Dossiê Temático

O estágio e a construção dos conhecimentos profissionais nos diferentes espaços de formação

The internship and the construction of professional knowledge in the different areas of training

El periodo de prácticas y la construcción de los conocimientos profesionales en las diferentes áreas de formación

Laurizete Ferragut Passos
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Brasil
Denise Filomena Bagne Marquesin
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e na Universidade Anhanguera, Brasil

O estágio e a construção dos conhecimentos profissionais nos diferentes espaços de formação

Laplage em Revista, vol. 2, núm. 2, pp. 18-32, 2016

Universidade Federal de São Carlos

Atribuição não comercial internacional. Direitos de compartilhar igual e dar crédito aos autores e periódico.

Recepção: 30 Maio 2016

Aprovação: 27 Junho 2016

Resumo: Por compreender que na escola a organização das práticas deixa marcas e influências no modo próprio de ser, na produção de certos posicionamentos e, consequentemente, na identidade de cada um, buscou-se refletir e analisar de que forma as instituições escolares - a universidade, a escola e a própria sala de aula – tornam-se espaços de produção de conhecimentos para as alunas das séries finais do curso de Pedagogia, quando realizam o estágio. Destacou-se, nesse contexto, o componente matemático no processo de produção de conhecimento e a partir de narrativas que foram tomadas como instrumento de análise. A busca da identificação sobre como os espaços de formação se transformam em lugares de formação, tendo em evidência a constituição da profissionalidade dos alunos quando realizam estágio, impulsiona a discussão sobre os sentidos e significados dos termos “espaço” e “tempo”, “lugar” e “território”.

Palavras-chave: Espaço de produção do conhecimento Educação matemática. Formação de professores..

Abstract: By understanding that the school organization practices leaves marks and influences the very way of being, in the production of certain positions and hence the identity of each, we tried to reflect and examine how educational institutions - universities, the school and the classroom itself - become knowledge production spaces for the students of final years of pedagogy course when performing the internship. It stood out in this context, the mathematical component in the knowledge production process and from narratives that have been taken as an analytical tool. The search for identification on training spaces become places of formation, having highlighted the formation of professionalism of students during internship period, drives the discussion of the meanings of the terms "space" and "time", "place "and" territory ".

Keywords: knowledge production space Mathematics education. Teacher training..

Resumen: Comprendemos que las prácticas en las escuelas dejan marcas e influyen en el modo de ser, en la producción de ciertas posturas y, consecuentemente, en la identidad de cada uno; por ello, hemos tratado de reflejar y examinar cómo las instituciones educativas – las universidades, las escuelas y el aula en sí - se convierten en espacios de producción de conocimiento para los estudiantes de los últimos años de pedagogía. En este contexto, se destaca el componente matemático en el proceso de producción de conocimiento y a partir de las narrativas tomadas como herramienta analítica. La búsqueda de la identificación sobre cómo los espacios de formación se convierten en lugares de formación, ponen en evidencia la constitución del profesionalismo de los alumnos al realizar la prácticas, e impulsa la discusión sobre el sentido y el significado de los términos "espacio" y "tiempo", "lugar " y " territorio”.

Palabras clave: Espacio de producción de conocimiento La educación matemática. La formación del profesorado.

Introdução

O texto apresenta parte dos resultados de uma pesquisa que buscou analisar como os diferentes espaços de formação podem se transformar em lugares de formação e como podem contribuir para a construção do conhecimento profissional docente e influenciar na apropriação de conhecimentos profissionais para o ensino de Matemática nas séries iniciais. Parte-se do pressuposto que é a ocupação intencional do espaço e a atribuição de significado que pode transformá-lo em lugar. Os espaços aqui considerados são a Universidade, a escola e a sala de aula onde o estágio é realizado e os encontros para discussão das atividades do estágio com as pesquisadoras.

A hipótese inicial desta pesquisa é de que o estágio pode fortalecer a constituição da profissionalidade docente, ou seja, o estágio possibilita ao aluno da formação inicial do curso de Pedagogia sair da condição de “mero aprendiz” ou de espectador do ensino, para assumir a profissão docente, ao estabelecer a relação entre os conhecimentos teóricos e os conhecimentos práticos dos conteúdos. O estágio, assim concebido, se revela como uma fase importante para a constituição da profissionalidade docente dos professores-alunos em processo de formação.

A reflexão sobre a importância da atividade de estágio – seja no espaço escolar onde ela se realiza, seja no espaço de formação inicial – e as contribuições do curso de Pedagogia levaram a considerar que o estágio se constitui num importante espaço para aprender sobre a profissão e que envolve o compromisso docente com o que ensinar, como ensinar e para quem ensinar articulado com o resultado das ações docentes adotadas e propostas nesses diferentes espaços. A busca da identificação sobre como os espaços de formação se transformam em lugares de formação, tendo em evidência a constituição da profissionalidade dos alunos quando realizam estágio, impulsiona a discussão sobre os sentidos e significados dos termos “espaço” e “tempo”, “lugar” e “território”. A preocupação com os respectivos significados desses termos constituiu um desafio instigante da presente pesquisa desde sua fase inicial.

Assim, por compreender que na escola a organização das práticas deixa marcas e influências no modo próprio de ser, na produção de certos posicionamentos e, consequentemente, na identidade de cada um, buscou-se refletir e analisar de que forma as instituições escolares - a universidade, a escola e a própria sala de aula – tornam-se espaços de produção de conhecimentos para as alunas das séries finais do curso de Pedagogia, quando realizam o estágio. Destacou-se, nesse contexto, o componente matemático no processo de produção de conhecimento e a partir de narrativas que foram tomadas como instrumento de análise. No cenário bibliográfico, autores que discutem e utilizam esses termos no campo educacional são Escolano (2000) e Viñao-Frago (2001), no âmbito internacional, e Cunha (2010), no âmbito nacional.

