Dossiê Temático
Formação do pedagogo para o uso educacional das tecnologias digitais de informação e comunicação:uma revisão de literatura (2006-2014)
Formation of the pedagogue for the educational use of information and communication technologies: a literature review (2006-2014)
Formación del pedagogo para el uso educacional de las tecnologías digitales de información y comunicación: una revisión de literatura (2006-2014)
Formação do pedagogo para o uso educacional das tecnologias digitais de informação e comunicação:uma revisão de literatura (2006-2014)
Laplage em Revista, vol. 3, núm. 2, pp. 9-23, 2017
Universidade Federal de São Carlos

Recepción: 10 Mayo 2017
Aprobación: 10 Junio 2017
Resumo: O presente artigo pretende realizar uma revisão da literatura acadêmica sobre a formação inicial do pedagogo para o uso das Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDIC), no Brasil, produzida entre os anos de 2006 e 2014. A partir de critérios definidos, foram selecionados 13 trabalhos de diversas universidades do país, que apresentam as seguintes tendências: 1) as políticas de formação de professores têm sido marcadas pelo tecnicismo e fundamentadas no potencial de produtividade econômica; 2) a inserção das tecnologias no processo formativo docente tem sido permeada pelo caráter instrumental e seu lugar tem papel secundarizado; 3) as universidades, de modo geral, contribuem timidamente para experiências formativas imbricadas às TDIC; 4) uma sociedade permeada pela cultura digital demanda processos formativos em que as TDIC sejam consideradas mediadoras na produção e na apropriação de cultura.
Palavras-chave: Formação inicial, Pedagogia, Tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC).
Abstract: This article intends to carry out a review of the academic literature on the initial formation of the pedagogue for the use of Information and Communication Technologies (ICT) in Brazil, produced between the years of 2006 to 2014. Based on defined criteria, 13 studies were selected from several universities in the country, presenting the following trends: 1) teacher formation policies have been marked by a technical guide and based on the economic potential of productivity; 2) the presence of ICT in this process, which has had a secondary role, has been permeated by instrumental aspects 3) universities, in general, do not cooperate to formation experiences imbricated to ICT; 4) a digital society demands formative processes in which ICT can be considered as mediation for culture production and appropriation.
Keywords: Initial formation, Pedagogy, Information and communication technologies (ICT).
Resumen: El presente artículo pretende realizar una revisión de la literatura académica sobre la formación inicial del pedagogo para el uso de las Tecnologías Digitales de la Información y de la Comunicación (TDIC), en Brasil, producida entre los años 2006 y 2014. A partir de criterios definidos se seleccionaron 13 trabajos de diversas universidades del país, que presentan las siguientes tendencias: 1) las políticas de formación de profesores han sido marcadas por el tecnicismo y fundamentadas en el potencial de productividad económica; 2) la inserción de las tecnologías en el proceso formativo del pedagogo ha sido permeada por el carácter instrumental y su lugar tiene papel secundario; 3) las universidades, en general, contribuyen tímidamente a experiencias formativas relacionadas con las TIC; 4) una sociedad permeada por la cultura digital demanda procesos formativos en que las TIC sean consideradas mediadoras en la producción y en la apropiación de cultura.
Palabras clave: Formación Inicial, Pedagogía, Tecnologías digitales de información y comunicación (TDIC).
Introdução
O artigo visa a compartilhar a realização de uma revisão da literatura acadêmica, que tematiza a formação do pedagogo para o uso pedagógico das TDIC, desenvolvida como parte de uma pesquisa, em nível de mestrado em Educação, que consiste em investigar como os licenciandos do curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Paulo percebem a contribuição da experiência hipermidiática e dos estudos, no campo da Educação e Tecnologia, para a sua futura atuação como docente. Cumpre observar que a pesquisa integra um projeto mais amplo, intitulado “Formação de professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental para integrar as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) aos processos de ensino e aprendizagem: estudo de caso instrumental em cursos de Pedagogia de três universidades públicas federais”, aprovado no Edital Universal MCTI / CNPq nº 14/2014 e coordenado pela segunda autora do presente texto.
A revisão delimitou um recorte temporal entre os anos de 2006 e 2014, considerando como marco inicial a resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006 – que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia – e, como marco final, o documento produzido como resultado das discussões na CONAE (Conferência Nacional de Educação), em 2014, que situa as TDIC como fundamentais ao processo de ensino e aprendizagem. O levantamento foi realizado através de consulta nas bases de dados eletrônicas da Scientific Electronic Library Online (SciELO), no Banco de Teses da Capes/MEC e em dois Grupos de Trabalho da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação: (08) Formação de Professores e (16) Comunicação e Educação, através do cruzamento dos seguintes descritores: “formação inicial de professores”; “pedagogia”; “tecnologias”; “tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC)”; “tecnologias de informação e comunicação (TIC)”.
