Resumo: Este artigo tem como objetivo abordar elementos presentes no processo de organização da assistência e do Serviço Social no Brasil, no período entre as décadas de 1930 e 1940. A proposta privilegia a atuação das mulheres consideradas pioneiras na área e parte de marcos presentes em suas trajetórias para estabelecer um panorama de reconhecimento da importância de suas ações e produções para a constituição das bases do Serviço Social.
Palavras-chave: Serviço Social, Questão Social, História, Identidade, Mulheres.
Abstract: This article aims to address elements present in the process of organizing assistance and Social Work in Brazil, in the period between the 1930s and 1940s. The proposal privileges the actions of women considered pioneers in the area and is based on milestones present in their trajectories to establish a panorama of recognition of the importance of their actions and productions for establishing the foundations of Social Work.
Keywords: Social Work, Social Issue, History, Identity, Women.
Notas sobre a atuação das pioneiras junto à questão social e ao processo de organização institucional do Serviço Social brasileiro
Notes on the role of pioneers in relation to social issues and the process of institutional organization of Brazilian Social Work
Recepción: 01 Octubre 2024
Aprobación: 01 Diciembre 2024
É fundamental olhar e conhecer o passado para que possamos compreender e agir no presente e, então, efetivamente mudar o futuro.
É neste sentido que este trabalho se apresenta e defende a abordagem do período de organização do aparato estatal voltado para a assistência como um momento privilegiado para análise do impacto da ação das mulheres, em que essas buscaram imprimir uma identidade ao trabalho na esfera social, bem como incorporar uma imagem que consolidasse o entendimento de seu caráter estratégico frente a realidade que se desenhava.
Partindo dessa premissa, nossa proposta é nos determos, ainda que brevemente, sobre o período compreendido entre as décadas de 1930 e 1940 para a apresentação de nossa contribuição às reflexões sobre a história da assistência, de forma mais ampla, e do Serviço Social, de forma mais particular. Para tal, utilizaremos como base a pesquisa apresentada no livro “A narrativa da profissão: notas sobre a organização e a constituição da imagem profissional de assistentes sociais no Rio de Janeiro (1930-1940)” (Silva, 2023), fruto de minha pesquisa de mestrado, em diálogo com outras obras que analisam o período, livros publicados à época e matérias encontradas no jornal A Manhã. Sobre este último, podemos afirmar que, enquanto importante espaço de propaganda ideológica governista,
[...] o material publicado neste periódico nos proporciona a oportunidade de analisar um lócus onde a associação entre uma elite intelectual e instituições vinculadas aos setores hegemônicos, como a Igreja e o Estado, constituiu uma correlação de forças que propiciou as bases para o investimento na atuação das trabalhadoras sociais e no entendimento do caráter estratégico da intervenção desta categoria no desenvolvimento de uma identidade nacional (Silva, 2023, p.18).
É importante destacar que tal exercício exige cuidado para que a análise deste e de qualquer outro período histórico não incorra em dois erros infelizmente ainda encontrados com facilidade: o primeiro diz respeito à adoção de uma perspectiva anacrônica de análise que desconsidere os elementos do período em tela e tente empreender análises e julgamentos com base em valores e informações que não dialogam com o momento em si; já o segundo erro se localiza no extremo oposto e diz respeito a um processo de relativização de ações e discursos, o que muitas vezes esvazia e retira dos atores sociais presentes no fenômeno analisado sua humanidade e protagonismo.
E por falar em protagonismo, é imprescindível sinalizar que falar da história da assistência é, indissociavelmente, falar de uma história das mulheres. Não no sentido de reforço de estereótipos construídos ao longo de uma organização patriarcal da sociedade tal como a conhecemos, mas no sentido de compreender que ainda que pressionadas a esse lugar por essa lógica, a atuação ativa das mulheres permitiu e permite que este espaço seja continuamente ressignificado. É por meio da ação majoritariamente feminina que o Serviço Social se consolida enquanto categoria profissional técnica-operativa e se configura, principalmente no período citado, enquanto profissão estratégica em um contexto de organização de uma sociedade brasileira que empreendia esforços para um processo de industrialização, associado à construção de uma identidade nacional.
Em suma, reforçamos que o enfoque no protagonismo feminino “é o reconhecimento da necessidade de superação do silêncio” que “constituiu o estatuto vigente na história das mulheres até o século XIX” (Silva, 2023, p.17). É em prol do rompimento desse silenciamento que daremos visibilidade ao trabalho de pioneiras do Serviço Social brasileiro, como Teresita Porto, Stella de Faro e Maria Esolina Pinheiro.
