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Cinema, educação e estado: a inserção da Lei 13.006/14 e a obrigatoriedade da exibição de filmes nas escolas
Cinema, education and state: the insertion of the Law 13.006/14 and its obligation to exhibit movies in schools
Cine, educación y Estado: La Ley 13.006/14 y la obligación de exibicion de películas en las escuelas
Cinema, educação e estado: a inserção da Lei 13.006/14 e a obrigatoriedade da exibição de filmes nas escolas
Laplage em Revista, vol. 2, núm. 1, pp. 138-145, 2016
Universidade Federal de São Carlos

Recepção: 30 Dezembro 2015
Aprovação: 30 Janeiro 2016
Resumo: O presente artigo discute a inserção da Lei 13006/2014 acerca da obrigatoriedade da exibição de filmes em escolas brasileiras. Ampliando o debate sobre cinema, educação e estado a partir do século XX no Brasil, problematiza-se as distintas possibilidades da utilização do cinema como recurso pedagógico. Conclui-se do presente texto que a Lei 13.006, embora não responda todas as solicitações da interação cinema, estado, escola pode, no entanto, ser o incentivo não apenas para a produção, mas, principalmente, para facilitar o acesso e a divulgação de uma infinidade de filmes brasileiros, curtas metragens e animações, objetos extremamente interessantes para os processos educacionais.
Palavras-chave: Estado Cinema. Educação..
Abstract: This article discusses the law 13006 of 2014 and their integration with respect to the obligation to show movies in Brazilian schools. In expansion of the debate about cinema, education and state in the twentieth century in Brazil, the possibilities of using film as a pedagogical tool is analyzed. This text concludes that the law 13006 , even though doesn’t respond to all interactive requests among cinema, state and school, it may, however, be an incentive not only to production, but mainly to facilitate access and disclosure endless Brazilian films, short films and animations, objects very interesting to the educational process.
Keywords: State Cinema. Education. .
Resumen: El presente discute la inserción de la ley 13006/14 acerca de la obligatoriedad de la exhibición de películas en las escuelas brasileñas. Ampliando el debate sobre cine, educación y estado a partir del siglo XX en Brasil, se analizan las distintas posibilidades de utilizar el cine como recurso pedagógico. De este texto, se concluye que la ley 13006, aunque no responda a todas las solicitudes de la interacción cine, estado, escuela; puede, sin embargo, ser el incentivo no sólo para la producción, sino, principalmente, para facilitar el acceso y la divulgación de un sinfín de películas brasileñas, cortometrajes y animaciones, objetos muy interesantes para el proceso educativo.
Palabras clave: Estado Cine. Educación. .
Introdução
Em 26 de junho de 2014, foi sancionada a Lei 13.006, que altera o artigo 26 da LDB, acrescentando o parágrafo 8º com uma redação que obriga todas as escolas a exibirem, por mês, o mínimo de 2 horas de filmes nacionais. Sem entrar em detalhes do longo processo de tramitação do projeto de Lei que lhe deu origem, esse texto propõe inserir essa proposta em duas tradições de debates: o cinema como meio educacional e o Estado brasileiro na produção audiovisual. A proposta do senador Cristovam Buarque, autor da referida lei, não está desconectada de um contexto mais amplo de debates e discussões. Nesse sentido, para pensar a historicidade da mesma é necessário refletir sobre sua inserção em um contexto mais amplo. Em uma entrevista à Gazeta do Povo, o senador sintetiza suas ideias:
O cinema ajuda a tornar a escola mais agradável para as crianças, que hoje têm o pensamento basicamente audiovisual. Além disso, ao passar filmes nacionais em todas as escolas vamos ajudar a promover uma área da cultura nacional, que é o cinema, formando frequentadores. (BUARQUE, 2010)
“Tornar a escola mais agradável” e “formar plateia”, eis dois de seus principais argumentos. As discussões sobre as potencialidades pedagógicas do cinema e suas características “motivadoras” surgem com a própria invenção dessa arte. E o Estado incentivando a indústria cinematográfica no Brasil também não é novidade.
Cinema na educação
O uso do audiovisual no ensino e o caráter educativo do cinema foi amplamente discutido por vários cineastas e teóricos da educação. Serguei Eisentein, por exemplo, importante cineasta russo do início do século XX, tinha pretensões político-educativas com seus filmes “Outubro” e “Encouraçado Potenkin”. Em outra vertente cinematográfica, o representante do clássico cinema norte americano, D.W. Griffith acreditava que os filmes poderiam educar por catarse e dizia que os filmes deveriam mostrar "...a face escura do pecado para fazer brilhar a face da virtude". E a grande influência dos filmes na propaganda nazista também indica o uso “educativo” do cinema.
