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Estudantes não-tradicionais no ensino superior: barreiras à aprendizagem e na inserção profissional
Non-traditional students in higher education: barriers to learning and professional insertion
Estudiantes no-tradicionales en la enseñanza superior: barreras en el aprendizaje y en la inserción profesional
Laplage em Revista, vol. 2, núm. 1, pp. 97-111, 2016
Universidade Federal de São Carlos

Dossiê Temático

Copyright © 2016 Laplage em Revista. Todos os direitos reservados.

Recepción: 30 Diciembre 2015

Aprobación: 30 Enero 2016

DOI: https://doi.org/10.24115/S2446-6220201621122p.97-111

Resumo: Este artigo resulta de dois projetos de investigação centrados sobre estudantes não-tradicionais no ensino superior. Os nossos objetivos foram compreender as barreiras à aprendizagem e ao sucesso académico, do ponto de vista dos vários atores sociais na academia; e compreender as barreiras que os mesmos estudantes tiveram na sua transição para o mundo do trabalho. Os resultados mostram que existem muitos fatores situacionais e institucionais que funcionam como obstáculos para estes estudantes. Mostram ainda que a idade é um fator determinante na contratação e que as características do mercado de trabalho, hoje, dificultam muito a inserção profissional dos graduados não-tradicionais.

Palavras-chave: Estudantes não-tradicionais Estudantes maduros. Barreiras. Ensino superior. Mercado de trabalho. .

Abstract: This article emerges from two research projects focused on non-traditional students in higher education. Our objectives aims to understand the barriers of learning and academic success, considering the perspectives of the several social actors in the academia; and to understand the barriers of the same students had in their transition to the work environment. The results show that a set of situational and institutional factors work as obstacles to these students. The results also show that age is a determinant factor regarding hiring and that the characteristics of the labour market today make hard the professional insertion of non-traditional undergraduates.

Keywords: Non-traditional students Mature students. Barriers. Higher education. Labour market. .

Resumen: Este artículo resulta de dos proyectos de investigación centrados en los estudiantes no-tradicionales de la enseñanza superior. Nuestros objetivos fueron comprender las barreras al aprendizaje y al éxito académico, desde el punto de vista de diversos atores sociales en el establecimiento; y comprender las barreras que los mismos estudiantes tuvieron en la transición hacia el mundo del trabajo. Los resultados muestran que existen muchos factores situacionales e institucionales que funcionan como obstáculos para estos estudiantes. Muestran también que la edad es un factor determinante en la contratación profesional y que las características del mercado de trabajo, hoy en día, dificultan mucho la inserción profesional de los graduados no-tradicionales.

Palabras clave: Estudiantes no-tradicionales Estudiantes maduros. Barreras. Enseñanza superior. Mercado de trabajo. .

Introdução

o ano académico de 2006 marcou, no ensino superior Português, o início da implementação do processo de Bolonha. Um conjunto de medidas então concretizadas teve uma grande projeção mediática – por exemplo, as mudanças na estrutura dos graus académicos, ou a reforma completa dos planos de curso do ensino superior. Mas o processo de Bolonha trouxe outras medidas, eventualmente menos conhecidas (como, por exemplo, a possibilidade de creditação da experiência profissional). Uma delas representou uma nova forma de acesso ao ensino superior, desenhada para aqueles que têm mais de 23 anos de idade, que se realiza em várias fases. Na primeira (50% da nota final), os candidatos têm que realizar um teste escrito eliminatório, com duas partes distintas: uma de cultura e língua Portuguesa (20%); e outra sobre uma das disciplinas considerada como base para o ingresso numa determinada licenciatura (80%)1. Na segunda fase (30% da nota final), faz-se uma avaliação do curriculum vitae do candidato, valorizando-se sobretudo a sua experiência profissional. E na terceira (20% da nota final), os candidatos são entrevistados individualmente.

Este concurso especial para maiores de 23 anos teve uma grande aceitação na sociedade portuguesa, permitindo que largos milhares de estudantes maduros chegassem, finalmente, ao ensino superior do qual estiveram afastados durantes tantas décadas. De forma que a população estudantil se terá tornado mais diversa, dando-se um passo muito importante para a democratização do ensino superior em Portugal, desde que, evidentemente, uma condição básica se possa cumprir (FRAGOSO et al, 2013a): que estes estudantes tenham as condições mínimas para ser bem-sucedidos. De outra forma, de pouco valerá melhorar o acesso ao Ensino Superior (ES).

Aproveitámos esta oportunidade para iniciar investigação sobre este tema. Entre 2010 e 2013, realizámos um primeiro estudo, focado nos estudantes que, entre os anos académicos de 2006/07 e 2009/10, tinham entrado no ES através do concurso especial para maiores de 23 anos2 . Conseguimos, ainda, num segundo projeto3, continuar os nossos esforços de investigação sobre estes estudantes adultos, desta vez alargando o estudo a outros grupos, também claramente não-tradicionais. Foi assim que, entre 2013 e 2015, focámos a nossa atenção sobre os estudantes com necessidades educativas especiais; sobre os que vieram de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa; sobre os que fizeram cursos de formação Pós-graduada, na universidade; e, finalmente, quisemos continuar diretamente o projeto anterior, estudando as transições dos maiores de 23 anos, para o mundo do trabalho. A nossa finalidade foi sempre a mesma: quisemos compreender a situação destes estudantes de forma holística, considerando a perspetiva dos vários atores sociais que podem influenciar a sua participação e o seu sucesso académico, numa tentativa de propor, às Reitorias das nossas Instituições de Ensino Superior (EIS), soluções para resolver os problemas encontrados.

