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Vulnerabilidade no trabalho: riscos à saúde em uma cooperativa de reciclagem
Leila Gonçalves dos Santos Paixão; Fábio Ribeiro de Oliveira
Leila Gonçalves dos Santos Paixão; Fábio Ribeiro de Oliveira
Vulnerabilidade no trabalho: riscos à saúde em uma cooperativa de reciclagem
Vulnerability in informal work: health risks in a recycling cooperative
O Social em Questão, núm. 59, pp. 391-410, 2024
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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Resumo: A atividade de catação dos materiais recicláveis e reutilizáveis, em muitos casos, ocorre em condições precárias de trabalho no contexto histórico-social do modelo capitalista. Este estudo tem como objetivo identificar os riscos à saúde decorrentes da atividade e ambiente laboral em uma cooperativa de reciclagem na cidade de Salvador/BA, utilizando, para tal, a técnica de observação participante. Entre os resultados, foram levantados os riscos ocupacionais e fatores psicossociais relacionados ao ambiente trabalho, incluindo indícios de preconceito e estigmatização relacionadas às atividades dos catadores de materiais recicláveis, configurando riscos à saúde física e mental dos trabalhadores.

Palavras-chave: Riscos ocupacionais, Fatores psicossociais, Catadores de materiais recicláveis, Estigmatização.

Abstract: The activity of collecting recyclable and reusable materials, in many cases, takes place under precarious working conditions in the historical-social context of the capitalist model. This study aims to identify the health risks arising from the activity and work environment in a recycling cooperative located in the city of Salvador/BA, using, for this purpose, the participant observation technique. Among the results, occupational risks and psychosocial factors related to the work environment were raised, including signs of prejudice and stigmatization related to the activities of recyclable waste collectors, posing risks to the physical and mental health of workers.

Keywords: Occupational risks, Psychosocial factors, Waster collectors, Stigmatization.

Carátula del artículo

Vulnerabilidade no trabalho: riscos à saúde em uma cooperativa de reciclagem

Vulnerability in informal work: health risks in a recycling cooperative

Leila Gonçalves dos Santos Paixão
Universidade Católica de Salvador, Brasil
Fábio Ribeiro de Oliveira
(Universidade Federal Fluminense, Brasil
O Social em Questão, núm. 59, pp. 391-410, 2024
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Recepción: 01 Febrero 2024

Aprobación: 01 Marzo 2024

Introdução

A indústria da reciclagem é sustentada pela atividade dos catadores, sejam eles cooperativados ou não. A catação dos materiais e a reinserção na cadeia produtiva contribuem com a preservação do meio ambiente e aumento da vida útil dos aterros sanitários, além de contribuir com o município em relação à gestão dos resíduos sólidos.

A atividade de catação dos materiais recicláveis ou mesmo reutilizáveis é, para muitas pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social, a única forma de garantir sobrevivência. Em concordância, Cruz e Garcia (2021) afirmam que o trabalho dos catadores tem natureza estruturalmente informal e surgiu como uma estratégia de sobrevivência à pobreza.

Em relação à saúde, além dos esforços físicos e exposição corporal a diversos agentes de riscos, há de se atentar também aos aspectos relacionados às condições estruturais de trabalho e vida da classe trabalhadora no capitalismo periférico da atualidade (ANTUNES e PRAUM, 2015). Magalhães (2016) acrescenta que os catadores são excluídos e marginalizados em vários aspectos, sendo vítimas de preconceitos e constituindo uma parte da parcela mais pobre da população, não tendo acesso, portanto, a uma série de direitos e condições que somente uma renda mais elevada propiciaria.

Embora essa atividade já seja reconhecida como profissão pelo Ministério do Trabalho e Emprego, esses trabalhadores ainda vivem em condições precárias, são pouco valorizados e sofrem com a discriminação e preconceito por parte da comunidade. Demajorovic et al. (2014) apontam que grande parte das cooperativas de catadores enfrentam a falta de infraestrutura e equipamentos que permitam coletar, processar e armazenar grandes quantidades de resíduos.

