Dossiê - História ambiental e rural

O Brasil agrícola: o tortuoso e difícil “caminho da roça”

El Brasil agrícola: el tortuoso y difícil “camino de la roza”

Agricultural Brazil: the tortuous and difficult “roça path”

João Klug
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil

O Brasil agrícola: o tortuoso e difícil “caminho da roça”

Revista História : Debates e Tendências (Online), vol. 16, núm. 1, pp. 152-165, 2016

Universidade de Passo Fundo, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História

Recepção: 12 Novembro 2015

Aprovação: 23 Janeiro 2016

Resumo: O Brasil atualmente é um dos maiores produtores de commodities agrícolas, tais como soja, café, carne (bovina, suína e de aves), açúcar e suco de laranja, e o país se orgulha disso. Essa é uma realidade que começou com a adoção da Revolução Verde na década de 1960 (alta tecnologia no campo, mecanização, insumos, seleção genética, etc.), quando foi implantado um modelo de farmerização. Para se chegar a esse modelo de agricultura, concentrador e pouco democrático, o Brasil precisou de quase cinco séculos. Durante a maior parte desse longo período, a agricultura não era vista como atividade nobre, ao contrário, procurava-se superar a identidade agrária, visto que a atividade não conferia status. Em certa medida, o Brasil teve vergonha de ser agrícola. Neste trabalho, o objetivo é analisar como o Brasil, um país agrário, durante mais de três séculos teve dificuldades de assumir uma identidade agrária, especialmente em função da influência de uma mentalidade portuguesa não afeita às lides agrícolas.

Palavras-chave: Agricultura, Identidade, Trabalho, Vida rural, Portugal.

Abstract: Brazil is now one of the greatest producers of agricultural commodities, such as soya, coffee, carne (cattle, pork and chicken), sugar and orange juice and the country is proud of that. This reality began with the adoption of the Green Revolution in the 1960s (high agricultural technology, mechanization, inputs, genetic selection, etc.) when a model of “farmerization” was installed. Brazil took nearly five centuries to reach this concentrative, and by no means democratic, agricultural model. Along most part of that long period, agriculture was not regarded as a noble activity; rather, the country tried to overcome its agrarian identity, as the activity assigned no status. To some extent, Brazil was ashamed of being an agricultural country. My aim in this work is to analyse how Brazil, an agricultural country, has faced difficulties in assuming an agrarian identity for more than three decades, particularly due to the influence of a Portuguese mentality that was not fond of farm work.

Keywords: Agriculture, Identity, Work, Rural life, Portugal.

Resumen: El Brasil actualmente es uno de los más grandes productores de commodities agrícolas, como soya, café, carne (de vaca, de cerdo y de aves), azúcar y jugo de naranja y el país tiene orgullo de ello. Esta es una realidad que empieza con la adopción de la Revolución Verde en la década de 1960 (alta tecnología en el campo, mecanización, insumos, selección genética, etcétera) implantando un modelo de “farmerização”. Para que se llegara a este modelo de agricultura, concentrador, y nada democrático, el Brasil necesitó alrededor de cinco siglos. Durante la mayor parte de este largo periodo, la agricultura no era considerada como noble actividad, al contrario, se intentaba superar la identidad agraria, ya que esta actividad no traía status. Hasta cierto punto, el Brasil tuvo vergüenza de ser agrícola. En este trabajo mi objetivo es hacer un análisis de como Brasil, un país agrario, durante más de tres siglos, tuvo dificultad en asumir una identidad agraria, especialmente en razón de la influencia de una mentalidad portuguesa no adaptada con las labores agrícolas.

Palabras clave: Agricultura, Identidad, Trabajo, Vida rural, Portugal.

O Brasil foi, desde seus primeiros dias, um empreendimento agrário dos portugueses, no entanto, um empreendimento agrário conduzido por um povo não agrícola. Daí, certa contradição na formação de sua identidade e uma constante negação dessa identidade agrária. Maria Yedda Linhares e Francisco C. Teixeira da Silva, ao tratarem do tema na obra Terra e alimento: panorama dos 500 anos de agricultura no Brasil, chamam a atenção para o fato de que no século XVI, em Portugal, com cerca de 90 mil km2 e uma população que ultrapassava um pouco a casa de 1 milhão de habitantes, a grande maioria localizada em cidades, como Lisboa, Porto ou Setúbal, a agricultura dava sinal de exaustão e dificuldade para manter uma população não agrícola crescente. Havia um déficit de alimentos (LINHARES; SILVA, 2000, p. 16). Ao dedicar-se intensamente à exploração do comércio de especiarias na “carreira das Índias”, Portugal ocupa cada vez mais gente e, em certa medida, vai despovoando sua terra. Nesse sentido, assim se expressa o poeta Sá de Miranda (1485-1558): “[...] ao cheiro desta canela, o reino se despovoa [...]” (1977 apud LINHARES; SILVA, 2000, p. 21).