Este artigo apresenta dados de investigação de ambos os projetos anteriormente mencionados. Em particular, queremos discutir as barreiras que se colocam à aprendizagem e sucesso académicos destes estudantes, aquando da sua passagem pelo ES; e, num segundo momento, queremos conhecer as barreiras que se colocam no seu caminho quando, depois de graduados, tentam a sua inserção no mundo do trabalho – ou tentam mudar o rumo das suas carreiras, posto que muitos destes estudantes já tinham um emprego à entrada da universidade.

Estudantes maduros no ensino superior: da universidade ao trabalho

Existem muitas formas diferentes de definir o conceito de estudante não-tradicional e nenhuma delas está isenta de ambiguidades. Basicamente, existem duas formas diferentes de tentar definir o conceito de estudante não-tradicional. A primeira é usar um conceito flexível e aberto, que possa adaptar-se às especificidades de cada contexto. Nesta direção poderíamos entender o estudante não-tradicional como aquele que pertence a um grupo minoritário no ensino superior (BAMBER, 2008), cuja participação se encontra dificultada por fatores estruturais (RHANLE, 2009). Isto incluiria, entre outros, e de forma geral, os estudantes mais velhos (maduros), aqueles que têm necessidades educativas especiais, as mulheres, os primeiros das suas famílias a vir para o ensino superior, estudantes de classe trabalhadora, pertencentes a minorias culturais, a populações migrantes, etc. Mas uma parte significativa da literatura no campo prefere atribuir características distintivas aos estudantes não-tradicionais, por oposição àqueles considerados tradicionais que, frequentemente, são jovens adultos de classe média, brancos, sem interrupções numa vida linear inteiramente dedicada aos estudos, com famílias de capital social e simbólico elevado, etc. Como se calcula, também a população estudantil tradicional, pese embora algumas características em comum, tem que ser identificada caso a caso, segundo o contexto.

No nosso caso, interessa-nos sobretudo o que a literatura especializada aponta como estudantes maduros, isto é, os estudantes mais velhos. Desta forma, algumas das características mais comummente apontadas aos estudantes adultos / maduros, por exemplo por Bowl (2001), são o maior sentido de responsabilidade com que enfrentam as suas tarefas e, evidentemente, a impossibilidade de se dedicarem a tempo inteiro à universidade e ao estudo, face às responsabilidades laborais e familiares, entre outras. Também Davies e Williams (2003) enfatizam os papéis múltiplos que os estudantes adultos desempenham, tais como a atividade profissionais e responsabilidades familiares, ao mesmo tempo que são estudantes. Zosky et al. (2004) afirmam que estes estudantes estão mais motivados do que os colegas mais jovens, em relação às tarefas académicas. Ora estas características básicas configuram, desde já, uma posição de desigualdade ou desvantagem dos estudantes maduros no ES. Os papéis múltiplos que são obrigados a assumir; o tempo diminuto que têm para estudar; pesquisar e para atividades de trabalho autónomo e atividades extracurriculares; representam sem dúvidas, uma fonte de cansaço e de conflito nas várias arenas sociais, tanto no seio da família, da academia, ou mesmo do trabalho (KIRBY et al, 2004).

As desigualdades que atingem estes estudantes maduros não acabam, no entanto, na sua participação no ES, mas antes se ampliam, ou se materializam, nas suas tentativas de integração no mercado de trabalho. Mas antes de mais, torna-se necessário pensarmos nos fatores estruturais que configuram o mercado de trabalho, hoje em dia. O macro cenário que todos os diplomados enfrentam hoje, em Portugal, é o do desemprego estrutural, facto que cria uma série de problemas secundários, todos fundamentais para a compreensão das dificuldades de inserção profissional. Por exemplo, deixou de existir a linearidade na transição do ES para o mundo do trabalho e os próprios diplomas universitários vão sofrendo uma desvalorização às mãos dos empregadores. A precariedade e a descontinuidade profissional tornam-se características centrais do mercado de trabalho. Como afirma Marques (2012), os processos de contratação profissional fogem às tendências conhecidas, assistindo-se a uma orientação para a criação de empregos atípicos, normalmente precários e inseguros. O emprego estável passou a ser substituído pelo trabalho temporário, a tempo parcial e limitado no tempo de contratação.

Um relatório recente sobre a empregabilidade e o ensino superior, em Portugal, mostra-nos as principais tendências relativamente a este tema (CARDOSO et al, 2012):

1. Embora a desvalorização dos diplomas universitários pareça ser um movimento importante, o desempego é menos do que a média nacional, entre os licenciados (as taxas de desemprego entre os licenciados do ensino superior público andam à volta dos 8% e entre os do privado, 9%, numa altura em que a taxa de desemprego em Portugal estava situada nos 13%).

2. Existe uma tendência para a continuidade entre ciclos de estudos superiores, tanto em termos da própria EIS em que se obtém os graus sucessivos (licenciatura, mestrado e doutoramento), tanto em termos de área científica. Os padrões de mobilidades, nestas variáveis, são baixos em Portugal.

3. Os empregadores Portugueses parecem preferir trajetórias lineares e contínuas, escolhendo prioritariamente as mais altas qualificações entre aqueles que tentam entrar para o mercado de trabalho pela primeira vez. Desta forma, aqueles que possuem vantagem competitiva pelo emprego são jovens diplomados com grau de doutor ou mestre, que não têm experiências intermédias de trabalho nos seus percursos. Desta forma, não só os empregadores penalizam diretamente os diplomados com maior idade, como todos aqueles que têm trajetórias de formação não-lineares. Claramente, os diplomados não-tradicionais são preteridos.

