Recepción: 01 Octubre 2023
Aprobación: 01 Diciembre 2023
Resumo:
Este trabalho é fruto dos estudos e pesquisas realizados junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS, e do projeto de pesquisa de doutorado intitulado “Serviço Social, Desastres e Emergências Climáticas: Interface entre trabalho e saúde mental” sob orientação da Dra. Professora Maria Isabel Barros Bellini. Trata-se de revisão bibliográfica que apontou uma produção ainda escassa do serviço social na interface com o racismo ambiental e que impõe a profissão um maior investimento nessa temática, visto que os assistentes sociais têm um compromisso ético na luta contra a violação de direitos.
Palavra-chave
Desastres; Serviço Social; Racismo Ambiental.
Social service, human rights, social and environmental justice: possible dialogues
Abstract: This work is the result of studies and research carried out with the Postgraduate Program in Sociology and Political Science at the Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul-PUCRS, and the doctoral research project entitled “Social Service, Disasters and Climate Emergencies: Interface between work and mental health” under the guidance of doctor teacher Maria Isabel Barros Bellini. This is a bibliographical review that highlighted a still scarce production of social work at the interface with environmental racism and that requires the profession to invest more in this topic since social workers have an ethical commitment in the fight against violation of rights.
Keywords: Disasters, Social Work, Environmental Racism.
Introdução
Este artigo inicia referindo ao filme Não Olhe Para Cima do diretor e roteirista Adam McKay, lançado nas plataformas digitais no final de 2021. O filme trata do esforço de uma dupla de astrônomos americanos (DiCaprio e Lawrence) para alertar as autoridades da colisão de um cometa com a Terra, o filme problematizava a prioridade com as questões ambientais e a inércia e alienação das autoridades que negavam os riscos criados pelas mudanças climáticas. Ainda que o filme seja uma ficção, é impossível não o associar ao contexto socioambiental, político e cultural mundial e obviamente brasileiro.
O negacionismo diante das situações climáticas coloca esta pauta de forma secundarizada, como se o enfoque no assunto fosse em decorrência dos últimos acontecimentos. Contudo, o primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas lançado em 1990, já alertava sobre estas situações partir da criação do grupo intergovernamental em 1988 (IPCC, 1992). Portanto, esse tema não é recente, mas historicamente é alvo de discussões e mobilizações, que até então não foram priorizadas.
Este artigo compõe a revisão bibliográfica ainda inicial do projeto de pesquisa3 de doutorado intitulado “Serviço Social, Desastres e Emergências Climáticas: Interface entre trabalho e saúde mental” e está sendo realizada no portal de teses e dissertações da CAPES, a partir dos descritores de busca: serviço social e racismo ambiental, no período de busca de março a setembro de 2023. Ainda que, a revisão bibliográfica seja inicial, pretende-se apresentar algumas reflexões preliminares sobre o tema.
Tragédia Climática e Diálogos com o Racismo Ambiental
Na busca das publicações encontrados 2 trabalhos: uma dissertação de 2022 intitulada “Expressões do Racismo Ambiental no Bairro Santa Maria em Aracaju-SE” e uma tese de 2011 “Interface entre Racismo e Meio Ambiente na Configuração Sócio-Espacial da Ilha de Deus em Recife”, ambas do serviço social. Esses resultados demonstram a escassez de estudos e, portanto, a importância de adensar estudos e investigações sobre desastres/emergências climáticas e sua problematização no âmbito do serviço social sob a perspectiva do racismo ambiental.
As últimas emergências climáticas vivenciadas no Rio Grande do Sul e Brasil, alertaram para o fato de que esses acontecimentos são atravessados por questões raciais e exigem análises éticas sobre o racismo ambiental. Problematização imprescindível para articular aprofundamentos teóricos e diretrizes profissionais no atendimento e planejamento diante dos eventos climáticos. O recorte nesse artigo será o estado do Rio Grande do Sul porque foi a região mais atingida pelos últimos eventos climáticos, porém a perspectiva da totalidade permite ampliar as reflexões para contextos maiores.
