Apresentação
Políticas e gestão da educação: desafios e recorrências
Políticas e gestão da educação: desafios e recorrências
Laplage em Revista, vol. 1, núm. 1, pp. 4-8, 2015
Universidade Federal de São Carlos

Recepção: 10 Abril 2015
Aprovação: 30 Abril 2015
O primeiro número do volume 1 da Laplage em Revista, traz à luz alguns desafios que, embora tenham novos nomes, apresentam antecedentes que nasceram e se desenvolveram a partir da lógica do capital e que influenciaram as políticas e gestão da educação em todo o mundo. Em nível de rememoração didática, para apresentar o conjunto de trabalhos que compõem o presente fascículo, é muito relevante considerarmos uma breve passagem sobre o seu contexto a partir dos anos de 1980 e 1990 em diante.
Nos anos de 1980 e 1990 grandes discussões surgiram em nível mundial com a finalidade de criar ações pontuais e “eficazes” a fim de eliminar o problema do analfabetismo, das desigualdades sociais, destacando-se, dentre essas, o “Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe”. A década de 1980 foi um período marcado por uma queda nos investimentos em educação e ao final dessa década novamente se ouvia a voz da UNESCO dizendo que 1990 seria o ano da Alfabetização, da aproximação entre os países, visando atingir avanços significativos na melhoria e qualidade da educação mundial, inaugurando assim a década da educação.
Nesse mesmo período o Banco Mundial decide investir em diretrizes específicas para a educação básica de países periféricos e incidir sobre as políticas governamentais, culminando nesse mesmo ano em Jontiem na Tailândia a elaboração da Declaração Mundial da Educação para todos. Nesse quadro destacaram-se dois discursos: um “discurso Oficial” e “um discurso de denúncia”, onde o discurso oficial apontava como índices significativos à quantidade de escolas inauguradas, a quantidade de crianças matriculadas e a semelhança entre as escolas como fator de se formar uma padrão de escolas de boa qualidade; enquanto que o discurso da denúncia apresentava a má qualidade das construções das escolas, a realidade de classes superlotadas, dos períodos intermediários contraproducentes e dos professores cansados e mal pagos.
E mais medidas abruptas, atinentes a uma cartilha listada por referenciais ditados por instituições além-fronteiras não podem pretender resolver problemas tão abrangentes de um momento para o outro como que, por encanto, ou por investimentos em formação ou treinamento de professores, a doação de livros didáticos, a elaboração dos parâmetros Curriculares, a inserção de recuperação paralela e o estabelecimento de um modelo (antes seriado) para ciclos ou progressão continuada fossem resolver a problemática da educação nacional, a despeito de fatores socioeconômicos, que tanto influenciam a totalidade da realidade brasileira, no caso da educação básica e muito menos induzir medidas de justiça social, mediante programas de inclusão social, desprezando por conveniência as dimensões de universalização, democratização e humanização das oportunidades sociais via instituições escolares.
O mesmo se daria com outros eventos internacionais como o Encontro de Nova Delhi (1993) – filosofia de atenção integral à criança, encampamento da educação como responsabilidade de “todos”, a Reunião de Kingston como projeto de melhoria da educação mundial. Enfim, tais eventos em maior ou menor grau, financiados por organismos multilaterais difundiam o mesmo foco: elaboração de políticas educacionais, focalização assistencialista, erradicação da pobreza, acesso à “universalização” dos códigos da modernidade (leia-se poder de compra de tecnologias), racionalização dos gastos.
Vê-se que as políticas educacionais, a partir da reforma do Estado, seriam confundidas ou convenientemente orientadas com políticas sociais, como medidas corretivas para uma problemática gestada pelas “circunstâncias”, não identificadas como de responsabilidade do mesmo Estado. A cargo desta correlação entre investimentos em educação e políticas sociais, organismos multilaterais como o Banco Mundial, atrelam as correções de dívidas sociais históricas como um novo paradigma que favorecerá o desaparecimento dos bolsões de pobreza no mundo.