4. As atividades económicas do terceiro sector absorvem uma parte significativa do trabalho graduado, especialmente para pessoas que estão a entrar no mercado de trabalho pela primeira vez, com altas qualificações. As vantagens sectoriais vão, claramente, para os serviços de negócios, os vários campos das ciências da saúde, e o trabalho social.

5. As companhias maiores têm maiores probabilidades de contratar trabalhadores com altas qualificações, quando comparadas com pequenas e médias empresas.

6. Os empregadores reagem bem aos graduados que melhoram as suas qualificações quando estão, já, no posto de trabalho. Por exemplo, prova-se que os trabalhadores que sobem as suas qualificações depois de contratados, têm salários mais altos em relação à média do rendimento, para os mesmos períodos de tempo.

Existe pouca investigação realizada sobre a inserção profissional de diplomados não-tradicionais. De qualquer das formas, é possível encontrar alguns estudos que mostram as dificuldades acrescidas da sua transição para o mundo do trabalho. Estes graduados são, naturalmente, mais renitentes a mudanças que visam o ajustamento dos trabalhadores ao mundo do trabalho; e está também demonstrado que precisam de mais tempo para encontrarem emprego (PURCELL et al, 2007). Um estudo realizado na Dinamarca por Klausen (2014) mostra-nos que a idade – muitas vezes valorizada como experiência em discursos retóricos – representa uma barreira muito significativa. Não só a idade tem influência na condição salarial, como uma parte significativa das ofertas de emprego obriga à realização de um estágio profissional, deixando de fora muitos graduados maduros. Por outro lado, Purcell et al (2007) mostram que a experiência não garante o acesso ao emprego, nem pode ser visto como um critério de vantagem competitiva.

Metodologia

Em ambos os projetos usámos como inspiração a investigação qualitativa, com as características identificadas por autores como Denzin e Lincoln (1994), ou Taylor e Bogdan (1998). No projeto sobre os estudantes maiores de 23 (M23), começamos por construir um questionário, que foi distribuído entre os estudantes e entre os professores. O universo total dos estudantes maiores de 23 anos na Universidade do Algarve foi de 484. Foi feito o pré-teste do questionário, melhoramentos subsequentes e construção da versão definitiva em papel e on-line. Foram recolhidos 334 questionários (69% em relação ao universo); construímos uma base de dados em SPSS e realizámos a análise devida. Quanto aos docentes, após a elaboração do questionário foi realizado o pré-teste e feitas as mudanças necessárias. O questionário foi enviado por correio eletrónico. Foram recolhidos e analisados 140 questionários. Terminada esta fase, seguiu-se a condução de entrevistas semi-estruturadas segundo Ghiglione e Matalon (1992), o que implicou elaborar uma série de roteiros diferentes (estudantes; professores; diretores de curso; e diretores de escola / faculdade) que, depois de testados e modificados, foram aplicados da seguinte forma4: i) 36 estudantes, correspondentes a 10% do universo total dos estudantes maiores de 23 anos, escolhidos segundo a licenciatura, escalão etário, género, e levando em consideração o facto de terem / não terem filhos; ii) 12 diretores de curso, escolhidos segundo o plano de curso que dirigiam e selecionando aqueles ciclos de estudos que tinham maiores quantidades de estudantes maiores de 23 anos; iii) 13 docentes, escolhidos segundo o género, categoria profissional e unidade orgânica a que pertenciam, e iv) 7 diretores de unidade orgânica (4 escolas e 3 faculdades). No total foram entrevistadas 68 pessoas (dada a extensão dos roteiros, algumas pessoas foram entrevistadas mais do que uma vez). Foram realizadas as transcrições integrais de todas as entrevistas. A análise foi realizada utilizando o software de análise qualitativa N-VIVO.

Quanto ao segundo projeto que mencionámos, quisemos saber como as coortes iniciais de estudantes não-tradicionais realizaram a sua inserção no mercado de trabalho e, especificamente, quais as barreiras que encontraram nesta inserção, depois de graduados. Selecionámos, assim, 15 desses estudantes dos dois anos iniciais que já havíamos estudado no projeto anterior (2006/07 e 2007/08). Com estes construímos roteiros para entrevistas que se podem considerar como semi-estruturadas.

Resultados e discussão

Em primeiro lugar importa saber qual é o perfil típico destes estudantes maduros (GONÇALVES, 2011): Contrariamente ao que é a tendência global, estes estudantes são maioritariamente homens (60%), o que poderá eventualmente ser explicado pela maior oferta de curso noturnos em áreas como Engenharias ou Gestão. Quanto à estrutura de idades, a maior parte destes estudantes (46%) tinha idades compreendidas entre os 24 e os 34 anos de idade. Mas as percentagens de estudantes mais velhos eram significativas: 34% tinha uma idade compreendida entre os 35-44 anos; 19% entre 45-57; e até 1% entre 58-69.

Cerca de 46% dos progenitores dos estudantes tinham apenas educação primária, menos de 8% completaram o ensino secundário e uma percentagem muito semelhante tinha formação universitária. Uma grande percentagem dos cônjuges apresentava formação universitária (44,6% tinha formação universitária e cerca de 22% concluíram o ensino secundário), revelando, dessa forma, uma tendência para o aumento das qualificações académicas nas gerações mais novas.