No mês de setembro foi promulgado Decreto Legislativo 100/2023, decorrente do Projeto de Decreto Legislativo nº 321/2023, que reconheceu o estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul até o final de 2024. No total, 107 municípios gaúchos foram atingidos, e no período de promulgação do decreto, as informações eram de 49 mortes, 9 pessoas desaparecidos e 5,1 mil desabrigadas (Promulgado…, 2023).
Em 2018 a estimativa do governo era de que 8,27 milhões de brasileiros sobreviviam em áreas de risco, conforme informações do Censo Demográfico de 2010 e do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Indio, 2018). Curiosamente, esses índices em relação ao Brasil apontavam, no mês de fevereiro de 2023, que 4 milhões de pessoas vivendo em áreas de risco, sendo predominantes os eventos de deslizamentos e inundações (Matoso, 2018). Entre os estados mais afetados estão: Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Pará. Conforme os dados apresentados, há uma significativa discrepância entre a população que sobrevive em áreas e risco, o que pode traduzir a subnotificação da realidade vivenciada pelos sujeitos.
A região sul do Brasil teve, entre 2019-2020, 531 situações de emergência, e a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (Sedec/MDR), reconheceu 449, ou seja, 84,5% do total. O Rio Grande do Sul-RS ficou com o maior número de decretos: foram 408, o que representou 76,8% do total registrado na Sedec/MDR. Santa Catarina-SC registrou 119 decretos (22,4%) […] e no período avaliado pelo estudo, a seca severa deixou mais de 1,6 milhão de pessoas afetadas na região. O RS ficou em primeiro lugar, com 1,3 milhão de pessoas afetadas (82,4%); seguido por SC, com 281,9 mil afetados (16,9%); e o Paraná-PR com pouco mais de dez mil afetados (0,60%) (Seca…, 2020, s.p).
Na interface entre mudanças climáticas e racismo ambiental afirma-se que este não se resume a
[...] ações que tenham uma intenção racista, mas [...] ações que tenham impacto racial [...] que recai sobre suas etnias [...] ribeirinhos, extrativistas, geraizeiros, pescadores, pantaneiros, caiçaras, vazanteiros, ciganos, pomeranos, comunidades de terreiro, faxinais, quilombolas etc. (Herculano, 2008, p.16).
A relatora responsável pelo relatório especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e suas interconexões com a intolerância e crise ecológica, afirma que
[…] no es posible mitigar o solucionar de manera coherente la crisis ecológica mundial sin adoptar medidas concretas para subsanar el racismo sistémico, en particular los legados raciales históricos y contemporáneos del colonialismo y la esclavitud (Achiume, 2022, p.02).
Portanto, as questões que são determinantes nos marcadores sociais devem ser priorizadas na medida em que há o reconhecimento de que, embora as questões climáticas sejam globais4,
[...] os impactos são sentidos nos territórios e localidades, dentro de estruturas desiguais: raciais, de gênero, geracionais e sociais. Populações negras que vivem nas áreas periféricas, suburbanas, territórios tradicionais, baixadas, ressacas e favelas do país estão vivendo tragédias preveníveis e evitáveis por conta dos impactos dos grandes volumes de chuvas em pouco espaço e tempo em todas as regiões do país (Emergência...,2023, p.01).
Diante do exposto, afirma-se que a tragédia climática e o racismo ambiental são pulsantes nos territórios. Eventos que foram alertados há aproximadamente 30 anos e poderiam ser evitados ou mitigados por decisões, ações consistentes e regulares de governantes no escopo das políticas públicas – assim como retratado no filme “Não Olhe para Cima” – têm sido ignorados pela sociedade que sofre com os resultados do negacionismo ambiental, com a inércia dos governantes e os efeitos do capitalismo; de modo que, muitas vezes, é convencida de que não há risco ou gravidade.
