Artigo

Para uma história social das práticas eleitorais: as eleições no Centro-Oeste mineiro (1933-1934)

Toward a social history of electoral practices: the elections in the Midwest of Minas Gerais (1933-1934)

Por una historia social de las prácticas electorales: las elecciones en el Centro-Oeste de Minas Gerais (1933-1934)

Douglas Souza Angeli
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil

Para uma história social das práticas eleitorais: as eleições no Centro-Oeste mineiro (1933-1934)

Revista História : Debates e Tendências (Online), vol. 23, núm. 2, pp. 113-136, 2023

Universidade de Passo Fundo, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História

Resumo: O artigo apresenta resultados da pesquisa intitulada “Para uma história social das práticas eleitorais: as eleições no centro-oeste mineiro (1932-1950)”. O objeto da pesquisa nessa etapa teve como foco as práticas eleitorais no Centro-Oeste mineiro nas eleições de 1933 e 1934. Como se davam as práticas eleitorais no Centro-Oeste mineiro na década de 1930? O que o estudo da história social das eleições no Centro-Oeste mineiro pode indicar acerca da experiência de democracia da década de 1930? O estudo a nível local e regional pode fornecer indicativos de como os sujeitos conformaram práticas sociais relacionadas à disputa eleitoral. Nesse caso, fica evidente a centralidade do papel dos partidos políticos no processo de alistamento eleitoral e o abuso do poder dos interventores em favor do partido situacionista.

Palavras-chave: Eleições, Práticas eleitorais, Centro-Oeste mineiro, 1933-1934.

Abstract: The article brings the results from the research entitled: “Toward a social history of electoral practices: the elections in the Midwest of Minas Gerais (1932-1950)”. The research object at that stage focused on the 1933 and 1934 elections. How have occurred electoral practices in the Midwest of Minas Gerais in the 1930s? What can the study of the social history of elections in the Midwest of Minas Gerais indicate about the experience of democracy in the 1930s? The study at the local and regional level can provide signs of how the subjects conformed social practices related to the electoral squabble. In this case, the centrality of the role of political parties in the voter registration process and the abuse of power by the interveners in favor of the ruling party were evident.

Key words: Elections, Electoral practices, Minas Gerais Midwestern region, 1933-1934.

Resumen: El artículo presenta los resultados de la investigación titulada: “Por una historia social de las prácticas electorales: las elecciones en el Centro-Oeste de Minas Gerais (1932-1950)”. El objeto de la investigación en esta fase se centró en las elecciones de 1933 y 1934. ¿Cómo se desarrollaron las prácticas electorales en la región Centro-Oeste de Minas Gerais en la década de 1930? ¿Qué puede indicar el estudio de la historia social de las elecciones en la región Centro-Oeste de Minas Gerais sobre la experiencia de la democracia en la década de 1930? El estudio a nivel local y regional puede brindar indicios de cómo los sujetos configuraron prácticas sociales relacionadas con la disputa electoral. En este caso, se puso de manifiesto la centralidad del papel de los partidos políticos en el proceso de alistamiento electoral y el abuso de poder de los interventores en favor del partido gobernante.

Palabras clave: Elecciones, Prácticas electorales, Centro-Oeste de Minas Gerais, 1933-1934.

Considerações iniciais

O Código Eleitoral de 1932 estabeleceu marcos importantes no cenário político-institucional brasileiro, dando início à incorporação do voto feminino ao eleitorado, criando a Justiça Eleitoral e buscando garantir o sigilo do voto e impedir fraudes eleitorais (NICOLAU, 2010, p. 39-42). No entanto, além de um aumento pouco expressivo do eleitorado alistado, a experiência de democracia dos anos 1930 certamente foi curta demais para instituir grandes rupturas nas práticas sociais relacionadas à disputa eleitoral, embora tenha inaugurado elementos institucionais importantes (ZULINI e RICCI, 2020). Como as práticas sociais já estabelecidas dialogaram com estas mudanças institucionais?

Entre 1933 e 1937, foram realizadas eleições nos âmbitos nacional, estadual e municipal, e o estudo a nível local e regional pode fornecer indicativos de como os sujeitos na base desses processos conformaram práticas sociais relacionadas à disputa eleitoral. Este artigo apresenta resultados da primeira etapa do projeto de pesquisa intitulado “Para uma história social das práticas eleitorais: as eleições no centro-oeste mineiro (1932-1950)”, desenvolvido na Universidade do Estado de Minas Gerais.2 O objeto concerne às práticas eleitorais tendo como campo de pesquisa sócio-histórica o Centro-Oeste mineiro. Na primeira etapa foram estudadas as eleições que ocorreram entre a decretação do Código Eleitoral de 1932 e o fim do governo constitucional de Getúlio Vargas (1934-1937).

A perspectiva teórica deste artigo se centra na construção do voto enquanto instituição e enquanto prática (GARRIGOU, 1993; OFFERLÉ, 2011a; CANÊDO, 2005). As questões que orientam a análise são as seguintes: como se davam as práticas eleitorais no Centro-Oeste mineiro na década de 1930? O que o estudo da história social das eleições no Centro-Oeste mineiro pode indicar acerca da experiência de democracia da década de 1930?

