há necessidade de manter as veredas analisadas associadas à microbacia do rio Sete de Setembro, bem como, manter toda a sua cobertura vegetal nas condições mais naturais possíveis para a conservação da fauna local, já que as análises do PARV apontaram interferências antrópicas que precisam ser coibidas para não se tornarem degradações irreversíveis.
Constatou-se ainda, que o protocolo utilizado necessita de aprimoramentos como no caso do indicador “presença de lixo nas margens da vereda”. No caso desse parâmetro, atribuiu-se pontuação zero para a presença de lixo, no entanto, a literatura não especifica o tipo e a quantidade de lixo que precisa ser identificado para diagnosticar a vereda como sendo antropizada ou não.
Ao final, se atendeu o objetivo principal desta investigação, pois, por meio de um Protocolo de Avaliação Rápida para Veredas, foi possível identificar e descrever os atributos de um ambiente de veredas de forma contextualizada na microbacia do rio Sete de Setembro no Projeto do Assentamento Jaraguá, a fim de diagnosticar interferências antrópicas e mensurar o estágio de conservação dessas veredas.
Compreendeu-se que aplicar o PARV exige perspectivas multidisciplinares, ou seja, é necessário associar conhecimentos diversos para se obter a descrição contextualizada almejada e um olhar geográfico sem suprimir aspectos intrinsicamente biológicos e ecológicos que compõem as veredas do ponto de vista biogeográfico, além da fitofisionomia que apresenta as características inerentes do subsistema para a fauna e manutenção do ciclo hidrológico da bacia hidrográfica.
Constatou-se que o PARV utilizado é de fácil aplicação e que pode envolver diferente atores, sendo possível utilizá-lo em investigações realizadas em outros ambientes que apresentam contextos distintos. Por isso, esse instrumento apresenta-se como útil, prático e de baixo custo para a realização de análises de ambientes de veredas em curto prazo, oferecendo informações relacionadas aos locais que necessitam de um manejo correto para uso e conservação.
Os ambientes das veredas analisadas se caracterizam por sua drenagem superficial mal definida, regulada pelo regime climático regional, sendo que na estação seca a lâmina d’água não fica exposta, ocorrendo o tangenciamento das cabeceiras rasas e pantanosas com a presença de buritis. Além disso, as veredas formam os chamados corredores ecológicos que são indispensáveis para a fauna local, pois servem de refúgio para espécies endêmicas.
As observações em campo permitiram identificar que as veredas apresentam solos hidromórficos, com as bordas arenosas pouco úmidas, com predominância argilosa e com grande concentração de turfos, devido à sazonalidade do lençol freático. A vegetação das veredas pode ser caracterizada como renques de palmeira buriti, alternando com mata de galeria e ambientes campestres.
Cinco das treze veredas estão no nível não impactado e apresentam poucas interferências antrópicas. Destas, destaca-se a vereda dez (Vereda do Wambaster) que apresenta todos os componentes geoambientais (parâmetros de conservação) necessários para permanecer em estado não impactado.
Destaca-se ainda que, nas veredas não impactadas, exceto no caso da vereda dez, existem pontos que tendem à antropização e que requerem atenção para que não ocorram problemas como degradação do solo, contaminação física e química da água e da biota local, empobrecimento genético e introdução de espécies exóticas. Essa situação requer a atenção de proprietários e gestores públicos locais para que esses ambientes que ainda não estão antropizados possam continuar a fazer a sua ciclagem natural que é extremamente importante para a biota e população local.
Apesar do PARV possuir um caráter subjetivo, esse instrumento proporcionou resultados satisfatórios quanto a descrição das veredas investigadas. Porém, há alguns pontos passíveis de modificação que necessitam ser analisados e aprimorados para estudos futuros no sentido de detalhar com mais propriedade a composição natural das veredas, como no caso do parâmetro que busca identificar a presença de lixo.
Durante este estudo foi possível perceber a riqueza natural das veredas na microbacia do rio Sete de Setembro. Logo, é necessário envolver de forma participativa o poder público e a comunidade local para que ações sejam estabelecidas a partir dos resultados obtidos por meio do PARV utilizado. Essa metodologia propõe a interação com o meio natural como proporciona resultados práticos e teóricos que permitem a própria comunidade realizar ações de monitoramento e conservação desses ambientes.
Como pesquisa futura, sugere-se a análise e aplicação do PARV utilizado por outros investigadores para avaliar ambientes de veredas de outras localidades e regiões, com o intuito de validar e/ou complementar os resultados obtidos nesta investigação.