Dossiê Temático

Formação de professores, estágio remunerado e precarização do trabalho docente: as contradições do Programa Residência Educacional

Teacher training, paid internship and casualization of teaching: the contradictions of Educational Residency Program

La formación del profesorado, prácticas pagadas y la precariedad de la enseñanza: las contradicciones del Programa de Residencia de Educación

Bárbara Cristina Moreira Sicardi Nakayama
UFSCar – Campus Sorocaba, Brasil
Solange Aparecida da Silva Brito
UFSCar-Sorocaba e Secretaria Municipal de Educação de Sorocaba, Brasil

Formação de professores, estágio remunerado e precarização do trabalho docente: as contradições do Programa Residência Educacional

Laplage em Revista, vol. 2, núm. 2, pp. 33-41, 2016

Universidade Federal de São Carlos

Atribuição não comercial internacional. Direitos de compartilhar igual e dar crédito aos autores e periódico.

Recepção: 30 Maio 2016

Aprovação: 27 Junho 2016

Resumo: O presente texto discute as relações do estágio remunerado com os processos de formação, profissionalização e precarização do trabalho docente. A metodologia teve como eixo a revisão bibliográfica e a pesquisa de campo, a partir de análise documental e de análise de conteúdo dos documentos oficiais (Programa Residência Educacional), da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. A prática proposta no referido programa vem ao encontro da melhoria nos índices dos sistemas de avaliação de desempenho da aprendizagem dos alunos, em especial do SARESP das escolas públicas estaduais mais vulneráveis; a prática do estágio considerado apresenta características de instrumentalização técnica voltadas ao processo ensino-aprendizagem. A pesquisa indicou que o programa em questão não dialoga com as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de licenciatura e que a ação do estagiário se encerra na finalidade do programa, voltado para a superação das dificuldades de aprendizagens dos alunos das escolas públicas estaduais.

Palavras-chave: Estágio remunerado Profissionalização e precarização do trabalho docente. Residência educacional..

Abstract: This paper discusses the relations among paid training with formation processes, professionalization and casualization of teaching. The methodology had as an axis the literature review and field research, from document analysis and analysis of official documents content (Educational Residency Program), the State Secretariat of Education of São Paulo. The practical proposal in that program is in line with the improvement of the indices of learning performance evaluation systems of students, in particular the SARESP of most vulnerable public schools; the practice of the considered stage presents technical instrumentation of features aimed to teaching-learning process. The research has indicated that the program in question does not dialogue with the National Curriculum Guidelines of degree courses and the trainee's action closes at the program's purpose, intended to overcome the difficulties of learning of students in public schools.

Keywords: Paid internship Professionalization and casualization of teaching. Educational residence..

Resumen: El presente texto analiza la relación existente entre las pasantías remuneradas con los procesos de formación, profesionalización y la precariedad del trabajo docente. La metodología tiene como eje la revisión bibliográfica y la investigación en el campo, a partir del análisis documental y del análisis del contenido de los documentos oficiales (Programa de Residencia de la Educación) de la Secretaría de Educación del Estado de Sao Paulo. La práctica propuesta se encuentra en consonancia con la mejora de los índices de los sistemas de evaluación del desempeño del aprendizaje de los estudiantes, (en particular, de las escuelas públicas SARESP más vulnerables). Y la práctica considerada presenta características de instrumentalización técnica volcadas al proceso de enseñanza-aprendizaje. La investigación ha indicado que el programa en cuestión no dialoga con las Directrices Curriculares Nacionales de los cursos de grado y que la actuación del practicante se limita al propósito del programa, destinado a superar las dificultades de aprendizaje de los estudiantes de las escuelas públicas estatales.

Palabras clave: Prácticas pagadas Profesionalización y la precariedad de la enseñanza. Residencia educativo..