Desde as primeiras décadas do século XX, pedagogos e educadores já reconheciam o enorme poder das imagens. No Brasil, esse interesse pelo cinema educativo foi manifesto nos livros, do início do século XX, de Jonathas Serrano e Francisco Venâncio Filho (1931) em “Cinema e Educação” e Joaquim Canuto Mendes de Almeida (1931), “Cinema contra cinema”. Muitos defendem o uso do audiovisual nas salas de aula pelas potencialidades pedagógicas da sua linguagem, dentre eles Elias Saliba (1993), Maria Aparecida Aquino (1996) e Marília Franco (1993, 1995, 1997). Esta última indica que existiu uma tentativa por parte dos educadores de se criar uma linguagem do cinema educativo. Essa linguagem audiovisual deveria se “moldar” aos objetivos dos educadores limpando-a de qualquer interferência indesejável, desta forma haveria um controle daquilo que poderia ou não ser mostrado nos filmes destinados ao ensino. E, em geral esses filmes tendiam a ser muito ‘técnicos’ transmitindo apenas os conteúdos formais da matéria, perdendo assim, muitas vezes, o apelo emocional da linguagem.
Para Roquete Pinto, diretor do Instituto Nacional de Cinema Educativo (1937), o que alguns chamavam de cinema educativo não passava de cinema de instrução, um cinema que contém informações diretas destinado à simples aquisição de conteúdos. Para ele, “...o verdadeiro [cinema] educativo é outro, o grande cinema de espetáculo, o cinema da vida integral. ” (FRANCO, 1995, p.17). Um dos motivos do cinema ser um meio muito rico no processo de formação é exatamente o fato de mexer com as emoções do espectador, e a emoção para a educação é um elemento importante. Jean Piaget ressalta, em seus estudos, a importância da "...motivação afetiva para as ações que conduzam à construção do conhecimento. ” (FRANCO, 1995, p.51). Assim, ao assistir a um filme, todos os sentidos estão abertos para que não se perca a compreensão da história representada, desta forma, a linguagem de ficção é perfeita para o ensino. “Cinema e prazer são quase inseparáveis, a perspectiva educacional pode encontrar incontáveis possibilidades unidas a essa dobradinha. ” (FRANCO, 1995, p.52). Marília Franco acredita na linguagem audiovisual como sedutora dos sentidos:
O binômio sentidos-emoção, acionado pelo contato com as imagens em movimento, torna-se o primeiro degrau para se chegar aos níveis racionais mais altos que podem proporcionar uma aprendizagem sólida dos conceitos e sua aplicação. (FRANCO, 1997, p.27).
Enquanto a educação se debate com linguagens apropriadas para o ensino "...os meios audiovisuais continuam sendo consumidos largamente pelas pessoas, proporcionando um derrame de informação que, mesmo sem tratamento pedagógico, transforma-se em formação."(FRANCO, 1997, p.34). Ela propõe que aqueles que rejeitam o audiovisual, comecem a entendê-lo melhor para que possam utilizá-los nas salas de aula. E desta maneira, se tornem “... autoridade para se fazer intérprete das linguagens audiovisuais. ”(FRANCO, 1997, p.30).
Hoje em dia, no entanto, o cinema é parte do cotidiano de muitas escolas, e de muitos alunos. De forma considerada “adequada” ou não pelos pesquisadores sobre o “como” exibir filmes nas escolas, a exibição de filmes nas escolas já é uma realidade. Nesse sentido, seria necessário a criação de uma lei que obriga essa exibição? Qual o sentido de uma lei que torna obrigatória uma prática já existente? Mas, a Lei 13.006 não propõe a exibição de qualquer filme. Obriga a exibição de filmes brasileiros. Essa especificidade faz com que essa lei vá além dos interesses educacionais e seja inserida em outro interesse, também muito antigo, de incentivar a indústria cinematográfica brasileira.