Linhares e Silva assinalam que:

[...] o projeto agrícola de colonização permaneceu durante o tempo do apogeu do ‘império da pimenta’ como um projeto subalterno, ofuscado pelo brilho dos lucros [...] com a venda de especiarias (2000, p. 25).

Uma vez no Brasil, “conforme avançavam os engenhos, diminuía a população original do país”, e nesse contexto, os portugueses voltavam-se para o comércio atlântico de escravos visando atender à demanda de braços na agromanufatura açucareira, que apresentava um crescimento exponencial: em 1570, eram 60 engenhos, em 1580, já haviam 118, em 1600, 200, e em 1610, o número era 400 (2000, p. 39).

A agricultura no Brasil, durante muito tempo, confundiu-se com extrativismo. É notório que aqui se estabeleceu uma colônia de povoamento, com acentuadas diferenças, se comparadas com as que se estabeleceram na América do Norte, visto que “[...] os colonizadores que aqui foram se estabelecendo vieram não para refazer suas vidas [...] mas para fazer fortuna” (SZMRECSÁNYI, 1990, p. 12). Durante mais de três séculos, a agricultura brasileira teve a marca do atraso e da pouca produtividade, e as causas desse atraso residiam na má qualidade e no baixo nível técnico dos seus fazendeiros (SZMRECSÁNYI, 1990, p. 14).

O Brasil nasceu no mesmo período em que na Europa surgia uma burguesia poderosa e ávida para consumir. Nasceu no contexto da Revolução Comercial, no século XVI, quando, na visão de Tavares Bastos, começava:

[...] o drama terrível da história moderna: [...] Para os povos de raça latina, sobretudo ele é a expressão da guerra e da fome, da tyrannia e do fanatismo, da tortura e da fogueira, symbolos da maior miseria social (1939, p. 27-28).

Em relação a Portugal, Tavares Bastos entende tratar-se de um Estado que naquele momento vivia em:

[...] decadência moral [...] anulação da nobreza cavalheiresca, substituída pela nobreza rapace e indolente [...] brutalidade do clero, rei beato e corrupto, a classe industriosa ou raça hebraica, perseguida em vez de protegida [...] tudo, enfim, conspirava para a ruina desse desgraçado país [...] sem o espírito forte e a vontade indomável dos povos de raça germânica, Portugal brilhou um dia no século XV, e morreu para sempre (1939, p. 28, grifo nosso).

Tavares Bastos conclui seu julgamento sobre Portugal de forma tremendamente negativa ao afirmar: “A história interna da metrópole aclara a physionomia da colonia” (1939, p. 29). Assim, nesse contexto, nascia o Brasil, a partir de uma matriz formadora que, na visão do autor, era uma:

[...] sociedade formada por indivíduos em grande parte condenados, como de ambiciosos de dinheiro ganho sem o santificado suor do trabalho, uma sociedade tal considera a indolência felicidade, a rapacidade industria, a moeda riqueza, a ignorância virtude, o fanatismo religião, o servilismo respeito, a liberdade de espírito um pecado que se expia na fogueira e a independência pessoal um crime de lesa-majestade (BASTOS, 1939, p. 30, grifo nosso).

Ainda em relação a essa matriz formadora, e analisando as condições de vida agrícola no Brasil, Luís Amaral aponta para o grande descompasso entre o discurso do governo e a realidade camponesa, concluindo que a população rural “[...] continua dizendo linguagem de papagaio o linguajar dos governos, porque a compreende menos do que compreende o grego” (1958, p. 37). Ao analisar a agricultura brasileira da década de 1930, Amaral conclui que, para cada mil homens ativos em todas as profissões, 761 eram pessoas ativas na agricultura. Com base nesses números, o autor infere que a população brasileira é a mais rural do mundo. “Sendo a mais rural, produz uma miséria [...]. Não produz sequer para comer” (1958, p. 39). Comparando os dados da produção agrícola brasileira com a de outros países, conclui o autor que “[...] economicamente nossa produção agrícola é uma miséria” (1958, p. 38). Argumentando, a partir de dados estatísticos de 1934, Amaral chama a atenção para o fato de que naquele ano, o Brasil exportara 2.029.947 toneladas de produtos diversos, comparando o dado com o da Argentina, que havia exportado, só de trigo, 4.793.00 toneladas, e de milho, em torno de sete vezes mais do que todas as exportações agropastoris e minerais do Brasil. Ele arremata:

Culparemos o camponês? Jamais o faríamos [...]. O fator dominante, no caso, é a incúria dos governos, deixando o campo completamente desprovido de todas as formas de assistência social (1958, p. 65).

A razão da baixa produtividade devia-se, segundo Amaral, à origem portuguesa, afinal:

[...] na base de nossa genealogia temos a escória portuguesa (os intelectuais lusos gostam de contestar isso e os paulistas amam confessar origem espúria. Impatriótico; porque se aquilo não era a escória, se no Portugal havia pior, é o caso de perguntar-se que sociedade seria aquela) (1958, p. 38-39).