O espaço e o tempo, o lugar e o território no âmbito da educação: apresentando os conceitos

Os estudos sobre a dimensão espacial ampliaram-se mais precisamente no final do século XX, quando a escola foi compreendida como um espaço onde ocorrem relações socioculturais vivenciadas pelos indivíduos que a constituem. Viñao-Frago (2001) corrobora essa ideia, ao afirmar que a distribuição e os usos dos espaços começaram a ser elementos de reflexão e de pesquisa dos historiadores nos últimos anos, quando a dimensão espacial da atividade educativa começou a ser interpretada, dentro da história da escola, como realidade social e material, como cultura específica.

O autor defende, ainda, que a configuração e a distribuição e os usos do espaço são uma construção social. O espaço é uma das modalidades de sua conversão em território e lugar: “o espaço se projeta ou se imagina; o lugar se constrói a partir do fluir da vida e a partir do espaço como suporte; o espaço, portanto, está sempre disponível e disposto a converter-se em lugar, para ser construído”. (2001, p. 61). E território para o autor é uma noção subjetiva, ou caso se prefira, objetivo subjetiva – de índole individual ou grupal e de extensão variável. Nesse sentido, entende-se que as pessoas modificam o espaço com sua presença, seja na residência, ambiente de trabalho, no lazer, ou no caso deste estudo na instituição escolar. Para o autor [...] a instituição escolar ocupa um espaço que se torna, por isso, lugar. Um lugar específico, com características determinadas, onde se vai, onde se permanece certas horas de certos dias. (VIÑAO-FRAGO, 2001, p. 71).

Para o mesmo autor, a noção de espaço, tempo e lugar transcende o conhecimento de si mesmo e a história interior. “A escola é espaço e lugar – físico e material – dado, mas é também uma construção cultural que gera fluxos energéticos” (2001, p. 77). Inicialmente, a escola era o lugar da sala de aula, esta considerada o centro das relações de ensino. A sala de aula continua sendo espaço e lugar centralizador do ensino e da aprendizagem. Entretanto, com a ampliação dos ambientes escolares, a sala de aula deixou de compor os limites da escola, e os demais ambientes ganharam também relevância. A sala da direção e os espaços administrativos, o pátio, entre outros, é extremamente representativo das relações escolares.

A compreensão de que os territórios são os lugares criados a partir de conjecturas criadas e influenciadas pela cultura, pelos costumes e pela realidade dos que nele convivem configuram uma determinada pedagogia, fator que reafirma a relevância da dimensão espacial. Logo, assim como o autor acima referido, entende-se que os ambientes escolares estão compondo territórios, lugares e educando a partir das relações humanas, mesmo que não tenham sido pensados explicitamente para esse fim. Escolano Benito (2000, p. 6) traz, como historiador, as noções de espaço e lugar como constructo cultural que não é neutro, por deixar marcas que podem ser apresentadas pela arquitetura, pela materialidade que o constitui e pelos valores expressivos:

[...] o espaço escolar não é um recipiente neutro em que a educação formal é instalada, ou um pequeno palco para assegurar o desenvolvimento de disciplinas. [...]. Tem a dimensão codificada de acordo com as regras específicas e símbolos, que introduzem práticas e sentido que nelas ocorrem, favorece aproximação ao conhecimento da cultura da escola, em sua materialidade e nos seus valores expressivos, influencia no desenvolvimento e formação de gerações de professores1.

Retomando os estudos de Viñao-Frago (2001, p. 64), compreende-se também que o espaço não é neutro:

O espaço jamais é neutro: em vez disso ele carrega, em sua configuração como território e lugar, signos e símbolos e vestígios da condição e das relações sociais de e entre aqueles que o habitam. O espaço comunica; mostra, a quem sabe ler, o emprego que o ser humano faz dele mesmo. Um emprego que varia em cada cultura; que é produto cultural específico, que diz respeito não só às relações interpessoais – distâncias, território pessoal, contatos, comunicação, conflitos de poder –, mas também à liturgia e ritos sociais, à simbologia das disposições dos objetos e dos corpos – a localização e posturas –, à sua hierarquia e relações.

Compreender o espaço vivido, bem como tomar posse desse espaço que permite a socialização e, que intencionalmente educa, traz para a escola a dimensão ora de espaço, ora de lugar. Cunha (2010, p. 54) colabora para esse entendimento, ao afirmar que a ocupação do espaço e sua utilização supõem sua constituição de lugar: “o lugar representa a ocupação do espaço pelas pessoas que lhe atribuem significado e legitimam sua condição”. Neste contexto de definições, a autora refere-se a território como algo que ultrapassa o espaço e o lugar, por incluir uma relação de poder e por ter uma ocupação que revela intencionalidade. Com isso, entende-se que a escola, o curso e o estágio são lugares específicos que, quando pensados, desenhados, construídos e utilizados para apropriação de conhecimentos, transformam-se em territórios.

As alunas do curso de Pedagogia, sujeitos da pesquisa – tanto no curso de formação inicial, nos grupos de discussão e nas narrativas produzidas, quanto na escola, quando realizaram o estágio – verificaram e compreenderam as diferenças no desenho das configurações de cada espaço e as intenções destes, de acordo com as particularidades que os constituem. Compreensões que vieram ao encontro dos propósitos específicos da formação para docência e que influenciaram na constituição da profissionalidade de cada aluna estagiária.