História social das práticas eleitorais

Uma história social das práticas eleitorais é, primeiramente, uma história social. Pode-se dizer que a perspectiva da história social emerge na crítica da chamada Escola dos Annales à história política tradicional, vista como “elitista, aristocrática, condenada pelo ímpeto das massas e o advento da democracia” (RÉMOND, 2013, p. 18). Preocupada com a organização social, com as relações sociais e os processos de transformação na sociedade (BARROS, 2005, p. 12), a história social leva em consideração o “universo das práticas sociais concretas e o das representações simbólicas, rituais, costumes e atitudes diante da vida e do mundo” (PROST, 2012, p. 206). Ao discutir a importância das abordagens centradas no “mundo da experiência comum” por parte da história social e o estudo do cotidiano, Peter Burke (1992) chamou atenção para a análise da relação entre as estruturas do cotidiano e a mudança social, relacionando, assim, a vida cotidiana aos considerados “grandes acontecimentos”.

A oposição entre história política e história social, no entanto, já não faz sentido nas tendências recentes entre os historiadores, preocupados com o “elemento social na política e com o elemento político na sociedade” (BURKE, 1992, p. 36). Na segunda metade do século XX, a renovação da história política a partir da Fondation Nationale des Scienses Politiques, sob a liderança de René Rémond, aceitou em larga medida as críticas dos Annales à história política tradicional. Além de passar a se interessar por todos os atores sociais, o “povo”, as “massas”, a política passou a ser entendida como uma modalidade da prática social, vinculando-se a outros aspectos da vida coletiva (RÉMOND, 2013, p. 35).

Uma história social da política se ocupa do estudo desses laços entre a política e as práticas da vida coletiva, os vínculos entre a vida política e as relações sociais, os grupos sociais e os espaços de sociabilidade. Neste tipo de abordagem está presente a influência de Pierre Bourdieu, especialmente no que concerne aos conceitos de capital social e capital político. O capital social é um conjunto de recursos ligados à posse de uma rede durável de relações sociais na qual existe um reconhecimento dos laços em comum e de sua utilidade (BOURDIEU, 1980, p. 2-3). O capital político é uma forma de capital simbólico, de crédito firmado na crença e no reconhecimento, sendo que aqueles agentes socialmente reconhecidos como políticos retiram a sua força da confiança que os grupos depositam neles (BOURDIEU, 2012, p. 188). Conforme Michel Offerlé (2011b), o capital político é o que proporciona a eficácia de um agente ou de um grupo de agentes em uma configuração política determinada.

Michel Offerlé (2011, p. 178) chama atenção para a construção de agentes interessados na competição eleitoral: para que haja eleições é necessário haver eleitores e candidatos. Conforme o autor, o ato de votar faz aparecer objetos, produtos e conceitos novos, da urna aos eleitorados, dos cartazes aos comentários (OFFERLÉ, 2011, p. 178). Com isso, se evidencia um trabalho de invenção de técnicas de conquista de votos, de criação de organizações políticas, de construção do eleitor e de uma esfera própria do político que reinveste as relações sociais instituídas conforme novas regras (OFFERLÉ, 2005, p. 356). A sócio-história proposta por Offerlé repousa em um estranhamento diante das instituições, das rotinas e dos objetos com os quais estamos familiarizados no presente, como o ato de votar (GENÉ e VOMARO, 2011, p. 15).

Como lembra Letícia Bicalho Canêdo (2012, p. 520) ao tratar da história do voto, os conceitos e técnicas que configuram o que hoje entendemos como uma eleição e a elaboração prática de seus rituais foram introduzidos em um processo lento e descontínuo de socialização. Dentre as inovações introduzidas pelo Código Eleitoral de 1932 e mantidas na legislação pós 1945, a mais importante foi a criação da Justiça Eleitoral, a partir de então responsável pelo alistamento, pelas eleições e pelo reconhecimento e proclamação dos eleitos.

Na imagem abaixo pode-se observar um dos documentos relativos à qualificação eleitoral, o pedido de inscrição que gerava um processo a ser despachado pelos cartórios eleitorais deferindo-se ou não a inscrição.

Pedido de inscrição de eleitor de Itapecerica/MG (1933)
Imagem 1
Pedido de inscrição de eleitor de Itapecerica/MG (1933)
Fonte: SI Série 13 Caixa 30 PC 04 3[APM].

O pedido de inscrição era preenchido com o nome do alistando, sua filiação, idade, data e lugar de nascimento, estado civil, profissão e residência habitual, devendo ser acompanhado de três fotografias e assinado. No caso dos processos da zona eleitoral de Itapecerica, no Centro-Oeste mineiro, encontrados no fundo da Secretaria do Interior sob a guarda do Arquivo Público Mineiro, o processo é acompanhado de um requerimento manuscrito onde o alistando requer sua qualificação para inscrição eleitoral e duas testemunhas afirmam ser a requerimento do próprio, com fé reconhecida pelo escrivão de paz local. A folha seguinte apresenta o deferimento com assinatura do juiz eleitoral.

A qualificação eleitoral estava na base de um processo que uma história social das eleições deve considerar entre seus objetos de estudo, aquilo que Hilda Sabato (2011, p. 30) chamou de “práticas eleitorais”: “Mecanismos concretos do fato eleitoral, desde a definição das candidaturas até a efetiva mobilização de eleitores”. Para o caso argentino, estudado pela autora, o direito ao sufrágio na segunda metade do século XIX era relativamente amplo, mas poucos cidadãos se mobilizam para votar. Percebendo as relações sociais que embasavam as práticas eleitorais, a autora salienta que a participação eleitoral estava associada diretamente ao pertencimento a redes concretas de clientelismo e militância e que o voto não era um ato individual, mas coletivo, que envolvia uma parcela pequena da população - enquadrada e preparada para a ocasião pelas facções em disputa (SABATO, 1998, p. 171-172; 2011, p. 42).

