Resumo: Este texto propõe uma reflexão sobre o exercício epistêmico do saber afrodiaspórico, a partir da concepção das ecologias dos saberes, como uma proposta epistemológica de manifestação e ativismo contra a marginalização do conhecimento/saber/ser do sujeito detentor de uma episteme. Recorremos à prática extensionista com a comunidade escolar, em uma inferência metodológica da narrativa poética do Rap como ponto de interlocução do debate étnico-racial na formação de professores. Nesse sentido, torna-se possível verificar, a partir da narrativa afrodiaspórica, como as rodas de conversas se constituem sendo espaço de reflexão do ‘eu’ e do ‘outro’ em uma ressignificação das práticas pedagógicas e de reflexões com os alunos.
Palavras-chave: Ecologia do Saber, Educadores, Pensamento afro-diaspórico, Pedagogia decolonial.
Abstract: This paper is a reflection on the epistemic exercise of Afro-diasporic knowledge, from the conception of ecologies of knowledge, as an epistemological proposal of manifestation and activism against the marginalization of knowledge/knowing/being subject holder of an episteme. We resorted to the extensionist practice with the school community, in a methodological inference of the poetic narrative of rap, as a point of interlocution of the ethno-racial debate in teacher education. In this sense, it becomes possible to verify how the Afro-diasporic narrative in the conversation circles constitute a space for reflection on the ‘self’, the ‘other’, and our history, in a re-signification of the pedagogical practices and reflections with the students.
Keywords: Ecology of Knowing, Educators, Afrodiasporic Thought, Decolonial pedagogics.
Ecologias de saberes afrodiaspóricos: a pedagogia libertária do Rap
Afro-diasporic Ecologies of Knowledge: the liberating pedagogy of Rap
Recepción: 01 Octubre 2023
Aprobación: 01 Diciembre 2023
Ao conceber uma reflexão sobre a produção de saberes afrodiaspóricos, faz-se necessário, ainda que brevemente, adentrar em alguns marcadores que determinaram o curso da história moderna vivenciada, uma vez que a produção dos saberes e conhecimentos científicos que perpassam a civilização moderna foi cunhada sob o arranjo das ‘diferenciações’ e das ‘hierarquias’ etnocêntricas dos saberes como produtos de uma razão universalista e essencialista, fundamentada por uma Matriz Colonial do Poder, do Saber e do Ser (MIGNOLO, 2017).
No engendramento da decolonialidade e pensamento afrodiaspórico, Bernardino-Costa, Maldonado-Torres & Grosfoguel em uma leitura a Wynter (2003), definem a colonização do saber enquanto
“produto de um longo processo de colonialidade que continuou reproduzindo as lógicas econômicas, políticas, cognitivas, da existência, da relação com a natureza etc. que foram forjadas no período colonial”.
Adentrando essa lógica, a civilização ocidental sob o princípio constitutivo de um eurocentrismo e cientificismo cartesiano “cogito, ergo sum” (DESCARTES, 1996 [1637]), inferiram a construção de um espaço e tempo universal do saber.
Trata-se de “uma ideia de universalismo abstrato” (BERNADINO-COSTA; MALDONADO-TORRES; GROSFOGUEL, 2020, p.12) da produção do conhecimento e do desenvolvimento científico sob um discurso e método – Discurso do Método (DESCARTES, 1996 [1637]) que colocou-se em conduzir a própria razão e a procura de uma verdade na ciência, instituindo-se a ordem, a normatização e regulamentação de um saber sobre os corpos - pessoas/indivíduos na condução do modo de ser, existir e agir - e dos ‘outros’, daqueles que se encontram do outro lado do ocidente, que não se referenciam como corpo pertencente a um padrão do ser, do saber e do poder patriarcal do homem branco heteronormativo, como os negros e os indígenas. Para Maldonado-Torres (2020), a cultura do saber ocidental que opera por meio de um “ethos colonizante” perpetua nos dias hoje por meio dos
significado[s] e a estrutura de instituições, práticas e representações simbólicas ocidentais modernas [pressupondo] conceitos de progresso, soberania, sociedade, subjetividade, gênero e razão, entre muitas outras ideias-chave que tem sido definida como pressupostos de uma distinção fundamental entre o moderno e o selvagem ou primitivo, hierarquicamente entendidas ou não (MALDONADO-TORRES, 2020, p.30).
Esses significados e a sua reprodução a partir das estruturas institucionais administrativas, legislativas e jurídicas, a exemplo das escolas, igrejas e quartéis, foram construídos historicamente por meio da produção de um discurso de ideário essencialista, a congregar o corpo - pessoa/indivíduo – como centro da razão de um saber etnocêntrico universalista. Tão logo objetivando uma crítica “ao lado mais escuro da modernidade” (MIGNOLO, 2017), concebe-se um confrontamento conceitual sobre a colonialidade, o colonialismo e a descolonização, para adentra-se na produção de uma ecologia do saber afrodiaspórico, uma vez que “a mudança no entendimento de modernidade, descoberta, colonialismo e descolonização requer a definição de múltiplas ideias como parte de uma analítica de colonialidade e decolonialidade” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.32).
Reflexionar as distinções conceptuais desses eventos na modernidade indica um giro epistemológico de ressignificação decolonial, uma performatividade de reivindicação do nosso espaço/tempo e saberes construídos e edificados sob marcadores heterogêneos-estruturais. Nesse empreendimento de clarificação, faz-se necessário distinguirmos o evento do colonialismo, colonialidade e descolonização. Para Maldonado-Torres (2020), o primeiro evento “pode ser compreendido como a formação histórica dos territórios coloniais; o colonialismo moderno pode ser entendido como os modos específicos pelos quais os impérios ocidentais colonizaram a maior parte do mundo desde a ‘descoberta” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.35).
A colonialidade “pode ser compreendida como uma lógica global de desumanização que é capaz de existir até mesmo na ausência de colônias formais” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.36), sendo que
a ‘descoberta do Novo Mundo e as formas de escravidão que imediatamente resultaram daquele acontecimento são alguns dos eventos-chave que serviram como fundação da colonialidade. [Logo], outra maneira de se referir à colonialidade é pelo uso dos termos modernidade/colonialidade, uma forma mais completa de se dirigir também a modernidade ocidental” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.36).
Em consequência, a descolonização “refere-se a momentos históricos em que os sujeitos coloniais se insurgiram contra os ex-impérios e reivindicaram a independência”, ao passo que a decolonialidade, num giro decolonial, faz referência “à luta contra a lógica da colonialidade e seus efeitos materiais, epistêmicos e simbólicos (MALDONADO-TORRES, 2020, p.36). Em termos gerais, a “colonialidade é uma lógica que está embutida na modernidade, e decolonialidade é uma luta que busca alcançar não uma diferente modernidade, mas alguma coisa maior do que a modernidade” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.36).