O estágio e a pesquisa: de espaço a lugar de formação

Investigar como os espaços deste estudo se transformam em lugares de formação e de aprendizagem da docência soma-se ao objetivo de verificar como esses espaços/lugares influenciam na constituição da profissionalidade docente das futuras professoras. Cunha (2010), ao discutir as trajetórias e os lugares de formação da docência universitária, indica que:

[...] a Universidade ocupa o lugar de formação quando os sujeitos, que desse processo se beneficiam, incorporam as experiências na sua biografia. Reconhecem e valorizam o lugar. Atribuem sentidos aos que viveram naquele lugar e passam a percebê-lo como o seu lugar, mesmo quando já não o habitam (p. 55).

Para Escolano (2000), o espaço, assim como o tempo, não é apenas um constructo histórico, é uma construção cultural experimentada e apreendida desde muito cedo pelos indivíduos, que, normalmente, planejam os espaços de acordo com a necessidade de utilização e seu propósito. Tais percepções tornaram-se evidentes quando as alunas do curso de Pedagogia se reportaram ao tempo de aprendizagem e às intervenções feitas (ou não) pelas professoras. Também Escolano (2000) afirma:

[...] as categorias espaço e tempo não são simples esquemas abstratos, ou seja, estruturas “neutras” nas quais deságua a ação escolar [...] o espaço escolar deve ser analisado como um constructo cultural que expressa e reflete, para além de sua materialidade determinados discursos. [...] estão dotados de significados e transmitem uma importante quantidade de estímulos, conteúdos e valores do chamado currículo oculto, ao mesmo tempo em que impõem suas leis como organizações disciplinares. (p. 26-27, autoria do grifo)

A configuração dessas evidências e percepções a partir dos dados coletados confirmou as compreensões sobre as marcas deixadas pela escola, que fazem parte da constituição da identidade e da história das pessoas. Marcas estas que, segundo Viñao-Frago (2001), podem ser percebidas quando os atores da escola narram suas vivências e memórias sobre escola – as salas de aula, o pátio, o recreio, as escadas – e apresentam o cenário expondo suas percepções:

O que recordamos são espaços que levam dentro de si, comprimido, um tempo. Nesse sentido, a noção de tempo, da duração, nos chega através da recordação de espaços diversos ou de fixações diferentes de um mesmo espaço. De espaços materiais visualizáveis. O conhecimento de si mesmo, a história interior, a memória, em suma, é um depósito de imagens. De imagens de espaços que, para nós, foram alguma vez e durante algum tempo, lugares. Lugares nos quais algo de nós ficou ali e que, portanto, nos pertencem: que são, portanto, nossa história. ( p.63)

No contexto da pesquisa e tendo as narrativas como instrumento de análise, compreende-se que, ao narrar sobre o espaço efetivamente, anuncia-se o caráter cultural que envolve o modo de representação do espaço enquanto construção social. Cunha (2010) aponta que a atribuição de significado e a ocupação intencional do espaço podem transformá-lo em lugar. Ao considerar que o espaço está ligado à missão institucional e à representação que a sociedade faz dela, apresenta a dimensão humana como transformadora do espaço em lugar:

[...] a existência dos espaços garante a possibilidade de formação, mas não a sua concretização. [...] O lugar, então, é o espaço preenchido, não desordenadamente, mas a partir dos significados de quem o ocupa. [...] Os lugares são preenchidos por subjetividades. É nesse sentido, que os espaços vão se constituindo, lentamente como lugares. [...] Quando a nossa subjetividade atribui sentido aos lugares, eles se tornam parte de nós mesmos. Eles constroem nossa história e neles deixamos parte de nós. (p. 54- 55)

Ghedin (2006), na mesma perspectiva que Cunha (2010) defende que as transformações que os indivíduos fazem no espaço afetam o que eles são e o que fazem, uma vez que o lugar é transformado pelas práticas, pelas experiências e pela capacidade de ação coletiva dos sujeitos. Zeichner (2010) analisa a relação entre a universidade e os estágios e afirma que existe uma desconexão perene entre tempo, espaço e supervisão de estágio, tanto nos conhecimentos acadêmicos como nos da prática profissional. Defende a necessidade da criação de “[...] terceiros espaços na formação dos professores para diminuir a fronteira e reunir o conhecimento prático profissional ao acadêmico, de um modo mais sinérgico no acompanhamento da aprendizagem dos professores em formação (ibidem, p. 487).

Para o autor, é preciso mobilizar a energia intelectual dos futuros professores, na medida em que realizam seus estágios em seus devidos espaços. O tempo real para compreender a articulação de programa e currículo precisa ficar em evidência, e, assim, o terceiro espaço pode ser caracterizado também como espaço transformativo, no qual o conhecimento é aumentado, quando envolve uma relação mais equilibrada e dialética entre o conhecimento acadêmico e o da prática profissional. Nesta pesquisa ficam evidentes essas percepções, quando as alunas rememoram suas vivências na escola; quando expõem seus pareceres sobre as formas de organização e os procedimentos didáticos adotados pelos professores titulares de classe; e, até mesmo, quando justificam a opção pela profissão docente. Declara-se neste contexto o óbvio: essas percepções são autênticas somente se o aluno realizar o estágio como um processo investigativo.

A metodologia da pesquisa

Os sujeitos da pesquisa em sua fase inicial foram 46 alunas da série final do curso de Pedagogia de uma instituição de ensino privado do interior do estado de São Paulo. Os instrumentos de coleta foram o questionário, entrevistas exploratórias e grupos de discussão e a produção e leitura de narrativas. As questões propostas no questionário eram relativas à opção pelo curso e pela instituição de Ensino Superior; às influências e às expectativas em relação à profissão; aos pontos mais e menos significativos do curso de Pedagogia; à visão do aluno sobre o estágio no curso de formação inicial; às contribuições para a preparação para docência, ou seja, para ensinar os conteúdos das diversas áreas do conhecimento, com ênfase nos conteúdos de matemática.