O nível económico destas famílias (cerca de metade tem, pelo menos um filho) era muito baixo (20% auferia entre 1500 e 2000€ de rendimento familiar e 55% das famílias tinham rendimentos inferiores a 1000€ mensais). As habilitações de acesso ao ES eram diversificadas: apenas 46% apresentava o ensino secundário completo5; muitos tinham o ensino secundário incompleto (39%) ou até apenas com a escolaridade básica (15%). A grande maioria inscreveu-se no ES após um longo período de abandono da educação formal.

Com efeito, cerca de 26% tinha abandonado a educação já há 6-11 anos, enquanto 52% referia não estudar há mais de 11 anos. Registámos casos de estudantes que voltaram a estudar depois de passados 20, 25 ou até 30 anos. Uma larga maioria de estudantes tinha um emprego a tempo inteiro (76%), enquanto 2% já entrou na universidade em situação de desemprego. Apenas 29% dos estudantes trabalhadores se inscreveram na universidade a “tempo parcial” e a grande maioria (68%) fazia uso do estatuto de “trabalhador-estudante”.

Cientes de que os obstáculos à aprendizagem e participação que se levantariam a estes estudantes teriam causas múltiplas, começamos por analisar alguns resultados do nosso questionário, que se encontram resumidos na tabela seguinte:

Tabela 1
Obstáculos/dificuldades sentidas durante o processo de ensino-aprendizagem

Fonte:Almeida et. al. (2015) Dados da pesquisa

Os estudantes identificaram como principal obstáculo, a dificuldade entre conciliarem a sua atividade profissional e os seus estudos (55,7%). A entrada no ensino superior representa, deste modo, uma importante etapa na vida dos nossos inquiridos, obrigando-os a uma “ginástica” e gestão diária do seu tempo destinado à família, ao trabalho e, mais recentemente, ao seu novo estatuto de trabalhadores-estudantes. A par da incompatibilidade dos horários/motivos profissionais, foram identificados outros dois grandes obstáculos: a falta de condições de apoio específico para os estudantes (31,6%) e a dificuldade em compreender determinados dos conteúdos programáticos (30,3%) (SANTOS et al., 2013). Os estudantes M23 sentem, assim, a falta de apoio por parte da instituição de ensino de acolhimento. A falta de informação e ausência de estruturas de apoio específicas dirigidas a este grupo de estudantes é uma situação real e objetiva. A dificuldade em compreender determinados conteúdos programáticos poderá estar relacionado com outras variáveis e o assunto será retomada mais adiante. Embora menos importantes que os mencionados anteriormente, existem outros motivos que podem constituir obstáculos ao sucesso, nomeadamente: a) O curso que escolheram não corresponde às expectativas (20,5%); b) Motivos financeiros: 21,7% aponta que as finanças são um fator de constrangimento; c) A falta de motivação que, no entanto, parece ser o fator menos importante de todos (11,1%).

As entrevistas permitiram-nos aprofundar o nosso conhecimento sobre este tema. Em primeiro lugar, as barreiras que se colocam aos estudantes M23 advêm da muito difícil conciliação entre a vida familiar, trabalho pago e vida académica (QUINTAS et al., 2011; GONÇALVES et al., 2011). Esta “tripla” exigência obriga a um enorme esforço, dedicação, empenho e compromisso, para que consigam terminar a licenciatura dentro do tempo previsto. O apoio social parece crucial. Os entrevistados sublinham o papel ativo do cônjuge nos deveres e organização da vida familiar (ex. cuidar e dar assistência aos filhos, ir às compras e elaborar refeições, etc.), e destacam, como fator positivo, o background experiencial, fruto das diversas aprendizagens e cargos profissionais desempenhados ao longo da vida. Estes resultados são apoiados por outras investigações similares. Burton et al. (2011) salientam o facto dos estudantes maduros terem que assumir múltiplos papéis, facto também assinalado por nós em Quintas et al. (2014), com as consequências respetivas; e McGivney (1990) aponta como as principais barreiras que se colocavam a estes estudantes, constrangimentos familiares e fatores relacionados com o trabalho, para além de fatores institucionais.

É preciso sublinhar que as dificuldades de gestão do tempo entre o trabalho, a família e a universidade, têm consequências negativas assinaláveis. Devido à falta de tempo, os estudantes maduros têm que escolher quais as atividades prioritárias – e quase sempre escolhem a sala de aula, limitando a sua participação a esse único contexto académico. A participação num conjunto alargado de atividades que a academia lhes oferece e que poderiam contribuir para o enriquecimento da sua formação – atividades culturais e desportivas, eventos como palestras ou seminários – é geralmente impossível para estes estudantes. Para além do sacrifício, empenho e compromisso em conciliar e harmonizar estas três esferas da vida – trabalho, família e estudos universitários – detetámos com muita frequência, nestes estudantes, o desgaste físico e psicológico; o cansaço constante e acumulado; a redução dos tempos de convívio e sociabilidade e a consequente quebra das relações anteriores. Parece haver, também e sobretudo entre as mulheres, um mecanismo de culpabilização pela falta de assistência à família, facto tanto mais evidente quando os filhos, de alguma forma, parecem afetados, quer na sua vida pessoal, quer na sua vida escolar. Finalmente, embora não queiramos aqui centrar a nossa atenção sobre as transições [ver FRAGOSO et al (2013b)], cabe, no entanto, mencionar que o ano mais difícil para os estudantes M23 é, sem dúvida, o primeiro ano na universidade.