As desigualdades raciais são objetos de análise do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e indivíduos de cor ou raça preta, parda e indígena são os que vivem sob maiores condições de vulnerabilidade socioeconômica. A primeira edição dos estudos do IBGE sobre as Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil (2019) e a Síntese de indicadores sociais (2021) elucidam as desigualdades existentes entre diferentes grupos societários, no que se refere ao acesso as condições básicas de subsistência “[...] bens e serviços básicos necessários ao bem-estar (como saúde, educação, moradia, trabalho, renda etc.” (IBGE, 2022, p.01).
Quanto a origem do conceito racismo ambiental e as condições sobre essa temática remontam a década de 1980, em virtude dos estudos de professores negros norte-americanos que estudavam raça, espaço geográfico e resíduos ambientais, sendo que para o ativista de direitos civis, o professor e reverendo Benjamin Franklin Chavis:
[...] a distribuição desigual dos danos ambientais equivalia a dizer que houve ausência de democracia, já que pessoas foram tratadas desigualmente em razão do fator racial. Para ele, a partir de suas pesquisas, 75% dos lixos tóxicos tinham local e raça específicas de destinação (Pereira; Amparo, 2023, p. 10).
Essa constatação deu origem a noção da dimensão do racismo que expunha autoritariamente uma cor/etnia um tratamento menos humano, ou seja,
[…] desumano, injusto e desigual pela sua cor de pele e pelo processo de injustiças raciais históricas. Embora alguns considerem este momento como sendo o nascimento do conceito de racismo ambiental, nos Estados Unidos, é importante diferenciar o conceito da existência do fenômeno: povos negros e originários no Brasil e em boa parte do Sul Global já sentiam e articulavam injustiças ambientais e climáticas antes do termo “racismo ambiental” ser cunhado como tal (Pereira; Amparo, 2023, p. 10).
Embora a referência do termo seja os Estados Unidos, é importante destacar que as diferentes territorialidades implicam nos diversos tipos de exposição aos riscos ambientais e, mesmo que no Brasil o termo se expresse em conotações diferentes de como foi, e é na história norte-americana
o racismo está [...] presente na nossa sociedade. Por mais que a herança negra esteja presente na maioria de nós, biológica e culturalmente, o racismo se configura, aqui, de formas diferenciadas e muitas vezes inconscientes (Herculano, 2008, p.17).
O racismo ambiental foi historicamente naturalizado, e ainda é absorvido com alguma dificuldade pela sociedade, consequentemente se tornou invisibilizado tanto nas agendas públicas, quanto nas produções acadêmicas. Acredita-se que a ênfase nessa discussão contribui para o enfrentamento de todas as suas expressões e manifestações.
Em relação as condições de sobrevivência da população brasileira, o estudo do IBGE contribui com as discussões aqui postas ao destacar os marcadores sociais que expressam o racismo ambiental. Pois, afirma que 27, 8% das pessoas de cor ou raça branca residiam em
[...] em domicílios sem esgotamento por rede coletora ou pluvial. Entre as pessoas pardas, a proporção era [...] 45,9% e, entre a população de cor ou raça preta, a proporção foi de 36,0% (IBGE, 2022, p.07).
Disparidades semelhantes também foram identificadas em relação ao abastecimento de água e à coleta de lixo. Interpretar esses dados impõe considerar o racismo ambiental como resultado dos processos de exploração na sociedade capitalista, além de contribuir para sua problematização.
Negar o racismo ambiental é negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades e o aumento da fome, que impacta principalmente as pessoas negras; é negar a constante violação dos direitos constitucionais das comunidades, territórios quilombolas, comunidades tradicionais e terras indígenas; é negar a própria orientação da colonização, na história de urbanização do país; é negar suas profundas desigualdades territoriais. É negar que o Estado brasileiro seja racista (Emergência...,2023, p.2).
Diante do exposto, a discussão do racismo ambiental expressa as desigualdades que são determinantes e interferem na sobrevivência da população. Portanto, não pode ser negligenciada e se impõe nas ações, planejamentos e problematizações dos profissionais, das universidades e das políticas públicas. O racismo ambiental é movido por processos que desumanizam povos e etnias entendendo como
[...] como vazios os espaços físicos onde territórios estão constituídos [...] trata-se aqui da construção e permanência de relações de poder que inferiorizam aqueles que estão mais próximos da natureza, chegando a torná-los invisíveis” (Herculano, 2008, p.17).