A escola municipal de Ensino Fundamental que ofereceu o estágio tem características peculiares, tanto em relação à infraestrutura e à carência socioeconômica, como em relação ao âmbito pedagógico e aos índices de aprendizagem. Outros fatos contribuíram para a escolha da escola para esse estágio: a receptividade da direção e o envolvimento com a professora de Metodologia do Ensino de Matemática do curso de Pedagogia, que atua como vice-diretora na instituição pesquisada. A Instituição de Ensino Superior onde as alunas cursavam Pedagogia também merece destaque quanto ao potencial de atendimento às classes sociais e ao cenário político-econômico em que se insere, adotando a lógica da produção mercantil e adaptando-se ao modelo neoliberal que preside a educação superior. Nesse curso de Pedagogia, implantado há apenas quatro anos, como a maioria dos cursos de formação inicial, a qualidade dos processos educativos e a transmissão e apropriação de conhecimentos pautam-se em conteúdos teóricos.

Dentre os instrumentos metodológicos adotados para a coleta de dados, a produção de narrativas por cinco das alunas pesquisadas sobre as experiências vividas no estágio merece ser destacada. Esse instrumento, que fez parte de um procedimento combinado entre as professoras e a pesquisadora, exige do narrador – aquele que escreve – uma atitude reflexiva sobre si mesmo, sobre o que aprendeu e sobre o que vai aprendendo. As leituras dessas narrativas aconteciam em encontros quinzenais das alunas com a pesquisadora e serviram para o acompanhamento mais refinado do estágio.

Os encontros eram gravados e as transcrições, bem como a produção de narrativas pela pesquisadora, também eram apresentadas coletivamente, dando transparência ao processo de pesquisa. Nesse processo, ocorriam aproximações com as características do gênero da escrita narrativa e com os conteúdos sobre a profissão, o que resultava em novos olhares para ação docente. Esse processo configurou-se a partir das reflexões sobre os rituais de ensino e os procedimentos docentes e discentes para ensinar e aprender conteúdos de matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Desse movimento reflexivo e a partir da realização do grupo de discussão emergiu a possibilidade de estudar a transformação de espaço de aprendizagem em lugar de aprendizagem da docência, e, assim, esses conceitos passaram a direcionar o foco da pesquisa.

Análise dos dados

Dentre os muitos dados coletados, optou-se por apresentar fragmentos das narrativas sobre os rituais de ensino e as percepções das alunas-estagiárias sobre os conhecimentos necessários para ensinar Matemática. No grupo de discussão, quando as alunas narram sobre as formas de organização do tempo e do espaço escolar e sobre os procedimentos didáticos adotados pelos professores titulares da classe, os conhecimentos do conteúdo pedagógico geral são evidentes, principalmente, nas críticas sobre a maneira de conduzir as atividades e a atenção dada aos alunos.

Destaca-se neste contexto, que os estudos realizados, associados aos dados coletados, revelaram que a constituição da profissionalidade docente se legitima pelas imagens ou pelas representações que o professor constrói a respeito do magistério, mesmo antes de se formar (Monteiro, 2001). Há que se considerar, nessa perspectiva, que nas narrativas essas representações se evidenciaram e fizeram com que emergissem, entre outras, as duas categorias de análise acima apontadas.

Os rituais de ensino transformando os espaços em lugares de formação

Sabe-se que os rituais estão presentes na escola, e as pessoas começam a apropriar-se de seus sentidos e significados desde muito cedo. Logo que os alunos têm suas primeiras vivências no espaço de aula, eles participam de rodas para contar histórias, aprendem músicas e hinos e obedecem a formalidades que os ajudam a entender o funcionamento do ambiente e a fortalecer seus laços com colegas e professores. Desse modo, o contato paulatino com esses momentos faz com que o aluno desenvolva uma relação mais natural na hora em que se depara com novos ritos típicos da escola.

Estudar as narrativas e verificar que os rituais de ensino não só colaboram com a aprendizagem dos alunos da classe, mas também auxiliam nos processos de aprendizagem da docência permitiu constatar que as oportunidades de aprender a profissão e os conhecimentos profissionais necessários para ensinar dependem do contexto de reflexão que envolve desde a realidade escolar propriamente dita até os momentos de conflitos, tensões e confirmações. Tais vivências, certamente, sinalizam o início da profissão. Na narrativa oral de Marta percebe-se que, em seu percurso pessoal, mediante as representações que tem sobre a escola e as apropriações de conhecimentos conquistadas durante o curso, compreendeu o significado social e cultural dos espaços educativos e associou-os aos rituais anunciados por Escolano (2000). Assim diz Marta:

Eu acho a escola DEO2, em termos de recepção da gente (estagiária), faz a diferença: a diretora é muito educada e não deixa dúvida que gosta da estagiária dentro da escola. Porém acho que em termos de estrutura e organização das salas e ambientes para as crianças deixa muito a desejar. Não tem espaço legal – não tem sala para as crianças participarem de atividades diferentes. Os recursos materiais – lápis de cor, canetinha, cartolina, sulfite – são mínimos e controlados. Tudo é muito improvisado. A recreação na maioria das vezes acontece na própria sala de aula. O tempo determinado para tudo define as formas de atuar das professoras e o que se espera do aluno. (MARTA –encontro com a pesquisadora)

Quando Marta fala da receptividade da diretora e traz como contraponto a crítica ao espaço, expõe sua preocupação com a quantidade de materiais e com a organicidade dos espaços, o que reflete, certamente, na organização do tempo escolar e nos rituais de ensino. Nessa narrativa, ao referir-se à recreação feita dentro da sala de aula, Marta deixa claro que a professora precisa adequar-se ao espaço para desenvolver uma atividade que deveria acontecer num ambiente apropriado para oferecer aos alunos a oportunidade de brincar. Esse momento da brincadeira faz parte do ritual escolar e, nesse caso, a professor precisa adequar-se aos recursos da escola.