Introdução

Este trabalho configura-se como uma síntese da dissertação de mestrado de Brito (2013) e está centrado na temática do estágio remunerado sob a ótica da formação, profissionalização e precarização do trabalho docente, a partir de uma análise dos documentos que fazem referência ao Programa Residência Educacional (PRE) da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Lançado recentemente, em 2012/2013, esse programa visa à concessão de bolsa-estágio para licenciandos, a partir do 3º semestre do curso, que queiram cumprir as horas de estágio curricular supervisionado nas escolas públicas estaduais consideradas de maior vulnerabilidade e que apresentam altos índices de alunos com dificuldades de aprendizagem.

A problemática que orientou o desenvolvimento dessa pesquisa parte do seguinte questionamento: a partir das concepções de estágio remunerado expressas em documentos que fazem referência ao Programa “Residência Educacional”, no Estado de São Paulo, que relações podem ser estabelecidas com a formação, profissionalização e precarização do trabalho docente?

Ao buscar responder a essa problemática delinearam-se os objetivos do trabalho de pesquisa, na perspectiva de evidenciar algumas relações existentes entre os eixos temáticos e o Programa Residência Educacional; de conhecer as concepções de estágio implícitas nos documentos oficiais que fazem referência ao programa; e de compreender o papel do estágio remunerado na formação e na profissionalização docente. O percurso metodológico integra revisão bibliográfica e pesquisa de campo, a partir de análise documental e análise de conteúdo, numa dinâmica de correlação entre ambas. Houve preocupação em registrar o percurso metodológico com o intuito de se evidenciarem os processos de construção da problemática e da metodologia.

O processo da pesquisa

Visando responder ao questionamento proposto, a investigação integrou pesquisa bibliográfica dos eixos referenciais e pesquisa de campo a partir de análise documental e de conteúdo de documentos que fazem referência ao programa “Residência Educacional”, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Os estudos de Cellard (2012), Bardin (2011) e Franco (2012) são referenciais para o desenvolvimento da estratégia metodológica, apontando procedimentos e critérios para a seleção de fontes e análise dos dados. A análise documental foi definida como estratégia metodológica, objetivando o levantamento dos dados, uma vez que ela possibilita

[...] o armazenamento sob forma variável e a facilitação do acesso ao observador, de tal forma que se obtenha o máximo de informação (aspecto quantitativo), com o máximo de pertinência (aspecto qualitativo). A análise documental é, portanto, uma fase preliminar da constituição de um serviço de documentação ou de um banco de dados (BARDIN, 2011, p.51).

Considerando que “uma pessoa que deseja empreender uma pesquisa documental deve, com o objetivo de constituir um corpus satisfatório, esgotar todas as pistas capazes de lhe fornecer informações interessantes” (CELLARD, 2012, p. 298), o primeiro passo da metodologia consistiu em realizar uma pesquisa exploratória, sem se priorizar determinado tipo documental, para que se reunisse tudo o que pudesse estar associado ao objeto de pesquisa com o intuito de: a) instituir critérios que definissem a seleção de um conjunto de documentos com potencialidades de análise; b) organizar o material coletado, garantindo que as fontes fossem anotadas e a documentação arquivada; c) registrar o local onde foram encontradas as fontes. No entanto, percebeu-se que, além da análise de documento, haveria a necessidade de outro procedimento metodológico que permitisse evidenciar inferências ou informações implícitas nos documentos que instituem os programas de Estágio Remunerado selecionados para esta pesquisa. Apoiada nas pesquisas de Bardin (2011), o estudo buscou a análise de conteúdo como procedimento de análise dos resultados, entendendo-se a primeira como sendo

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores, quantitativos ou não que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (vaiáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 2011, p. 48).

Os eixos a serem estudados foram definidos a partir de análise prévia dos documentos, relacionando-os com os indicativos levantados nos referenciais teóricos e de análise acerca do estágio, formação, profissionalização e precarização do trabalho docente. Para sua definição, cabe destacar que, segundo Franco (2012, p. 64), “as categorias [eixos] e seus respectivos indicadores são predeterminados em função da busca a uma resposta específica do investigador”. Nesse sentido, a partir dos dados levantados, identificados, selecionados e apresentados em quadros de unidades de análise - com base nos referenciais teóricos acerca das concepções de estágio, formação, profissionalização e precarização do trabalho docente - e da hipótese de que na relação entre elementos teóricos, contextuais e práticos - normativos e indicativos da dinâmica do programa - seria possível evidenciar as relações indicadas na problemática da pesquisa. Considerando Deslauriers e Kérisit (2012, p. 137):

A medida que progride o trabalho simultâneo de coleta de informações e de análise, o objeto de pesquisa vai se especificando e as questões se tornam mais seletivas: o funil se restringe e possibilita-se ao pesquisador formular uma explicação provisória que será gradualmente consolidada.