Em sua apreciação negativa sobre os portugueses, Amaral continua:

Não cremos que em Portugal houvesse escória pior, de mais grosseiros sentimentos [...]. Os hábitos de sociabilidade e, sobretudo de elegância e conforto, são conversa de poeta (1958, p. 50).

Amaral sublinha, ainda, que, na realidade, nos primeiros tempos não havia nenhum interesse em ser agrícola, e sim na mineração, e nesse sentido, a descoberta das minas foi um obstáculo ao desenvolvimento da agricultura, causando despovoamento de regiões agrícolas e alta mortalidade, que se verificava nas áreas de mineração. “Um achado feliz no meio do cascalho pode render mais do que um ano de labor agrícola” (1958, p. 48).

Baseado na obra de Pedro Taques (História da Capitania de São Vicente), Amaral conclui que:

[...] senhores de lavras havia, que em menos de um ano perdiam cem e mais escravos, mortos pelos maus tratos, pela péssima alimentação. A ânsia de enriquecer em breve tempo fazia com que os senhores dos desgraçados negros neles apenas vissem os instrumentos mui transitórios da fortuna (1958, p. 135).

Analisando a realidade portuguesa no que diz respeito às dificuldades de abastecimento de produtos oriundos da agricultura nos séculos XVI e XVII, Costa Lobo (1984, p. 274-275) evidencia que naquele período, em Portugal, verificava-se o aviltamento dos preços dos cereais, com a consequente dificuldade de sobrevivência dos camponeses, rendeiros e jornaleiros. Esse autor aponta para o fato de que a população de Portugal, em 1527, era de 1.122.112 indivíduos. Trata-se de um número aproximado, que se baseia na contagem de 280.528 fogos em todo o reino, os quais são multiplicados por quatro, atingindo-se, assim, a cifra mencionada.

É notório que no seu empreendimento marítimo, Portugal ocupou considerável contingente de homens em idade produtiva. Costa Lobo afirma que em trinta anos, entre 1497-1527,

[...] navegaram para a India trezentas e vinte naus, cada uma das quaes levava, em quantidade media, duzentos e cincoenta homens. São, portanto, oitenta mil homens que embarcaram para a India durante este tempo (1984, p. 48).

Segundo análise desse autor, só 10% desse contingente regressava à metrópole, o que aponta para um despovoamento de homens em idade produtiva no reino, e conclui que “[...] as possessões ultramarinas foram sempre para Portugal o ergástulo dos seus delinquentes” (1984, p. 49). Soma-se a isso, uma população razoável que vivia reclusa em conventos, cujo número, no final do século XVI, era de 396 (1984, p. 59). Levando-se em conta esses números, o autor conclui que os “varões activos de Portugal”, na faixa entre quinze e sessenta anos, girava em torno de 331 mil homens (1984, p. 62).

A análise de cronistas do período colonial, permite-nos verificar a contradição entre a existência material, que dependia do cultivo da terra com diferentes gêneros/culturas, e o pouco interesse em investir na agricultura. Ambrósio Fernandes Brandão (1555-1618) sublinha uma mentalidade predatória dos portugueses, cujo intento “[...] é fazerem-se sómente ricos pela mercancia, não tratam do aumento da terra, antes pretendem de a esfolarem tudo quanto podem” (1943, p. 46, grifo nosso). O mesmo cronista afirma ainda que não havia qualquer interesse em cultivar a terra com vistas a estabelecer-se no longo prazo. O imediatismo e a busca por lucro rápido davam o tom às atividades, de tal forma que os senhores de engenho, lavradores e pequenos agricultores:

[...] fazem suas lavouras e grangearias com escravos de Guiné, que pera esse effeito compram por subido preço; e como o do que vivem é sómente do que grangeam com os taes escravos, não lhes soffre o animo occupar nenhum deles em cousa que não seja tocante à lavoura, que professam de maneira que tem por muito tempo perdido o que gastam em plantar uma árvore, que lhes haja de dar fructo em dous ou três anos, por lhes parecer que é muita a demora [...] não há homem em todo este Estado que procure nem se disponha a plantar arvores fructiferas, nem a fazer as bemfeitorias ácerca das plantas, que se fazem em Portugal, e pelo conseguinte se não dispõem a fazerem criações de gados e outras; e se algum o faz, é em muito pequena quantidade, e tão pouca que a gasta toda consigo mesmo e com sua família. E daqui nasce haver carestia e falta destas cousas, e o não vermos no Brasil quintas, pomares e jardins [...] não porque a terra deixe de ser disposta pera estas cousas; donde concluo que a falta é de seus moradores, que não querem usar dellas (BRANDÃO, 1943, p. 47).