Por conseguinte, se faz necessário avançar na discussão do racismo ambiental sob a perspectiva dos Direitos Humanos.
Interface entre Serviço Social, Direitos Humanos, Justiça Social e Ambiental
O Observatório do Clima (OC) emitiu, no dia 27 de março de 2023, um novo relatório sobre a governança ambiental sob comando do então Presidente do Brasil Jair Messias Bolsonaro, intitulado como “Nunca mais outra vez – 4 anos de desmonte ambiental sob Jair Bolsonaro” se concentrou nos últimos doze meses da gestão do ex-presidente. No documento são mencionados indicadores, informações sobre o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, desmatamento, repercussões sobre povos indígenas, conflitos agrários e programas ambientais.
Foi identificado o aumento de 59,5% no desmatamento na Amazônia a presença de militares nas ações da política e a diminuição de 38% nas multas Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) por crimes contra a flora. O relatório classifica de “necropolítica”5 as ações dos governantes, ou o Estado em seus programas, políticas, ações que definem como e quem dever morrer. O que é confirmado no relatório do governo federal de 2019- 2022,
Só entre 2019 e 2020, o número de militares, principalmente do Exército, nomeados em funções civis da administração pública federal saltou de 3.515 para 6.157, um aumento de 75,1% [...] isso viabilizou o uso de estratégias militares para a destruição da política ambiental, com táticas como ataques, subversões e sabotagens a normas, instituições e à participação popular, listadas pelo relatório (Tussini, 2023, s.p).
A política ambiental foi destruída de forma silenciosa sem a participação da sociedade nas discussões e decisões, mas com a participação dos militares no poder. Outro dado apontado pelo relatório é que a média de execução orçamentária do Ministério do Meio Ambiente e Agrário (MMA) foi de R$ 2,8 bilhões, a menor durante os últimos mandatos conforme a
[...] série histórica disponível no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), iniciada no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002). A liquidação no ano de 2022, de R$ 2,5 bilhões, foi a menor desde 2000, com valores corrigidos pelo IPCA (Tussini, 2023, s.p).
Conforme afirma Negris, a necropolítica é compreendida como uma forma de poder no cenário da governabilidade neoliberal e
[...] se traduz no crescente aumento das práticas discriminatórias, no vertiginoso aumento dos discursos de ódio, nos grandes extermínios étnicos ocorridos em várias partes do mundo (Negris, 2020, p. 98).
Portanto, uma forma de poder no extermínio das políticas públicas e dos povos. O que é corroborado na sequência nos dados do Observatório do Clima.
As invasões ilegais para o garimpo ilegal quase triplicaram, conforme dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pois de 88 entre 2016-2018, foram 275 e entre 2019-2021, período com maior registro desde 2003, totalizando 305 invasões. Segundo levantamento6 realizado pelo Instituto Socioambiental e pela Hutukara Associação Yanomami, o garimpo na TI Yanomami cresceu 54% de 2021-2022. Informações também demonstram o crescimento da violência contra os povos indígenas, com “[...] 157 assassinatos entre 2019 e 2021 – número 30% maior que a média de 121 entre 2016 e 2018. Outra dramática estatística foi a de suicídios, com 148 registrados em 2021” (Tussini, 2023, s.p).
Em relação a política fundiária, a única pauta que ficou inativa foi a reforma agrária, que concedeu títulos provisórios aos seus antigos beneficiados, e expressou declínio no quantitativo de famílias assentadas, passando de 133,6 mil no governo Dilma, 11,8 mil no governo Temer, para 9,2 mil no governo Bolsonaro. A redução também se deu naquelas regiões que foram
[...] desapropriadas e incorporadas ao Plano Nacional de Reforma Agrária (2,8 mil hectares no governo Bolsonaro, 664 mil no governo Temer e 3,1 milhões no governo Dilma)”. Isso resultou em aumento da insegurança nas áreas rurais (Tussini, 2023, s.p).