Devido às precárias condições de vida e trabalho, os catadores de materiais recicláveis encontram-se expostos a diversos riscos ocupacionais e possibilidades de acidentes de trabalho e/ou adoecimento (GALON e MARZIALE, 2016). Segundo Medeiros e Macedo (2007) a inclusão desses profissionais na sociedade é perversa, pois realizam um trabalho precário com condições de alto grau de insalubridade e periculosidade, afetando a sua saúde, comumente com problemas irreversíveis.

A falta de informação por parte dos catadores, referente ao uso de equipamentos de proteção e o ambiente insalubre da cooperativa, somada à postura da comunidade local e os parceiros que disponibilizam os resíduos, configuram em um problema social demonstrando falta de apoio, por vezes relacionados ao quadro de preconceito perpetuado na sociedade brasileira, trazendo riscos ocupacionais que incluem também fatores psicossociais. O ambiente psicossocial do trabalho inclui a cultura organizacional, bem como atitudes, valores, crenças e práticas cotidianas que afetam o bem-estar mental e físico dos trabalhadores (OMS, 2010).

Os catadores de materiais recicláveis possuem alta prevalência de adoecimento laboral (CENTENARO et al., 2021). Marchi e Santana (2022), em um estudo realizado na cidade de Salvador/BA, pontuam que a situação laboral dos catadores de materiais recicláveis é preocupante, sendo a atividade, insalubre, desgastante, não existindo o devido apoio institucional, tampouco tecnologia de fácil compreensão e aplicação que possa melhorar a operacionalização do processo de trabalho.

Conforme Santana e Farias (2021), as cooperativas de Salvador/BA desenvolvem um trabalho importante, porém em um cenário desfavorável, sem infraestrutura adequada, sem recursos materiais e financeiros e sem condições ambientais mínimas para um desempenho eficaz e seguro. Desta forma, este estudo tem como objetivo identificar os riscos à saúde decorrentes da atividade e ambiente laboral em uma cooperativa de reciclagem localizada na cidade de Salvador/BA.

Cooperativas de reciclagem em Salvador/BA

Segundo levantamento do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR, 2021), no ano de 2021 existiam cerca de 800 mil catadores no Brasil. A maioria das pessoas que vivem da catação são negros, o que pode ser explicado tanto pelas características da dinâmica capitalista quanto pelos processos históricos ocorridos no País (SANTOS, 2022).

Tal cenário se reflete nas cooperativas de materiais recicláveis de Salvador/Ba, onde, conforme Marchi e Santana (2022), quase a totalidade é considerada de raça/cor negra. No que se refere às instituições cadastradas, ano de 2023, a Empresa de Limpeza Urbana de Salvador/BA (LIMPURB, 2023) tinha o registro de 13 cooperativas, 2 associações e 2 redes de catadores de materiais recicláveis.

Uma dessas cooperativas, foco desta pesquisa, está localizada em um bairro da Península de Itapagipe, popularmente conhecida como “cidade baixa” de Salvador/Ba. O bairro da Massaranduba apresentou suas primeiras habitações erguidas sobre o mangue e assim se constituíram as palafitas. Dava-se, então, início a primeira etapa de formação dos “Alagados”, denominação que passou a ser atribuída ao conjunto de ocupações ocorridas em área de mangue, onde eram edificadas construções rústicas de madeiras sobre palafitas (CAMMPI, 2008).

De 1999 a 2003 a sede da Cooperativa funcionou em Alagados, transferindo-se, ao final desse período, para o bairro da Calçada (Wendhausen e Déjardin, 2010). Com dificuldades financeiras para pagar o aluguel e prosseguir suas atividades, o grupo resolveu ocupar um galpão desativado no mesmo bairro, em uma região da antiga malha ferroviária, pertencente à Rede Ferroviária Federal.

Em 2012, em uma tentativa de arrombamento mal sucedida, a Cooperativa sofreu um incêndio proposital, destruindo o galpão e todos os materiais. Atualmente localizada no bairro de Massaranduba, a instituição é composta por 24 catadores cooperativados e uma equipe administrativa, incluindo a diretoria.