Em sua magistral análise sobre a formação do perfil da nação brasileira, Sérgio Buarque de Holanda, na obra Raízes do Brasil, acentua que a mentalidade portuguesa valorizava sobremaneira o ócio, e que

[...] a atividade produtora é, em sí, menos valiosa que a contemplação e o amor [...] O certo é que entre os espanhóis e portugueses, a moral do trabalho representou sempre fruto exótico (1963, p. 13).

As atividades econômicas, primeiro extrativistas depois agrícolas, não foram desenvolvidas com o emprego de métodos, ao contrário, “[...] faz-se antes com desleixo e certo abandono” (1963, p. 18). Essa forma de desleixo podia ser percebida na maneira e no empenho em conquistar riqueza, “[...] mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho” (1963, p. 25).

Concretamente, os colonizadores portugueses não se interessaram pelo interior e em ali estabelecer agricultura. Optaram em povoar e conhecer apenas a faixa litorânea, onde a comunicação com a metrópole era mais fácil e também porque eram terras habitadas por uma população indígena que falava a mesma língua, o que representava grande vantagem para os portugueses (1963, p. 101). Segundo Holanda, os portugueses implantaram um Brasil rural e escravocrata que, a partir do advento da república, tentou “vestir-se com os trajes modernos de uma grande democracia burguesa” (1963, p. 64). Essa indumentária, no entanto, não lhe ficava bem. Zelou-se por uma aparência, que, na verdade, não correspondia à realidade. A tentativa de ser urbano, valorizando as formas urbanas da metrópole em um contexto majoritariamente rural, produzia um quadro estranho.

O amor à frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara [...] inteligência há de ser ornamento e prenda, não instrumento de conhecimento e ação (1963, p. 70).

Ao tratarmos desse assunto, dignas de menção são as cartas de Ina von Binzer, educadora alemã que veio ao Brasil em 1881 para trabalhar como preceptora de crianças na casa de algumas famílias dos barões do café, nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ao caracterizar o perfil da elite brasileira produtora de café, enfatiza o lado pouco pragmático, também apontado por Sérgio B. de Holanda, e com forte tendência a valorizar as questões formais e aparências. Nesse sentido, ela afirma:

Os brasileiros dão ótimos advogados, podendo dessa forma aproveitar seu talento declamatório. Dão a vida por falar, mesmo quando é para não dizer nada. [...] Tudo é exterior, tudo gesticulação e meia cultura. O fraseado pomposo, a eloquência enfática já são por si próprios falsos e teatrais; mas se você tirar a prova real, se indagar sobre qualquer assunto, não se revelam capazes de fornecer a informação desejada. [...] Não se encontra profundidade em parte alguma [...] (BINZER, 1980, p. 76).

Discorrendo sobre a relação entre cidade/campo no contexto industrial, Fernando de Azevedo chega à mesma conclusão, sublinhando que entre nós se desenvolveu, de forma fecunda, “o gosto da retórica e da educação livresca, a superficialidade mas dissimulada na pompa verbal” (1962, p. 42-43). Ao analisar a cultura brasileira, o autor conclui que um “defeito” de nossa cultura seria a “tendência excessivamente literária, o gosto da erudição pela erudição, [...] a indiferença pelas questões técnicas” (1971, p. 722). O desprezo pelas questões técnicas, especialmente no que diz respeito à agricultura, pode ser constatado ao considerar que em 1908 (ano da grande Exposição Nacional no Rio de Janeiro) havia apenas três escolas de ensino agrícola no país, que, juntas, reuniam 166 alunos. No mesmo ano, havia dez faculdades de direito, reunindo 2.451 alunos. Em 1932, o estado de São Paulo, maior centro agrícola do país, formava 147 advogados, ao lado de apenas 22 agrônomos e sete médicos veterinários. Em 1940, existiam no Brasil, dezenove faculdades de direito, enquanto havia cinco de agronomia e duas de medicina veterinária (AZEVEDO, 1971, p. 730-731).

Em Portugal, segundo Fernando de Azevedo, o espírito científico não teve condições favoráveis para o seu desenvolvimento. Para corroborar essa ideia, Azevedo ampara-se em Antero de Quental (1842-1891), que afirma:

A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciência; foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradamos, que nos anulamos (1871 apud AZEVEDO, 1962, p. 25).

Digna de nota é também a figura de linguagem utilizada por Jaime Cortesão quando se refere ao português do século XVI como sendo “piloto/agricultor” ou “agricultor/piloto”, pois partilhavam das fainas agrícolas e marítimas (1944 apud AZEVEDO, 1962, p. 26-27).

Ao considerar esses aspectos, Luís Amaral enfatiza que “[...] as faculdades livres de Direito já atingiram os sertões, onde nunca chegou um curso agrícola” (1958, p. 137). Evidencia-se, portanto, a mentalidade que via como desonra o trabalho manual, sobretudo o trabalho agrícola. E conclui: “A escravidão foi-se; mas as suas consequências morais persistem” (1958, p. 138).