Além disso, as mortes por disputas nos campos também foram significativas, pois de 27 em 2020 passaram para 113 em 2021, ou seja, um acréscimo de 318%.
O racismo funciona como uma “tolerância institucional”, ou seja, isso significa
[...] tolerar a violência [...] falhando em garantir o acesso a direitos e atuando na manutenção de padrões discriminatórios hegemônicos que mantêm intactas as estruturas desiguais de nossa sociedade e de nosso Estado (Madsen, Abreu 2014, p.11).
Racismo que acaba por aceitar e naturalizar as condições de pobreza e vulnerabilidade em decorrência de cor e raça, mesmo que grande parcela da população sobreviva em condições ínfimas de escolaridade, acesso a políticas sociais e renda. Portanto, o outro é visto como “[...] como inerentemente inferior, culpado biologicamente pela própria situação, nos eximimos de efetivar políticas de resgate, porque o desumanizamos” (Herculano, 2008, p.17).
Em contraposição, passados os primeiros meses de trabalho do governo Lula, as pautas ambientais apresentaram significativos avanços, embora os dados sobre desmatamento continuassem elevados. Desde a época eleitoral, uma das prioridades do governo foi a questão ambiental, tanto que ainda no período de transição o presidente investiu R$ 500 milhões a mais no orçamento para abastecer Ministério do Meio Ambiente e Agricultura, e suas autarquias de fiscalização através do IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os quais sofreram duras perdas no governo Bolsonaro. Ainda na transição, Lula garantiu a captação de recursos internacionais para o Fundo da Amazônia, o qual se manteve inativo na gestão Bolsonaro.
Outra significativa conquista foi a criação do Ministério dos Povos Indígenas. Sendo que a mudança climática, tornou-se prioridade no governo. Transcorridos os primeiros dias de governo, os percentuais de desmatamento ainda eram preocupantes devido a herança do governo anterior que reduziu,
[...] de 45,5 mil km² de vegetação amazônica a equipe de Lula e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, conseguiu iniciar o mandato com uma queda imediata de perdas ambientais [...] com uma redução de 61% [...] porém, vieram com novos picos, que resultaram no segundo trimestre de maior devastação do bioma desde 2016 (Neiva, 2023, s.p).
Mesmo canalizando os esforços nas pautas ambientais, os desafios são muitos em decorrência do cenário de destruição do meio ambiente, e negacionismo com as políticas de mitigação até então inoperantes aos interesses da maioria, mas ativas aos interesses do agro e dos garimpos ilegais.
Sobre as informações das regiões mais afetadas nos desastres e emergências climáticas, salienta-se que tais dados não são de total desconhecimentos dos governos, pois mesmo que subnotificadas, as regiões de maior incidência são mapeadas, conforme exigência da Defesa Civil. Além disso, é de conhecimento dos gestores que em determinadas regiões sobrevivem além dos indígenas
[...] pessoas negras, mulheres, crianças e pobres, vulneráveis aos desastres. Essas situações de risco não surgem apenas por uma pretensa falta de planejamento, mas também como resultado da falta (ou inadequação) de uma política habitacional (Emergência...,2023, p.02).
E para além das políticas habitacionais, trata-se do direito ao território, direito a cidade e a livre circularidade da população que historicamente sobrevive em condições precárias decorrentes do racismo ambiental. No tocante a justiça e injustiça ambiental, destaca-se Herculano (2008) o qual compreende justiça ambiental como
[...] conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas. Complementarmente, entende-se por ‘Injustiça Ambiental’ o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis (Herculano, 2008, p. 02).
Portanto, o racismo ambiental e as injustiças socioambientais se concretizam via políticas públicas, seja por ação ou omissão com insuficientes condições de
[...] saneamento básico ou de infraestruturas que reduzem as situações de risco [...] através de instituições governamentais e jurídicas [...] penalizam ocupações em áreas ambientais dando celeridade a sua remoção sem qualquer garantia de direitos (Racismo, 2022, s.p).