Ou seja, refletir sobre o processo de organização do Serviço Social brasileiro possibilita também a reflexão sobre os projetos societários em disputa, bem como as estratégias utilizadas para a consolidação de um campo de trabalho majoritariamente feminino e politicamente estratégico.
Quando ocorreu o golpe que levou Getúlio Vargas ao poder, em 1930, havia a expectativa de lidar com as expressões da questão social que se encontravam em efervescência após eventos significativos como a abolição da escravatura e a Proclamação da República.
A transição do perfil de economia baseada na agricultura para um modelo pautado na industrialização se apresenta trazendo a necessidade de formular estratégias para o reordenamento social, reorganização dos espaços e preparação dos indivíduos para a entrada nesse novo modelo societário.
Há uma preocupação em lidar com a pobreza urbana composta por ex-escravizados, seus descendentes, imigrantes e pessoas em situação de mudança do campo para a cidade. A concentração desses segmentos no espaço urbano gerava grande preocupação entre a intelectualidade e elite, que temiam a ocorrência de revoltas e conflitos. Neste contexto:
A necessidade de atenuar os agravos da questão social vinculados à modernização da sociedade, em especial no que tange à constituição da pobreza urbana, coloca em evidência as ações de assistência e a importância de que estas sejam pautadas a partir das contribuições da filantropia científica, adquirindo um caráter mais racional e técnico frente às ações tradicionalmente realizadas. No entanto, a gestão filantrópica da assistência não nega sua tradição junto à caridade cristã. Na verdade, mantém a compreensão da assistência como dever moral, fornecendo a esta o substrato técnico científico para uma realização mais eficiente (Silva, 2023, p.50).
Em sua ascensão ao governo, Vargas se lança à busca por apresentar respostas a essas expressões da questão social, tendo como campos prioritários a saúde, o trabalho e a pobreza. Gomes (2005) observa a centralidade da questão social como marca distintiva e legitimadora do cenário político no pós-1930, visto que:
A construção do projeto político do Estado Novo evidencia assim que a busca da legitimação da autoridade se deu de uma forma e por razões completamente distintas daquelas que haviam fundado a legitimidade dos regimes anteriores. Nesta visão, legítimo seria o regime que promovesse a superação do estado de necessidade em que vivia o povo brasileiro, enfrentando a realidade política e econômica da pobreza das massas (Gomes, 2005, p.197).
Em busca desta legitimidade, Vargas se dedicou ao fortalecimento do aparato estatal e de sua intervenção na vida social, com foco na preservação dos corpos de trabalhadores e seus núcleos familiares; também investiu em propaganda ideológica em diversos canais de comunicação, como um projeto de estímulo à constituição de uma identidade nacional, a exemplo do jornal A Manhã e da instituição do programa “A Voz do Brasil”.
A relação entre o Estado e a intelectualidade neste período também ganharia novas cores, sendo valorizada pelo governo Vargas a intervenção desses atores como contribuintes privilegiados no processo de organização e ordenamento do corpo social. O próprio Vargas, que assume uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1941, expressaria em seu discurso de posse a importância da união entre o “homem do pensamento” e o “homem da ação”. Neste sentido, ao longo de sua gestão, Vargas compreende a função social dos intelectuais através de sua responsabilidade no estabelecimento de consciências coletivas que respaldassem políticas e discursos compatíveis com suas defesas.
Sintetizando o exposto, reforço a importância da gestão de Getúlio Vargas no período entre 1930 e 1945 para a análise da história da Assistência e do Serviço Social,
[...] pois, sua defesa da valorização do trabalho como parte da identidade nacional e da assistência como política estratégica de fortalecimento destes trabalhadores, forneceu a tônica para a alteração da relação do Estado com a prestação dos serviços de assistência, onde toda uma burocracia estatal passa a ser necessária, não só no suporte e fiscalização das instituições prestadoras da assistência (religiosas ou laicas), como também para a prestação direta destes serviços. A promulgação do Decreto-lei 525 de 1 de julho de 1938, que institui o CNSS e a Conferência Nacional de Serviço Social, cristaliza essa alteração e fornece os elementos para que se construa uma visão integrada e organizada das ações e estratégias de serviço social sob a égide estatal (Silva, 2023, p.16).
Estando em andamento a organização do aparato estatal e o processo de organização da assistência, em paralelo ao processo de nation building e de constituição de identidade nacional associada principalmente ao conceito de trabalhismo, se torna mais evidente a necessidade do estabelecimento de quadros tecnicamente qualificados para a intervenção nas questões encaradas como óbices ao projeto de desenvolvimento em curso.