Essa perspectiva deve estar atenta às práticas: uma história material do voto, da profissão política, da construção de eleitorados, a criação de papéis sociais e sua transformação ao longo do tempo, a aparição de dispositivos que incitam certos modos de fazer e o modo como os atores se apropriam destas práticas de modo contextual (GENÉ e VOMARO, 2011, p. 15). Conforme Michel Offerlé (2005, p. 357), a construção de uma cidadania cívica pressupõe que aos poucos o cidadão vá se tornando um indivíduo “idealmente dessocializado”, que para exercer sua cidadania deve romper com seus vínculos comunitários. Apesar dessa idealização, as práticas eleitorais tendem a solicitar as antigas formas, em um longo processo de transição no qual o clientelismo pode servir de ponto de partida para práticas que criam o costume do voto (OFFERLÉ, 2005, p. 357).

A construção da cidadania e esse tipo de transação na qual os eleitores aprendem a regatear seus votos e a usar sua posição de dominados fazem parte de um itinerário que, nas palavras de Michel Offerlé (2005, p. 358), não se enquadra nas “belas linearidades das mitologias republicanas”. Como destacou Luiz Alberto Grijó (2017, p. 17), a instituição de um Estado nos moldes ocidentais, pressupondo um sistema político baseado em grupos corporados formalmente instituídos, não dispensa o acionamento de mecanismos paralelos de atendimento às demandas, nem mesmo a importância das relações de reciprocidade do tipo patrão-cliente.

Letícia Bicalho Canêdo (2012, p. 540) afirma que a história das técnicas eleitorais permite observar um trabalho de socialização: “É no cruzamento das práticas, das técnicas e das atitudes dos políticos e eleitores que se situa toda a importância do instrumento do voto como procedimento legítimo de designação política”. Além das práticas, é necessário o foco nos atores, como salientam Jaquelini Porto Zulini e Paolo Ricci (2020) sobre as eleições da década de 1930, sobre as quais defendem observar a atuação dos partidos nos processos de alistamento e considerar, além dos aspectos formais, a ação dos agentes políticos e mesmo a fraude como um mecanismo efetivo da competição política.

Se como afirma Marc Bloch (2001, p. 54) “o bom historiador se parece com o ogro da lenda” pois “onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça”, o estudo das eleições sob a perspectiva de uma história social das práticas eleitorais deve ter seu foco nos agentes e no universo de relações sociais no qual se instituem rotinas e se conformam práticas.

Centro-oeste mineiro na década de 1930

A região atualmente identificada como Centro-Oeste mineiro desempenhou papel importante no processo de desenvolvimento e da construção da identidade em Minas Gerais. É o que afirma Otávio Dulci (2009, p. 16):

A região Centro-Oeste está relativamente próxima dos principais núcleos de exploração do ouro, sendo que um deles, Pitangui, marcou a origem do Centro-Oeste. Por isso, foi, desde cedo, ocupada por fazendas e também cortada por caminhos que ligavam a área de mineração a outros lugares mais distantes. [...] Ao longo do século XIX consolidou-se no Centro-Oeste uma estrutura tradicional - econômica, social e política - que associamos de imediato às suas cidades mais antigas: Pitangui e Itapecerica. Seu eixo eram as fazendas e os fazendeiros, alguns deles possuidores de vastos domínios e considerável influência.

Conforme salientou Batistina Maria de Sousa Corgozinho (2003), o comportamento político tradicional na região, no final do século XIX, se articulava a uma estrutura de poder oligárquica rural, clientelista, baseada em favores e as eleições no arraial do Espírito Santo de Itapecerica, atualmente Divinópolis, marcadas por situações de violência. Conforme a autora, a chegada da Estrada de Ferro Oeste de Minas, no início do século XX, proporcionou um processo de ruptura dos modos de vida tradicionais nessa localidade, incluindo a gradual superação das práticas políticas tradicionais (CORGOZINHO, 2003, p. 125-128).

O quadro a seguir apresenta os municípios do atual Centro-Oeste mineiro entre os censos demográficos de 1920 e de 1940, apresentando também suas datas de elevação à cidade:

Quadro 1
Municípios do atual centro-oeste mineiro existentes entre os censos demográficos de 1920 e 19404
Municípios do atual centro-oeste mineiro existentes entre os censos demográficos de 1920 e 19404

Para apresentar um panorama da população da região na década de 1930 foram trabalhados os dados demográficos presentes nos anuários reunidos na sessão Estatísticas do século XX do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O gráfico abaixo apresenta os municípios por número de habitantes:

Municípios do Centro-Oeste mineiro por número de habitantes (estimativa de 1937)
Gráfico 1
Municípios do Centro-Oeste mineiro por número de habitantes (estimativa de 1937)
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor. Fonte: População absoluta do Brasil 1937 (IBGE, 2022).