A aluna Vivi também comenta sobre a qualidade e a quantidade de materiais escolares, acrescentando que sente falta, nos espaços, dos significados e dos cuidados que devem ser dispensados à elaboração e à instalação de recursos como cartazes, murais e acervos de livros, importantes para a aprendizagem dos alunos do Ensino Fundamental. Ela compreende o contexto real, mas problematiza a forma aparente e o resultado esperado. Reconhece a necessidade de atribuição de sentido por aqueles que vivem naquele espaço e demonstra não concordar com a situação e com o ritual de utilização da estrutura disponível:

Eu acho que a escola DEO precisa de muitos reparos na área física; contudo, em termos de organização, de recepção da gente, é escola ótima. Porém, em termos de estrutura não tem quase nada que atraia as crianças e os visitantes. Faltam cartazes “bonitos”, os que estão aparentes não são atraentes. Nas paredes com cartazes, as cartolinas ficam enrugadas e empoeiradas, e ainda mais, o professor não tem o hábito de utilizar os cartazes no dia a dia. Talvez seus compromissos com todos os momentos previstos e planejados, principalmente em relação ao horário (merenda, educação física, inglês) podem justificar essa situação. Entendo que faltam materiais, para o professor e para o aluno, e também vejo que ficar só na sala com criança pequena é bem difícil. Entendo que a escola é um lugar cedido: porém não concordo com a situação das crianças não poderem ir para a quadra em horário diferente do agendado. (VIVI, narrativa)

As percepções das alunas sobre as marcas deixadas pela escola ficam evidentes quando Vivi se refere à estrutura e aos reparos de que a escola necessita. A aluna reforça essa ideia quando anuncia seus conhecimentos para expor o contexto educacional e defender que a escola deve ter espaços diferenciados para cada atividade e recursos atraentes e bem cuidados, com utilização planejada e direcionada para a aprendizagem dos alunos. Em relação ao compromisso dos professores com horários, demonstra compreender que o professor, ao programar seu dia, tendo que seguir rigorosamente os horários previstos, não fica atento ao uso de recursos diversos para enriquecer o trabalho pedagógico. A mudança do ritual deixa o professor descompensado em relação aos propósitos do ensino previsto.

A aluna também anuncia que seus conhecimentos profissionais a levam a concluir que a escola mudou em relação à época que sua mãe a frequentou. Destaca que os espaços, assim como as propostas pedagógicas, precisam ser repensados, pois é importante que estejam direcionados à aprendizagem dos alunos, com respeito à singularidade.

Na época que minha mãe frequentava escola, isto era compreensível, mas agora acho muito difícil entender uma escola assim. Para o bem-estar da criança e melhores aprendizagens, sinto falta de mobilização de todos: da prefeitura, da direção, das professoras e dos pais. (VIVI, narrativa)

Esses aspectos anunciados demonstram que as marcas deixadas pela escola e que Vivi conhecia por meio das conversas com sua mãe ou nas discussões travadas nos encontros com a pesquisadora e no próprio estágio somam-se a um processo de constituição da sua profissionalidade. São marcas deixadas pelas relações pessoais, como pelas relações profissionais, uma vez que apresenta, implicitamente, certa crítica em relação à importância de o professor e a equipe escolar ficarem atentos aos horários predeterminados, que se articulam aos rituais da escola e aos detalhes físicos, bem como aos materiais pedagógicos, que, consequentemente, refletem a concepção de ensino e de alunos que pretendem formar.

Entende-se, assim como Cunha (2010), que Vivi, quando registra a necessidade de “mobilização de todos”, verifica a interdependência relacional da subjetividade daqueles que vivem no espaço, para que este se transforme em lugar pela ocupação intencional e, assim, pela busca de sentido. No encontro n° 2 com a pesquisadora, as indagações sobre a realidade e os rituais da escola de Ensino Fundamental possibilitaram algumas reflexões com as alunas-estagiárias sobre as possibilidades de aprendizagens durante a participação na pesquisa. O encontro recebeu como título: Acertos e reflexões

Estamos inseridos num processo de verificações sobre as representações que a escola tem na nossa vida. A Rose trouxe hoje o contexto da escola como sendo algo que faz parte de sua vida. A Ana Clara fez comparações entre a escola que atua no período da tarde e a escola DEO. A Vivi traz sua imagem de escola ideal. Existe uma diversidade de olhares, mas indiscutivelmente valorizamos o cotidiano escolar e as formas de atender às crianças, associadas às condições mínimas de que os professores necessitam para ensinar. Especificamente neste dia, permito afirmar que nossa criticidade se amplia quando apresentamos nossas impressões. O aprendizado se instaura numa via de mão dupla e nos constituímos juntas com diferentes olhares e aproximação sobre o contexto escolar, seja onde estamos ou onde estivemos e atuamos (Encontro com a pesquisadora).