A Cooperativa recebe resíduos de diversos parceiros, desde pequenas até médias instituições. Alguns parceiros solicitam a remoção do material reciclável por responsabilidade da Cooperativa, outros se deslocam até o galpão para levar. Além disso, a instituição recebe visitantes mediante agendamento prévio, participa de campanhas e alguns eventos promovidos pelo estado e município. Seus principais serviços são a coleta seletiva, oficinas teórico-práticas e treinamento em descarte correto dos resíduos sólidos. Trabalha com resíduos eletroeletrônicos (computadores, impressoras, teclados, etc.), plásticos (sacolas, garrafas PET, embalagens de produtos de limpeza, PVC, etc.), metais (latas, tampas de garrafas de bebida, cobre, etc.), papéis (jornais, revistas, catálogos, envelopes, etc.), óleos de cozinha pós fritura e vidros (LIMPURB, 2023).

Metodologia

Esta pesquisa é composta por um estudo de caso, de caráter qualitativo, sendo que o instrumento para a obtenção da coleta de dados é a observação participante através de visitas realizadas durante o ano de 2023 em uma Cooperativa de reciclagem localizada na cidade de Salvador/BA.

A observação participante é uma técnica muito utilizada pelos pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa e consiste na inserção do pesquisador no interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação (QUEIROZ et al., 2007). Sendo assim, a observação é relevante para o investigador se aproximar dos sujeitos, participando das suas atividades diárias.

Em busca de elucidar as motivações que resultam nos riscos ocupacionais a que estão expostos os trabalhadores da Cooperativa de reciclagem, utilizou-se o diagrama de causa e efeito, ou espinha de peixe, identificando os riscos químicos, físicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos no ambiente laboral.

Somado ao levantamento dos riscos ocupacionais, buscou-se a observação e a imersão na Cooperativa de reciclagem para compreender a cultura, os valores, os comportamentos, as percepções, as condições de trabalho e situações enfrentadas no cotidiano desse grupo, de forma a elencar também os fatores psicossociais que também podem trazer danos à saúde física e/ou mental.

Neste contexto, abordagens de investigação científica como a etnografia trazem contribuições para o campo das pesquisas qualitativas, em particular para os estudos que se interessam pelas desigualdades sociais, processos de exclusão e situações sociointeracionais (MATTOS, 2011). Tal abordagem propiciará discussões e reflexões nesta pesquisa que ampliam o escopo dos riscos ocupacionais incluindo também questões relacionadas aos aspectos sociais e a saúde mental.

Resultados e Discussões
Riscos ocupacionais

As atividades e o ambiente laboral em cooperativas de reciclagem expõem os catadores de materiais recicláveis a diversos riscos ocupacionais, podendo causar acidentes ou doenças associadas ao trabalho. Em relação à Cooperativa objeto deste estudo, foram realizadas dezesseis visitas ao longo do ano de 2023, permitindo realizar um levantamento qualitativo de fatores associados aos riscos químicos, biológicos, físicos, mecânicos e ergonômicos. Acrescenta-se que, uma dessas visitas foi realizada em conjunto com duas agentes de saúde do município.

A Figura 1 sintetiza os principais riscos identificados e que serão discutidos ao longo deste capítulo.

Figura 1: Agentes de riscos ocupacionais identificados na Cooperativa de reciclagem.


Figura 1
Agentes de riscos ocupacionais identificados na Cooperativa de reciclagem

Fonte: Os autores, 2023.

Riscos químicos

Em um estudo realizado por Souza e Martins (2018) em uma cooperativa de catadores, o principal agente de risco químico verificado foi a presença de poeira, em função da quantidade de papelão e papel no ambiente de trabalho. Os autores também ressaltam que a depender dos tipos de resíduos recebidos, também podem ser encontrados gases, vapores, substâncias compostas e produtos químicos.

Na Cooperativa objeto de estudo, durante o processo de triagem e separação dos materiais recicláveis, os catadores ficaram expostos a poeiras, resíduos não identificados em algumas embalagens de produtos químicos, além dos próprios produtos que utilizam para limpeza.