Visando fazer novos recortes nas unidades de análise correspondentes à indicação de eixos, fez-se nova exploração do material até então organizado, tendo como referência as indagações: 1. quais as concepções de estágio estão explícitas e implícitas nos documentos?; 2. quais indicativos (contextuais, normativos e práticos) sugerem a relação do estágio remunerado com o processo de formação dos licenciandos?; 3. quais indicativos (contextuais, normativos e práticos) sugerem a relação do estágio remunerado com o processo de profissionalização e precarização do trabalho docente?

Esses questionamentos serviram como diretriz para a demarcação e reagrupamento dos recortes em eixos de análise. O resultado dessa lapidação viabilizou: a) situar os documentos analisados num contexto social global, marcado por profundas reformas nas políticas educacionais a partir da interferência da economia mundial; b) mapear as concepções de estágio que fundamentam o PRE; c) identificar os saberes que o PRE espera que os alunos construam ao longo da participação no estágio e as parcerias sugeridas no processo de seleção de licenciandos, tendo em vista a formação docente continuada; d) evidenciar a correlação entre o objetivo e a finalidade do Estágio Remunerado, a partir da dinâmica do PRE, e as ações voltadas à profissionalização e à precarização do trabalho docente, sustentadas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. A partir dessa ótica é que as análises foram tecidas.

Os documentos foram organizados considerando-se as dimensões contextual, normativa e de divulgação. A esfera contextual remete à instituição do PRE ao Programa “Educação – compromisso de São Paulo”, cuja expectativa é ampliar a discussão da qualidade no ensino público incentivando a colaboração da sociedade. Na dimensão normativa, os documentos analisados trazem em comum a observação da lei 11.788/2008, evidenciando a dinâmica organizativa do programa no que se refere ao número de horas a serem cumpridas, período de duração do estágio, previsão de pagamento de bolsa, entre outros aspectos operacionais. O processo de seleção dos estagiários também é evidenciado como preocupação em vários dos documentos.

Os documentos que se referem à divulgação do programa a partir da SEE/SP e FUNDAP enfatizam os benefícios que as ações trarão para a melhoria do ensino nas escolas públicas mais vulneráveis social, cultural e economicamente, bem como aos licenciandos pela aproximação com o futuro campo de trabalho que o programa lhes oportuniza. Em síntese, emergiram, a partir da análise dos documentos, 14 unidades de registro - apresentadas a seguir -, que representam a possibilidade de se tecerem as relações almejadas no tocante à busca de respostas para a problemática do estudo.

1. Concepções de estágio: observam-se diferentes concepções de estágio. São possíveis de serem identificadas, a partir das contribuições de Pimenta e Lima (2011), definições como: 1. espaço e tempo dedicado à vivência da prática e ao (re)conhecimento do campo de atuação dos futuros docentes; 2. oportunidade de aprimoramento formativo a partir da compreensão de princípios teóricos; 3. tentativa de superação do estágio como ação burocrática; 4. entendimento da prática como reprodução de modelos e o estágio como possibilidade de formação numa perspectiva de instrumentalização técnica.

2. Dinâmica do programa: a participação dos estagiários remunerados na rotina escolar obedece a uma organização administrativa estruturada em consonância a dos demais profissionais, prevendo carga horária definida com desconto no pagamento pelas horas não “trabalhadas”; periodicidade de participação; recesso.

3. Ações desenvolvidas pelos estagiários: as ações a serem executadas pelos estagiários sugerem a sua participação em diferentes momentos da rotina escolar, sendo eles responsabilizados pelo planejamento, reforço escolar, entre outras ações compatíveis com as de profissionais em exercício.