É frequentemente usado o termo descolonização a práxis decolonial. No entanto, não podemos recair na narrativa temporal da modernidade ocidental e suas acepções de espaço e poder privilegiados como projeto civilizatório, pois a condição que nos move no giro decolonial recaí na “luta pela criação de um mundo onde muitos mundos possam existir e onde, portanto, diferentes concepções de tempo, espaço e subjetividade possam coexistir e também relacionar produtivamente” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.36). Trata-se de romper os paradigmas de um único mundo essencialista, “onde somente um único mundo é possível e os demais impossíveis” (GROSFOGUEL, 2020, p.65), mas de uma transposição epistemológica e de cosmovisões que transgridam a narrativa que corporifica nosso ethos.
Como inferência a práxis decolonial, assume-se o exercício epistêmico do saber afrodiaspórico na produção do conhecimento do movimento negro, pois ele explicita “nas suas análises e reflexões a crítica aos padrões coloniais de poder, de raça, de trabalho e conhecimento, (...) indaga a primazia da interpretação e da produção eurocentrada de mundo e do mundo científico” (GOMES, 2020, p.224). Nesse sentido, assume-se a conceptualização de Ecologias dos Saberes (SANTO, 2010) a partir da abordagem das Epistemologias do Sul (SANTOS; MENESES, 2010) no exercício da funcionalidade decolonial, a exemplo do uso das letras de Rap como prática pedagógica na educação.
O colonialismo na sua formação histórica foi além das denominações territoriais e de corpos, a dominação epistemológica, numa conceptualização do saber, do conhecimento e sua validade na inferência do fazer científico: a ciência. Logo, em uma proposta descolonial, assumimos uma reflexão epistemológica “nas práticas de conhecimentos e nos seus impactos noutras práticas sociais” (SANTOS; MENESES, 2010, p.11), como noção de ecologias de saberes desde o Rap na educação.
A conceptualização das ecologias de saberes nasce como uma proposta epistemológica que pretende identificar, bem como validar as práticas de saberes que nascem nas manifestações sociais contra a opressão e a marginalização do conhecimento/saber/ser sujeito detentor de uma episteme. Trata-se de uma inferência do conhecimento a partir do pertencimento e vivência, de um corpo expresso na manifestação de uma condição de fundamento de um saber social, cultural, bem como político e econômico.
As manifestações que emergem de lutas sociais contra a opressão e marginalização nascem em uma contraposição a fundamentação do conhecimento moderno, que foi produzido e validado sob três viés, “o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado” (SANTOS, 2020, s/n). Esses três marcadores são frutos de uma construção histórica que alicerçou o conhecimento como uma ciência epistêmica do Norte, a criar um monopólio da ciência, do conhecimento verdadeiro, uma proposição a fundamentar que
o único conhecimento válido era o conhecimento científico, e esse conhecimento científico, como sabemos, produzido segundo uma certa concepção do ser, da natureza, do próprio conhecimento, uma relação de aparente total separação entre sujeito e objeto, a natureza considerada um ser inerte, o conhecimento como descoberta, em princípio individual, não uma construção coletiva (SANTOS, 2020, s/n).
Em consequência, “a ideia de que o único saber científico é a ciência” (SANTOS, 2020, s/n) se deflaga com “um discurso [crítico] sobre as ciências” (SANTOS, 1987), sobre a produção do conhecimento, do saber universalista e essencialista, uma contraposição de corpos sociais e seus coletivos que passam a não se contemplar, a não reconhecerem a existência do seus conhecimentos e saberes “muitas vezes orais, coletivos, anônimos, das comunidades, os saberes a que também chamamos sabedoria” (SANTOS, 2020, s/n) para, com a conceptualização do fazer, validar o saber e o conhecimento científico monopolizados nas academias, escolas e centros de pesquisa.
Essa dominação epistemológica instituiu uma relação desigual e hierarquizada “à supressão de muitas formas de saber próprias dos povos e nações colonizados, relegando muitos outros saberes para um espaço de subalternidade” (SANTOS, MENESES, 2010, p.11). Em decorrência, a crítica sobre fazer e validar o conhecimento como uma ciência, advinda dos cânones universalista e essencialista, condicionou na formação histórica moderna do ‘saber’, o pensamento abissal ocidentalista, na feitura de um sistema de distinções e/ou diferenciações, sendo os “visíveis e invisíveis, sabendo que os invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis (...) dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha’ (SANTOS, 2010, p.31-32).
O sistema de distinções abissais aplicadas no campo do conhecimento, “consiste na concessão à ciência moderna do monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o falso, (...) as formas científicas e não-científicas de verdade” (SANTOS, 2010, p.33), sendo que “a validade universal da verdade científica é, reconhecidamente, sempre muito relativa, dado o facto de poder ser estabelecida apenas em relação a certos tipos de objetos em determinadas circunstâncias” (SANTOS, 2010, p.33).
Essa verdade científica não se relaciona com outras verdades possíveis, justamente porque a sua visibilidade repousa na invisibilidade sobre as outras formas de conhecer, saber e existir, a exemplo “das crenças, opiniões, magia, idolatria, entendimento intuitivos ou subjetivos que, na melhor das hipóteses, podem se tornar objetos ou matéria-prima para a inquirição científica (SANTOS, 2010, p.34).
As formas de conhecimento que assentam do outro lado da linha das distinções, compreendem-se pelas experiências e manifestações sociais e culturais, tornando-os sem um “território, bem como uma localização fixa” (SANTOS, 2010). Para tanto, assumindo um exercício decolonizador do pensamento abissal como um pensamento ecológico, faz-se necessária uma inflexão “coditio sine qua non para [começarmos] a pensar e agir para além dele, (...) num aprender com o Sul usando uma epistemologia do Sul, [confrontando] a monocultura da ciência moderna com uma ecologia de saberes” (SANTOS, 2010, p.52-53).
Assumimos o Sul epistemológico como um “campo de desafios epistêmicos, que procura reparar os danos e impactos historicamente causados pelo capitalismo na sua relação colonial com o mundo” (SANTOS, MENESES, 2010, p.19), sobrepondo a conceptualização de um Sul geográfico de países e/ou regiões territoriais no mundo, haja vista que as práxis epistêmicas do Sul geográfico coexistem dentro do Norte e vice-versa. Logo, o Sul torna-se epistêmico, pois figura como o
conjunto dos conhecimentos nascidos na luta, nas lutas anticapitalistas, anticolonialistas e antipatriarcais, lutas das mulheres, dos povos quilombolas, dos povos indígenas, dos povos colonizados, dos trabalhadores, que ao lutarem sempre usaram e produziram conhecimentos e esses conhecimentos nunca foram reconhecidos como tal. Portanto, é uma tentativa de captar esse processo de conhecimento que nasce na própria luta e no viver na luta contra a opressão (SANTOS, 2020, s/n).