Na retomada dos depoimentos pela pesquisadora, pode-se constatar que as representações dos espaços são anunciadas nas narrativas e, ao mesmo tempo, são acrescentadas questões sobre as interpretações do lugar que ocupam na aprendizagem da docência, quando se adotam os rituais como objeto de análise. Outros aspectos envolvendo a vivência da aluna estagiária, quando analisa a organização do espaço e os procedimentos dos alunos e da professora, merecem destaque e podem ser vistos no fragmento da narrativa a seguir:

Neste dia a professora solicitou que fizessem uma cópia de uma poesia no caderno e em seguida tomou a leitura. Ficou sentada na mesa e pediu para vir um a um com o caderno. Esta atividade demorou muito, ela poderia ter feito uma roda de leitura e troca de cadernos entre os alunos. Para mim, ela pediu o caderno para que passasse visto, eles trouxeram em fila e sem empurrar ou fazer bagunça, muito diferente do outro dia que eu estava lá e tive eu que dar visto. [...] Percebi que a professora tem que estar sempre atenta para chamar atenção ou intervir, ela não tem um “descanso”,(desde um simples “shiu” até uma chamada de atenção de verdade. Nesta escola vejo que o dia a dia é muito difícil. As salas são grandes e servem de biblioteca, palco de teatro, ambiente de estudo. Sinto que somente com a presença da professora que os alunos são obedientes. Contudo, as atividades propostas são diretivas e a postura do professor é de transmissor e do aluno receptor e realizador das propostas. Vejo, contudo, muitas possibilidades de trabalho diversificado dentro deste precioso ambiente – sala de aula; principalmente para esta escola que tem poucos recursos físicos e materiais adequados para as crianças. (ROSE, narrativa).

Quando a aluna narra que esta atividade poderia ser em roda, com proposta de discussão, compreende-se que está preocupada com a rigidez e o tempo de permanência da criança para realizar a atividade de cópia-leitura-visto no caderno. Pautando-se nos estudos de Shulman (1987) pode-se depreender que a aluna se apropriou do conhecimento do conteúdo pedagógico geral, que se refere aos princípios e às estratégias de gestão e organização da classe, úteis para ensinar o conteúdo.

Essa narrativa foi lida no encontro com a pesquisadora e as percepções surgidas reforçaram a importância de o espaço ser organizado para a aprendizagem dos alunos e das alunas em formação. Pela participação no estágio em uma classe com alunos de Ensino Fundamental, em que o ambiente e a postura da professora ainda seguem os padrões tradicionais de hierarquia do saber, a aluna estagiária vivencia uma situação em que o ensinar prevalece sobre o aprender. É na exposição e nas suas compreensões sobre os conflitos dessa realidade e no exercício da reflexão e crítica das ações observadas que novos pontos de vista, novas articulações de ideias ganham expressão nos encontros com a pesquisadora. Atividades repetitivas, regras, cumprimento de ordem, cópia de páginas dos livros, solicitação para prestar atenção e ocupação do tempo remetem o leitor à escola do século passado, mas presente ainda hoje, por mais que estudos comprovem a importância do papel do professor como um mediador da aprendizagem, que interpreta e redefine o ensino em função das aprendizagens das quais espera que os alunos se apropriem, relegando a simples tarefa do professor diretamente à transmissão de conhecimento já produzido.

Entende-se que as alunas ao tomarem como parâmetro os rituais da escola onde realizaram o estágio e os procedimentos e a prática dos professores, têm a oportunidade não só de se referirem e repensarem os modos de ser e estar na docência, mas de se beneficiar, a partir de análises e discussões, do papel transformador que pode ter esse espaço (ZEICHNER, 2010). Também nesse espaço de troca que vai se transformando em lugar de formação, os futuros professores são beneficiados em relação ao processo de constituição de sua profissionalidade.

O estágio e a apropriação de conhecimentos para ensinar matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental

Algumas narrativas evidenciam que as relações estabelecidas com os saberes, associadas à ocupação e à atuação das alunas estagiárias no cotidiano escolar influenciam significativamente no processo de profissionalização. Essas evidências, certamente, propiciaram a ampliação dos saberes e dos conhecimentos do conteúdo pedagógico geral e dos conteúdos curriculares. Ana Clara, por exemplo, registra em sua narrativa uma experiência que refletiu na sua formação, pois algo que considerava “fácil” se modificou após a análise da situação, do contexto e das intervenções. Ela percebeu que suas relações com os saberes sobre o conteúdo em evidência foram ressignificadas. A proposta consistia na escrita, pelos alunos, de números de 0 a 50.

Muitas crianças se perderam, não conseguiam ver e registrar a sequência. O caderno ficou todo sujo e feio de tanto os alunos apagarem, e isso os deixou visivelmente frustrados. Depois de algum tempo a professora escreveu os numerais na lousa, para aqueles que ainda não haviam terminado de copiar. Ana Clara destaca que um aluno em especial chamou sua atenção, pois não conseguia escrever os números e, mesmo copiando, não sabia a sequência. Quando começou a copiar, fez os números espelhados. Em nenhum momento houve intervenção da professora sobre esse aluno.

[...] No momento não achei a atividade significativa. Fiquei com a impressão de que eles não compreenderam a sequência dos números de 10 em 10 (a configuração do nosso sistema). Enfim, pensei que não sabiam por que tinham que escrever os números e, também, como fazer os registros. Depois entendi que é preciso propor os registros dos números para verificar se os alunos, ao registrarem e recitarem os números identificam seu valor numérico e posicional, além de avaliar quais alunos conseguem fazer os números na sequência, quais tem dificuldades e até onde conseguem registrar. A atividade foi demorada e considero que a professora deveria fazer intervenções durante a atividade para verificar as dúvidas e incentivar os alunos que pararam de fazer, e ainda mais, deveria se apoiar em diferentes formas de ensinar. (ANA CLARA, narrativa)

Entende-se que a narrativa mereceu alguns questionamentos. Assim, no encontro com a pesquisadora, o registro de Ana Clara em relação à postura da professora: “deveria se apoiar em diferentes formas de ensinar” foi elemento de reflexão, diante da questão: o que fica implícito quando, como sujeito externo da situação, consideramos que existem outras formas de ensinar?