De modo geral percebe-se que os municípios mais populosos eram os de fundação mais antiga, caso de Pitangui (1855), Formiga (1858), Itapecerica (1862), Oliveira (1861) e Pará de Minas (1877). Núcleos apontados pela historiografia como mais dinâmicos na década de 1930, caso de Divinópolis, não figuravam entre os mais populosos. Outros dados são necessários para melhor caracterização dessa população, por esta razão observamos a divisão por área de residência (urbana, suburbana ou rural) no censo demográfico de 1940:

População por área urbana ou suburbana ou rural nos municípios do Centro-Oeste mineiro (1940)
Gráfico 2
População por área urbana ou suburbana ou rural nos municípios do Centro-Oeste mineiro (1940)
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor. Fonte: Recenseamento geral do Brasil - 1940 (IBGE, 1950).

Somando a população em zonas urbanas e suburbanas, Divinópolis figura como o município com menor população na área rural conforme o censo de 1940. Ainda assim, o quadro regional é de amplo predomínio da vida rural, destacando-se os maiores núcleos urbanos/suburbanos em Piumhi, Divinópolis, Lagoa da Prata, Carmo da Mata, Oliveira, Campo Belo e Pará de Minas. No gráfico abaixo, um dado importante se considerarmos que a legislação eleitoral permitia o alistamento eleitoral somente aos que soubessem ler e escrever:

População que sabia ler e escrever no centro-oeste mineiro segundo o censo demográfico de 1940
Gráfico 3
População que sabia ler e escrever no centro-oeste mineiro segundo o censo demográfico de 1940
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor. Fonte: Recenseamento geral do Brasil - 1940 (IBGE, 1950).

Nota-se que em certa medida os municípios com maior número de pessoas que sabiam ler e escrever coincidem com os de maior população em zonas urbanas, embora haja exceções. Como ressalta Otávio Dulci (2009, p. 17), cidades como Divinópolis e Itaúna passaram, a partir do início do século XX, por processos de modernização urbano-industrial, tornando-se centros industriais importantes nas áreas têxtil e siderúrgica. No caso de Divinópolis, Batistina Corgozinho (2003, p. 118-119) destacou elementos que nas primeiras décadas do século XIX modificaram o cenário local marcado pelas relações sociais, econômicas e políticas tradicionais, entre os quais o crescimento da oferta de educação escolar como “evidência do surgimento de uma nova mentalidade”.

As eleições no centro-oeste mineiro

O jornal A Defesa circulava na cidade de Oliveira na primeira metade da década de 1930, tendo como diretor José Lobato e fundadores João Lobato e José Campos. Por meio das notícias e dos anúncios encontrados em suas páginas, sabe-se que José Campos fora conselheiro municipal e João Lobato atuava como advogado. Às vésperas das eleições para a constituinte de 1933, A Defesa publica diversos anúncios e chamadas de mobilização relativas ao alistamento eleitoral.

Chamada para alistamento eleitoral no jornal A Defesa (1933)
Imagem 2
Chamada para alistamento eleitoral no jornal A Defesa (1933)
Fonte: A Defesa, Oliveira, 08/10/1933, p. 2 [Hemeroteca Digital BN].

Como ressalta Otávio Dulci (2009), o ideário da “mineiridade” constituiu uma caracterização do ser mineiro e da coletividade mineira. Segundo o autor, esse regionalismo como ideologia serve a três objetivos:

a) unificação das elites (políticas, burocráticas, econômicas e intelectuais), que é sua função principal; b) disseminação junto ao povo de tradições e valores regionais (com impacto variável a cada momento); c) recurso para competição no cenário nacional, onde outras elites regionais também atuam com seus regionalismos (DULCI, 2009, p. 16).

Na chamada de mobilização para alistamento eleitoral publicada no jornal A Defesa (imagem 2), percebe-se essa exaltação regionalista do povo, das tradições políticas mineiras e da “ascensão gloriosa” de Minas Gerais ao longo da história. O pequeno anúncio buscava associar o alistamento a alguns elementos valorizados nessa retórica: pioneirismo, coragem, decisão, prosperidade. Não se tratava, porém, de qualquer alistamento, e sim aquele vinculado ao Partido Progressista.

Em janeiro de 1933, o presidente do estado de Minas Gerais, Olegário Maciel, juntamente a lideranças históricas do antigo Partido Republicano Mineiro (PRM) como Antônio Carlos e Venceslau Brás, fundou o Partido Progressista (PP), visando ao fortalecimento do novo situacionismo instituído pela Revolução de 1930 e pelo governo provisório de Getúlio Vargas. Com isso, o PRM “se tornou definitivamente um partido de oposição, bastante enfraquecido em virtude do exílio de suas principais lideranças” (BRANDI, s/d). Em Oliveira, as eleições complementares de outubro de 1933 mobilizaram o alistamento eleitoral por via do Partido Progressista, como se pode perceber em várias edições do jornal A Defesa. Na edição de 15 de outubro, segue a busca por associação do alistamento no PP à identidade mineira e a um gesto cívico: “Oliveirenses! Minas Gerais espera que cada um de vós cumpra o seu dever cívico, patriótico, bem mineiro, bem brasileiro, bem oliveirense! Alistae-vos no PARTIDO PROGRESSISTA” [grafia e grifos do original].5

Na edição de 22 de outubro de 1933, artigo de Ernesto Santiago, “especial para A Defesa”, intitulado “Partidos Políticos na Segunda República”, apresenta uma percepção sobre o novo cenário político e partidário, em narrativa de apoio ao situacionismo representado pelo Partido Progressista de Olegário Maciel em Minas Gerais. Sobre o período anterior a 1930, salienta: “Não podia haver partidos porque não havia eleições sérias e legais. A burla eleitoral, a ata falsa, a guilhotina no reconhecimento dos poderes eram fonte poluída da representação eleitoral”. E sobre as eleições de 1933, conclui: “Com o voto secreto, foram a conquista primacial da revolução [...] foram evidente consagração do 3 de outubro” [de 1930].6