A lógica do novo arranjo do mercado capitalista internacionalizado, explica o porquê de o Banco Mundial destacar-se, principalmente na década de 1990, como agência promotora de investimentos em setores sociais, bem como na reorientação de diretrizes educacionais em todos os âmbitos, centradas no mesmo foco. Tal orientação centra seus esforços na oferta de uma categoria circunstanciada de “qualidade da educação”, marcada por ações paliativas, mas que apresenta o Estado como agente promotor de visibilidade do país, coerente com as demandas internacionais.
Enfatiza-se que a reestruturação produtiva orientada pelo novo arranjo da lógica capitalista globalizada e a reforma do Estado, iniciada na década de 1990 serão os delimitadores das políticas e propostas educacionais em atendimento aos requisitos da regulação do mercado, consequentemente, para a formação de uma tipologia de cidadão pertinente aos anseios da sociedade neoliberal. Incluso neste quadro estariam arranjos paliativos para correção de fluxo à universidade e a defesa da inclusão social como saída para a resolução de dívidas históricas. No caso brasileiro, esta dimensão solicita a compreensão da Educação superior no contexto o modo de produção capitalista e seus arranjos históricos de exclusão que, evidentemente, transitando entre o pré-capitalismo e o capitalismo com nova roupagem.
Com a assunção do governo do PT, em duas gestões (2003-2010) de Luís Inácio Lula da Silva e atualmente da Presidenta Dilma Rousseff, atualmente em sua segunda gestão (2011-2014/2015-2018), algumas políticas foram projetadas para grupos que até então não tinham espaços nas oportunizações sociais e educacionais, bem como o acesso às condições materiais através de auxílios e bolsas, entretanto, transitando entre a atenção a algumas demandas sociais e sendo fortemente pressionadas pelo contexto global, essas gestões podem ser entendidas pelo foco do neodesenvolvimentismo, cujas políticas continuaram a ter caráter ainda pontuado no atendimento às solicitações dos cidadãos, particularmente no âmbito educacional, inferindo na permanência das desigualdades sociais de forma ampla.
Sobre este aspecto a escola tem acompanhado o movimento histórico da reprodução das desigualdades sociais, e o que é pior, muitas vezes reproduzindo-as em seu próprio seio, por meio de uma educação formal distanciada da crítica da própria sociedade, da crítica da conscientização da ideologia em sentido restrito, da crítica da inculcação de determinismos, que embora não naturais e não legítimos, são assumidos como comuns e convenientes, norteando a vida escolar e controlando o seu desdobramento.
O controle da escola como aparelho ideológico, assim como o de qualquer outra instituição, centraliza na fragmentação da organização dos atores sociais a sua grande força, ora ratificando o ideário hegemônico a ser privilegiado, ora evidenciando a culpabilidade de grupos ou pessoas pelo andamento das condições desfavoráveis da infraestrutura de um país.
Todas essas constatações se materializam para mais ou para menos no interior da escola e certamente se caracterizam como objetos de discussão para se buscar caminhos que proporcionem mudanças substanciais que, certamente não virão sem o despertamento de consciências e pressões de vários segmentos sociais. O norteamento do presente Dossiê traz algumas dessas discussões como desafios e recorrências das políticas e gestão da educação e que passamos a explicitar a você, leitor.
O texto de abertura ao Dossiê, de autoria da Professora Isabel Baptista, da Universidade Católica do Porto, Portugal discute a necessidade de inscrição prioritária da educação no seio das políticas sociais de base territorial, tendo como referência empírica o projeto “Porto Solidário”, promovido na cidade do Porto sob o enquadramento da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa (FEP/UCP). As categorias de “território” e “comunidade”, são valorizadas em toda a sua densidade socioantropológica em uma visão pedagógica e prospetiva, sustenta-se assim que o princípio de cooperação ou princípio de “hospitalidade social” constitui uma virtude intrínseca às práticas comunitárias, enquanto dinâmicas de participação e de desenvolvimento locais protagonizadas por uma vasta rede de atores.