Alguns trabalhadores não usam máscaras durante esse processo, alegando o calor excessivo e a dificuldade para respirar quando estão usando. A inalação de alguns produtos pode causar irritação respiratória, alergias, doenças pulmonares e outros problemas de saúde.

Riscos físicos

Os riscos físicos estão relacionados às formas de energia nas quais os catadores possam estar expostos. Por meio da observação, foi verificada a exposição ao ruído e, em menor grau, à vibração. Ambos agentes riscos relacionados ao maquinário, principalmente relacionada à prensa para compactação dos materiais. Somado a isso, a pouca circulação de ar no ambiente interno expõe os trabalhadores ao calor excessivo. Na Figura 2 constam registros do ambiente de trabalho, mostrando o contato com a prensa e a organização do espaço interno com o acúmulo dos resíduos e sem áreas de ventilação.

Figura 2: Exposição à riscos físicos no maquinário (a) e ambiente interno (b).


Figura 2
Exposição à riscos físicos no maquinário a e ambiente interno b

(a) (b)

Fonte: Os autores, 2023.

Cabe ressaltar que tais agentes necessitam de um monitoramento quantitativo para caracterizar a insalubridade e verificar, de forma mais assertiva, as medidas de controle diante da exposição.

Riscos biológicos

Os riscos biológicos estão relacionados aos vírus, bactérias, parasitas, protozoários, fungos e bacilos. Os agentes biológicos patogênicos são microrganismos que podem estar presentes em fluidos ou substâncias que podem estar acumuladas nos materiais recicláveis e no ambiente da Cooperativa que, ao entrarem em contato com os trabalhadores, através da exposição sem os determinados cuidados, ocasionam em doenças.

Um estudo realizado por Virgem et al. (2023) aponta que os resíduos sólidos recicláveis quando em contato com artigos contaminados (curativos, absorventes, papel higiênico, seringas, dentre outros) aumentam o risco ocupacional biológico pela exposição aos agentes e a transmissão ocorre, majoritariamente, através da inalação, ingestão ou penetração a partir de lesões na pele.

O excesso de umidade, presente nas paredes, é uma característica de lugares pouco arejados e que não tenham a incidência de sol como é o caso da Cooperativa. Esses fatores são os responsáveis pela presença dos bolores nas paredes. O mofo se prolifera com facilidade em paredes expostas à umidade e que geralmente não tem contato com a luz, uma das causas pode ser proveniente do excesso de umidade advindo de erros construtivos ou da umidade interna da parede, adquirida pela capilaridade, por erro ou falta de impermeabilização (GUIMARÃES, 2022).

A presença do mofo no ambiente expõe os catadores a desenvolverem alergias e intensificam os que já sofrem com problemas respiratórios como asma, bronquite e rinite, provocando episódios de crises alérgicas.

Somado a isso, o volume dos materiais armazenados na Cooperativa chama atenção no sentido de ser um ambiente propício para a presença de roedores. Os resíduos nas embalagens de alimentos (plásticos, garrafas PET, entre outros) atraem os ratos que, se infectados pela bactéria Leptospira, podem, através do contato com a urina, contaminar os catadores. A Leptospirose é uma doença que apresenta elevada incidência em determinadas áreas além do risco de letalidade, que pode chegar a 40% nos casos mais graves (BRASIL, 2023). Durante as visitas, foram identificadas fezes de roedores nas sacolas usadas para coletar os resíduos recicláveis nas instituições parceiras. Cabe ressaltar que a Cooperativa está localizada em um bairro que apresenta constantes alagamentos no período de chuva, e os resíduos durante o dia ficam na parte externa, apenas no final do dia são transferidos para o interior do galpão.

Outro fator de risco biológico é a proliferação de mosquitos que podem transmitir doenças virais. Com a presença de duas agentes de saúde do município, observou-se algumas infiltrações na parede da copa, na pia e acúmulo de água parada, fator que permite o desenvolvimento do Aedes aegypti. Os agentes de combate às endemias do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), vinculado à Secretaria Municipal da Saúde (SMS), realizam inspeções trimestrais na Cooperativa de reciclagem. Durante a visita, não foi possível observar o tanque de água que abastece a Cooperativa, pois está localizado em uma área de difícil acesso.