Até aqui olhámos para as barreiras à aprendizagem do ponto de vista dos estudantes. Mas o que dizem os restantes atores sociais, na academia? Começando pelos docentes, veem as barreiras que se colocam à aprendizagem dos estudantes M23 numa perspetiva contextualmente situada, apenas na sala de aula, o que nos parece relativamente natural. Identificam as seguintes barreiras à aprendizagem, em relação aos estudantes M23: a) Dificuldades em acompanhar a matéria, muitas vezes associadas ao facto de serem temas e tópicos que requerem alguns conhecimentos prévios que não advém, necessariamente, da experiência de vida laboral (por exemplo, na área das ciências exatas, Físicas, Químicas e Naturais; Tecnológicas). A expressão “falta de preparação académica” é bastante utilizada. b) Pouca assiduidade às aulas; dificuldade em conjugar trabalhos de grupo com outras obrigações (há uma certa apologia do trabalho individual e das suas virtudes); c) Inexistência de hábitos de estudo (como estudar, o que estudar, em que se focar); d) Pouco tempo dedicado ao trabalho autónomo em cada uma das disciplinas. Em síntese, os docentes identificam, quase exclusivamente, fatores institucionais mas que, de alguma forma, podem ser considerados como consequências de outros problemas estruturais, que caracterizam a situação-base dos estudantes maduros. Os docentes são conscientes dos limites e dificuldades que os estudantes M23 apresentam em alguns cursos e conteúdos específicos, procurando (na sua maioria) utilizar métodos de avaliação alternativos ao que usualmente fariam. Por exemplo, recorrendo a uma avaliação contínua, tornando-a mais flexível.

Os diretores de curso (gestão académica de proximidade) identificam as barreiras à participação e à aprendizagem dos estudantes M23, associadas a dois conjuntos de fatores: fatores institucionais e obstáculos estruturais. Quanto aos fatores institucionais, os diretores de curso são da opinião que os estudantes M23 passaram demasiado tempo fora do sistema formal de ensino, tendo perdido, nesses anos, os hábitos-base do trabalho académico. Por outro lado, trazem para o ensino superior uma série de lacunas específicas nos seus conhecimentos de base, especialmente na área das Línguas (fraco domínio do inglês e do francês), Matemática e Estatísticas. Esta falta de conhecimentos prévios constitui uma barreira ao sucesso em disciplinas bem determinadas mas, no caso das línguas, também limitam o acesso dos estudantes a literatura especializada, tornando-se numa questão bem mais transversal. Desta forma, parece ser quase consensual a afirmação de que os estudantes M23 têm um menor sucesso académico absoluto; no entanto, os diretores de curso estão sempre a realçar os casos de sucesso existentes entre estes estudantes, numa perspetiva claramente otimista.

Quanto aos fatores estruturais, os diretores de curso realçam as enormes dificuldades de gestão do tempo dos estudantes mais velhos, que têm que se repartir por três contextos diferentes – tal como já dito anteriormente. A grande maioria das referências codificadas no discurso dos diretores de curso anda à volta deste tema. Como consequências desta barreira, os diretores de curso apontam que os estudantes têm dificuldades na sua assiduidade ao longo do semestre e, ainda, que se nota perfeitamente um grande desgaste físico e mental por parte dos estudantes maduros.

Finalmente, os diretores de unidade orgânica (escola ou faculdade) e de departamento, que realizam uma gestão mais executiva, identificam, também eles, fatores institucionais e estruturais como barreiras às aprendizagens destes estudantes: embora existam muitas referências à menor preparação anterior dos estudantes – já que muitos deles não fizeram o circuito completo do ensino secundário tradicional – os diretores são de opinião que os estudantes M23 têm capacidade para ultrapassar os obstáculos naturais de uma menor “ginástica mental”, nesta transição para o ensino superior. Trata-se de uma visão, portanto, claramente otimista, que também se estende às questões relacionadas com o sucesso, quando alguns diretores preferem salientar casos específicos que conhecem de sucesso, como que para ilustrar o discurso global positivo. No seu discurso, é também realçada a incompatibilidade de horários entre a vida profissional e académica, sobretudo nos planos de estudos que exigem uma maior carga presencial, como é o caso de unidades curriculares com uma forte componente prática ou de laboratório.

Fazendo uma síntese crítica, é importante notar, em primeiro lugar, que muitas das barreiras aqui descritas são identificadas de forma quase unânime por todos os grupos de atores sociais inquiridos, revelando uma coerência significativa. No entanto, são os estudantes quem, de longe, identificam um maior número de constrangimentos. Os docentes são aqueles que identificam obstáculos num horizonte mais reduzido. Isto é, cingiram-se às barreiras institucionais, referindo-se quase exclusivamente ao que observam a partir do contexto específico das suas aulas; e refletem sobre os constrangimentos que os estudantes têm enquanto alunos ou aprendentes, a maioria das vezes no contexto, ainda, de um modelo de deficit.

A maioria dos investigadores que se têm debruçado sobre este tema não constrói tipologias para analisar estas barreiras. Cross (1981), no entanto, indica a seguinte classificação para os fatores que condicionam o sucesso académico dos estudantes: i) situacionais, onde se incluem aspetos como, por exemplo, o preço dos livros, os infantários dos filhos, as responsabilidades familiares, responsabilidades profissionais, falta de transporte, falta de locais de estudo, entre outras; ii) institucionais, respeitantes, como o próprio nome indica, à instituição, e devido à incompatibilidade dos horários com os timings dos adultos, ou à falta de utilidade de alguns cursos; iii) disposicionais, que se traduzem, por exemplo, no medo que as pessoas têm de serem demasiados velhos para começarem a estudar, nos baixos níveis educacionais, no cansaço da escola. A tipologia de Cross pode ser usada para discutir os nossos resultados mais em profundidade.