Sendo assim, as epistemologias do Sul traduzem uma vasta gama de manifestações e lutas sociais que utilizam, a partir do pertencimento e vivência de seus corpos, a práxis de um poder de intervenção epistemológica “que denuncia essa supressão, valoriza os saberes que resistiram com êxito e investiga as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos (SANTOS, MENESES, 2010, p.19). Para Santos (2006), os diálogos entre os saberes tratam justamente das ecologias de saberes, pois elas se baseiam no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogéneos, em interações sustentáveis e dinâmicas entre eles sem comprometer a sua autonomia. A ecologia de saberes baseia-se na ideia de que o conhecimento é interconhecimento” (SANTOS, 2010, p.53)
Nessa lógica, inferir no exercício do interconhecimento, em um processo de aprendizagem à luz das ecologias de saberes, é incontestável. Para Santos (2010), é “crucial a comparação entre o conhecimento que está a ser aprendido e o conhecimento que, nesse processo, é esquecido e desaprendido”. Nessa premissa, ao concebermos o Rap como uma ferramenta pedagógica no exercício decolonial da aprendizagem, do saber e do conhecimento, é possível reflexionar as práticas de sociabilidade e funcionalidades de corpos afrodiaspóricos no ensino-aprendizagem, em uma posição ‘contra-hegemônica’ de desmistificação de saberes e pensamento enraizado em um passado colonial escravocrata.
Se o Rap permite críticas sendo uma ferramenta pedagógica decolonial da prática de ensino-aprendizagem ‘contra-hegemônica’, o seu exercício sociopolítico condiciona uma inferência histórica no reconhecimento de corpos marginalizados e oprimidos que são corporificados na narrativa escrevivencidas (EVARISTO, 2020) de rapper, que utilizam seu “apego local” (ROSE, 1997) à ressignificar as múltiplas faces que engendram as raízes ancestrais afro-diaspóricas desses corpos.
Inferir acerca do reconhecimento de corpos marginalizados e oprimidos impõe uma dimensão estrutural e cultural, bem como uma crítica à subjetividade (do sujeito) na sua relação método e objeto na colonialidade do saber. A condição de subjetividade de corpos acarreta o reconhecimento de sujeitos (pessoas/indivíduos) como um produto colonial corporificado “constituído e sustentando pela sua localização no tempo e no espaço, sua posição na estrutura de poder e na cultura, e nos modos como se posiciona em relação à produção do saber” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.43).
Por conseguinte, esse corpo sendo um produto gerador de uma funcionalidade colonial passa a figurar como “um campo de luta e um espaço que deve ser controlado e dominado para que a coerência de uma dada ordem e visão de mundo continue estável” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.43). Trata-se de um adentramento na lógica colonial do saber, que infere na descolonização do tempo e do espaço, em que os corpos em suas visões e sentidos passam a não se reconhecerem como entes ‘condenados’, mas enquanto pessoas/indivíduos que emergem como ser humano “questionador, pensador, teórico e escrito/comunicador” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.46), num “cotramovimento, de cosmopolitismo subalterno” (SANTOS, 2010, p. 49). A transição do tempo e do espaço em um contramovimento decolonial impõe uma articulação do nosso ser, poder e saber - requerendo do corpo resistente político o seu “postulado de resistência epistemológica, (...) através das iniciativas e movimentos que constituem a globalização contra-hegemônica” (SANTOS, 2010, p.49-51).
A exemplo dessas manifestações e movimentos sociais de resistência epistemológica, o Movimento Hip Hop, por meio de suas estéticas políticas – break, rap e grafite – constitui um espelho político-social desse “vasto conjunto de redes, iniciativas, organizações e movimentos que lutam contra a exclusão econômica, social, política e cultural gerada pelas mais recentes encarnações do capitalismo global, conhecido como globalização neoliberal” (SANTOS, 2002, 2006a, 2006cSANTOS apud 2010, p.51).
Nesta seara, assumindo a práxis de funcionalidade do rap como uma ecologia do saber em uma tradução intercultural, compreende-se que as experiências dos rappers por meio de suas escritas constituem “uma forma de reconstruir a si mesmo e um modo de combater os efeitos da separação ontológica e da catástrofe metafísica” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.47). Por isso, assumindo o Rap no Hip Hop como um Movimento estético decolonial, prevalece o distanciamento da colonialidade, pois as feituras estéticas e “criações artísticas são modo de crítica, autorreflexão e proposição de diferentes maneiras de conceber e viver o tempo, o espaço, a subjetividade e a comunidade, entre outras áreas” (MALDONADO-TORRES, 2020, p.47), com a emergência crítica de uma “sociologia das emergências” (SANTOS, 2002).
O hip-hop em sua coletividade nada mais é que um movimento juvenil produzido por artistas que são também por vezes educadores e que também lutam por uma sociedade mais justa e igualitária. tentando romper com as relações autoritárias da sociedade representada em suas músicas pela bruta força policial. (...) Os mc´s agem como Paulo Freire que utilizou um método de alfabetização para educar milhares de brasileiros com palavras e realidade do seu dia a dia, trazendo as universidades desses sujeitos para a sala de aula. Os MC´s também cumprem esse papel de educadores conscientizando não só jovens e crianças das periferias, mas toda uma sociedade trazendo palavras e informações do seu cotidiano. (...) Assim como os educadores Maurício Tragtenberg e Paulo Freire que fizeram da pedagogia uma ferramenta para libertar. Os favelados fazem de suas práticas culturais uma ferramenta de liberdade construída diariamente com sagacidade e sentimento, “o brasil ilegal” veio também para educar e libertar!! (MANO ZEU, PEDAGOGIA LIBERTÁRIA, 2010).
Adentrando a reflexão sobre o Rap como recurso de uma pedagogia libertária, a fala do Mano Zeu (2010), a partir do seu pertencimento e vivência de rapper no bairro Cidade Nova, na cidade de Foz do Iguaçu – Brasil, conduz a um fluxo de signos e significados de um debate maior, mais amplo e determinante para repensar as relações de silenciamento e desigualdade de vozes, corpos político-socioculturais: os corpos negros e indígenas.
O recorte de análise, o Rap como pedagogia libertária, caracteriza um movimento estético e político que, em sua coletividade juvenil, traduz a manifestação e lutas sociais de jovens, em sua grande maioria localizados nas periferias e guetos urbanos. O Rap é um dos elementos que, com o break e o grafite, forma o Movimento Hip Hop. Este teve sua origem na década de 1970 nos Estados Unidos da América, precisamente demarcado por um contexto específico: o encontro da comunidade negra e hispânica no estado de Nova York, nas áreas do “South Bronx, Bedford-Stuyvesant, Brownsville e as áreas de Crown Heights no Brooklyn, a área da Jamaica em Queens e Harlem” (ROSE, 1997, p.200). Tal período é demarcado por profundas transformações pós-industriais, economias e a reorganização geográfica das grandes cidades, a exemplo das áreas citadas onde pessoas, principalmente os imigrantes, são postos à margem dos grandes centros comerciais e econômicos nas grandes metrópoles, com a redefinição geoespacial e do contexto urbano.
O contexto de reestruturação urbana, assim como financeira-econômica e tecnológica no advento da globalização entre as décadas de 1970-80, condicionou, às margens dos centros comerciais-econômicos, a formação de um espaço alternativo e de um “apego familiar” (ROSE, 1997), no encontro de imigrantes e moradores locais com a formação de uma cultura local. Com o advento da globalização, os fluxos migratórios da África foram intensificados por toda América, principalmente nas regiões fronteiriças caribenhas, emergindo um processo de deslocamento diaspórico de corpos afro-latino-americanos e caribenhos (HALL, 2006). No primeiro momento, o fluxo migratório foi direcionado para os EUA. Entretanto, tendo em vista o processo de globalização e emancipação das pessoas, assim como a redefinição das condições de vida e sobrevivência, a expansão migratória foi sendo espalhada por toda a América Latina e Caribe, intensificando um fluxo de corpos afro-latino-americanos e caribenhos.