Riscos mecânicos

O galpão armazena diversos tipos de materiais coletados, as máquinas de prensar e cortar os resíduos, a copa e a sala da diretoria. A Figura 3 apresenta a parte interna da Cooperativa de reciclagem, com a disposição dos resíduos. Constata-se o grande o volume dos resíduos em um espaço pequeno e sem ventilação, em um arranjo físico inadequado para circulação.

Figura 3: Disposição dos resíduos na Cooperativa (a, b) e materiais prensados (c)


Figura 3
Disposição dos resíduos na Cooperativa a b e materiais prensados c

(a) (b) (c)

Fonte: Os autores, 2023

Durante as visitas observou-se o acúmulo das sacolas que armazenam os resíduos, carteiras escolares quebradas e barras de ferro apoiadas na parede. Tais objetos pesados e volumosos podem cair causando impactos e ferimentos nos catadores no decorrer das atividades. Outro ponto de atenção é o manuseio de objetos afiados, como vidros quebrados ou metais, visto que muitos parceiros não fazem a separação correta dos resíduos antes de levar para Cooperativa, aumentando o risco de cortes e ferimentos nas mãos, braços e outras partes do corpo.

Cabe registrar a necessidade de orientações adequadas e equipamentos de proteção individual (EPIs) para os cooperados que atuam diretamente no manuseio dos equipamentos como prensas e as máquinas de trituração, visto que, se não seguirem os procedimentos de segurança ao operar esses equipamentos, podem sofrer cortes e/ou ferimentos.

Riscos ergonômicos

Os catadores cooperativados estão expostos a uma série de riscos ergonômicos devido à natureza de seu trabalho, que muitas vezes envolve atividades repetitivas, posturas inadequadas e manuseio de cargas pesadas.

Durante as visitas, alguns trabalhadores relataram que sentem dores nas costas e nos braços, isto porque realizam suas atividades em posturas inadequadas, como curvados, ou em posições desconfortáveis por longos períodos, fato que aumenta o desconforto muscular expondo-os ao risco de lesões. Além disso, o levantamento e transporte das “bags” ou sacolas pesadas com os resíduos sem o uso adequado de equipamentos de proteção e técnicas de manejo seguro de materiais podem resultar em esforço físico excessivo, causando exaustão do trabalhador (Figura 4).

É relevante destacar que o trabalho desses catadores é repetitivo e monótono, com presença de ruídos e agitação pelo fato de a Cooperativa estar localizada em rua movimentada com fluxo de pedestres. A triagem e separação do material é realizado na parte externa do galpão, levando ao estresse físico e mental, contribuindo para o surgimento de problemas como ansiedade, conforme relatado pelos catadores.

Figura 4: Transporte das “bags” com os resíduos em instituição parceira.


Figura 4
Transporte das bags com os resíduos em instituição parceira

Fonte: Os autores, 2023.

Condições de trabalho

Uma observação recorrente durante as visitas é que alguns catadores não utilizam máscaras e luvas durante a segregação dos materiais recicláveis. As limitações de conhecimento dos catadores cooperativados, a necessidade de uma equipe qualificada para treinamento dos colaboradores sobre a prevenção dos riscos ocupacionais, e as melhorias na infraestrutura da Cooperativa são os pontos urgentes de melhoria no local de estudo. O treinamento dos cooperativados com equipe especializada em segurança do trabalho é de suma importância para reduzir a exposição dos catadores aos riscos ocupacionais identificados no local, conscientizando-os, minimamente, da necessidade do uso de EPIs.

Sem auxílio financeiro municipal ou estadual, o galpão onde funciona é alugado e pago com o valor recolhido após a venda dos materiais recicláveis. Alguns equipamentos de produção foram adquiridos através de projetos sociais ofertados por empresas.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei 12305/2010 propõe a inclusão de catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis na coleta seletiva, visto que, o trabalho das cooperativas contribui para o aumento da vida útil dos aterros sanitários e diminui a exploração dos recursos naturais. Contudo, muito ainda há de ser feito para que a inclusão seja efetiva, desde o apoio na cadeia da reciclagem, infraestrutura, valorização do trabalho e saúde ocupacional.