O compromisso em apresentar respostas às expressões da questão social é tomado neste período como prioridade do Estado, no sentido de que a partir da atenuação desses conflitos seria possível estabelecer uma sociedade harmônica na qual cada membro, consciente de seu papel, contribuiria para a manutenção e desenvolvimento desse grande corpo social. Nesta configuração, cairia sobre a mulher a responsabilidade de ser a cuidadora da família e da sociedade como um todo, se dedicando à sua coesão e preservação.
O reforço da identificação da mulher como essa responsável seria encontrado em ações governamentais, abertura de campos para qualificação e em discursos publicados na mídia, a exemplo do artigo “A mulher brasileira em face da guerra” de Maria Madalena de Souza Aguiar, que foi publicado na coluna “Da mulher fútil à mulher útil” do jornal A Manhã. Neste artigo, Aguiar conclama as mulheres brasileiras a aderirem ao projeto de construção desta nova identidade nacional apresentando a seguinte argumentação:
E hoje, que estamos em pleno século XX, no século da velocidade, das luzes, não podemos permanecer por mais tempo mudas, inertes e obscuras, sem fazermos soar o clarim do nosso dever de patriotas para cooperarmos com nosso governo, colaborando com o nosso exército, socorrermos os nossos semelhantes e bem servirmos à nossa grande pátria (Aguiar, 1942, s/p.).
A essas mulheres, não era demandada uma imagem passiva e marginal frente às demandas societárias que se apresentavam. Na verdade, era estimulada uma postura ativa em todos os setores de suas “atividades femininas” (Aguiar, 1942) e, para maior incidência, era apresentada a possibilidade de espaços de qualificação, como os cursos ofertados pela Cruz Vermelha:
Como exemplo da boa compreensão da mulher, temos o grande movimento iniciado pela “Cruz Vermelha Brasileira”, com a abertura de diversos cursos para o preparo técnico feminino, em face do movimento beligerante dos nossos dias. Esses cursos são: de “Enfermagem de guerra” para profissionais (Cruz Vermelha e Anna Neri); Samaritanas, voluntárias e um curso de emergência para as senhoras e senhoritas que queiram se preparar para prestar socorros eficientes às populações civis e auxiliarem a Sociedade da Cruz Vermelha a bem servir ao nosso glorioso exército.
Os referidos cursos estão em franco funcionamento na sede da Cruz Vermelha Brasileira, contando com uma frequência média de mais de seiscentas alunas, com um bem escolhido e incansável corpo docente, salientando-se nele a figura simpática e dinâmica da mulher brasileira, encarnada na pessoa da senhora Maria Esolina Pinheiro, que, apesar das suas múltiplas atividades públicas e particulares, leciona a parte de Serviço Social, a cinco destes cursos (Aguiar, 1942, s/p.).
Além de apresentar um espaço para aprendizagem de como intervir de forma mais tecnicamente qualificada, este trecho do texto faz menção ao trabalho de Maria Esolina Pinheiro e a apresenta como uma referência de mulher comprometida com o processo de organização social do país e com a preparação de outras mulheres que também viriam a contribuir com ele.
A preocupação em estabelecer um papel ativo para as mulheres no projeto de nation building Varguista encontrava, também, eco na busca pela divulgação de referências femininas inseridas nesse processo e na valorização de suas contribuições tanto na intervenção direta, quanto na composição de uma intelectualidade vital para a harmonização societária.
Conforme já afirmado neste texto, a análise da organização da assistência e do Serviço Social no Rio de Janeiro não poderia ser realizada sem a consideração do protagonismo feminino em suas linhas de frente. Ainda que haja contribuições patentes de intelectuais e personalidades identificadas como pertencentes ao gênero masculino no pensar e intervir nessa seara, já no período em tela, é sobre o protagonismo feminino que este trabalho se debruça.
Desta forma, ainda que reconheçamos as contribuições de personalidades como Alceu de Amoroso Lima, Amaral Fontoura e Levi Miranda, entre outros, nosso intento será apresentar a importância de mulheres como Stella de Faro e Maria Esolina Pinheiro.
É crucial destacar, neste ponto, que essa escolha não tem a intenção de reproduzir uma narrativa heroica, baseada em descrições de lutas e conquistas individuais desvinculadas dos diversos grupos e fatores que compõem a vida real e humana. Tampouco tenciona evanescer o caráter coletivo dos movimentos sócio-históricos.