Falar em justiça, direitos climáticos e racismo ambiental, sem
[...] o necessário debate sobre raça, lugar social, gênero e pobreza é um discurso fantasioso, posto em documentos oficiais que não dialogam com as injustiças existentes (Amparo, Pereira, 2023, p.10).
É inócuo e sem consistência. Tais marcadores sociais, devem ser priorizados nos planejamentos e ações das políticas públicas as quais devem ser pensadas a longo prazo para a
[...] democratização do acesso à terra, além de políticas habitacionais, de urbanização e de regularização fundiária destinadas à população negra e periférica para que elas possam se adaptar às mudanças do clima (Emergência...,2023, p.3).
Isso como consequência do trabalho de administração das áreas de risco, e adaptação dos territórios mais vulnerabilizados.
A [...] injustiça socioambiental e o racismo ambiental também se manifestam através do próprio planejamento urbano, cuja má distribuição de infraestruturas de serviços básicos é definidor das desigualdades estruturantes e vulnerabilidades aos eventos climáticos. A privação do acesso à água potável, a ausência de esgotamento sanitário, assim como as ocorrências de inundações, alagamentos e deslizamentos, também colaboraram com a reprodução das desigualdades urbanas, sociais e raciais nas cidades (Racismo, 2022, s.p).
Desigualdades essas que expressam o sistema excludente que sobrevivem as populações negras e periféricas as quais tem suas condições de sobrevivência naturalizadas e silenciadas. Tais discussões não minimizam as situações enfrentadas pelas demais etnias, mas os dados expressam que as questões raciais subjacentes são preponderantes. A racialização é compreendida como a imposição
[...] a homens, mulheres e crianças negras uma identidade que os transforma em abjetos com base nas estruturas sociais, justificando todas as mazelas de um sistema de dominação colonial (Santiago, 2015, p. 41).
Na perspectiva dos Direitos Humanos, ressalta-se que o racismo ambiental é
[...] uma violação dos direitos humanos e é “uma forma de discriminação causada por políticas, práticas, ações ou inações dos governos e do setor privado, que, intencionalmente ou não, atacam o meio ambiente, a saúde, a biodiversidade, a economia local, a qualidade de vida e segurança nas comunidades, trabalhadores, grupos e indivíduos com base na raça, classe, cor, género, casta, etnia e/ou origem nacional (Seguel, 2004, s.p).
As situações de injustiça ambiental, vivenciadas por parcela da população brasileira, demonstram a desigualdade tanto na estruturação da sociedade quanto na exposição aos riscos e danos ambientais. Isso fica evidenciado no caso em que o estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por discriminação ambiental,
Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil, que condenou o Brasil pelas incursões da polícia na comunidade do Rio de Janeiro, entre os anos de 1994 e 1995. A CIDH intentou que o Estado violou, dentre outros, os direitos às garantias judiciais, integridade pessoal e circulação e moradia/residência. Caso Pueblo Indígena Xucuru y sus miembros vs. Brasil. A sentença condenatória decorreu do atraso no processo de demarcação do território ancestral e a ineficácia judicial para garantir esse direito. Se alegava, pela Comissão, violações ao direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru e a suposta ineficácia do procedimento administrativo de demarcação, titulação, registro e saneamento do território originário (Ribeiro, Baggenstoss, 2023, p.261-263, grifo dos autores).
Estas situações, em sua maioria, expressam a negligência por ação ou omissão do estado vivenciada pela população. Situações de naturalização das desigualdades, exposição aos riscos e danos socioambientais, que poderiam ser mitigados se estas pautas fossem de interesse das governanças. As quais acabam por direcionar suas políticas conforme os interesses público/privados, de forma que os interesses da população não se sobreponham aos seus.
Em relação ao trabalho do assistente social, nesse contexto de questões ambientais, a profissão possui como diretriz a defesa intransigente dos direitos humanos, assim como o dever de denunciar os casos de violação que tenha conhecimento. Os direitos humanos são aqueles que “[...] possibilitam a abertura e a consolidação de espaços de luta pela dignidade humana” (Flores, 2009, p. 13). Além disto, os direitos humanos possuem como previsão a liberdade que é um valor ético central do assistente social. Portanto, restam dúvidas de como garantir liberdade de espaços de luta por dignidade humana, no enfrentamento do racismo ambiental enquanto manifestação da questão social. Se tal manifestação ainda está silenciada no seio da profissão, e nas demais discussões das políticas públicas.