Nesse contexto, é significativa a afirmação de Holanda, enfatizando que “[...] a mentalidade de casa-grande invadiu assim as cidades e conquistou todas as profissões, sem exclusão das mais humildes” (1963, p. 76-77). O autor destaca, também, que nas cidades as funções mais elevadas eram desempenhadas por grandes proprietários de terras e as câmaras municipais eram seu monopólio (1963, p. 79). Assim, à medida que o Brasil se urbanizava,

[...] as cidades desenvolveram características de sociedades aristocráticas com o agravante de ostentar desprezo pelo trabalho manual, típico das sociedades escravocratas (LINHARES; SILVA, 2000, p. 74).

Notório é que a atividade agrícola não ocupava em Portugal uma posição de destaque, ou, como sugere Holanda, os portugueses não se constituíam em uma “civilização tipicamente agrícola”, aliás, ao contrário, em Portugal, a agricultura foi desprezada. Soma-se a esse desprezo e inabilidade agrícola, as condições do meio, ou como denomina o autor, “as resistências da natureza” (1963, p. 27). Holanda destaca, ainda, que o ambiente tropical não se prestava ao emprego de técnicas conhecidas pelos portugueses, daí que o trabalho de saraquá ou enxada, empregado por décadas, foi uma imposição do meio, não representando “nenhum progresso essencial” em relação à agricultura praticada pelos indígenas. A mentalidade predatória aqui adotada trouxe consequências negativas, visto que:

Na economia agrária, pode-se dizer que os métodos maus, quer dizer, rudimentares, danosos e orientados apenas para o imoderado e imediato proveito de quem os aplica, tendem constantemente a expulsar os bons métodos (1963, p. 28).

Membro ativo da diretoria da Sociedade Central de Imigração, exercendo a função de secretário dessa instituição, abolicionista e com destacada liderança no Brasil imperial, André Rebouças, em 1883, já fazia severa crítica quanto a esse aspecto, denunciando que a educação no Brasil estava voltada exclusivamente para a produção de políticos, “[...] dahi essa repugnancia geral para o trabalho productivo” (1988, p. 323). Mais adiante, volta à carga: “A verdade é que a educação actual é toda política: e por isso somos uma nação de políticos” (1988, p. 357). Em sua crítica veemente, Rebouças levanta a bandeira da educação e chama a atenção para a urgente necessidade de valorização da educação agrícola para fazer jus à realidade do país, pois:

Diz-se commummente: o Brazil é um paiz agrícola, mas é um triste contraste lançar os olhos de norte ao sul do Imperio, e não encontrar uma só escola de agricultura! Nos principais centros agrícolas do Brazil duas escolas de direito; uma ao norte em Pernambuco, outra ao sul em São Paulo. Dir-se-hiam postadas ahi de proposito para roubar à Agricultura os seus melhores e mais ricos filhos. O filho do lavrador deixa o engenho dos seus pais e vai para os cursos de direito aprender o que? Todos sabem como se fazem os cursos de direito neste paiz. Os mais estudiosos leêm muita literatura, e fazem brilhante figura nas discussões academicas; os menos estudiosos divertem-se e curam dos meios indirectos de obter aprovações. Quando voltam ao engenho dos pais acham materialismo toda a vida rural. Para disfarçar o tédio da vida do engenho leêm, dia e noite, Lamartine ou Musset; Schiller ou Goethe para acompanhar o germanismo da época. E bocejam: ‘Ainda há desgraçados que se occupam em moer cannas de assucar!’ Esse moço é um ser perdido para a Agricultura (REBOUÇAS, 1998, p. 356-357, grifo do autor).

Em sua análise, o autor não estaciona nas considerações teóricas, ao contrário, seu texto é bastante propositivo, pois aponta e formaliza soluções práticas e objetivas, visando sempre concretizar sua proposta de fundo: a “Democracia Rural Brasileira”, termo por ele criado e que implicava na redistribuição da propriedade fundiária e de um imposto territorial progressivo. A proposta desse imposto fundamentava-se na superfície possuída e não na renda da terra, procurando, dessa forma, evitar o landlorismo ou fazendeirismo, com a criação de um universo agrícola baseado em pequenas propriedades rurais. Preconiza, também, aquilo que se denomina “fazendas centrais”, que teriam a função de adotar novas técnicas, visando aumentar a produção e disseminar as técnicas e os métodos de produção agrícola.