Estado e cinema no Brasil
Obrigar as escolas a exibirem filmes do cinema nacional para formação de público está mais relacionado com a indústria cinematográfica do que com a Educação. Nesse sentido, vamos traçar um panorama das relações entre o cinema brasileiro e o Estado para compreender a necessidade de uma lei que atue na formação de um público. A relação Estado e Cinema no Brasil marcou a discussão sobre um cinema nacional durante um longo período. A solicitação de intervenção Estatal na produção cinematográfica aparece junto com o próprio cinema brasileiro. Essa solicitação é maior, no caso do cinema, do que em outras artes, em virtude do seu alto custo de produção. Para Tunico Amâncio:
Do registro independente de paisagens e cerimônias dos primeiros anos do século até a inserção definitiva numa economia de mercado, complexa e sofisticada, o cinema brasileiro cumprirá o percurso que vai do espontaneísmo à busca de um sistema de interlocução com o Estado, com vistas ao reconhecimento oficial de sua atividade produtiva. (AMÂNCIO, 2000, p.17)
Jean Claude Bernardet situa dois pontos importantes que estão diretamente relacionados com a produção de filmes no Brasil: o filme estrangeiro e o Estado. O filme estrangeiro é um elemento forte, pois esteve muito presente no Brasil e ocupava um mercado que poderia ser do filme nacional. O Estado poderia criar leis que regulassem essa entrada e abrisse mais espaço para o filme brasileiro e também, numa outra concepção, ele seria o responsável por fornecer suporte para as produções culturais. Na década de 1930 já havia a “invasão” do filme estrangeiro. Segundo Anita Simis, o Estado era necessário para garantir a competição sem que houvesse monopólio desses filmes, já que:
[...] a produção cinematográfica brasileira pôde concorrer em igualdade de condições com a estrangeira enquanto esteve associada ao exibidor, já que este lhe garantia a distribuição e o capital oriundo da exibição [...] Quando o exibidor se associou com o distribuidor estrangeiro, o produtor nacional não conseguiu competir com o preço oferecido pelos filmes importados [...] (SIMIS, 1996, p.88)
Para Bernardet, diante da agressividade e competitividade das empresas estrangeiras, as nacionais estavam numa posição indefesa e “...só no Estado encontraram eles uma força, a única, que lhes permitisse enfrentar de alguma forma a presença avassaladora do cinema estrangeiro”.(BERNARDET, 1979, p.35). Inicialmente a atuação do Estado era basicamente como um legislador: criaram leis de reserva de mercado para o filme nacional, porém, nem sempre essas leis eram cumpridas pelos exibidores, que ‘preferiam’ os filmes estrangeiros. Em 1932, por pressões, Getúlio Vargas assinou o decreto de projeção compulsória. Bernardet faz um panorama dessa reserva de mercado para o cinema brasileiro:
Só que de 1932 para cá, modificou-se bastante. Em 1939, exigia-se a exibição de pelo menos um filme de ficção de longa metragem por ano em cada sala; em 1946: três filmes; em 1951, a proporção e o critério modificam-se: é um filme nacional para cada oito estrangeiros; em 1959, novas modificações: a reserva de mercado é de 42 dias por ano. Até hoje, prevalece o critério da quantidade de dias, que foi aumentado: 56 dias em 1963; em 1971, a reserva passa a 112 dias, a reação dos exibidores é tão violenta que o governo recua para 96; novas pressões, novo recuo: 84 dias a partir de 1972. Em 1977, a estrutura da reserva modifica-se novamente: devido ao sucesso, a longa permanência de filmes brasileiros em cartaz fez com que algumas salas cumprissem uma grande percentagem da reserva com um único título. (BERNARDET, 1979, p.36)
Ao mesmo tempo em que se buscava a proteção estatal, houve iniciativas para a consolidação de uma indústria autônoma. Uma das maneiras seria criar os grandes estúdios. Assim, as tentativas de criar uma indústria cinematográfica, entendida, na maior parte das vezes, a partir do modelo norte americano de grandes estúdios, foram inúmeras. Segundo Alex Viany, uma das primeiras seria de 1916. Em 1924, outra tentativa com a construção de um estúdio em São Paulo, a Visual Filmes. Na década de 1930, Adhemar Gonzaga tenta levar adiante o projeto da indústria cinematográfica através da Cinédia. Em 1935, há o estúdio de Carmem Santos, a Brasil Vita Filmes. E, talvez o empreendimento mais bem-sucedido, a Atlântida, foi criado em 1941. Posteriormente, há também a experiência da Vera Cruz. As experiências com estúdios, no entanto, não foram bem-sucedidas. Esse sistema de grandes capitais e superproduções não se adequava às condições materiais brasileiras. Ainda era necessário a proteção do Estado, no mínimo, com a reserva de mercado.