Em tom diferente, o jornal A Pena, editado em Divinópolis sob a direção de Pedro Xavier Gontijo, que era também o prefeito, apresenta relatório do administrador municipal encaminhado ao recém empossado interventor de Minas Gerais, Benedito Valadares, na edição de 25 de fevereiro de 1934. Embora mencione sua fidelidade ao Partido Progressista, Gontijo faz questão de se desvincular do partido enquanto prefeito, buscando, possivelmente, atribuir a derrota para o PRM a nível local a sua suposta neutralidade:

Várias são as opiniões políticas, mas duas são as predominantes no município: a do PP e do PRM. Nas últimas eleições, realizadas para a Constituinte, eu fui derrotado pelo PRM por quatrocentos e tantos votos. Em vésperas de prélios eleitorais, a política em Divinópolis é movimentada, violenta mesmo às vezes. Passado, porém, o momento da luta, a política é calma, serena, alta mesmo. Embora fiel ao PP procuro administrar fora dele, visando o progresso do município sem distinguir os amigos dos adversários [...]. E os meus adversários compreendem muito bem o meu gesto, pois não regateiam o seu prestígio à minha administração, o que muito me conforta”.7

No fundo da Secretaria do Interior no Arquivo Público Mineiro é possível encontrar mapas de comparecimento por zona e seção eleitoral no pleito seguinte, que elegeu de deputados federais e senadores em 1934. Selecionamos três zonas do Centro-Oeste mineiro:

Tabela 1
Comparecimento na 54ª zona eleitoral - Itaúna por seção (1934)
Comparecimento na 54ª zona eleitoral - Itaúna por seção (1934)
Tabela 2
Comparecimento na 74ª zona eleitoral - Oliveira por seção (1934)
Comparecimento na 74ª zona eleitoral - Oliveira por seção (1934)
Tabela 3
Comparecimento na 53ª zona eleitoral - Itapecerica por seção (1934)
Comparecimento na 53ª zona eleitoral - Itapecerica por seção (1934)

Os dados sobre o eleitorado indicam situações bem distintas entre municípios do Centro-Oeste mineiro. O eleitorado de Cláudio, conforme a tabela, correspondia a apenas 3,3% da população do município (ver gráfico 1 e tabela 4). Já Divinópolis possuía o maior eleitorado em proporção ao número de habitantes: 18,5%. Se pensarmos, como hipótese, na obrigatoriedade de saber ler e escrever para a inscrição eleitoral, os dados sobre Cláudio e Divinópolis são quase os mesmos: no primeiro caso, 37,1% sabiam ler e escrever, sendo 41,8% no segundo caso. O segundo município com maior proporção de eleitorado é Oliveira, com 12,5% da população alistada em 1934. Nele, segundo o censo de 1940, 44,1% da população sabia ler e escrever. Em Itaúna, porém, com porcentagem de população que sabia ler e escrever apenas um pouco abaixo, 37,3%, a proporção de eleitores é muito menor que em Oliveira: 7,5%.

Dado que também nos indica a necessidade de observar outros fatores para entender as lógicas da participação eleitoral é o do comparecimento. Nos cinco municípios, com distintos índices de população em zonas urbanas (gráfico 2) e distintos índices de população que sabia ler e escrever (tabela 4), o índice de comparecimento é muito parecido, entre 70 e 78%.

Tabela 4
Dados demográficos e eleitorais de Cláudio, Divinópolis, Itapecerica, Itaúna e Oliveira (1934)
Dados demográficos e eleitorais de Cláudio, Divinópolis, Itapecerica, Itaúna e Oliveira (1934)

Os telegramas enviados pelos interventores locais ao secretário de Interior, Gustavo Capanema, são evidência do papel das eleições na reafirmação das alianças políticas entre as lideranças locais e regionais e do papel dos interventores nesse trabalho de coordenação do alistamento. Após as eleições de maio de 1933, os telegramas recebidos por Capanema dão notícias sobre a vitória do Partido Progressista, incluindo o Centro-Oeste mineiro. De Christiano Teixeira de Carvalho, do diretório do PP de Bom Sucesso, em 4 de maio de 1933, telegrama informa o comparecimento de 1830 eleitores e “adesão ao PP com entusiasmo”. De Pará de Minas, em 3 de maio, o ainda prefeito Benedito Valadares noticiava que de 955, compareceram 815 eleitores. E acrescenta, com efeito: “Penso que teremos maioria”. Em tom diferente, Pedro Xavier Gontijo, prefeito de Divinópolis, informa o comparecimento de 86% do eleitorado alistado e classifica a eleição como “disputadíssima”, já indicando a derrota para o PRM como mencionado anteriormente na citação ao jornal A Pena.8