4. Plano de atividades: observa-se a previsão de ações dos estagiários envolvendo o contato com professores, gestores e colegiados da escola. Há ênfase na ideia de que o estagiário deve conhecer os resultados da aprendizagem dos alunos a partir dos indicativos do SARESP, sendo eles fonte “para compreensão e adequações no Plano de Atividades de Estágio”. (Secretaria de Educação – Programa Residência Educacional)

5. Estabelecimento de parcerias: o que se percebe é que, embora as funções, atribuições e responsabilidades estejam bem definidas a cada órgão público ou instituição envolvida no PRE, não há indicativos de como as articulações entre eles serão garantidas. Tampouco há indicativos de em que momentos as Instituições de Ensino Superior e Escolas participaram - ou se participaram - da elaboração da proposta do programa.

6. Referências ao processo de formação: o decreto nº 57.978/2012, na sua introdução, aponta quatro justificativas para a instituição do PRE sendo, no mínimo curioso, que somente uma - a última - faça referência direta ao processo formativo do licenciando: “Considerando a importância do estágio, como ato educativo escolar supervisionado, no aprimoramento da formação do educador e, por via de consequência, na melhoria de seu desempenho profissional”. A partir dos documentos selecionados para a análise, percebe-se que são feitas inferências sobre a potencialidade do estágio no processo formativo dos licenciandos, no entanto não se encontra em nenhum deles indicativos que permitam perceber a interface do PRE com as Diretrizes Curriculares dos cursos de licenciatura aos quais os estagiários remunerados estão vinculados.

7. Papel das IESS no programa: no que se refere à participação e papel das IESS no PRE, os documentos deliberam e regulamentam as ações que cabem a elas, quais sejam, aquelas relativas à adesão ao programa, à competência na organização administrativa, ao controle documental, à supervisão acadêmica, à seleção, ao acompanhamento e avaliação dos estagiários. É preocupante que não estejam contemplados, no papel e participação das IESS no PRE, indicativos que permitam avaliar as possibilidades dessas instituições em cumprir aquilo que lhes é imputado, a partir da manifestação de interesse pela participação. Pairam dúvidas principalmente quanto à possibilidade de organização dos docentes em assumir as atribuições de acompanhamento dos estagiários.

8. Saberes a serem aprendidos pelos estagiários: a preocupação em buscar indicativos que permitissem perceber quais saberes se espera que os licenciandos construam deve-se ao fato de que as pesquisas sobre trabalho e profissionalização docente enfatizam a apropriação de “saberes, competências e conhecimentos específicos” (PUENTES, AQUINO e QUILLICI NETO, 2009) como requisito que, por um lado, contribui para o processo de profissionalização e que, por outro, também pode indicar aspectos de precarização do trabalho docente (OLIVEIRA, 2004). Nesse sentido, os documentos não oferecem possibilidade de identificar “esses saberes”. Há referência às diretrizes curriculares estabelecidas para as escolas estaduais, no entanto não consta a indicação de observância às diretrizes curriculares dos cursos de licenciatura aos quais os estagiários remunerados estão vinculados, como já foi apontado anteriormente. Mesmo no que se refere ao processo de seleção dos interessados em participar do PRE, os conhecimentos solicitados articulam-se à matriz de competências e habilidades do ENEM.

9. Pagamento de bolsa: sobre a concessão da bolsa como pagamento ou “remuneração”, há a preocupação de evidenciar a consonância dos documentos, que tratam da instituição do PRE, com a Lei 11.788/2008, principalmente no que se refere à negativa de vínculo empregatício. No entanto, articulando-se as inferências encontradas nos diversos documentos sobre o pagamento de bolsa, observam-se algumas contradições. Os documentos registram importantes considerações acerca da não permissão do acesso ao PRE por parte de agentes públicos que estejam cursando as licenciaturas, justificando como acúmulo de funções e determinando a necessidade de solicitar cancelamento de vínculo de sua função pública caso queira participar do programa.