Porém, a reserva de mercado era uma medida paliativa. Na década de 1950, o Estado passa a atuar na produção e na de 1960 cria uma lei que obriga os distribuidores de filmes estrangeiros aplicarem na produção de filmes nacionais. Nesta época, a atuação do Poder Estatal é ainda mais desejada por uma parcela dos cineastas, também por questões ideológicas e culturais. Acreditava-se que o cinema tinha a missão de desalienação do povo brasileiro através de filmes que mostrassem a cultura brasileira. Essa atitude dos cineastas, principalmente do Cinema Novo, é semelhante àquela descrita por Angel Rama em “A Cidade Letrada”: o intelectual se acha capaz de conhecer essa cultura brasileira, desvendá-la e mostrá-la para aquilo que chamam “povo brasileiro”, genericamente. Para José Mário Ortiz Ramos, a
[...] forma de abordar o ‘popular’, através dos pares alienação/conscientização ou cultura popular alienada/cultura popular revolucionária, conduzia as obras [cinematográficas] a um desdobramento interior de dicotomias simplistas, perdendo-se a complexidade das relações de força que penetram tanto o domínio da cultura popular como o da cultura hegemônica (...) Do simplismo à sofisticação formal vivia-se a crença no poder dos cineastas, na possibilidade de o sertão virar mar e o mar virar sertão através da ação ‘desalienadora’ dos cineastas.(RAMOS, 1983, p.45)
Acoplada a uma ideia de que o cinema tinha uma função cultural, está a reivindicação de que o Estado apoie e assuma o desenvolvimento de uma indústria cinematográfica. “Cinema é problema de governo”, reivindicavam. E o Estado passa a criar uma série de órgãos apoiando esta indústria nascente. Na década de 1970, as relações entre o cinema brasileiro e o Estado começam a se estreitar. Este último passa a ter um interesse grande na criação de uma indústria cinematográfica. Após muitos anos de lutas em defesa do cinema brasileiro contra o cinema estrangeiro, principalmente o norte-americano, o Estado entra mais atuante na sua defesa e, curiosamente, durante a Ditadura Militar, após o AI-5.
Porém, quando a “(...) vinculação com o Estado pode criar um compromisso ideológico indesejável com a situação política e o governo, reforça-se a ideia da neutralidade do Estado e seus aparelhos...”(BERNARDET, 1979, p.44). Como ocorreu a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S. A.), considerada um “órgão exclusivamente técnico”. Ela foi criada em 1969, seu articulador foi o ex-presidente do Instituto Nacional do Cinema (INC), Durval Gomes Garcia (GATTI, 2000), com o apoio de Jarbas Passarinho. Logo depois a empresa assumiria as produções do INC. Inicialmente, a Embrafilme cuidaria da distribuição de filmes brasileiros, já que o mercado estava dominado pelas exibições estrangeiras, e sem público não se torna possível a produção de filmes. Depois, passa a atuar também na produção, com financiamentos. “A criação da Embrafilme consolida, portanto o modelo estatal de intervenção no processo cinematográfico”.(RAMOS, 2000, p.441).
Principalmente com as orientações desse governo: “(...) o Estado, através da atuação do ministro Jarbas Passarinho, começa a se colocar de forma inovadora diante da questão cultural, e a conferir importância relevante ao cinema.”(RAMOS, 1983, p.91). A preocupação do Estado era principalmente com a questão da popularidade dos filmes, já que tinha o interesse em montar uma indústria. Além disso, junto com a necessidade de absorção do filme pelo público, havia o interesse em divulgar ideias nacionalistas, não o nacionalismo dos cineastas da década de 60, mas dirigido pelo Estado autoritário. José Mário Ortiz Ramos escreve:
.[...] é explicita a iniciativa estatal no período 1969-74 no sentido de implantar uma indústria cinematográfica que efetivamente ocupe o mercado fílmico, bem como a tentativa de acoplar a este crescimento de um setor da indústria cultural um projeto cultural, ainda que em bases precárias.(RAMOS, 1983, p.98)
Este projeto cultural pode ser percebido em linhas gerais em declarações do ministro Jarbas Passarinho a respeito do que pensa da cultura: “A cultura ideal para mim seria aquela que não alienasse as pessoas, no sentido de não ser dissociada da realidade brasileira e que, em termos nacionais, sirva para a afirmação do próprio país” (PASSARINHO, 1970 apud RAMOS, 1983, p.92). Seguindo nessa linha, não faltaram incentivos e prêmios especiais para aqueles filmes que se voltassem para a literatura e história brasileiras: “Surge, também por sugestão do próprio ministro Passarinho, uma tentativa de resgate da “realidade nacional” através do enfoque de fatos históricos e de ‘grandes vultos’ brasileiros. ” (RAMOS, 1983, p.97). Alguns filmes foram realizados nesse viés, no entanto, as produções mais comuns da época tinham outro enfoque.