A afirmação dos resultados era apenas a última etapa de um processo de coordenação das práticas eleitorais por parte do situacionismo local e supervisionado pelo secretário de Interior. Nesse sentido, são os telegramas anteriores ao pleito, ainda na fase de alistamento, os mais interessantes. Em 17 de março de 1933, Christiano Teixeira, presidente do diretório municipal do PP, informava acerca do alistamento em Bom Sucesso, no Centro-Oeste mineiro: o partido havia apresentado ao cartório local 1691 requerimentos de correligionários solicitando a qualificação eleitoral - processo que era requisito para o alistamento, aprovado ou não pelo cartório eleitoral. “Continua intenso nosso trabalho na cidade e nos distritos”, concluía. Em 22 de março, complementava sobre o andamento: 299 inscritos e 1505 qualificações. Seis dias depois, encerrando-se o prazo para qualificação eleitoral, o telegrama dava conta das dificuldades do cartório eleitoral em julgar as inscrições: havia 826 requerimentos sem despacho, apesar de recebidos dentro do prazo. Por esta razão, pedia que fossem submetidas a despacho “evitando-se assim politicamente prejuízo nesse município onde reina grande entusiasmo”.9

Panfleto editado pelo diretório municipal do Partido Progressista em Bom Sucesso vem somar mais uma peça à montagem do entendimento acerca da coordenação partidária nas eleições de 1933. Iniciava manifestando:

Máximo interesse em que as urnas do nosso município apresentem um apreciável contingente de votos [...] para os 37 deputados com que o nosso glorioso Estado concorrerá para a formação da grande assembleia que terá de dar ao povo brasileiro a sua Constituição [...]. O Partido Progressista do Estado apresenta ao eleitorado mineiro nomes de cidadãos na altura de merecer a nossa confiança. Conforme recomendação desse mesmo partido, o voto preferencial do nosso município deve recair no distinto mineiro Dr. Gabriel de Resende Passos.10

Panfleto eleitoral do Partido Progressista em Bom Sucesso (1933)
Imagem 3
Panfleto eleitoral do Partido Progressista em Bom Sucesso (1933)
Fonte: Fundo SI Série 13 Caixa 25 PC 01 [APM].

O panfleto apresenta a listagem de candidatos do Partido Progressista, conclamando aos eleitores do município o voto no candidato preferencial indicado pelo partido, Gabriel Passos. Em suas memórias, Benedito Valadares menciona a forma como o partido buscava organizar a votação dos candidatos indicando os preferenciais de cada cidade:

O diretório do Partido Progressista reuniu-se em Juiz de Fora, sob a presidência de Antônio Carlos, e organizou a chapa de seus candidatos à Constituinte de 1934. [...] O presidente Antônio Carlos designou, como era de praxe, os municípios para os candidatos serem votados. Dando um balanço dos que me couberam, dentre os quais Viçosa, terra do presidente Arthur Bernardes [oposição], cheguei à conclusão de que só seria eleito se tivesse a quase totalidade da votação de Pará de Minas, minha terra natal (VALADARES, 2006, p. 61).

Conforme Jairo Nicolau (2002, p. 38), o sigilo do voto foi aperfeiçoado pelo Código Eleitoral de 1932 com duas medidas: a obrigatoriedade do uso do envelope oficial, no qual os eleitores deveriam inserir a cédula eleitoral, sendo uniforme, numerado e rubricado pelos membros da mesa, como forma de evitar uma prática comum de se utilizar envelopes de cores e tamanhos diferentes para controlar o voto dos eleitores. A segunda medida foi a introdução da cabine indevassável. O panfleto de Bom Sucesso também é interessante pelo que evidencia sobre as práticas eleitorais no dia do pleito:

Os eleitores receberão, ao penetrar na sala em que votam, uma senha numerada. Os eleitores votarão cada um por sua vez e de acordo com a ordem numérica das senhas. O eleitor, ao penetrar na sala, dirá o seu nome ao presidente da Mesa e apresentará o seu título, assinará as duas folhas de votação e receberá um envelope oficial, aberto, vazio e numerado. O eleitor entrará, então, no gabinete reservado, cuja porta deverá cerrar. O eleitor terá o prazo de um minuto para, nesse gabinete, colocar a sua cédula no envelope e fechá-lo. Saindo do gabinete, o eleitor mostra à Mesa que o envelope é o mesmo que recebeu e o lançará na urna. [...] Serão também nulas as cédulas que contiverem qualquer marca ou sinal; que não tiverem a forma retangular, que não forem de cor branca.11

O depósito do envelope com a cédula na urna era o último ato de um processo de construção de eleitorado que iniciava na qualificação eleitoral, meses antes. Se tudo saísse conforme planejado, a qualificação levaria à inscrição de eleitores e estes dariam seus votos ao partido. Os telegramas para o secretário de Interior dão conta da coordenação do alistamento eleitoral no Centro-Oeste mineiro. Chama a atenção comunicação de Jeremias Caetano, de Dores do Indaiá, em 22 de março de 1933: “Prazer comunicar atingimos 1050 eleitores inscritos até agora no município. Todos unanimemente prestigiarão nosso grande amigo Dr. Olegário e Partido Progressista”. De forma explícita, portanto, a vinculação entre o alistamento e a perspectiva de votos para o Partido Progressista, sem exceções segundo o prognóstico.