O que se pretende é, a partir do exercício de dar visibilidade a algumas das mulheres que estiveram à frente desse processo de organização, apresentar marcos e particularidades que contribuam para o conhecimento e o entendimento de mecanismos presentes na origem e, em alguns casos ainda na contemporaneidade, do Serviço Social.
A trajetória de Stella de Faro é emblemática para a consideração da influência do laicato católico junto à organização da assistência e do Serviço Social. No entanto, para não incorrermos em equívocos já descritos no início deste texto, é importante termos em mente que:
Mais recentemente as abordagens históricas têm privilegiado a agência religiosa feminina, entendida como a capacidade de ação, escolhas, projetos, adequação e margens de criação por parte das mulheres, mesmo em situações de subordinação e de dominação, afinal estas situações nem sempre são restritivas ou impeditivas de protagonismo e de fortalecimento das mulheres em suas comunidades religiosas (Martins, 2021, p.185).
Desta forma, compreender a vinculação de Stella de Faro à Igreja Católica é, antes de tudo, compreender este lugar como um espaço de potência e de poder político, no qual essa mulher desenvolveu um protagonismo associado às suas ações no campo da assistência.
Nascida em meio à elite e comprometida com um forte senso devocional, Stella soube utilizar as oportunidades de inserção na esfera pública de forma a defender a criação de espaços de aprendizagem para mulheres e de desenvolvimentos de estratégias para intervenção junto às expressões da questão social.
Seu trabalho junto a Dom Sebastião Leme e Alceu Amoroso Lima abriu frentes importantes para o laicato católico, levando-a a assumir a diretoria do Instituto Social, fundado em 1937, a ocupar uma das cadeiras no Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), criado em 1938, e a assumir a presidência da Comissão Interamericana das Escolas de Serviço Social, em 1941.
Definindo o Serviço Social como uma vocação eminentemente familiar, também se preocupava com os aspectos referentes a uma formação de qualidade para as trabalhadoras sociais, bem como buscava a abertura de postos de trabalho e o estabelecimento de espaços para essas trabalhadoras em cargos oficiais, sempre destacando a importância dessas especialistas no processo de ordenamento social.
Ao longo de sua trajetória, Stella de Faro encontraria outras mulheres que assumiriam protagonismo em marcos importantes na história da assistência e do Serviço Social, como Eugenia Hamman, com quem esteve à frente do CNSS.
Sobre Eugenia, vale a pena destacar ainda sua atuação junto ao Serviço de Obras Sociais (SOS), vinculado ao Rotary Club carioca e sua defesa da participação feminina nos espaços da instituição.
Outro marco que podemos destacar na trajetória de Stella de Faro é a participação na delegação que representou o Brasil na 68ª Conferência Anual de Serviço Social em Atlantic City. Outra componente dessa delegação seria Ruth Barcellos que à época era funcionária do Ministério da Educação e secretária da Escola de Enfermeiras Anna Nery.
A participação de Ruth Barcellos neste congresso deu origem a uma série de cerca de 20 artigos sobre a organização do Serviço Social nos EUA, que foram publicados no jornal A Manhã, entre 1941 e 1942.
Os artigos são divididos em temas/áreas de atuação como: Os settlements (Centros proletários), assistência aos viajantes, assistência à Infância, assistência ao trabalho de menores, assistência ao menor delinquente, assistência à família, assistência à mulher inserida no mercado de trabalho, assistência social católica, assistência às classes armadas e estruturas de organização da assistência social como um todo, tais como o Social Service Exchange – Cadastro de Serviço Social, Conselhos de Serviço Social, Conselho de Segurança Social e Bureau de Assistência Pública (Silva, 2023, p.114).
Ao contrário do que se poderia concluir em um primeiro momento, os artigos não tinham como intenção apresentar mera propaganda do American Way. Na verdade, buscavam apresentar a descrição da estrutura e de aspectos da questão social, em um diálogo com elementos da realidade brasileira.
Em meio à série de relatos, chama a atenção a publicação de três artigos voltados para a temática da mulher inserida no mercado de trabalho e a legislação que regulamentava o trabalho feminino.
Barcellos chama a atenção a três aspectos envolvendo esta questão: o primeiro diz respeito à análise dos dados levantados nas pesquisas do Bureau, que associam a significativa inserção de mulheres no mercado de trabalho estadunidense à maior facilidade de acesso à instrução que o país forneceria aos dois sexos; o segundo diz respeito à observação da ausência de legislação referente aos trabalhos doméstico e agrícola; o terceiro ponto é a identificação de que com esta inserção laboral também se observa a inserção feminina nos sindicatos e associações, inclusive em papéis de direção (Silva, 2023, p.115-116).