O trabalho informal exercido pelos catadores de materiais recicláveis os leva a serem economicamente participantes, mas ao mesmo tempo excluídos da cultura, da educação, da saúde e da política do país como um todo (XAVIER, 2021).

Fatores psicossociais

A Cooperativa objeto deste estudo é formada, em maioria, por pessoas de baixa renda, portanto, seu objetivo é reintegrar pessoas em situação de vulnerabilidade social no mundo do trabalho. O catador de materiais recicláveis é um trabalhador urbano, importante pilar nesse ciclo de destinação ambientalmente responsável dos resíduos, de forma que a reciclagem desempenha um papel fundamental na gestão socioambiental, diminuindo a pressão sobre os recursos naturais usados na produção de novos produtos e minimizando a poluição decorrente do descarte inadequado de resíduos.

A não valorização de outros saberes e práticas que não os hegemonicamente aceitos pelo capitalismo, tende a se manifestar em populações e grupos marginalizados, exemplo disso são as populações de rua, da qual advêm muitos dos catadores de materiais recicláveis (ALVES et al., 2020). Rosado (2009) pontua que devido à forma como produzem sua existência social por meio de atividades ligadas à catação, tais trabalhadores ficam isolados do acesso à centralidade das relações sociais, atreladas à sociedade de classes do capitalismo.

Desta forma, a pobreza aparece em determinados grupos sociais por sua própria constituição histórico social do modelo capitalista (OLIVEIRA, 2021). Arantes e Borges (2013), ao retratarem o contexto brasileiro, destacam que durante a década de 1990, o aumento das taxas de desemprego levou uma parcela dos trabalhadores com baixa escolaridade para a catação, engendrados em um contexto capitalista em que não permite que os catadores tenham constância no mercado formal.

A precariedade no trabalho desenvolvido pelos catadores está refletida também na ausência de garantias trabalhistas que os amparem, além de serem vítimas de preconceitos e falta de reconhecimento por parte da sociedade (MEDEIROS e MACEDO, 2007). É perceptível que os catadores de materiais recicláveis vivenciam uma situação de extrema exclusão social (ROSSI, 2021). São indivíduos que experimentam dificuldades para suprir as condições mais básicas de sobrevivência e, por conta disso, possuem baixíssima ou nenhuma tradição de participação em organizações políticas.

Além dos riscos ocupacionais associados aos agentes físicos, químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos, é importante também refletir sobre fatores associados à saúde mental em relação aos catadores de materiais recicláveis. Conforme observado em campo, a natureza do trabalho de coleta de recicláveis, realizado em condições precárias, somado a estigmatização social, a instabilidade financeira e a falta de benefícios sociais agravam os desafios enfrentados pelos catadores, aumentando o estresse e a ansiedade, e, consequentemente os riscos psicossociais associados ao trabalho. O próprio ofício da catação revela dimensões de uma classe trabalhadora fragilizada pela precariedade, informalidade, com altos riscos de adoecimento, estigmatização e vulnerabilização (VASCONCELOS et al., 2020).

Durante a execução das atividades, alguns cooperados descreveram o sentimento de discriminação no tratamento por parte dos parceiros e da comunidade. Relatam a insatisfação de não ocuparem cargos de responsabilidade na Cooperativa, que são observados com indiferença por visitantes e a própria comunidade em algumas ocasiões.

Por diversas vezes também relataram sofrerem discriminação, a qual atribuem não somente à atividade que exercem, mas também a raça, percebendo isso na maneira que são tratados por parceiros, visitantes e até mesmo a comunidade. Para Vicente e Santos (2014), os catadores são portadores de estigmas marginais que remontam à raiz escravocrata da nossa sociedade e, por conseguinte, são os que mais experimentam e melhor expressam os efeitos desta lamentável herança. Essa herança é visível, profunda e perversa. As autoras salientam que a nossa sociedade é produto de um processo que naturalizou o convívio com violências sociais tais como a miséria, a fome, o racismo, o machismo e a homofobia – dentre outras.