Não nos restam dúvidas de que as barreiras mais importantes à participação e à aprendizagem dos nossos estudantes, são representadas por fatores situacionais, seguidas das institucionais. As barreiras disposicionais, no nosso caso, são muito menos relevantes. A importância das barreiras situacionais é grande, devido a dois pontos principais: primeiro, a maioria delas estão para lá das possibilidades de atuação das instituições de ensino superior; e segundo, trata-se da força impositiva da estrutura sobre a vida subjetiva das pessoas. Esta questão traz a debate um velho dilema da Sociologia ou, se quisermos, das Ciências Sociais, o da tensão entre a estrutura e a agência6 ou, dito de outra forma, entre a força terrível que a estrutura exerce sobre as nossas vidas e a nossa capacidade intersubjetiva de ultrapassar esses constrangimentos.

A este propósito caberia convocar conceitos da investigação biográfica, muito em especial o conceito original de “biograficidade”, criado por Peter Alheit em 1992, na sua forma mais simples, significa precisamente que podemos redesenhar os contornos da vida nos contextos específicos que ocupamos, e que na ligação incontornável entre aprendizagem e biografia, experienciamos estes contextos como moldáveis. Ainda que dentro dos limites impostos pela estrutura, todos temos a potencialidade de decifrar os significados das mais-valias do nosso conhecimento biográfico; e isto, por sua vez, significa que somos capazes de entender as potencialidades das nossas vidas ainda não vividas (ALHEIT, 1995). Mas a aprendizagem biográfica (não há aprendizagem sem biografia nem biografia sem aprendizagem) deve ser entendida, não apenas como uma construção que assegura a organização reflexiva da experiência, mas descrevendo, ao mesmo tempo, a potencialidade de produção e transformação de estruturas sociais nos processos biográficos (ALHEIT & DAUSIEN, 2007). Mesmo as pessoas cujas biografias são complicadas e cujas vidas se encontram muito limitadas devido a problemas estruturais difíceis de resolver, têm a capacidade de descobrir (nem que seja em pequena medida) uma capacidade de autonomia relativa, que representa afinal uma certa margem de controlo sobre as suas próprias vidas.

O perfil típico dos nossos estudantes M23 é o de estudantes de classe trabalhadora, com grandes limitações ao nível de habilitações escolares, contexto familiar, constrangimentos educativos, económicos e financeiros, etc. Os dados que recolhemos nas entrevistas levaram-nos, além disso, a identificar mais um conjunto apreciável de barreiras situacionais (estruturais), que estão presentes nas suas vidas e que o ES apenas parcialmente poderá transformar, a médio ou longo prazo. Em suma, poder-se-ia esperar que estas barreiras fossem bastante determinantes, deixando pouco espaço para a emancipação dos estudantes em relação a essas mesmas estruturas. Em Fragoso et al. (2011) analisámos biografias de estudantes maduros, com algumas conclusões interessantes: em primeiro lugar, os estudantes não viam as suas transições biográficas para o ES como problemáticas, particularmente porque tinham já passado, ao longo das suas vidas, por transições tão difíceis, que a transição para o ensino superior se afigurava como mais relativamente suave. Segundo, por difíceis que fossem as suas biografias e por duros que fossem alguns fatores estruturais que afetavam as suas vidas, havia sempre espaço para que os estudantes sentissem um relativo grau de controlo sobre os acontecimentos em que estavam envolvidos – havia sempre uma margem para aspirar e conseguir alcançar algo melhor. Assim, as barreiras situacionais/ estruturais são determinantes, mas nunca “finais”; podem de facto impor limitações reais à aprendizagem dos estudantes, mas haverá sempre formas de tentar contrariar o seu impacto de fatores estruturais. Pela mesma lógica, a grande responsabilidade do ES em relação a estes estudantes estará, claro, em atuar sobre as barreiras institucionais, assumindo assim as suas responsabilidades para com os estudantes.

E que resultados obtivemos relativamente à inserção profissional dos graduados não-tradicionais? Quais os principais obstáculos que encontram nas suas transições para o mercado de trabalho? Desde logo, uma parte significativa das referências, nas entrevistas, dizem respeito ao estado atual do emprego/ desemprego, em termos estruturais, o que traz enormes dificuldades em termos profissionais: seja para entrar no mercado pela primeira vez, seja para mudar de carreira, seja em termos de progressão dentro da mesma carreira. As principais características do mercado de trabalho, vistas pelos nossos entrevistados, são as seguintes, de forma muito sintética: i) a existência de cada vez menos empregos; ii) desajustes entre a área de formação e de emprego, ou seja, algumas áreas estão totalmente saturadas, obrigando os trabalhadores a procurar emprego fora de Portugal (o que penaliza, claramente, todos os graduados maduros que já têm uma família); iii) salários cada vez mais baixos, a ponto de em determinados campos já não se distinguir o rendimento de trabalhadores técnicos, do de trabalhadores mais qualificados; iv) maiores exigências em termos da disponibilidade absoluta e dedicação em trabalho; v) precariedade crescente, em todas as suas dimensões; vi) sazonalidade: uma característica típica do emprego no Algarve, decorrente da dependência económica da região no setor do turismo; vi) intensificação da pressão para o aumento da produtividade, que acaba por corroer a capacidade de exercício profissional, mesmo que o emprego agrade e corresponda às expetativas.