Outra participante dessa delegação seria Teresita Porto da Silveira, à época diretora da Escola Técnica de Serviço Social do Rio de Janeiro. Em entrevista concedida ao jornal A Manhã, Teresita exaltou a participação da representação brasileira no congresso afirmando que “o Brasil teve a sua delegação confiada a uma equipe de mulheres cuja experiência e conhecimento dos problemas sociais ficaram fartamente documentados naquelas reuniões”2.
Na mesma entrevista, Teresita trazia a experiência de países como o Peru e Chile para defender que o Estado assumisse os cuidados referentes à atuação do Serviço Social no país. Trazia ainda a notícia de que o Ministério da Educação teria solicitado um projeto para reorganização do Serviço Social brasileiro, de forma a colocá-lo em situação similar.
Empreendendo uma comparação entre o programa de estudo da Escola Técnica e as experiências que teria observado em solo estadunidense, faria questão de destacar que não havia nas escolas brasileiras a cópia dos modelos estrangeiros, sendo prioridade a organização de obras e ações baseadas em nossa realidade.
A preocupação com o estabelecimento de bibliografia e metodologia que, ainda que dialogasse com as experiências estrangeiras, fosse pautada na realidade nacional estimularia a produção de diversos atores sociais envolvidos com a assistência e com o Serviço Social. Neste sentido, é imprescindível falar de Maria Esolina Pinheiro e de sua contribuição para o desenvolvimento do Serviço Social.
Maria Esolina iniciou sua atuação no Serviço Social no espaço da SOS, estendendo-a pelo Laboratório de Biologia Infantil do Juizado de Menores do Distrito Federal e fundando a escola de Serviço Social que se tornaria a Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sua passagem por esses espaços lhe teria proporcionado aproximação com personalidades como Eugenia Hamann, Edith Fraenkel e Augusto Saboia Lima, entre outros.
Além da importância no processo de formação de trabalhadoras sociais, Maria Esolina era muitas vezes referenciada como figura ativa no processo de abertura de campos e vagas de trabalho na área, como descrito na carta enviada por Maria Cristina da Fontoura Marques, ao jornal A Manhã:
Desde 1939 começaram as repartições públicas a admitir assistentes sociais, em serviços especializados. Nesse mesmo ano de 1939 ingressava na prefeitura como chefe do Serviço de Enfermeiras Sociais, D. Maria Esolina Pinheiro, assistente social e professora, levando 16 assistentes sociais que haviam terminado um curso intensivo de Serviço Social, sob sua própria direção. Várias dessas moças ocuparam lugares de destaque, tais como: Lisbela Haddock Lobo e Zila Amaral Nogueira, secretárias do Curso Superior de Assistência Social, fundado na Secretaria de Saúde quando secretário o Sr. Clementino Fraga. Outras tiveram os seguintes aproveitamentos: Marieta Correia de Melo, Lais Avelar Veloso, Maria Cecília Ferreira, Augusta Haddock Lobo, respectivamente chefes dos Centros Sociais nº 1, 2, 3 e 5. [...] Neles, além das chefes já referidas, trabalham ainda as assistentes sociais Walquíria Eurídice Brandão, Zelia Guerra, Elza Leão de Moura, Maria de Lourdes Copelo, Ivone Régis, Maria Luiza Fontes Ferreira e Eloisa Shaw. Essas moças (exceção das duas últimas, diplomadas pelo Instituto Social) pertenceram ao já referido Curso Intensivo de 1939, de cuja turma fez parte a atual diretora da Escola de Serviço Social da S.O.S., sob os auspícios do Juízo de Menores, D. Teresita Porto da Silveira (Marques, 1942, s/p.).
Esta breve análise das trajetórias de algumas mulheres apontadas como pioneiras do Serviço Social possibilita enxergar algumas questões centrais no que tange ao processo de organização da assistência e do Serviço Social, como o empenho em construir uma identidade particular ao Serviço Social brasileiro que não remetesse a mera cópia das experiências de outros países; a mobilização de uma intelectualidade e de uma elite brasileiras em prol de intervir nas expressões da questão social de modo a contribuir para um determinado modelo de desenvolvimento nacional e; a apresentação do Serviço Social como um campo estratégico de intervenção na vida social, cuja ação caberia a trabalhadoras sociais qualificadas e engajadas.
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