“Políticas Públicas de Educação Infantil e o Direito à educação” é o tema seguinte, escrito pelos professores Adriana Missae Momma-Bardela e Eric Ferdinando Kanai Passone, ambos da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. A proposta dos autores é desenvolver uma leitura crítica sobre o processo histórico da institucionalização das políticas públicas de educação infantil no Brasil. Afirmam os autores que, nesse longo caminho, a infância foi objeto de controle das ações do Estado e da sociedade, distante da atual noção de direito e de dever do Estado de assegurar direitos sociais às nossas crianças. A garantia cidadã do direito à educação infantil, como conquista histórica da mulher, dos movimentos sociais e da sociedade como um todo, retrata um avanço em termos institucionais, culturais e sociais. As recentes formulações jurídicas em torno da educação infantil podem ser compreendidas ora como movimento progressivo ora regressivo no que concerne ao direito à educação dos mais novos.
Douglas Christian Ferrari de Melo e Rogério Drago da Universidade Federal do Espírito Santo discutem a gestão democrática do cotidiano escolar a partir de alguns elementos considerados essenciais para o processo, dentre os quais destacam-se: a participação popular no contexto educacional, a formação de professores, a eleição direta para diretores escolares, a organização e funcionamento dos conselhos escolares, dentre outros aspectos que contribuem para a democratização do acesso à educação de modo equânime.
O quarto artigo de autoria de Silmara Aparecida Lopes e Jane Soares de Almeida, debate o “Estado brasileiro e políticas públicas voltadas para educação especial e educação inclusiva”. As autoras organizaram uma breve análise do desenvolvimento das políticas públicas voltadas para a educação especial e educação inclusiva e do papel do Estado nesse processo, no recorte temporal de 1988 até 2013 em três partes: a concepção de Estado no capitalismo; na segunda o Estado brasileiro a partir da década de 1990 e na terceira o desenvolvimento da educação especial e inclusiva através da análise de documentos e legislações. Observam autoras que as contrapartidas solicitadas pelos organismos multilaterais ao Estado Brasileiro têm sido contempladas quanto à inclusão de alunos com “necessidades educacionais especiais” nas salas regulares com a consequente relação custo-benefício; entretanto, é necessária a discussão em aprofundamento sobre a efetiva qualidade e devolutivas que tais arranjos provocaram.
O quinto artigo do Professor Edson Segamarchi dos Santos tem por objetivo analisar os principais traços que caracterizam a política de gestão de pessoal docente da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE/SP), a situação funcional de seus quadros docentes. O texto contempla as características que definem os princípios que fundamentam a burocracia moderna. A análise dos dados apresentados indica que a SEE/SP tem desenvolvido o projeto educacional de ensino na escola pública paulista, nas últimas décadas, sob a responsabilidade majoritária de professores contratados em caráter temporário de trabalho, considerado aqui como em um dos elementos responsáveis pela baixa qualidade da educação aferida nas avalições padronizadas.
O sexto artigo é de autoria de Ailton Bueno Scorsoline, o qual traz como temática de discussão o “Controle da qualidade da educação superior brasileira: modelos em transição”. Para o autor, a partir da década de 1990 a Educação Superior Brasileira vem experimentando uma série de impactos em sua estrutura, ocasionados por uma proposta de regulação do Estado sob a linha mestra da avaliação, como instrumento de controle da qualidade. O texto discute as transformações nos processos de regulação da Educação por parte do Estado Brasileiro desde a última década do século XX e a influência cada vez mais presente de tendências internacionais com vistas à convergência de critérios e parâmetros que levem à configuração de um “padrão de qualidade” transnacional: Acreditação da Educação Superior.
Abrindo a seção de Artigos em Demanda Contínua, Bianca Barrochelo Caiuby e Vânia Regina Boschetti são as autoras do sétimo artigo “Uma escola de tempo integral. O trabalho reflete o sentido da educação em tempo integral por meio de literatura especializada e da experiência concreta, por meio de estudo de caso, a partir da realidade de uma escola estadual da cidade de Sorocaba. Oscilando entre o passado e o presente a fim de costurar a pesquisa, o texto recorre a fundamentações e suas problematizações sobre a temática e, traz à tona indagações e análises do que houve, o que se tem e o que se pretende com essa proposta educativa.