O período mencionado é determinante para compreender o processo de convergência e emancipação cultural afro-latina-americana e caribenha, quando a cultura assume seu caráter estético-político na manifestação e luta social de indivíduos e corpos contra as marcas hierárquicas de marcadores raciais, de gênero, de classe e sexo. Na América Latina, a emancipação cultural e política do Movimento Hip Hop ocorreu por forte influência de jovens regressando dos EUA, quando trouxeram discos de vinil, bem como revistas e, posteriormente, fitas, adentrando as práxis culturais e vivências juvenis por toda América Latina, principalmente nos bairros mais afastados, caracterizados por periferias e guetos urbanos.
Não obstante, autores como Castro (2008), Estácio, (2013), Poch Plá (2011), Silva (2015), Silva & Souza, 2021 mostram que o Movimento Hip Hop surgiu no período pós-ditadura militar, na década de 1980, por intermédio do retorno de imigrantes, principalmente dos filhos de latino-americanos “que se encontravam exilados pela ditadura em diversos países latino-americanos e caribenhos em que o contexto ‘local’ foi influenciado a partir das práticas de breakdance, dos discos musicais e por influências de filmes do movimento estadunidense” (SILVA, 2022, p.76; SILVA, SOUZA, 2021). Em consequência, no Brasil, o Rap chegou com força no início dos anos de 1980, sendo originado nos bailes black com muito soul e funk, nas periferias e favelas de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, figurando por todo o país em poucos anos (SILVA, SOUZA, 2021, p.85; SILVA, 2022). Assim, entre
(...) os primeiros nomes de coletivos e/ou grupos nacionais de rappers destacam-se o grupo Racionais Mc’s, Facção Central, MV Bill (Alex Pereira Barbosa), GOG (Genival Oliveira Gonçalves), Sabotage (Mauro Mateus dos Santos), Criolo (Kleber Cavalcante Gomes) e Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira). Neste percurso, o rap ganha novos espaços e visibilidades, adentrando no cenário nacional, onde novos nomes ganham espaço, como Ndee do Rap, Realidade Cruel, Marcelo D2, Dexter, Negra Li, Projota, Emicida, Nega Gizza, entre outros. É nesse período que emergem os coletivos de Hip Hop nacional, pois entre as décadas de 1970-80 surge ‘um novo ator social juvenil: o jovem das favelas, das comunidades e dos bairros populares’ (ARCE, 1997, p. 141) (SILVA, 2022, p.76).
Ao concebermos os coletivos do Hip Hop nacional como atores sociais juvenis que emergem das comunidades, das favelas, dos guetos e dos bairros populares, vemos que a vida juvenil neste período se constituiu sob a feitura da “rebeldia’ performática, em um ato de resistência estética político-cultural e reexistência político-social pela liberdade de expressão, em uma reconfiguração cultural “no modo de viver e expressar, seja por meio da música, dos discursos, do corpo ou das roupas” (SILVA, SOUZA, 2021, p.85). Nesse contexto, tomamos o protagonismo do Rap como espaço estético-político performático que se constitui por meio da “escrevivência” (EVARISTO, 2020), condicionando uma tradução e crítica na sua práxis de funcionalidade como uma pedagogia libertária de sociabilidade de corpos sociais localizados nas comunidades, nos guetos e periferias urbanas, que manifestam e lutam pelo não apagamento e silenciamento de suas raízes culturais.
Reflexionar o Rap e sua narrativa sob uma ótica escrevivênciada (EVARISTO, 2020), significa olhar os reflexos, as tensões e extensões que encontram os marcadores e hierarquias de uma “matriz colonial do poder, do saber e do ser” (MIGNOLO, 2017). Os marcadores e hierarquias de uma Matriz Colonial caracterizam um corpo estatal-jurídico-religioso ocidentalista que, sob a primazia do ‘poder, do ser e do saber’, desterrou e colonizou milhões de corpos na conquista e orquestração de um ‘Novo Mundo’, fazendo com que fossem produto e recurso estrutural de uma matriz econômica colonial-escravocrata-patriarcal. Ao assumir o exercício “contra-hegemônico” (SANTOS, 2010) como corpo decolonial, assumimos também o espaço geográfico, político e sociocultural, não mais como América Latina e Caribe sob os domínios ocidentalistas, mas na feitura de uma “Améfrica Ladina” (GONZALEZ, 1988), que também é afro-indígena, visto que
seu valor metodológico, a meu ver, está no fato de permitir a possibilidade de resgatar uma unidade específica, historicamente forjada no interior de diferentes sociedades que se formam numa determinada parte do mundo. Portanto, a Améfrica, enquanto sistema etnográfico de referência, é uma criação nossa e de nossos antepassados no continente em que vivemos, inspirados em modelos africanos” (GONZALEZ, 1988, p.77).
É a partir desse pertencimento e vivência afro-indígena que se torna possível reflexionar o Rap na sua práxis de funcionalidade e sociabilidade escrevivênciada (EVARISTO, 2020). Deve-se compreender sua função pedagógica libertária “trans-escalar” (SANTOS, 2010) que infere na condição estrutural dos corpos narrados, bem como sua própria ressignificação institucional da educação, da escola e suas práticas de saberes ocidentais. É oportuno entender a vivência e o pertencimento de jovens, crianças e adultos, adentrando a localização do seu corpo e seu ethos na história, na economia, da cultura, na política,
em uma ação de aprendizagem orgânica de saberes locais, [torna-se] oportuno o exercício autorreflexivo de nossos corpos sociais e culturais, em um esforço que nos permita ir além do assujeitamento de padrões de normatização e regulamentação do fazer ciência e/ou produzir conhecimento que reside em nós. É fato que este processo não deve ser orientado por uma negação epistemológica do que foi construído, mas por uma reorientação epistêmica que valorize as experiências e lutas pluriversais (SILVA, 2022, p.87-88).
O referido exercício pedagógico libertário ocorre “por meio do “traduzir”, do “reinscrever” e da “intervenção” (BHABHA, 2013) de nossos corpos e manifestações autonarrativas político-socioculturais “contra-hegemônicas” (SANTOS, 2010) na luta contra a matriz colonial-escravocrata-patriarcal, universalista e essencialista, dentro da pós-modernidade. Para tanto, o Rap como ferramenta conduz “as reflexões sobre a realidade social, de modo a relacionar e diferenciar as produções e relações de significados culturais (SOUZA, JESUS, SILVA, 2014, p.17-18), como também “as experiências pessoais, os sentimentos, as emoções, as condições sociorraciais, as de gênero, as de imigração, que perpassam a elaboração deste gênero musical” (SOUZA, 2009, p.77). A própria contextura do Rap endossa um maior peso na narrativa. Conforme destaca Souza (2009),
o próprio significado do rap enquanto música concentra um peso maior na composição da letra, ou seja, na construção de uma narrativa discursiva. Um rapper não necessariamente possui algum conhecimento de teoria musical clássica, ou precisa saber tocar algum instrumento musical. O que para alguns gêneros musicais é fundamental, ou seja, dominar um instrumento musical, no rap este cenário muda. Conhecimento que pode ser facilmente questionado, já que estes rappers possuem outras teorias musicais que vêm de suas experiências familiares, pessoais, comunitárias, em terreiros de umbanda e candomblé, rodas de capoeira, baterias de escolas de samba, igrejas evangélicas (SOUZA, 2009, p.105).