10. Perfil dos estagiários: os documentos preocupam-se em identificar aspectos que garantam a operacionalização do PRE, tais como disponibilidade para cumprimento da jornada de atividades, comprovação da matrícula em cursos de licenciatura das disciplinas do ensino básico, principalmente as que são foco nas avaliações do SARESP, sendo feito destaque aos licenciandos em História, Geografia, Ciências Biológicas, Matemática e Letras.

11. Objetivos do estágio remunerado no PRE: evidenciou-se a preocupação com a aproximação dos estagiários à realidade da rede pública estadual, bem como com a inserção do jovem no mundo do trabalho; há, ainda, indicativos de objetivos relacionados à formação dos licenciandos. No entanto, fica claro que a ênfase do programa está na melhoria da aprendizagem dos alunos das escolas mais vulneráveis.

12. Finalidade do estágio remunerado no PRE: embora o discurso aponte como principal finalidade do programa oportunizar aos licenciandos a vivência prática no campo de atuação dos futuros docentes, a análise dos dados leva a indicar como principal meta a melhoria nos índices das avaliações externas, em específico do SARESP, das escolas públicas estaduais consideradas mais vulneráveis, sendo necessário destacar que o conceito de “vulnerabilidade” não é explicitado.

13. Campo de atuação: situa-se nas escolas públicas estaduais de educação básica com foco nas turmas do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e do Ensino Médio, das unidades consideradas mais vulneráveis. A indicação será feita pela SEE/SP, tendo como critério as notas do SARESP.

14. Investimentos: poucas são as referências acerca dos investimentos. Embora os documentos indiquem que R$ 81,6 milhões de reais foram investidos no PRE, não se buscaram parâmetros comparativos com outros programas. Viu-se a importância, no entanto, de registrar que nos documentos de divulgação esse valor é comentado.

O que foi possível constatar a partir da análise documental e da análise de conteúdo do PRE? Que relações foram evidenciadas acerca do Estágio Remunerado e os processos de formação, profissionalização e precarização do trabalho docente? Os indicativos sugerem que, embora a lei regulamente a prática do estágio como ato educativo vinculado ao processo de formação, há uma legitimação da atuação, no mercado de trabalho, de profissionais ainda em formação.

A partir da análise dos dados não é possível definir quem educa quem no Programa Residência Educacional. De forma geral, a impressão primeira que se tem é a de que os licenciandos ensinam os alunos das escolas públicas. No entanto, as contradições não dão conta de permitir descobrir quais alunos: os que apresentam dificuldades ou aqueles que não as evidenciam. Por outro lado, o indicativo dessas limitações pauta-se no que será cobrado nas avaliações sistematizadas, no SARESP mais propriamente dito. Se os professores da rede pública estadual precisam de “apoio”, “auxílio”, porque seus alunos não têm se desempenhado bem nas avaliações, o discurso dos documentos não considera as condições de trabalho, os baixos salários, a falta de estrutura, os problemas próprios da formação inicial e continuada desses profissionais.

Enfim, se na fala daqueles que instituíram o programa o saldo é o de que “ganha todo mundo”, é possível dizer, também, “que perde todo mundo”. Segundo Shiroma (2003, p.71), “quanto mais a face prática da preparação de professores for o alvo dos debates, menos capazes serão as universidades de determinar o conteúdo dos cursos de formação e menos preparadas estarão para resistir às pressões políticas”, aguardar-se-á um novo PRE, nesse caso, “Programa de Resistência Educacional”.

Considerações finais e possibilidades

O panorama das pesquisas mais recentes e a análise acima exposta permitem-nos identificar o aligeiramento e a fragmentação da formação do professor. Prevalecem o discurso de culpabilização desse profissional pelos problemas de aprendizagem dos alunos e o entendimento de que a educação é produto do mercado - do que decorre a exigência de profissionais docentes que exerçam funções cujos saberes e competências exigidos são distintos daqueles para os quais foram formados. Esse quadro acaba por imputar ao professor a pecha de protagonista das mazelas do ensino público, contribuindo para a precarização de seu trabalho.