O oitavo artigo, de autoria de Telma Elizabete de Moraes e Silvio César Moral Marques, discute “A escola como espaço da educação para a cidadania: análise da proposta de Norberto Bobbio. Os autores destacam que Norberto Bobbio vê no estado democrático o único meio capaz de colocar as pessoas em igualdade de condições e de garantir a existência e continuidade das liberdades fundamentais, refletindo sobre o contraste que existe entre os ideais democráticos e a “democracia real”. Daí a necessidade de concentrar a discussão entre o que foi prometido e o efetivamente praticado, ou seja, tentar um prognóstico sobre as “promessas” não cumpridas. Bobbio destaca que o termo democracia apresentar-se-ia sob dois aspectos: primeiro como “um conjunto de instituições ou técnicas de governo”, sendo essas o “sufrágio universal, regime parlamentar, reconhecimento dos direitos civis, princípios da maioria”; em segundo lugar, como “um certo ideal a ser perseguido”. Assim, a democracia define-se como técnica de governo e meio empregado para organizar a sociedade e, como ideal, propõe a busca por um fim desejado, i.e., a igualdade entre os homens, somente alcançada pela educação.
Finalizando a seção de Demanda Contínua, Paulo Gomes Lima discute a “Política educacional na perspectiva de Paulo Freire: desafios para os dias contemporâneos. Para o autor, a educação como ato político somente tem sentido quando ultrapassa a esfera do simples conhecimento da realidade e se projeto na busca por transformá-la ao mesmo tempo em que transforma os sujeitos e suas visões de mundo. Em nível de políticas públicas e de vivências nas unidades educacionais, a educação não pode e nem deve ser trabalhada e vivida por meio de manifestações individualizadas como promotoras do ideal igualitário e democrático na solidarização do capitalismo, ao contrário, se entendida como processo que promove a emancipação do sujeito deve ser planejada e desenvolvida num contexto da consciência coletiva, dos anseios sociais e políticos. O texto apresentado afirma que a política educacional em Paulo Freire tem um caráter problematizador, político e dialético, visto que propõe o rompimento da consciência ingênua e o despertamento para a consciência crítica por meio do chamamento dos atores sociais para elencar e delinear, não somente as necessidades, mas a possibilidade concreta de universalização da educação como direito de todos em sentido pleno, da democracia na sociedade como condição para a existência de uma escola democrática e da justiça social como manifestação efetiva no combate a qualquer tipo de perversidade que desqualifica e coisifica o homem como objeto manipulável do capital.
O Volume 1, número 1, inaugura a seção de Entrevistas, que traz a contribuição de Lucas Montenegro, numa entrevista aos professores Paulo Gomes Lima e Silvio César Moral Marques que, trouxe como principal foco a obra “Fundamentos da Educação: recortes e discussões volume II. O pensamento pedagógico historicamente acumulado para Montenegro é tratado de forma didática na obra, oferecendo aos leitores instrumentos para a compreensão da educação numa linha tempo bem estruturada. A entrevista provoca e anuncia caminhos para se pensar a educação na contemporaneidade.
A última seção do número 01 é composta da Resenha escrita por Meira Chaves Pereira, intitulada “Pontuações sobre política científica & tecnológica no Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2002) ”, a partir de obra lançada pela Editora da UFGD em 2014 de autoria de Paulo Gomes Lima. A autora da resenha destaca que a obra apresenta dados e contexto das políticas públicas que envolveram o investimento em ciência, tecnologia e inovação e os condicionantes econômicos, políticos e sociais no período, o que convida leitores de distintos pontos de vista a conhecerem e problematizarem a discussão em tela.
A inauguração desse periódico nasce com o desafio de difundir e problematizar pesquisas e reflexões na área educacional, compromisso esse assinado por toda a equipe que compõe a Comissão, Conselho Editorial Nacional e Internacional da Laplage em Revista e referendado pela radicalidade, rigorosidade e visão de conjunto no esforço de contribuir para construção dos saberes e fazeres científicos em movimento da/na universidade, em diálogo recorrente e solicitações da sociedade: nossa disposição.
Ligação alternative
http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/download/4/353 (pdf)
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[Artigo corrigido , vol. 1, 4-8] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/4/353