Nesse percurso, a narrativa do Rap torna-se um espaço maior, múltiplo e diverso, um “espaço de debate político-social sobre vivências e experiências de jovens, em grande parte negros, homens e mulheres, imigrantes dos mais diversos países, questionando os problemas sociais que os cercam” (SOUZA, JESUS, SILVA, 2014, p.11). Sob essa ótica, em uma analogia à intrincada tapeçaria, concebemos o Rap como “amarrado de teias de significados” (GEERTZ, 1989) que transcendem as narrativas nas batidas, por meio da fala em canto, fixando o ritmo das sílabas em um estilo ágil e veloz de rimar, uma forma eloquente de se expressar (flow), que se desdobra em escalas ora simétricas ora assimétricas, na medida em que revela por meio das rupturas rítmicas, as fraturas dessa rede de significados.
Nessa intricada teia de significados, construída sob um corpo-geográfico, quem produziu manifesta uma “desobediência epistêmica” (MIGNOLO, 2007) na modernidade, exige reconhecimento de ‘si’ e ‘ser-sujeito’ de uma identidade e de um saber político, uma transgressão ancestral afrodiaspórico de (re)conhecimentos contra-hegemônicos. É uma forma de transpor por meio da narrativa, da oralidade e das batidas rítmicas, a reflexão crítica dos nós-estruturais e dos marcadores de raça/étnica, gênero e classe social etc., em uma inclinação de epistêmica - de um Diário de um detento (RACIONAIS MC’S, 1997) - sob a forma de pensar, agir e viver, conduzindo uma forma crítica de ensinamento e a conscientização social.
No exercício epistêmico, os significados narrados, a escrita criativa, poética e rítmica demarcada por estratificações lexicais, opera por meio de rupturas lexicais na ressignificação do ethos – ensina e conscientiza o que é - o corpo, o viver, o sentir e expressar, as penúrias, o sofrimento, o racismo, o preconceito, a violência, e intolerância religiosa e de classe. Nesse contexto, a prática orgânica do Rap incide na forma de produção de conhecimento e do saber científico vivenciado e experienciado, em um processo de inflexão as fronteiras estéticas epistemológicas e ontológicas “bem mais complexa, onde [os rappers] narram através de uma batida rítmica suas trajetórias de vida, suas condições socioculturais, suas percepções e conhecimentos produzidos na realidade em que vivem” (SILVA, SOUZA, SATANA, 2023, p.192).
Por conseguinte, compreendendo a nossa história e nossas raízes culturais antepassadas “Améfrica Ladina” (GONZALEZ, 1988), em um exercício epistêmico de um pensamento afrodiaspórico, entende-se que “o Rap é preto” (Nego Max, Preta Ary, 2018), em uma imbricação de “narrativas e discursos que nos expressam” (SANTOS, SANTANA, 2021), numa ligação direto do ir-e-vir, entre o passado e o presente, num processo
diaspórico, seja por meio da ancestralidade dos ritmos latino-americanos e caribenhos, pelas pautas políticas antirracistas dos afro-latino-americanos e caribenhos ou/também pelo falar com o Pretuguês, letramento racial, feminismo negro, do lugar de fala, branquitude e educação antirracista (SANTOS, SANTANA, 2021, p.14).
Essa reflexão expressa uma inclinação ao pensamento pedagógico emancipatório e de libertário, que reconhece e exige reconhecimento na medida em que constrói autorreconhecimento (ARROYO, 2012) epistêmico, científico, pedagógico e curricular. Nesse contexto, assumimos por meio da atividade extensionista “PELO SOM E PELA COR: O Movimento hip hop como forma de ampliação do debate étnico-racial na formação de professores3” a narrativa do Rap como ferramenta epistemológica, pedagógica e de interlocução e investigação no debate étnico-racial na formação de professores. A seguir, apresenta-se de forma mais concisa um relato sobre sua importância, organização e desenvolvimento extensionista entre a pesquisa, a universidade e a sociedade.
Pelo som e pela cor - debate étnico-racial na formação de professores
O projeto de extensão “PELO SOM E PELA COR: O Movimento hip hop como forma de ampliação do debate étnico-racial na formação de professores” trata-se de uma prática de extensão desenvolvida por meio da parceria entre a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e o Colégio Estadual Ifé4. O projeto de extensão foi pensado como uma forma de aproximação e interlocução com a comunidade escolar, pois as práticas extensionistas são fundamentais para a construção, o entrelaçamento de saberes culturais e sociais da sociedade, como também da universidade.
O Projeto teve como objetivo promover o debate étnico-racial por intermédio de um diálogo entre a Universidade e a Comunidade acerca das práticas, alianças e saberes afrodiaspóricos com base no método da pesquisa-ação e das rodas de conversas na implantação da Lei 10.639/03, “que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências” (BRASIL, 2003). As rodas de conversas tiveram como fio condutor temas como o processo histórico da escravização, as diferentes formas de racismo, de violências, de preconceitos e de estereótipos, bem como o papel da mulher negra na sociedade, das religiões de matriz africana, da estética como resistência do povo negro e a história do movimento negro nacional e internacional.
Todas essas rodas de conversas tiveram como metodologia o uso das narrativas poéticas contidas nas rimas do Rap, da expressividade sonora e dos significados e signos contidos nessas narrativas. As narrativas permitem refletir sobre o ‘eu’ o ‘outro’ e a interrelação que nos liga, colocando-nos o modo de “fazer” e “pensar” a narração no Rap, não somente como representação artística, mas como uma ferramenta de denúncia que o torna também uma manifestação política, social e cultural. Com isso, as narrativas como método de investigação na educação acarretam
uma negociação de poder e representam, de algum modo, uma intrusão pessoal na vida de outra pessoa. Não se trata de uma batalha pessoal, mas é um processo ontológico, porque nós somos, pelo menos parcialmente, constituídos pelas histórias que contamos aos outros e a nós mesmos acerca das experiências que vamos tendo (GALVÃO, 2005, p.330).
É importante ressaltar que o projeto de extensão foi realizado com a participação de quatro professoras do Colégio Estadual Ifé, uma vez por semana, no período noturno, em uma sala de aula cedida pela instituição. A participação desses professores ocorreu conforme a disponibilidade, interesse e paixão que as educadoras possuíam pela proposta do projeto de extensão e pelas rodas de conversas.
Ao todo, foram realizadas sete rodas de conversas, porém somente uma será descrita no artigo: a segunda intitulada “Carta a Mãe África”. Todas as rodas de conversa foram pensadas em coletivo com as educadoras. No decorrer das discussões, ficou evidente que quatro perguntas direcionaram os encontros: O que é racismo? O que é racismo religioso? O que sabemos sobre África? e O que sabemos sobre o movimento Hip hop?