Ainda no âmbito das discussões entre serviço social e direitos humanos, o Poder Judiciário possui um papel central no acesso e garantia destes direitos. Contudo, cabe lembrar sobre as responsabilidades do
[...] Estado em responder as demandas colocadas pela questão social, sem que haja um privilegiamento do Poder Judiciário, em detrimento da responsabilização inicial dos Poderes Legislativo e Executivo, instâncias fundamentais para a normatização, definição e execução das políticas públicas, que são os instrumentos de reconhecimento e viabilização dos direitos. Mais ainda, sem colisão ou desconsideração com os mecanismos históricos de controle social e de participação da sociedade organizada na garantia de direitos. [...] o Poder Judiciário tem, não somente a atribuição legal, mas a obrigação ética de interpelar a instituição que for, para que a lei seja cumprida. Entendemos, entretanto, que este ente estatal teria uma ação infinitamente mais impactante e transformadora nas relações sociais se agisse na prevenção dos conflitos sociais, detendo-se mais ao interesse coletivo do que ao despacho de ações ingressadas, via de regra de forma individual (Aguinsky, Alencastro, 2006, p.22, grifo nosso).
Portanto, as autoras destacam que o Poder Judiciário não deve sobrepor o papel e responsabilidade dos demais órgãos do estado, que são de fato responsáveis pela execução das políticas públicas de forma articulada com os segmentos do controle social, os quais são responsáveis pela fiscalização de tais políticas. Além disto, a problematização chama atenção para importância da ação preventiva do Poder Judiciário em relação aos conflitos sociais, no que tange aos interesses coletivos. Isso significa desjudicializar a questão social, também expressa pelo racismo ambiental.
Entre os desafios impostos aos assistentes sociais no contexto dos direitos humanos encontram-se as
[...] competências em resposta à judicialização da questão social [...] um trabalho interdisciplinar, que se comprometa com a viabilização de direitos sociais invisíveis [...] resistência à injunção [...] violadora e opressiva dos mecanismos do direito [...] através do monopólio da coerção pelo Estado” (Aguinsky, Alencastro, 2006, p.25).
Esta afirmação reafirma a discussão sobre o trabalho do assistente social nas situações de desastres e emergências climáticas, enquanto processo de resistência as questões subjacentes como o racismo ambiental o qual, além de ser expressão da questão social, também é uma das formas de violação dos direitos humanos, até então silenciadas e naturalizadas.
Reflexões Finais
A tragédia climática que assola o globo tem no racismo ambiental uma das formas de expressão que se potencializa na inércia dos governantes, e na cumplicidade da sociedade que por vezes é convencida de que não há risco ou gravidade. Eventos adversos poderiam ser evitados ou mitigados por decisões consistentes e regulares de governantes no escopo das políticas públicas.
O racismo ambiental é um “fenômeno que perpassa as esferas da saúde, alimentação, habitação, atingindo também a seara laboral, macula intimamente o mínimo existencial ecológico que deve ser [...] indisponível para consolidar uma existência digna aos seres humanos” (Ferraresi, 2012, p.273). E um dos grandes desafios das políticas públicas ambientais, consiste na promoção da dignidade humana através da justiça ambiental.
Nessa perspectiva o trabalho do serviço social no âmbito das situações de desastres e emergência é desafiador, e ainda que a profissão tenha avançado nos processos de mobilização e defesa pelos direitos humanos, no que se refere ao racismo ambiental ainda tem que avançar e superar. A luta do serviço social pelo acesso e garantia dos direitos humanos, na superação do racismo ambiental, legitima a sua história como classe trabalhadora na defesa dos interesses dos trabalhadores e sua coletividade. A pouca produção científica sobre o tema reitera que o caminho a percorrer ainda é muito longo.
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Notas
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