Já em Divinópolis, telegrama enviado por Pedro Xavier Gontijo em 24 de março indica ter havido notícia de alguma anormalidade no alistamento: em resposta a telegrama sobre “compressão eleitoral”, assegurava não haver “compressão no município, nem por parte dos amigos nem dos adversários, apenas questiúnculas próprias das contingências humanas”. Concluía afirmando que o trabalho eleitoral estava ocorrendo “em completa ordem”.12

O rastro dos telegramas segue evidenciando a importância dos interventores para a constituição de um eleitorado para o Partido Progressista. De Pedro Cardoso da Silva, prefeito de Luz, telegrama de 29 de março de 1933 informava a qualificação de 430 eleitores nos distritos de Esteios e Luz, e cerca de 300 no distrito de Córrego Danta. A informação mais importante vinha a seguir: “Serão inscritos aqui todos que pertencem ao Partido Progressista”. A vinculação ao partido da situação é mencionada, portanto, como requisito que garantia a inscrição eleitoral. Já em Oliveira, conforme telegrama de 30 de março, a notícia era de 3500 qualificações, sendo o seguinte cálculo político: 1400 seriam do PP, 300 vinculados à Liga Eleitoral Católica e o restante ao PRM. Em Pará de Minas a situação era diferente: em 1º de abril havia 575 petições e 330 inscritos, com a seguinte informação: “Até o presente único partido existente é o PP”. De Piumhi, três dias depois, o prefeito João Alberto Fonseca contabilizava 2173 qualificações requeridas, sendo eleitores pertencentes “a duas facções, porém ambas filiadas ao PP”.13

Contrastando com as evidências dos telegramas, o jornal Porta Voz, de Divinópolis, dirigido por José Mendes Mourão e tendo como redator-chefe Hildebrando Villaça Castro, fez uma retrospectiva do ano de 1933, com destaque para a questão eleitoral. O texto menciona a Revolução Constitucionalista de 1932 e as eleições: “A ditadura acolheu afinal a ideia e prometeu eleições nunca dantes vistas”. Sobre as práticas eleitorais, ressaltam as inovações: “Alistamento sob o controle da justiça. Resultados ótimos. [...] Eleições livres, cheias de surpresas”.14

Ao refletir sobre as eleições da década de 1930, Paolo Ricci (2020) classifica aquela experiência como “autoritarismo eleitoral”, um regime onde havia formalmente as instituições democráticas, as oposições competem por cargos, mas quem estava no governo abusava de sua posição para permanecer no poder. O Código Eleitoral de 1932 produziu efeitos notáveis, entre os quais um maior comparecimento eleitoral e chances reais de derrota do governo, além de institucionalizar o papel dos partidos políticos como agentes de mobilização dos eleitores (RICCI, 2020). Com destacado papel dos partidos e da ação dos interventores no recrutamento eleitoral, segundo o autor é provável que algumas vitórias da oposição nas eleições de 1933 e 1934 se expliquem pela incapacidade dos interventores na organização das eleições e no controle sobre os eleitores (RICCI, 2020).

A correspondência entre as lideranças locais do Partido Progressista no Centro-Oeste mineiro e a Secretaria de Interior não deixa dúvidas a respeito do uso da máquina do governo estadual e das interventorias no alistamento eleitoral. Em 1934 o cargo de secretário de Interior estava em mãos de Carlos Luz. No fundo sob a guarda do Arquivo Público Mineiro é possível encontrar correspondência de seu auxiliar de gabinete, sob as ordens do titular da pasta, à empresa Alfredo Santos e Cia, especializada em material fotográfico. No que concerne ao Centro-Oeste mineiro, em 2 de agosto de 1934 a solicitação é que se entregue aos prefeitos a seguinte quantidade de material fotográfico: 600 para Pitangui, 500 para Bom Despacho, 1000 para Oliveira e 800 para Luz.15 Em 4 de agosto de 1934 o pedido é o seguinte: entregar a Francisco Gonçalo Filho, prefeito de Bom Despacho, material fotográfico suficiente para 800 eleitores. Em 13 de agosto: entregar a Francisco Ribeiro material fotográfico para mil eleitores, sendo 500 para Bonfim e 500 para Itaúna.16 No mesmo dia o pedido é para o prefeito de Piumhi, a quem deveria ser fornecido material fotográfico para 300 eleitores.17

Correspondência do dia 16 de agosto de 1934 deixa mais claro do que se trata o material fotográfico:

16/08/1934 - Do Auxiliar de gabinete aos Srs Alfredo Santos e Cia. Remeter ao prefeito de Pitangui o seguinte material fotográfico:

3 dz de film pack 6x9

6 dz chapa 9x12

3 dz chapa film rolo 6x9

1 grosa papel 18x24

1 tripé para máquina stander

1 propulsor para máquina stander.18

Maria do Socorro Sousa Braga e Hannah Maruci Aflalo (2020, p. 179-180) salientaram o impacto da obrigatoriedade de o título de eleitor conter fotografia:

O pedido de inscrição deveria ser acompanhado de três fotografias do requerente e da prova da qualificação. Cabia ao tribunal ou ao cartório eleitoral a organização da ficha datiloscópica do alistando e a preparação de três vias do título eleitoral. [...] Como mostramos, o processo de alistamento era longo e complexo, além de possuir exigências que consistiam em entraves, tal qual a necessidade de três fotografias do alistando, o que na época significava um custo alto. Na prática, os partidos arcariam com esses custos. As organizações partidárias passavam a ser os principais “fabricadores” de eleitores ao não somente custearem documentos necessários para o alistamento como também imprimirem a cédula eleitoral.