Como forma de preservar os nomes das educadoras que participaram das atividades e do próprio Colégio, decidimos usar codinomes. Vale salientar que todos os nomes fictícios fazem referência às grandes personalidades do movimento negro e palavras de origem Yorùbá. Essa decisão foi tomada com o intuito de assegurar a proteção de todos os envolvidos, como também instigar a curiosidade, o debate em relação aos nomes de origem Africana e as personalidades de luta e resistência do movimento negro.
A escolha dos pseudônimos foi decidida com as professoras para que cada uma delas representassem mulheres negras de luta e resistência, sendo: Tereza de Benguela (Pedagogia)5, Nzinga (Ciências Humanas)6, Acotirene (Ciências Exatas)7 e Na Agontimé (Artes)8. A iniciativa de colocar mulheres negras que marcaram a história de luta nacional permite incitar curiosidades sobre a trajetória de vida dessas mulheres, a luta, a militância e o ativismo.
Ao estruturar as rodas de conversa com as educadoras da equipe multidisciplinar do Colégio Estadual Ifé, quando recorremos ao Rap como uma possibilidade entre uma “prática de rua” e o espaço de sala de aula, deparamo-nos inicialmente com as dificuldades enfrentadas por parte desses educadores para a implementação da Lei 10.639/03, em relação às possibilidades de uma participação efetiva e prática por parte deles. Eles apontam como dificuldades a carga horária excessiva de trabalho, a superlotação nas salas de aula e a intervenção na autonomia desses profissionais dentro de seu ambiente de trabalho: a sala de aula. Entretanto, observamos alguns pontos de esperança em meio a esses obstáculos. No percurso até o trabalho de campo, a maioria das educadoras já havia passado por pelo menos um curso de formação das relações étnicos-raciais oferecido pelo Núcleo Regional de Educação da cidade (retirado para fins de avaliação).
Com base no conhecimento prévio e na formação acerca das relações étnicos-raciais oferecida pelo Núcleo de Educação, propomos uma inferência da prática pedagógica desses educadores no tocante às rodas de conversas, quando recorremos à estética política-sociocultural negra do Rap como fonte pedagógica que transpõe, em suas narrativas, os saberes das “práticas de rua” de jovens em sua grande maioria que advêm de espaços periféricos para o espaço de sala de aula, adentrando um processo libertário sobre o saber, o ensinar, o educar e mediar o conhecimento.
A partir das rodas de conversas realizadas, destacamos como ponto de reflexão o segundo encontro realizado “Carta a Mãe África”. Na referida roda de conversa, retomamos o processo de marginalização e direcionamos a discussão para uma estética negra e uma cultura periférica. Apresentamos dois vídeos: um com a poesia “Magia Negra”, do poeta paulista Sérgio Vaz (2012), interpretada pela atriz Raíssa Gomes, e o outro da MC Yzalu. O título da música é “Mulheres Negras” (2012), escrita pelo compositor Eduardo do “Facção Central”, que foi ofertada como presente para a artista. A narrativa discute o empoderamento da população negra por meio da estética, ou seja, o uso do cabelo crespo como uma forma de militância e luta, afirmado a importância de assumir o “cabelo natural” ou, como as educadoras falaram, “Black Power”.
Foi possível identificar a textura narrativa que expõe uma reflexão crítica sobre a subjetivação do corpo negro, sua condição diaspórica de resistência às mazelas de opressão e marginalização desde os navios negreiros, bem como de reexistência da feitura estética de sua escrevivência, tendo em vista que os “traços faciais são como letras de um documento” que afirma um corpo orgulhoso de sua cor, de seu cabelo, do seu nariz, embora “o sistema pode até me transformar ‘me’ empregada, mas não pode me fazer raciocinar como criada. Enquanto mulheres convencionais lutam contra o machismo, as negras duelam pra vencer o machismo, o preconceito, o racismo” (YZALÚ, MULHERES NEGRAS, 2012). Ainda segundo Yzalú (2012) as mulheres negras em sua práxis de resistência sociopolítico e econômico “lutam pra reverter o processo de aniquilação que encarcera afrodescendentes em cubículos na prisão”. Vejamos parte da rima do Rap Mulheres:
Mulher negra não se acostume com termo depreciativo/ Não é melhor ter cabelo liso, nariz fino/ Nossos traços faciais são como letras de um documento/ Que mantém vivo o maior crime de todos os tempos/ Fique de pé pelos que no mar foram jogados/ Pelos corpos que nos pelourinhos foram descarnados (YZALÚ, MULHERES NEGRAS, 2012).
Diante da importância e crítica desde o Movimento Negro, frisamos com base na narrativa exposta como um instrumento de “escrevivência” (EVARISTO, 2020) a importância de assumir o corpo negro e o “cabelo natural” (Black Power). Trata-se de um slogan constituído pelo Partido dos Panteras Negras e só depois difundido e muito utilizado pela militância de outros países. A partir da exposição do vídeo “Magia Negra”, do poeta paulista Sérgio Vaz (2012), interpretada pela atriz Raíssa Gomes, e da música “Mulheres Negras (2012) da MC Yzalu, escrita pelo compositor Eduardo do “Facção Central”, adentramos um momento de concentração em que o diálogo e a atenção ao outro nos permitam a participação coletiva enquanto sujeito-participante-ativo, quando o respeito e a compreensão em relação à fala do outro são fundamentais para o apreender e o ressignificar coletivo. A partir das reflexões na roda de conversa ocorreram diálogos como:
Eu –Você já viu aquela publicação das tranças que eram mapas dos quilombos? Algumas tranças nagôs eram feitas como mapas nas cabeças de crianças.
Na Agontimé – Mas elas não conheciam nada.
Tereza de Benguela – Sim, tem um pé de árvore, aí você faz um birote aqui, então é pra você caminhar aqui e quando você chegar nessa árvore, por exemplo, tem uma cachoeira mais ou menos aqui até chegar você chegar no quilombo (DIÁRIO DE CAMPO DOS AUTORES, 2017, grifo nosso).
Reflexionar esse círculo de conversa permite, com base nas concepções da educadora e militante Nilma Lino Gomes (2002), constatar a importância de analisar a corporalidade do ‘eu’ do ‘outro’. De modo semelhante, destaca a relevância de assumir o cabelo crespo que emerge como uma ferramenta de construção identitária, justamente pelo peso histórico nos traços Africanos (nariz, boca, cabelo entre outros). Durante a escravização, materializou-se o corpo negro como mercadoria, que servia para o trabalho braçal e bruto. As diferenças intrínsecas nesse corpo serviram para justificar essa escravização, comparando com os traços corporais do colonizador Europeu.
Esse ideal de corporalidade serviu de argumento para a realização de um padrão de beleza que preza pelo “clareamento”, de modo que,
construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina ao negro, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um desafio enfrentado pelos negros brasileiros. Será que, na escola, estamos atentos a essa questão? Será que incorporamos essa realidade de maneira séria e responsável quando discutimos, nos processos de formação de professores, sobre a importância da diversidade cultural? (GOMES, 2003, p.171).