Inspirado em Adam Smith e na divisão do trabalho, Rebouças levanta o seguinte argumento: se fosse tomada uma amostra composta por cem senhores de engenho, seria fácil localizar nessa amostragem, noventa com habilidades e conhecimentos para plantar a cana-de-açúcar e colhê-la, no entanto, não seria tão fácil localizar dez capazes de aplicar conhecimentos técnicos modernos na produção de açúcar e produtos conexos, visando ao máximo lucro. Diante disso, Rebouças propõe que os noventa senhores de engenho se limitassem a produzir a cana, deixando aos outros dez a tarefa de explorar a indústria açucareira, que exigia conhecimentos técnicos, equipamentos de elevado custo, talento e capital. E conclui que, “[...] dos 100 engenhos, 90 se reduzirão a plantações de canna e 10 se constituirão em engenhos centrais” (REBOUÇAS, 1998, p. 13). Para Rebouças, o mesmo princípio deveria ser aplicado aos demais produtos agrícolas, tais como café, algodão, fumo, cacau, etc.

Assim como as fazendas centrais, Rebouças também propõe as “fábricas centrais”, que deveriam agregar valor aos produtos agrícolas, transformando a matéria-prima e exportando produtos de alta qualidade, tais como café em pó, açúcar granulado, cigarros e chocolate. A adoção dessas medidas possibilitaria à indústria brasileira exportar e consumir produtos de qualidade preparados pela indústria nacional, deixando invariavelmente aos agricultores e aos industriais brasileiros o máximo lucro possível (REBOUÇAS, 1988, p. XVIII).

Em suas considerações, também não admitia que um dos problemas tão acentuados, especialmente pelos grandes proprietários de terras e por grande parte dos políticos do Império e que contribuía para o atraso da agricultura brasileira, fosse a falta de braços, argumentando que:

A verdadeira interpretação da frase oficial - carência de braços - é que o Império necessita de reformas sociaes, econômicas e financeiras importantíssimas que permitam o aproveitamento de milhares e milhares de indivíduos que vegetam nos nossos sertões (REBOUÇAS, 1988, p. 383, grifo nosso).

Em sua análise sobre a agricultura no Brasil, o botânico teuto-mineiro Frederico Carlos Hoehne (1882-1959) definia a agricultura como sendo a “sciencia que ensina aproveitar e converter em coisas mais úteis os recursos múltiplos que o reino vegetal oferece” (1937, p. 7). Sublinha, no entanto, que os portugueses que aqui chegaram, no século XVI, não vieram com o objetivo de praticar a agricultura. Tinham em mente outros objetivos e preocupações, tais como “encontrar tesouros, descobrir minas, levar ouro, pedras preciosas e gosar a carne” (1937, p. 8).

Segundo o botânico, na América em geral, já se tinha atingido considerável grau de conhecimento técnico na agricultura, o que os recém-chegados poderiam ter aproveitado, mas, como não eram dados à agricultura, “[...] eles bancaram os bárbaros, portaram-se como animaes e destruíram” (1937, p. 11). De acordo com Hoehne, em 1772, no Maranhão, onde foi introduzido o arroz branco da Carolina, o único permitido,

[...] cominava as penas de multa, cadeia, calceta e surra segundo a penalidade das pessoas aos que continuassem na cultura do arroz vermelho da terra (1937, p. 38).

Hoehne lamenta que as espécies vegetais que já haviam sido alvo de seleção genética e aperfeiçoamento não tenham sido multiplicadas nem tampouco melhoradas, ao contrário, esse trabalho foi simplesmente ignorado. Argumenta o botânico que

[...] os povos que realizaram prodígios da agricultura que nos são evidenciados pelas innumeras raças de “Milho”, “Quinoa”, “Mandioca” e demais plantas domesticadas e selecionadas, não foram os asselvajados que aqui existiam quando os europeus chegaram à America (1937, p. 44).

Enfatiza, ainda, que o homem pré-colombiano dominava técnicas de manejo com as quais evitava problemas com ervas e pragas daninhas, ainda que reputado como se fosse sem instrução e sem ciência. O autor argumenta que é notório o interesse em “reaver o que existia e para reencontrar o segredo de que dispuseram os nativos” (1937, p. 20). E arremata:

[...] naqueles primórdios os mestres foram estes e os alunos os advindos de além mares. O imigrado aprendeu botânica e agricultura desta terra com o selvícola e ainda hoje, apezar das vicissitudes e contratempos sobrevindos a este, raramente consegue conhecer aquella melhor e praticar esta mais sabiamente do que elle o fazia naquela era (HOEHNE, 1937, p. 20-21).

Em sua avaliação, Hoehne conclui que os produtos

[...] mais úteis do reino vegetal - não diremos mais rendosos e mais cultivados hoje em dia - foram uma dádiva com que nos brindou o índio que habitava estas plagas” (1937, p. 29, grifo nosso).

Enfatiza-se, portanto, que, por ocasião da invasão portuguesa, as populações indígenas ameríndias já eram agricultoras.