A correspondência da Secretaria de Interior em Minas Gerais permite observar o impacto de um aspecto da materialidade das práticas eleitorais, no caso a necessidade de fotografias, na competição eleitoral: não apenas os partidos custearam e promoveram a qualificação eleitoral como houve uso da estrutura pública do Estado direcionando material fotográfico para os interventores locais indicados pelo Partido Progressista.

Considerações finais

Mais do que um ato legalmente previsto para a tomada de uma decisão política coletiva, uma eleição é um conjunto de práticas sociais relacionadas às disputas de poder em uma sociedade e aos vínculos sociais que as embasam. O alistamento, o registro das candidaturas, as disputas pelas adesões, as campanhas, os atos preparatórios das mesas receptoras, o ato de votar, a instalação das juntas apuradoras, são diversos os agentes e as práticas sociais, legais ou não, coercitivas ou não, com variados graus de violência, fraude, mobilização e competitividade, que se estabelecem para que o poder político assegure sua legitimidade por meio do sufrágio.

A pesquisa cujos resultados são apresentados no artigo busca contribuir com o desenvolvimento de uma história social das práticas eleitorais. Entendemos que estudo das práticas eleitorais contribui para a compreensão dos processos de constituição de agentes (eleitores, candidatos, apoiadores), de definição de espaços (partidos, clubes, associações, imprensa, praça pública, espaços privados), de instituição de costumes, conflitos e vínculos, bem como de relações sociais, de estabelecimento de modos de fazer, e da instituição de rotinas relativas à competição eleitoral e ao voto.

O caso em estudo, o Centro-Oeste mineiro nas eleições de 1933 e 1934, tem evidenciado uma parte significativa dessas práticas eleitorais. Suas fontes, a imprensa local, os dados demográficos, os dados eleitorais, panfletos, processos de alistamento, correspondência da Secretaria do Interior com as lideranças locais. Entre as práticas identificadas, a promoção do alistamento via imprensa, a qualificação eleitoral, o alistamento, o comparecimento, o ato de votar. Considerando os resultados alcançados, é importante salientar dois aspectos: primeiro, a centralidade do papel dos partidos políticos no processo de alistamento eleitoral, segundo, e intimamente relacionado ao primeiro, o abuso do poder dos interventores em favor do partido situacionista.

No caso estudado, percebe-se que as lideranças políticas locais e regionais buscam implementar os instrumentos legais do modo a beneficiar o grupo político da situação. O comparecimento do eleitor às urnas e os resultados de seu voto estão, certamente, afetados pelo cenário socioeconômico, pelas estruturas tradicionais, bem como pelos instrumentos de modificação institucional em novos marcos. Porém, não se pode negligenciar um conjunto de práticas, de ação de agentes específicos, que conforma modos de arregimentação e ao qual o ato de votar se vincula. Isso permite que cenários sociais similares de uma região e as mesmas regras institucionais gerem resultados distintos nas localidades.

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Notas

2 A pesquisa “Para uma história social das práticas eleitorais: as eleições no centro-oeste mineiro (1932-1950)” foi financiada pelo Programa Institucional de Apoio à Pesquisa (PAPq UEMG) em 2021 e pelo Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ UEMG) em 2022 e 2023. Contribuíram com a pesquisa os bolsistas Bruno Felipe Medeiro da Silva, Augusto Souza Tavares e Matheus Silva Milagre, discentes do curso de História da UEMG - Unidade Divinópolis. Trabalho especifico sobre as fontes relativas a Divinópolis havia sido publicado em ANGELI et al (2022) como resultado parcial da mesma pesquisa.
3 Pedidos de inscrição eleitoral de Itapecerica. SI Série 13 Caixa 30 PC 04 [APM].
4 Consideramos os municípios que hoje fazem parte da microrregião chamada de centro-oeste mineiro conforme o Governo do Estado de Minas Gerais (disponível em: https://www.mg.gov.br/conteudo /conheca-minas/geografia/regioes-de-planejamento ) e que foram emancipadas até 1950 conforme o IBGE (disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/). Os demais municípios da região foram emancipados após 1940.
5 A Defesa, Oliveira, 15/10/1933, p. 2 [Hemeroteca Digital BN].
6 A Defesa, Oliveira, 22/10/1933, capa [Hemeroteca Digital BN].
7 A Pena, Divinópolis, 25/02/1934, p.2 [Hemeroteca Digital BN].
8 Série 13 SI Caixa 23 PC 05 - Telegramas ao Secretário de Interior Gustavo Capanema. 1933 [APM].
9 SI 4243 - Encadernado - Cópia de telegramas ao Secretário de Interior. 1933 [APM].
10 Panfleto... Fundo SI Série 13 Caixa 25 PC 01 [APM].
11 Panfleto... Fundo SI Série 13 Caixa 25 PC 01 [APM]
12 SI 4243 - Encadernado - Cópia de telegramas ao Secretário de Interior. 1933 [APM].
13 SI 4243 - Encadernado - Cópia de telegramas ao Secretário de Interior. 1933 [APM].
14 Porta Voz, Divinópolis, 31/12/1933, capa [CEMUD UEMG].
15 Série 13 SI Caixa 32 PC 12 - Correspondência Secretário de Interior. 1934 [APM].
16 Série 13 SI Caixa 32 PC 07 - Correspondência Secretário de Interior. 1934 [APM].
17 Série 13 SI Caixa 32 PC 12 - Correspondência Secretário de Interior.1934 [APM].
18 Série 13 SI Caixa 32 PC 12 - Correspondência Secretário de Interior. 1934 [APM].
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