Uma das considerações do grupo referiu-se ao perfil dos alunos da classe e à postura da professora durante a realização da atividade. Prevaleceu, nesse momento, a questão de identificar se os alunos conhecem os números, se estão preparados para realização dos registros numa ordem numérica crescente e se sabem organizá-los no espaço e nas linhas do caderno, para que os registros estejam separados por traços para leitura. Também se discutiu a diferença entre recitar o número e escrever o numeral: por exemplo, o aluno, quando recita 20, 21, 22, 23, 24,..., identifica o número 2 como sendo vinte (duas dezenas) e os demais, como as unidades (quantidades individuais). Essa relação do número com a quantidade, com compreensão do valor posicional, poderia ser explorada. Na ocasião, Vivi e Larissa sugerem como opção a colocação dos números em intervalos de dez em dez, ou seja, de 0 a 10, de 11 a 20, de 21 a 30, [...] numa folha, para copiarem embaixo. Outra proposta foi da escrita dos números com intervalos em branco para colocação dos numerais que faltavam. Ou, ainda, propor a escrita de intervalos, por exemplo, de 13 a 23, ou de 34 a 50, com orientações para os alunos que chegam ao número 50 continuarem, dando a possibilidade de acompanhamento, pela professora, dos alunos com dificuldade para concluírem a sequência.

Assim, ficou evidente, para elas, a necessidade de o professor estar atento a todos os alunos, dando diferentes oportunidades de construção de sequências numéricas com orientações. Essas considerações levaram o grupo a definir condutas docentes para o trabalho com os conteúdos e conceitos que envolvem o estudo do sistema de numeração decimal. Tais reflexões e indagações sobre as respostas possíveis permitiu às estagiárias a aproximação com o conhecimento do conteúdo pedagógico imbricado nos conhecimentos dos conteúdos da matéria a ser ensinada. Os conteúdos matemáticos envolvendo números e a base decimal fizeram parte da narrativa de várias alunas. Ana Clara, na sua narrativa, registra que inicialmente a professora escreve as operações na lousa para os alunos copiarem e, depois, explica que o resultado sempre é 10, enfatizando que, por isso, nosso sistema de numeração é de base 10. Faz a apresentação dos resultados da sequência de operações apresentada na lousa, utilizando os dedos da mão e o material concreto (lápis de cor), para evidenciar o resultado e possibilitar que os alunos entendam a colocação do número que estava faltando para dar o resultado 10 (dez):

1 + __ =10

2 + __ =10

3 + __ =10

4 + __ =10

5 + __ =10

6 + __ =10 [...]

Dando continuidade à narrativa, Ana Clara expõe que a professora utilizou a calculadora para apresentar outras bases numéricas. A partilha e a aproximação do grupo para discussão das experiências, a interpretação dos fatos e de algumas desconstruções sobre o vivido na prática e o aprendido na teoria permitiram dialogar com seus conhecimentos e expor sua forma de entender a vivência narrada.

[...] Pude verificar que a professora fez os exercícios com a calculadora sozinha. Explicou para os alunos que o tempo era pequeno, e por isso fez tudo na calculadora.Vejo a maneira que ela trabalhou, distante da teoria apresentada na faculdade e das minhas concepções de “ser professora”. Entendo que a professora deveria ter dividido a sala em grupos e ter distribuído os cálculos entre os grupos para que todos entendessem como chegou ao resultado; talvez assim a atividade teria mais significado e não significaria “perder tempo” com os cálculos da adição.

A professora é muito rígida com os alunos, exige silêncio o tempo todo e anuncia sempre que prestem atenção. Penso que o professor precisa demonstrar mais carinho e agir com mais atenção às expectativas e às possibilidades de compreensão dos alunos; precisa dar-lhes atenção e não ficar chamando a atenção, o tempo todo, pois, quando o assunto é interessante, os alunos ficam atentos. Precisa também se preocupar com os propósitos das atividades, as compreensões que pretende que os alunos tenham, ou seja, precisa ter foco nas aprendizagens esperadas. Este conceito da Base 10 é muito importante para aprendizagem de outras operações e conceitos matemáticos [...] (ANA CLARA, narrativa).

A aluna tem criticidade, entende a importância do professor mediador da aprendizagem e demonstra saber que existe outra possibilidade de propor a atividade. A situação narrada permite, também, constatar que “a ação do professor faz diferença na aprendizagem [...] sua maneira de ser, de pensar e de agir permanecem como arma poderosa em todo processo de profissionalização” (GAUTHIER, 1998, p. 71).

Considerações finais

A proposta de realização de estágio pelas alunas do curso de Pedagogia confirmou que, nos momentos de estágio do aluno da formação inicial, existem possibilidades de sair da condição de espectador do ensino para assumir as condições da profissão docente, pois é possível refletir sobre as responsabilidades, os desafios e os conflitos docentes, relacionados às vivências e às experiências com os rituais de ensino e o ensino e a aprendizagem de conteúdos matemáticos. Sendo assim, o aluno, ao inserir-se no contexto escolar e participar das aulas, tem possibilidade de estabelecer a relação entre os conhecimentos teóricos e os conhecimentos práticos dos conteúdos e da didática.