Ao trazermos para dentro da sala de aula outras perspectivas como as colocadas pelas educadoras, a exemplo da estratégia do uso das tranças como mapa que conduziam aos quilombos, proporcionamos outras formas de contar a nossa história, possibilitando que diversos saberes estejam presentes no processo de ensino e aprendizagem. Ainda convém lembrar que ressaltar a cultura negra dentro dos ambientes escolares possibilita a compreensão de diversas epistemologias, ontologias de espaços e mundos em que vivemos, como já colocado, a desconstrução de uma África e o atlântico negro parada no tempo ou sem aporte econômico, político e histórico. Cabe evidenciar a estruturação de um continente africano que contém mais de 100 etnias e que já se constituía como reino com relações comerciais marítimas antes mesmo da chegada dos europeus.
Outrossim, é importante desmistificar algumas expressões tão presentes em nossos vocabulários como “Magia Negra”, “Lista Negra”, “Ovelha Negra”, “A coisa está preta”, “denegrir”, “esclarecer”, entre outras que reforçam as práticas racistas cotidianas. Essa desmistificação está no Movimento Hip Hop que traz, a exemplo do Rap, estética política-sociocultural que, com o break e o grafite, formam o Hip Hop - suas rimas e musicalidade na valorização da cultura negra. Como podemos ver no poema de Sérgio Vaz que, mesmo não se tratando de uma Rap em si, carrega os signos do Movimento Hip Hop por se tratar de uma literatura marginalizada, como segue a transcrição do poema “Magia Negra” de Sérgio Vaz (2012):
Magia negra era o Pelé jogando, Cartola compondo, Milton cantando. / Magia negra é o poema de Castro Alves e o samba de Jovelina… / Magia negra é Djavan, Emicida, Racionais MC´s, Thalma de Freitas, Simonal. / Magia negra é Drogba, Fela kuti, / Magia negra é dona Edith recitando poesia no Sarau da Cooperifa. Carolina de Jesus é pura magia negra. Garrincha tinhas 2 pernas mágicas e negras. James Brow e Milton Santos é pura magia. / Não posso ouvir a palavra magia negra que me transformo num dragão. / Michael Jackson e Michael Jordan é magia negra. / Cafu, Milton Gonçalves, Dona Ivone Lara, Jeferson De, Robinho, Daiane dos Santos é magia negra. / Magia Malê Luísa Mahin Calafate. / Fabiana Cozza, Machado de Assis, James Baldwin, Alice Walker, Nelson Mandela, Tupac, isso é o que chamo de escura magia. / Magia negra é Malcon X. Martin Luther King, Mussum, Zumbi dos Palmares, João Antônio, Candeia e Paulinho da Viola. Usain Bolt, Elza Soares, Sarah Vaughan, Billy Holliday, Nina Simone é magia mais do que negra. / Eu faço magia negra quando danço Fundo de quintal e Bob Marley. / Cruz e Souza, Zózimo, Spike Lee, tudo é magia negra neles. Umoja, Espírito de Zumbi, Afro Koteban… / É mestre Bimba, é Vai- Vai é Mangueira, todas as escolas transformando quartas-feiras de cinzas em alegria de primeira. / Magia negra é Sabotage, MV Bill, Anderson Silva e Solano trindade. /Ondjaki, Ana Paula Tavares, João Mello… Magia negra. / Magia negra são os brancos que são solidários na luta contra o racismo. / Magia negra é o RAP, O Samba, o Blues, o Rock, Hip Hop de Africa bambaataa. / Magia negra é magia que não acaba mais. / É isso e mais um monte de gente que é magia negra. /O resto é feitiço racista (SÉRGIO VAZ, MAGIA NEGRA, 2012).
Ao exibirmos o vídeo com a poesia “Magia Negra”, do poeta paulista Sérgio Vaz (2012), interpretada pela atriz Raíssa Gomes, conversamos sobre literatura marginalizada que, na década de 1990, vinha com uma proposta de um movimento marginal de grupos das periferias paulistanas, com linguagens coloquiais e muitas gírias, trazendo nessa literatura a simbologia utilizada nos bairros periféricos da grande São Paulo, do cotidiano da comunidade, dando vozes para aquelas pessoas. Ao movimento literário citado, juntam-se outras expressões culturais como o próprio Movimento Hip Hop, evidenciando que na periferia existe constante produção artística. A expressão artística tem maneiras próprias de divulgação entre as comunidades. Os saraus figuram como um exemplo de tais formas, visto que a população tem um espaço para declamar poesia, realizar apresentação de músicas, danças e incentivar também a leitura nos bairros.
Popularmente, a expressão “magia negra” tem um peso pejorativo e preconceituoso, usada para fazer referência à feitiçaria obscura e às forças malignas. No entanto, o poeta Sérgio Vaz faz uma narrativa que desconstrói a expressão trazendo várias personalidades afrodescendentes, brasileiras e internacionais. Com a exposição do vídeo, foram surgindo expressões na roda de conversa como a educadora Acotirene: “Nossa, amei, tô toda arrepiada. Mas tem um monte de nomes que eu não conheço”.
A fala da educadora Acotirene expressa o quanto nos foi e ainda é negado o conhecimento sobre expressões culturais e artísticas negras, principalmente ligadas à resistência e à ressignificação da cultura negra. No decorrer da roda de conversa, foram surgindo algumas dúvidas sobre personalidades negras e sobre as religiões de matriz africanas. Todas as educadoras pediram que o material utilizado nas rodas de conversa fosse passado para elas. Assim, elas poderiam pesquisar mais todos os nomes que aparecem no poema.
Outro ponto de reflexão e crítica que foi presente em quase todas as rodas, foi a própria história do Movimento Hip Hop, seu surgimento e suas ações. A discussão do surgimento do Movimento Hip Hop foi importante porque reforçou a ideia de estimular o debate étnico-racial dentro dos ambientes educacionais com outros saberes. Para estimular o debate, foi reproduzido o clipe Negro Drama dos Racionais MC’s e, posteriormente, apresentado o surgimento do Movimento Hip Hop, como aconteceu a disseminação desse movimento internacional, nacional e localmente. A exemplo do que ilustramos, segue a rima Negro Drama dos Racionais MC’s,
Esse não é mais seu / Ó, subiu / Entrei pelo seu rádio / Tomei, cê nem viu / Nós é isso ou aquilo / O quê? / Cê não dizia? / Seu filho quer ser preto Rááá / Que ironia / Cola o pôster do 2Pac aí / Que tal? / Que cê diz? Sente o negro drama / Vai / Tenta ser feliz (RACIONAIS MC’S, FAIXA - NEGRO DRAMA, 2002).
Conforme já exposto, o Movimento Hip Hop surgiu nas periferias dos Estados Unidos das América, como uma estética político-sociocultural de reivindicações de políticas públicas por intermédio de jovens, em sua grande maioria, marcados pela opressão e marginalização social. Por meio de expressões artísticas, esses jovens transformaram as paredes em tela de artes e as ruas em palcos de teatro (HERSCHMANN, 1997). O Movimento Hip Hop e seu surgimento, bandeiras de lutas e os motivos que levaram à consolidação desse movimento, como o hino (SOUZA, 2009) de uma grande nação, constitui-se como um porta-voz, um amplo espaço pedagógico para debater, reflexionar e conscientizar acerca da falta de políticas públicas sociais, culturais e econômicas de pessoas que se encontram em condições de vulnerabilidade.