Ao expor, de forma brilhante, dados biográficos e gerais a respeito de Gabriel Soares de Souza (1540-1592), Fernanda T. Luciani deixa claro que esse cronista vivia em uma época na qual era notório o encantamento pelo brilho, pois que todos os seus projetos visavam, de alguma forma, ao domínio de terras em busca de ouro e diamantes. Isso fica evidente quando, em 1590, suas solicitações são atendidas por Felipe II, e ele organiza, então, uma armada com cerca de 360 homens, visando conquistar a região do sertão da foz do Rio São Francisco, não com fins de produzir ou desenvolver atividades agrícolas, mas sim de buscar as tão sonhadas minas. Ao escrever o seu relato destinado ao rei Felipe II, Souza especifica que “[...] a pretensão é manifestar a grandeza, fertilidade e outras grandes partes que tem a Bahia de Todos os Santos e demais estados do Brasil” (SOUZA, 2010, p. 12-13), e que as terras da Coroa portuguesa tinham sido abandonadas pelos monarcas anteriores, aponta também para a fertilidade da terra, no entanto, não se dedica a explorar essa fertilidade, buscando riqueza rápida, caso descobrisse as minas.

No seu Prólogo ao Diccionario geográphico, historico e descriptivo do Imperio do Brazil, de 1845, Caetando Lopes de Moura acentua esse aspecto ao afirmar que:

O atrazo em que ainda está a agricultura deve imputar-se essencialmente á sêde d’ouro que lavrava na maior parte dos aventureiros Portuguezes que primeiro se estabelêcerão no Brazil, os quaes em vez de amanharem as terras, se entregarão exclusivamente à mineração; inconveniente que se augmentou com a lavra e busca de diamantes, a qual privava a agricultura d’uma grande quantidade de braços (MOURA, 1845, p. IX).

O documento elaborado em 1874 permite deduzir que, literalmente, o “estado da lavoura” era bastante crítico na Bahia. Naquele ano redigiu-se uma Representação dos Lavradores e Commerciantes da província da Bahia, na qual, após ampla exposição de motivos, um abaixo-assinado datado de 29 de julho de 1874 reivindica não apenas apoio, mas, concretamente, socorro de parte do governo imperial, afirmando que:

Ainda no inquérito a que se procedeu recentemente nesta província, todos os dados estatísticos e mais esclarecimentos coligidos com inexcedível zelo e solicitude desnudaram o estado desolador da lavoura, estado que requer urgentemente a intervenção do braço protector do Governo do paiz, como condição única de sua salvação (ADDITAMENTO..., 1874, p. 8, grifo nosso).

Essas reivindicações invocam, ainda, as palavras do senador José Thomaz Nabuco de Araújo, encerrando a petição:

Esta situação deplorável da lavoura não póde se prolongar; chegou o tempo da liquidação. E força acudir à lavoura. Se não lhe daes os meios, se não lhe procuaraes capitaes com juros moderados, ella infalivelmente caminhará para a bancarrota (ADDITAMENTO..., 1874, p. 13).

O já citado André Rebouças, ao discutir esse assunto e a criação de bancos de crédito rural e o investimento do governo em atividades agrícolas, questiona o emprego de capitais governamentais sem a efetiva melhoria da lavoura, fazendo a seguinte observação: “[...] quanto dinheiro que figura como divida da lavoura foi esbanjado no jogo, em eleições, em bailes, em banquetes e em toda sorte de dissipações?” (REBOUÇAS, 1883, p. 313).

Em um volumoso texto comemorativo ao centenário da Independência, o Ministério da Agricultura deixava claro, mas de forma implícita, o caráter prejudicial da mineração em relação à agricultura, visto que:

A partir de 1700, ressente-se enormemente o trabalho agrícola pelo facto de estarem todas as atenções voltadas a exploração das jazidas mineraes. Chega-se mesmo a prohibir o desvio de toda e qualquer actividade que não fosse empregada com esse fim (BRASIL, 1922, p. 7).

Verifica-se, portanto, que a produção de alimentos nas atividades agrícolas da colônia não era algo que merecia atenção, visto que desviava o foco da produção de açúcar em grande escala para o mercado mundial. O mesmo quadro repete-se posteriormente na exploração das minas. A solução seria a importação de alimentos da metrópole, no entanto, no século XVI, Portugal era incapaz de produzir o suficiente para lhe conferir autonomia alimentar, razão pela qual incentivava o consumo de produtos locais. Essa ideia não se mostrou viável, visto que os comerciantes, senhores de engenho ou preadores de indígenas entendiam que não podiam se dedicar à atividade tão banal como plantar gêneros alimentícios, perder tempo e mão de obra ou desperdiçar boas terras com produtos plebeus (LINHARES; SILVA, 2000, p. 50). Nesse contexto, a população branca assumiu rapidamente o legado tecnológico do índio, e a mandioca (pão da terra, munição de boca, pão dos trópicos) reinou absoluta, pela facilidade de manejo e alta produtividade (LINHARES; SILVA, 2000, p. 54).