Se alguns destes obstáculos afetam todos os que estão à procura de trabalho, note-se que outros afetam, muito mais, os graduados maduros. A procura de emprego, para estes, poderá revelar-se um caminho sinuoso. As respostas às ofertas de emprego obrigam, muitas vezes, à adoção de estratégias alternativas como: a personalização do curriculum vitae (CV); entrega em mão do CV aos empregadores; o registo em sites de emprego, empresas de recrutamento e redes sociais, e/ou até mesmo, na criação do próprio emprego. É difícil, para aqueles graduados que já têm um emprego e disponibilidade de tempo limitada, fazer um investimento desta dimensão para reorientar as suas carreiras.

Para além disto, a precariedade significa que os trabalhadores podem passar um período inicial das suas carreiras entre estágios curriculares, estágios profissionais, empregos de curta duração, etc. Se isto pode ser viável para um jovem adulto, a maioria das vezes não é possível para um adulto com uma família e contas para pagar ao fim do mês. De igual modo, os jovens podem estar prontos para seguir o trabalho, para se deslocar livremente, ou para mostrar uma disponibilidade quase absoluta – que, sem surpresas, é muito apreciada pelos empregadores. Mas para um trabalhador maduro, estas exigências podem não ser tão simples:

“Não, não, eu moro em Santa Bárbara tenho carro tenho carta desloco-me... Agora se me dissessem olha Anabela queres ir fazer o estágio para Lisboa? Obviamente que eu não podia ir, eu tenho dois filhos… apesar de eu querer muito, mas eles também precisam de mim, eu não posso pura e simplesmente renegar as minhas responsabilidades!” (Mulher, 45 anos)

A barreira mais saliente, no entanto, que nos parece ser mais significativa entre os diplomados maduros, tem a sua origem na idade e pode ser visível em variados contextos e situações. Os excertos do discurso direto dos nossos entrevistados ilustram bem esta afirmação:

“Eu já não sou tão nova… porque eu às vezes vejo ofertas de trabalho e já limitam a oferta até aos 30 anos e eu já não me enquadro nesse perfil; por isso eu acho que a idade é um fator eliminatório também. Infelizmente também é.” (Mulher, 32 anos)

“Em muitas delas a idade aparece como fator discriminatório. Por exemplo, o ramo bancário então! É quase como… só querem pessoas abaixo dos trinta anos. Até mesmo para estágio tive dificuldade. Aliás, ainda hoje estou para fazer o estágio profissional, que não fiz. (…) Porque é que há colegas conseguem fazer os estágios profissionais e porque é que o fator de ter mais de trinta anos já coloca esse obstáculo? É como se dissessem… “este já não interessa, vai para o lado”. (Homem, 41 anos)

“Acho que... a idade, há muita gente a bloquear as pessoas aos 35 anos, 35 anos, está-se velho para trabalhar, mesmo na minha área, de contabilidade...” (Mulher, 32 anos)

Os nossos dados, em suma, mostram que a idade, longe de funcionar como um repositório de experiência, significa um obstáculo difícil de ultrapassar. Estes dados, por outro lado, são concordantes com os dados nacionais anteriormente apresentados, na seção do enquadramento teórico. A análise das perceções dos nossos graduados maduros mostram, por fim, um aspeto fundamental que, embora possa não ser inerente à sua condição não-tradicional, revela-se como crítico em relação ao funcionamento atual do mercado de trabalho: parece ser nítido o aproveitamento pouco ético, por parte dos empregadores, da situação de fragilidade dos graduados, advinda do desemprego estrutural.

Por exemplo, as funções primordiais dos estágios, quer curriculares quer profissionais, parece estar a alterar-se rapidamente. Os estágios deveriam servir para a aprendizagem dos estudantes e graduados, em relação aos mais variados ambientes e regras do trabalho; ao mesmo tempo, deveriam ser utilizados pelos empregadores para captação de bons trabalhadores e, nesse sentido, ser oferecidos pelos empregadores apenas quando há perspetivas de contratação. Mas na perspetiva dos nossos graduados, os estágios são usados, fundamentalmente, como trabalho não remunerado. Os excertos que se seguem são ilustrativos:

“Porque normalmente as empresas as instituições que acolhem estes estagiários vivem de estagiários, portanto aquele estagiário chega ao fim sai e vem outro estagiário a custo zero e está a ali a trabalhar durante o ano este é uma linha de montagem”. (Mulher, 45 anos)

“Eles não pagam, ou seja, o estagiário entra às duas da tarde, sai às seis e meia, de segunda a sexta-feira, mas não recebe, não é remunerado. No entanto o estagiário é obrigado a estar coletado, ou seja, tem que ter recibos verdes, o que obriga a (…) pagar segurança social. Como eu não trabalho, como eles não me pagam, eu não sei como fazer para pagar esse dinheiro à segurança social, portanto é assim uma coisa que está tudo estrangulado, fica assim um bocadinho para o estranho. ” (Mulher, 45 anos)

“Acho que os empregadores estão a aproveitar-se das lacunas que existem nos vários programas, por exemplo quando pedem experiência profissional para um estágio profissional, quer dizer… ‘tás a matar… à partida as pessoas é que deveriam ganhar experiência através do estágio profissional (…) … e então… a minha visão é essa, há muito aproveitamento, agora, neste momento, com esta conjuntura toda da crise… (Homem, 29 anos)