O Movimento Hip Hop iniciou sua difusão com as trocas de saberes de ruas nos encontros de jovens dos guetos urbanos. Com isso, logo o Movimento ganhou ampla dimensão nacional e internacional a partir dos meios de comunicação via internet. Nessa discussão, destacamos previamente o que as educadoras sabiam sobre o Movimento Hip Hop, o que já tínhamos ouvido falar e quais suas experiências com as estéticas desse Movimento, como o rap, o grafite e o break. As educadoras foram trazendo o que achavam sobre o movimento e, a partir desse diálogo, houve uma interação em que cada educadora participava cada vez mais das reflexões expostas. Alguns trechos dos diálogos:
Zacimba Gaba – Então pera aí, deixa eu tentar entender, o movimento hip hop envolve uma gama de artes, não é simplesmente o rap, a dança e o funk.
Eu –Não, vamos fazer assim, o que vocês acham que é o movimento hip hop e o que vocês já tiveram de experiência com o movimento hip-hop?
Acotirene – Eu achava hip aqueles caras alternativos, hop eu pensava que era…, mas não com funk, eu não consigo analisar com o funk, funk pra mim é como se fosse outra… (DIÁRIO DE CAMPO DOS AUTORES, 2017, grifo nosso).
Por meio de tal diálogo, foram apresentados de forma mais descritiva e precisa os três elementos que compõem o Movimento Hip Hop: a dança, com os B-Boys e B-Girls, as artes plásticas, com os grafiteiros e os pichadores, e o rap em que narram e expõem sua musicalidade. No percurso das rodas de conversa, abordamos a importância das bagagens pessoais e do cotidiano, dos indivíduos que realizam e produzem o Movimento Hip Hop, que tecem uma ligação direta de suas realidades com o público que os assistem e, com isso, podem transmitir as dificuldades, suas vivências como morador da periferia. Com base nesse panorama, propuseram alguns questionamentos como, por exemplo: as educadoras conheciam o movimento Hip hop? Quais suas experiências com tal movimento?
Ao trabalhar o Rap dentro do ambiente escolar, abre-se um leque de possibilidades, como a transmissão de outros conhecimentos e de outras metodologias investigativas. Levando em consideração a ancestralidade, as alianças e saberes afrodiaspóricos dos corpos que formam o Movimento Hip Hop, vemos que o conhecimento passado por meio da narrativa poética imprime seu significado, um olhar sobra a prática da investigação da educação, como processo de reflexão pedagógica e como processo de formação social, político e cultural de uma nação.
Ao analisar o imaginário social reconstruído nas rimas de rap, a letra de Mano Brow é usada para exemplificar uma ideia de ponte que remete à ligação entre a ação em sala de aula e uma prática de rua, mas, ao mesmo tempo, coloca uma separação social bem definida, divisão essa que nas letras de rap é retratada e realçada entre as diferenças de classe, raça, gênero.
A metáfora da ponte faz referência a ponte que fazemos, e que poderá continuar sendo feita, dentro da sala de aula, identificando as principais temáticas que estão nas narrativas poéticas do rap e que nos permite uma interlocução ao plano educacional dos professores, evidenciando aos alunos a crítica e o debate sobre as rupturas e diferenciações sociais, culturais, econômicas, políticas, bem como questões de raça, gênero, étnica e classe. A exemplo dessa ponte de interlocução, o rapper Mano Zeu (2010) salienta uma crítica sobre o papel, a produção do conhecimento científico e o capital cultural como modelos formais de educação nas escolas e universidades. Vejamos:
Muitos acreditam que o conhecimento científico e o capital cultural são adquiridos somente nos modelos formais da educação, escolas e universidades. Nessa análise, predomina a hierarquia do trabalho e do capital, e não se reconhece outros modelos populares educacionais que diferem da educação formal já constituída. Um militante e intelectual brasileiro chamado Maurício Tragtenberg denomina de universidades toda formação de conhecimento: contato com pessoas, lugares, experiências étnicas e religiosas e tudo que acumula experiências. Dentro da minha trajetória pessoal enquanto sujeito histórico posso relatar que o hip-hop, o coletivo cartel do rap, a favela e o envolvimento com jovens engajados da periferia fazem parte das minhas universidades. Dessa forma eu entendo o movimento hip-hop e a música rap como uma ferramenta da pedagogia libertária, essa pedagogia que buscou eliminar as relações autoritárias da educação (MANO ZEU, PEDAGOGIA LIBERTÁRIA, 2010).
A narrativa do rapper Mano Zeu (2010) mostra o papel que o Movimento Hip Hop tem ao figurar como espaço de formação de saberes e de conhecimentos, muitas vezes não considerados como “saber” à luz da educação formal. A fala de Mano Zeu (2010), a partir da narrativa do rap, faz referência a uma importante ferramenta educacional, conforme ele mesmo coloca, como uma “pedagogia libertária”. O processo de ensino-aprendizado acontece por meio dos aspectos de sua vivência sociolinguística, utilizando a escrita e a oralidade como métodos de reflexão do seu conhecimento, saber e capital cultural, eliminando as ‘relações autoritárias’ da educação formal.
Por fim, compreendendo o papel da extensão e o diálogo com a comunidade escolar em uma interlocução ao debate étnico-racial entre professores, as práticas educacionais a partir de narrativas poéticas como o Rap permitem uma transposição de espaços de saberes, de conhecimentos, de histórias, olhares e corpos. Dessa forma, conceber o Rap como uma ecologia de saberes e práticas pedagógicas “libertárias”
imprime um estado de natureza do (re)conhecimento de experiências e vivências que vai além de um eu, que exprime nos ethos de indivíduos e coletivos sociais, as marcas de um passado colonial demarcado pela marginalização, opressão e subordinação das estruturas das relações humanas, entre o colonizador e o colonizado ou entre o oriente para com o ocidente (SILVA, 2022, p.363).
Com o Projeto de Extensão “PELO SOM E PELA COR: O Movimento hip hop como forma de ampliação do debate étnico-racial na formação de professores”, recorremos às rodas de conversas utilizando as narrativas de Rap como ponto de interlocução de saberes afrodiaspóricos narrativos do “eu”, do “outro” e da história, o que permite investigação-formação educacional, adentrando a nossa história na medida em que reflexionamos os nossos saberes, nossos conhecimentos e os métodos empregados na formação educacional de nosso alunado. Essa prática infere um “exercício autorreflexivo de nossos corpos sociais, políticos, culturais, econômicos e patriarcais, em um esforço que permita-nos ir além do assujeitamento de padrões de normatização e regulamentação que reside em nós” (SILVA, 2022, p.363).
Dessa forma, as rodas de conversas entre as professoras, utilizando o Rap como ponto investigativo por meio da narrativa poética, possibilitou o desenvolvimento de ideias, críticas e reflexões de si próprios, criando um espaço de interação para pensar nas próprias experiências de relações com os alunos, assim como permitindo ressignificar novas estratégias e processos de reflexão com os alunos na elaboração, uso de material didático e conhecimentos vivenciados pelo alunado a partir de seus diferentes contextos sociais, culturais e econômicos.