Nessa pesquisa, as alunas do curso de Pedagogia anunciaram com naturalidade que os conteúdos de Matemática são “difíceis” de serem ensinados e que deve ser modificada a postura do professor que ainda adota a exposição do conteúdo, seguida de exercícios de aplicação e posterior correção, como procedimento para ensinar. As alunas têm como referência seu próprio processo de escolarização, as vivências como aprendizes numa escola de, no mínimo, dez anos atrás, com padrões de comportamento que privilegiam a avaliação pautada nos acertos e erros e/ou em crenças sobre a matemática como uma disciplina difícil de ser aprendida. Contudo, compreendem que os alunos do ensino fundamental, principalmente, precisam envolver-se com atividades de Matemática que ofereçam desafios para levantarem hipóteses, verificarem os resultados e, de forma autônoma, desenvolverem o pensamento matemático, e o gosto pela disciplina. Elas, porém, não se sentem preparadas para essa tarefa. Afirmaram não gostar de Matemática e não saber ensiná-la, devido aos “traumas” e às marcas deixadas pelo processo de escolarização.

É importante enfatizar que, especificamente em relação ao ensino de conteúdos de Matemática, houve consenso, entre as estagiárias, de que, para construção de conceitos e apropriação de conteúdos afins, os alunos precisam comunicar suas ideias matemáticas, que serão valorizadas ou questionadas a partir das explicações e das validações e das conjecturas levantadas. Quanto aos rituais de ensino, esses merecem ser destacados por serem singulares ao processo de formação docente. As narrativas das alunas revelaram que eles contribuem de forma significativa para a construção da base de conhecimentos para o ensino, principalmente, no que se refere ao envolvimento das alunas estagiárias na sistematização de conhecimentos profissionais que guiam as decisões do professor relativas aos conteúdos a serem ensinados, às formas de conduzir o tempo de desenvolvimento das propostas de ensino, aos procedimentos diante da participação dos alunos. Nesse sentido, os rituais escolares observados e narrados abrangeram tanto os conhecimentos pedagógicos quanto os conhecimentos da matéria, do currículo e do contexto educacional.

A observação do fazer docente e das vivências das cinco alunas que participaram como sujeitos desta pesquisa mostrou que, no início, buscavam participar de situações que garantissem aproximação com os conteúdos de matemática a partir da observação das aulas e do contexto de aprendizagem em evidência. A criticidade das alunas em relação à prática profissional docente deixou claro que a atividade docente deve extrapolar os limites de sua sala de aula, pois o professor precisa ter conhecimento dos conceitos matemáticos, saber de que forma trabalhá-los, criando ambientes favoráveis para a aprendizagem, além de ter disponíveis e saber utilizar os materiais e os recursos adequados. Essas percepções trouxeram para as alunas a confirmação da importância do trabalho pautado em resolução de desafios, a fim de possibilitar aos alunos interagir com os dados, levantar conjecturas, fazer aproximações e realizar os procedimentos adequados com segurança para encontrar as respostas.

A adoção da produção de narrativas como instrumento de reflexão sobre a prática foi valiosa para as constatações acima: ao escrever, a aluna estagiária se torna agente ativo de sua própria compreensão, pois a escrita exige a vivência da atividade e a reflexão sobre as circunstâncias e os conhecimentos criados, testados, refutados e transformados. Portanto, a reflexão sobre esse processo permitiu reconhecer a docência como uma profissão que sofre influência das concepções e pré-concepções dos estudantes dos cursos de formação inicial. O repertório de saberes sobre as situações de aprendizagens também merece ser considerado, pois, ao serem os saberes modificados, tornam-se conhecimentos profissionais para o exercício da docência.

Assim, este trabalho permitiu compreender que escrever é um dos movimentos de transformação da experiência em conhecimento, principalmente quando a produção da escrita está a serviço da identificação e da compreensão dos movimentos que interferem nas relações de ensino e de aprendizagem. Envolver-se com a escrita ajudou as participantes da pesquisa na exposição de um saber específico e particular, levando-as a reconhecerem-se como profissionais, ao aflorar o espírito crítico identificado em vários momentos da pesquisa. Essas condições revelam a transformação desse espaço de escrita, de troca e de análise conjunta em lugar de formação para as estagiárias, futuras professoras.

Referências

CUNHA, M. I. da. Os conceitos de espaço, lugar e território nos processos analíticos da formação dos docentes universitários. In: CUNHA, Maria Isabel da (Org.). Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: perspectiva individual ao espaço institucional. Araraquara-SP: Junqueira & Marin; Brasília, DF: CAPES; CNPq, 2010.

Referências

ESCOLANO, A. B. Tiempos y espacios para la escuela. Ensayos históricos. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000.

GAUTHIER, C. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí, RS: Editora UNIJUÍ, 1998.

GHEDIN, E. A formação continuada de professores(as)/educador(a) e as dimensões de sua profissionalidade. In: SOUZA, Cecília Rodrigues de. Educação: discurso e compromisso. Manaus: Valer, 2006. p. 93-130.

MONTERO, L. La construcción del conocimiento profesional del profesor Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

SHULMAN, L. Knowledge and teaching: Fundations of the new reform. Harvard Educational Review, v. 57, n. 1, p. 1-22, 1987.

VIÑAO-FRAGO, A. Do espaço escolar e da escola como lugar: propostas e questões. In: VIÑAO FRAGO, A.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Tradução de Alfredo Veiga-Neto. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

ZEICHNER, K. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação – Revista do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, set.-dez. 2010. Disponível em: . Acesso em set/2010.

Notas

1 “[...] El espacio de la escuela no es un contenedor neutro en el que está instalada la educación formal, o un pequeño escenario para el desarrollo de las disciplinas. [...] Tiene la escala codificada de acuerdo a reglas específicas y símbolos, que la introducción de prácticas y sintió que se producen en ellas, favorece más a los conocimientos de la cultura escolar, en su materialidad y sus valores expresivos, influye en el desarrollo y la formación generaciones de maestros” (ESCOLANO, 2000, p. 6).
2 Neste texto, chama-se DEO a escola em que as alunas estagiárias realizaram o estágio.

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