Em sua análise, Afonso Arinos de Melo Franco também escreveu que, no início da colonização do Brasil, a população portuguesa girava em torno de um milhão de habitantes, uma população pouco numerosa, o que fez com que nem a quarta parte do país fosse cultivada. Ele acentua que, no início do século XVI, o português tinha pela terra “um apego medíocre e a profissão de jornaleiro do campo era a mais baixa na escala social” (2005, p. 24-25). Segundo o autor, o português era “pouco amigo da terra” e se ocupava com alguma incipiente atividade agrícola como uma ocupação forçada, enquanto não encontrava o que mais procurava: ouro e pedras preciosas. Nos dois primeiros séculos, a vida agrícola foi pouco rural e se estabeleceu um quadro de agricultura sem ruralismo, ou uma “agricultura de aparência quase urbana” (2005, p. 26). A agricultura era vista como coisa rudimentar, atividade a ser exercida pelos menos aptos, uma atividade não pensada, apenas braçal.

Conforme o botânico Hoehne, verifica-se que o indígena já tinha clareza da necessidade de fazer seleção genética das melhores sementes e de manejar a floresta. Para eles, a agricultura não era apenas atividade de força contra a natureza; era, sim, atividade de força, e uma atividade pensada, uma racionalidade que exigia interação com o meio, portanto, ação inteligente. No modelo de agricultura imposto pelos portugueses nos trópicos, a terra não passava de um simples suporte das plantas.

Quando traça suas considerações em torno do tema “senso, consciência e caráter nacional”, Alberto Torres aponta para certo desprezo a que foi relegado o universo da agricultura, ao afirmar que:

[...] quisemos formar cabeça antes de possuir corpo; plantamos sementes importadas e ainda não sabemos produzir sementes, importamos e cultivamos fructos alheios, abandonando os fructos do nosso clima (1933, p. 110).

Em relação aos portugueses, no entanto, Alberto Torres lhes faz uma verdadeira apologia, afirmando que:

[...] nenhuma raça deu jamais provas de energia, de inteligência e de coragem nos mais arrojados empreendimentos, poucas se lhe avantajaram na cultura e na produção literária, e muito raras possuem, ainda hoje, povo mais sóbrio, mais trabalhador, mais honesto, de mais candida alma e sensibilidade moral mais delicada. A ascendência portugueza é uma honra para o Brasil (1933, p. 146-147).

Em relação à agricultura, Torres reconhece que:

[...] a gente de nossa terra ainda está por formar o acervo, não de idéias teóricas de agricultura, mas dessas tradições elementares que estão para a aptidão do lavrador como movimento dos dedos para a habilidade da costureira [...]. Nós não sabemos ainda o que a nossa terra pode produzir e como deve produzir (1933, p. 205).

Parece claro, entretanto, que ao contrário do que pensam outros autores (especialmente Luís Amaral), a explicação para esse problema não estava na origem portuguesa, e sim na qualidade de eugenista que caracterizava Alberto Torres, vendo o problema na mistura de raças que se degenerava. Concordando com Kehl, quando ele afirmava que “[...] um povo se estiola e degenera quando, no seu seio, os tipos inferiores tem mais filhos do que os capazes e bem dotados” (KEHL, 1937, p. 35, grifo do autor). Considerando o meio rural brasileiro dominado por um tipo de camponês, o caipira, Khel chega a afirmar que “[...] em certos casos, seria vantajosa para a comunidade a proibição do casamento ou a esterilização de indivíduos positivamente nocivos a espécie” (1937, p. 51).

A obra organizada pelo Ministério da Agricultura por ocasião do centenário da Independência teve a Introdução redigida por Torres Filho, na qual o autor acentua que a produção agrícola deixa a desejar e que o universo camponês brasileiro carece de melhor organização, pois:

Na agricultura, a falta de organisação do trabalho, constitue sem duvida um dos maiores obstaculos ao seu progresso; e nós necessitamos, pela instrucção primaria e profissional, elevar o nível moral e technico do trabalhador agricola, fazendo delle um operário consciente do progresso economico do paiz, de despertar-lhe novas ambições e necessidades (TORRES FILHO, 1922, p. 14).

Para concluir essa breve reflexão em torno das dificuldades do passado agrícola do Brasil, pode-se dizer que foi percorrido um caminho difícil e interessante: de um passado desprezível a um presente exaltado. O atual mundo do agronegócio, com sua força econômica, conduz de volta à roça e constrói uma nova representação do rural, e essa nova expressão manifesta-se com intensidade em feiras, exposições, rodeios, indústria fonográfica com o gênero sertanejo-caipira-country (incluindo o assim chamado sertanejo universitário). Em boa medida e de forma talvez enviesada, a cultura camponesa e rural está presente de forma intensa também nas grandes metrópoles. É o Brasil com um pé na roça, pois, como afirma José de Souza Martins, “são pessoas culturalmente agrícolas empregadas em atividades não agrícolas” (2004-2005, p. 29-49). Paralelamente ao crescimento do agronegócio, a roça cresceu e é exaltada. Mas qual roça? Aquela que gera commodities.

Referências

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