Entre 1983-84, entre os 100 filmes produzidos por ano a maioria era do tipo pornográfico. (RAMOS, 2000, p.442). Eram filmes realizados com pequenas equipes e baixos orçamentos, mas, que tinham uma grande aceitação popular. Aliás, movimento que foi responsável pelo preconceito muito difundido de que o cinema brasileiro só fazia filmes eróticos. A avaliação desse tipo de filme gera contradições, ao mesmo tempo em que tem um baixo valor artístico e cultural, segundo muitos cineastas, conseguia algo tão almejado pelos produtores cinematográficos: o público, uma outra questão chave para o desenvolvimento da indústria cinematográfica. Em meados da década de 1980, em termos de produção, o cinema passa por um momento de decadência que culmina com a extinção da Embrafilme, em 1990, no governo Collor. Foi a mais grave crise do cinema brasileiro, tendo, em 1992, apenas três filmes lançados. A mobilização em torno desse quadro levou à criação, em 1993, da lei do Audiovisual, na qual o Estado “(...) se exime das subvenções e financiamentos diretos e cria uma legislação de incentivos fiscais com o intuito de atrair a classe empresarial para a produção cinematográfica. ” (RAMOS, 2000, p.442). Com essa lei, a produção aumentou, iniciando uma nova etapa do cinema brasileiro: “Retomada”, se adotarmos a classificação de Lucia Nagib (2002).
Esse conceito de retomada é questionável. “A expressão ‘retomada’, que ressoa como um boom ou um ‘movimento’ cinematográfico, está longe de alcançar unanimidade mesmo entre os seus participantes.” (NAGIB, 2002, p.13). Como escreveu Nagib, para alguns, esse boom foi apenas uma interrupção na produção, com o fechamento da Embrafilme, mas, reiniciada com o rateio da verba vinda da própria Embrafilme, a partir do Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, que contemplou 90 projetos. Além disso, colheu-se em 1995 os frutos da aprovação da Lei do Audiovisual (no.8.685), de 1993. Ou seja, seriam apenas frutos de duas medidas governamentais. Para outros foi a “retomada” ou “renascimento” da produção cinematográfica que vinha a muito tempo definhando. De qualquer maneira, é inquestionável que a partir do ano de 1994 iniciou-se um grande processo de produção de filmes brasileiros. E muitos desses filmes tiveram um bom público, o que proporciona um dos “anseios” daqueles que fazem cinema no Brasil.
No entanto, o sistema de renúncia fiscal não garante a consolidação de uma indústria, principalmente porque para isso seria necessário um retorno financeiro produzido pela bilheteria. A Lei do Audiovisual possibilitava aos departamentos de marketing ou recursos humanos das empresas que ficassem responsáveis pela seleção dos filmes que seriam “apoiados”. Ou seja, a seleção dos filmes fica, de certa maneira, a cargo do “mercado”. Como escreveu Ismail Xavier,
O sistema atual viabiliza a produção, mas o cinema permanece na defensiva, acuado pela dificuldade renovada de comunicação com o público, ciente do perigo da perda de legitimidade política diante dos legisladores e dos diretores de marketing das empresas(...) de 1995 a1999 a produção cresceu mas a qualidade média estacionou, notadamente na faixa do filme que tem se instalado neste entre-lugar, entre o uso da liberdade que o dinheiro-na-mão-sem-nenhum-imperativo-de-retorno oferece e as angústias do cineasta distante do público (XAVIER, 2000, p.99)
Quando a atuação do Estado na produção audiovisual se distanciou da produção, a outra questão importante aparece, o problema do público. O cinema não pode existir sem público. Então, esse também é um tema recorrente e um problema a ser resolvido. Para Coelho (1993) houve uma responsabilização do próprio cinema pelo seu fracasso. Esse debate sobre a capacidade ou não do filme comunicar-se com o público também perseguiu a história dos filmes brasileiros. Por um longo período, durante o Cinema Novo, e principalmente depois, o “cinema nacional” era quase uma ovelha negra. Esse cinema não tinha público. No entanto, essa questão também não é tão simples.