“E aqui há muito essa mania, a gente chega a um café e o homem diz logo: - Olhe aqui não há feriados, o horário é das seis da manhã às oito da noite, não há Domingos, o ordenado é seiscentos euros. Se quer, quer, se não quer, andor! Há uns que querem porque seiscentos euros são melhor que nada, mesmo que acabe com a vida dele durante três meses de Verão, e outros não querem, mas depois não se arranja mais nada. ” (Homem, 38 anos)

Considerações finais

O conjunto de barreiras que os estudantes maduros encontram no ES é muito significativo. A situação revelou que os nossos receios, os mesmos que nos levaram a iniciar a investigação sobre os estudantes maiores de 23 anos, eram completamente justificados. As nossas universidades não se prepararam para lidar com a diversidade social que caracteriza, hoje, a nossa população estudantil. Tendo por base os resultados do nosso primeiro projeto, fizemos um conjunto de recomendações que julgávamos poder melhorar a vida académica dos nossos estudantes. Fizemos estas recomendações levando em consideração que a maioria das medidas que propúnhamos poderiam beneficiar, também, muitos outros estudantes, até mesmo os estudantes tradicionais. Não queríamos deixar de apontar, aqui, que medidas propusemos. No entanto, muitas delas foram elaborados tendo em mente dados que não foram apresentados neste texto. Mesmo assim e muito sinteticamente, as nossas propostas foram as seguintes (FRAGOSO et al, 2013a): 1) Melhoramentos na natureza e funcionamento do “ano zero”; 2) Criação do gabinete de apoio ao estudante; 3) Criação da figura do “tutor”; 4) Mentorado de pares; 5) Melhoramentos na dimensão da pedagogia universitária; 6) Flexibilização de serviços. Não temos espaço, no entanto, para desenvolver aqui o conteúdo das nossas propostas, nem tampouco para analisar o que já foi feito, na Universidade do Algarve, neste sentido.

Os poucos dados que apresentámos sobre as barreiras que os nossos graduados não-tradicionais encontraram na sua transição para o trabalho, não só são muito preocupantes, como levantam uma série de questões que nos parecem fundamentais. Em primeiro lugar, estes dados parecem exigir uma visão muito mais crítica sobre aquilo que são os conceitos dominantes sobre empregabilidade, que vão insistindo na responsabilização individual dos jovens, como se fosse da sua única e exclusiva responsabilidade tornarem-se “objetos” empregáveis, ou trabalhar continuamente, num estado de prontidão absoluta, apenas para manter o seu emprego. Segundo, há aspetos particulares do funcionamento do mercado de trabalho que é importante conhecer, e que reclamam, por isso, por mais e melhor investigação. Claramente, os processos de recrutamento estão nesta situação. Por exemplo, Ranhle (2009), chama a atenção que as novas tendências no recrutamento são pouco conhecidas, assistindo-se a uma orientação para a criação de empregos atípicos, normalmente precários e inseguros. Alves (2007) afirma que as estratégias de recrutamento valorizam sobretudo os perfis motivacionais e comportamentais dos diplomados, que demonstram a sua capacidade subjetiva de investimento no trabalho. Mas, no entanto, este é um fator que pode ser permeável a novas formas de exploração laboral.

Globalmente falando, este e outros aspetos de funcionamento do mundo do trabalho são fulcrais, até mesmo para o ES. Os investigadores mais críticos vão-se preocupando com o que se passa no ensino superior, tentando dar o seu contributo para a melhoria da situação dos estudantes e diplomados. Mas o mercado de trabalho, e muito em especial os empregadores, parecem não estar muito preocupados com o tema. Ainda que neste momento não tenhamos dados de investigação, dá-nos a sensação de que o funcionamento do mercado de trabalho está a produzir novas formas de desigualdade e novas formas de exploração dos diplomados. Uma frase de um dos nossos entrevistados pode ser ideal para encerrar este texto. Perguntava-lhe o entrevistador se se sentia preparado para trabalhar e a sua resposta foi interessante: “O mercado de trabalho é que não está preparado para nos receber! ”.

Agradecimentos

Agradecimentos: Este artigo é financiado por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia - no âmbito do projeto UID/SOC/04020/2013.

Referências

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Notas

1 Atualmente, algumas Universidades Portuguesas permitem a substituição desta prova escrita por um curso com uma estrutura de avaliação interna. Na Universidade do Algarve, estes cursos têm uma duração mínima de 60 horas e representam, para as pessoas, um primeiro contacto com a instituição.
2 Projeto “Estudantes Não-Tradicionais no Ensino Superior: procurar soluções para o (in) sucesso académico”, PTDC/CPE-CED/108739/2008, financiado pela Fundação para a Ciência e para a Tecnologia (FCT).
3 Projeto “Estudantes Não-tradicionais no Ensino Superior: Investigar para guiar a mudança institucional", financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Referência PTDC/IVC-PEC/4886/2012. Ambos os projetos foram coordenados pela Universidade do Algarve e tiveram como parceiro a Universidade de Aveiro.
4 Embora o projeto se tenha realizado em duas Universidades, neste artigo apresentaremos apenas os resultados da Universidade do Algarve.
5 Era e continua sendo possível aceder ao ES, através desta forma de acesso alternativo, sem a formação completa ao nível secundário. De realçar que realizámos um estudo, neste projeto, que mostrou não haver relação estatística entre a habilitação dos estudantes à entrada e o sucesso académico.
6 Agência, aqui, advém do sentido deduzível da palavra inglesa “Agency”.

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[Artículo corregido , vol1. 2, 97-11] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/122



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