Exemplo disso foi a observação do tratamento diferenciado que os catadores da Cooperativa tiveram em uma instituição parceira, no qual dois catadores negros, designados para coletar os resíduos de uma ação social, foram impedidos de entrar em tal instituição ao acessarem o local trajando roupas sujas da sua jornada de coleta. Cabe destacar que tal ocasião ocorreu durante um evento promovido pela instituição parceira no qual a própria Cooperativa foi convidada para ministrar uma palestra e contar o histórico das atividades em Salvador/BA.

A saúde mental dos catadores é uma questão que merece atenção, visto que enfrentam condições de trabalho desafiadoras que impactam negativamente. Torna-se necessário considerar a saúde mental do trabalhador em sua totalidade, priorizando o estado de bem-estar psicológico no trabalho e não somente a ausência de distúrbios (LEKA et al., 2015).

Durante as visitas foi relatado pelos trabalhadores da Cooperativa a necessidade de acompanhamento psicológico pelo fato de se sentirem inferiores devido à sua atividade laboral e a falta de oportunidades de crescimento dentro da instituição, expondo seus problemas pessoais e desafios enfrentados. Entre tais desafios, e que aumentam os riscos psicossociais, Varicelli-Meireles et al. (2018) ressaltam as condições econômicas e sociais, a precariedade do ambiente de trabalho, os conflitos entre os colegas de serviço, a falta de perspectiva profissional, possíveis insatisfações com a associação e o estado emocional dos catadores.

Considerações finais

O presente estudo sobre os riscos ocupacionais em uma cooperativa de reciclagem ressalta a importância de uma abordagem eficiente e cuidadosa para garantir a saúde e segurança dos trabalhadores. A análise dos riscos identificou uma série de agentes químicos, físicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos, que somados à infraestrutura e espaço físico precário, e ao fato de poucos trabalhadores utilizarem EPIs, aumentam a probabilidade de acidentes e/ou doenças ocupacionais.

A gestão eficaz de riscos ocupacionais em uma cooperativa de reciclagem é fundamental para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores. Este estudo não apenas contribui no âmbito científico, mas, principalmente, busca despertar políticas, parcerias, práticas de negócios e conscientização da comunidade local sobre questões relacionadas à saúde e ao meio ambiente. Assim como na Cooperativa objeto deste estudo, existem, dentro do trabalho informal, outros milhares de catadores de materiais recicláveis no Brasil em vulnerabilidade quanto à saúde física e mental.

As atitudes negativas das pessoas em relação ao trabalho do catador, tratamento injusto em locais públicos, exclusão social e até mesmo violência verbal são alguns desafios enfrentados por esses profissionais. O preconceito pode se manifestar de diversas maneiras, desde olhares de desprezo até comentários desdenhosos ou até mesmo políticas públicas que negligenciam suas necessidades.

É essencial reconhecer que cada catador de reciclagem é um indivíduo com suas próprias experiências, emoções e necessidades. Esses sentimentos tem um impacto significativo em sua autoestima e bem-estar emocional e estão ligados aos fatores psicossociais, muitas vezes invisíveis à sociedade, e necessários na busca de um modelo de desenvolvimento mais justo, equitativo e sustentável.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 Licenciada em Ciências Biológicas (Universidade Católica de Salvador), Mestranda em Meio Ambiente, Águas e Saneamento (Universidade Federal da Bahia), nº ORCID: 0009-0000-4525-3907. Email: leilapaixao20@hotmail.com
2 Doutor em Sistemas de Gestão Sustentáveis (Universidade Federal Fluminense), professor do Instituto de Ciência e Tecnologia (Universidade Federal de Alfenas/Campus Poços de Caldas), ORCID nº 0000-0002-2783-0157. E-mail: fabio.ribeiro.de.oliveira@gmail.com

Figura 1
Agentes de riscos ocupacionais identificados na Cooperativa de reciclagem

Figura 2
Exposição à riscos físicos no maquinário a e ambiente interno b

Figura 3
Disposição dos resíduos na Cooperativa a b e materiais prensados c

Figura 4
Transporte das bags com os resíduos em instituição parceira
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