Segundo Jean Claude Bernardet, a própria definição do “nascimento” do cinema brasileiro já demonstrava essa profissão de fé: ele é caracterizado pela primeira (suposta) filmagem, enquanto outras cinematografias o fixam na primeira exibição (BERNARDET, 1995). Ou seja, é como se apenas filmar fosse suficiente para fazer cinema. Mas o cinema não termina no filme pronto. Esse tipo de pensamento mudou nas últimas décadas. Passados os anos da chamada “Retomada”, a produção do cinema brasileiro tem crescido e se diversificado. O público aumentou. Muitos filmes brasileiros são exibidos nos cinemas e canais de TV. Mas, ainda não tem grande inserção cultural, e ainda está restrito a determinados setores sociais, ou, a determinados filmes em particular.
Nesse sentido, o cinema brasileiro da atualidade ainda precisa de apoio do Estado para que possa ampliar o seu público e ter maior inserção social e várias medidas são tomadas nesse sentido. Desta maneira, a criação de uma Lei que obrigue a exibição de filmes brasileiros nas escolas não pode ser compreendida fora do contexto histórico das relações entre o Estado brasileiro e a produção cinematográfica (AZEVEDO, 1998). A Lei 13.006, compreendida no contexto citado acima, pode, no entanto, ser o incentivo não apenas para a produção, mas, principalmente, para facilitar o acesso e a divulgação de uma infinidade de filmes brasileiros, curtas metragens e animações, já realizados com os incentivos estatais, que podem ser extremamente interessantes para os processos educacionais.
Referências
AQUINO, M.A. “Em busca das ilusões perdidas” in: Anais do II Encontro Perspectivas do Ensino de História, São Paulo, 1996.
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AMANCIO, T. Artes e manhas da Embrafilme: cinema estatal brasileiro em sua época de ouro (1977-1981). Niterói: EdUFF, 2000.
AZEVEDO, M.T. "Imagens da Cidade: Vídeo e História em Construção para o Ensino Fundamental", in: Cinemais: Revista de cinema e de outras questões visuais, nº 10, mar/abr/1998, p.173-197.
BERNARDET, J.C. Cinema brasileiro: propostas para uma história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
BERNARDET, J.C. Historiografia clássica do cinema brasileiro. São Paulo: Annablume, 1995
BUARQUE, C. Entrevista. Gazeta do Povo. 23/02/2010,
COELHO, T. “Para não ser alternativo no próprio país” in: Revista Usp – Dossiê Cinema Brasileiro. São Paulo: Edusp, 1993. n. 19 p.11 p.7-15
FRANCO, M. "Linguagens audiovisuais e cidadania" in: Revista Comunicação e Educação. Ano III, n.9. São Paulo: Ed. Moderna/USP, 1997
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GATTI, A. “Embrafilme” in: RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe. Enciclopédia do Cinema Brasileiro. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000, p. 212-216
NAGIB, L. O cinema da retomada - depoimento de 90 cineastas dos anos 90. São Paulo: Ed.34, 2002.
PASSARINHO, J. “Arte: assunto de interesse do governo”, entrevista publicada no Jornal da Tarde, 10/09/70.
RAMOS, J.M.O. Cinema, estado e lutas culturais: anos 50, 60, 70. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
RAMOS, L.A. “Produção” in: RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe. Enciclopédia do Cinema Brasileiro. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000, p.438-443
SALIBA, E.T. "A produção do conhecimento histórico e suas relações com a narrativa fílmica" in: vários autores. Lições com cinema - São Paulo: FDE, 1993.
SERRANO, J., VENANCIO FILHO, F. Cinema e Educação. São Paulo: Melhoramentos, 1931.
SIMIS, A. Estado e Cinema no Brasil. São Paulo: Annablume, 1996
XAVIER, I. “O cinema brasileiro dos anos 90” in: Praga – estudos marxistas. São Paulo: Editora Hucitec. No.9, junho/2000, p.97-138.
Ligação alternative
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Artigo relacionado
[Artigo corrigido , vol. 2, 138-145] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/84/406