A análise dos dados fornece indicativos que sugerem que há uma expectativa, muito acentuada, de que os docentes em formação (licenciandos) proporcionem uma aprendizagem mais eficaz, verificável a partir da melhoria dos índices do SARESP, ensinando os alunos das escolas consideradas mais vulneráveis. Percebe-se, ainda, uma perspectiva de intervenção dos estagiários remunerados em relação aos professores titulares ou regentes, uma vez que se espera que os docentes também aprenda a partir dos saberes discutidos na universidade (re)aproximando-se e (re)apropriando-se, principalmente, dos conceitos teóricos que permeiam a formação do licenciando. Por fim, é importante destacar que a indicação de que o aluno leve como demanda de pesquisa as situações referentes aos problemas de aprendizagem dos alunos das escolas públicas mais vulneráveis leva a inferir que o Estado também se vê como “ensinante”, no que se refere a “sugerir” o que deve ser ensinado nos cursos de formação docente.

Relativamente ao campo da formação de professores, a presente pesquisa contribui pela denúncia que faz sobre como o estágio remunerado enviesa a precarização do trabalho docente. Acredita-se que quem denuncia também pode, ou deve, propor; e, nesse sentido, vê-se a necessidade de fomentar a discussão da formação, profissionalização e precarização do trabalho docente sob o “viés ideológico”, visando romper com o discurso de que o sentido de ser professor se encerra na busca pela melhoria dos índices das avaliações, como se percebe no programa analisado. É nesse panorama histórico de posicionamentos definidos, que o poder hegemônico, sucumbindo ao ideário neoliberal, caminha a passos largos para uma formação docente cada vez mais pragmática e tecnicista. Na contramão dessa trajetória, muitos pesquisadores e estudiosos debruçam-se na análise dos meandros complexos da educação, em busca de propostas que permitam um (re)pensar das reformas educacionais e das políticas públicas.

A posição que se anuncia - e que se quer deixar clara - é a do embate e da luta. Que seja esta mais uma pesquisa a engrossar o coro da denúncia e da reivindicação de que haja participação dos movimentos de base (sindicatos, associações, conselhos etc) e das instituições que pesquisam as mais várias dimensões educacionais nas ações que definem os rumos da formação dos profissionais docentes deste país; principalmente, quando se trata de ações de continente próprio, como o Programa de Residência Educacional. A reflexão que aqui se apresenta se propõe, portanto, a contribuir para o entendimento da prática de ensino na construção da identidade profissional, enfatizando aspectos significativos da formação de professores e análises da relação entre teoria e prática no fazer pedagógico. Acredita-se que, tanto para os profissionais que estão em serviço quanto para os licenciandos, conhecer contextos e contornos das práticas das quais fazem parte pode também ajudar no posicionamento e na (re)significação daquilo que lhes é proposto.

Referências

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BRASIL. Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre estágio de estudantes. Brasília, DF, 2008.

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BRITO, S. A. da S. Estágio Remunerado, formação, profissionalização e precarização do trabalho docente: um estudo a partir do programa “residência educacional”. São Paulo, 2013. Dissertação (mestrado), Programa de Pós Graduação em Educação. Universidade Federal de São Carlos, Campus Sorocaba, Sorocaba, 2013.

Referências

CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. (Org.). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2012.

DESLAURIES, J. P.; KÉRISIT, M. In: POUPART, J. et al. (Org.). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2012.

FRANCO, M. L. P. B. Análise de conteúdo. 4. ed. Brasília, DF: Liber Livro, 2012.

OLIVEIRA, D. A. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1127-1144, set./dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2012.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

PUENTES, R. V.; AQUINO, O. F.; QUILLICI NETO, A. Profissionalização dos professores: conhecimentos, saberes e competências necessários à docência. Revista Educar, Curitiba, n. 34, p. 169-184, 2009. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2012.

SÃO PAULO (ESTADO). Decreto Nº 57.978, DE 18 DE ABRIL DE 2012 Institui o Programa Residência Educacional, no âmbito da Secretaria da Educação, e dá providências correlatas. Disónível em: http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/70.pdf. Acesso em: 03 jun, 2013.

SHIROMA, E. O. Um fantasma ronda o professor: a mística da competência. In: MORAES, M. C. M. (Org.). Iluminismo às avessas: produção de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 80-98.

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