Tomando como evidente que o contexto atual do capitalismo tem seu desenvolvimento estruturado a partir do advento das TDIC – delimitando, assim, tanto novas exigências para o trabalho, quanto transformações no tecido sociocultural – emerge como fundamental a necessidade de traçar reflexões a respeito de seus efeitos sociais e de suas implicações na educação e no trabalho docente, tendo em vista as possibilidades por elas proporcionadas, tanto no que diz respeito à desumanização, quanto ao enriquecimento humano.
Cultura industrial e indústria cultural: faces da racionalidade tecnológica
No início da década de 1940, Herbert Marcuse, em sua obra Algumas Implicações Sociais da Tecnologia Moderna (1999), analisa como o desenvolvimento técnico das forças produtivas engendrado pelo modo de produção capitalista passou a promover uma nova forma de sociabilidade e de individualização historicamente específica. Seu desenvolvimento analítico, que trata racionalidade e tecnologia de forma relacional, procura demonstrar como a totalidade tecnológica disposta pelo capitalismo promove e mantém as relações de dominação características desse modo de produção, conforme Marcuse (1999, p.3):
A tecnologia, como modo de produção, como a totalidade dos instrumentos, dispositivos e invenções que caracterizam a era da máquina, é assim, ao mesmo tempo, uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e dominação.
Para o autor, se durante certo período do desenvolvimento capitalista os princípios da racionalidade tradicional serviram ao desenvolvimento do sujeito autônomo, como agente econômico e social em luta contra amarras e coerções externas, a dinâmica da sociedade de mercado, ao promover a concentração da propriedade e da produção, passou a escamoteá-la. Isto porque as necessidades imanentes do capital – combinação de maior eficiência e velocidade, com o menor desperdício possível, assim como coordenação eficaz e ágil dos processos para diminuição radical dos custos em prol da exacerbação dos lucros – passaram a ditar não só os fins da produção material da vida e do desenvolvimento técnico e científico, mas também a afetar todo o tecido sociocultural, provocando a emergência de um padrão de sociabilidade impregnado pela própria racionalidade que subjaz à tecnologia e à maquinaria, a que ele denomina racionalidade tecnológica. (p. 77).
Um dos pontos de seu caminho analítico versa sobre a relação entre trabalho e máquina, denunciando que as subjetividades e as qualidades do trabalhador – e também do objeto – são eliminadas do trabalho e do produto, no capitalismo. Isto assim se dá, porque a dinâmica produtiva, que se utiliza da tecnologia para fins lucrativos, inverte o sentido de trabalho e de instrumento: a máquina passa a ser o “ente” que trabalha e o homem torna-se seu instrumento. (p. 79). Se tomarmos o trabalho como instância basilar da manutenção da vida, a disposição que emerge em Marcuse traduz-se em degradação e em instrumentalização do ser humano. Mas, para além deste sentido, o autor também argumenta que essa racionalidade promove a organização da totalidade social nestes termos, gerando uma forma de programação do viver, que abrange praticamente todas as esferas da vida:
Um homem que viaje de carro a um lugar distante escolhe sua rota num guia de estradas. Cidades, lagos e montanhas aparecem como obstáculos a serem ultrapassados. O campo é delineado e organizado pela estrada: o que se encontra no percurso é um subproduto ou anexo da estrada. Vários sinais e placas dizem ao viajante o que fazer e pensar; até chamam a atenção para as belezas naturais ou marcos históricos. Outros pensaram pelo viajante e talvez para melhor. [...] Aquele que seguir as instruções será mais bem-sucedido, subordinando sua espontaneidade à sabedoria anônima que ordenou tudo para ele. (1999, p. 79-80).
Este exemplo, que à primeira vista pode ser tomado como trivial – por se tratar de “mera” situação de lazer e ócio – parece implicar, contundentemente, seu oposto, isto é, demonstra como aquilo que deveria ser tomado como externo ao âmbito da produção sofre a programação da mesma lógica, impregnada pelos valores de eficiência, eficácia e desempenho. Segundo o autor, este padrão de norma prescrita, eficiente, gerencial, performática, “governa o desempenho não apenas nas fábricas e lojas, mas também nos escritórios, escolas, juntas legislativas e, finalmente, na esfera do descansa e lazer”. (p. 82). Isto assim ocorre, porque o mote da dinâmica socioeconômica diz respeito, fundamentalmente, ao que tem valor objetivo e pragmático para o aparato e se relaciona diretamente à perseguição do que seja uma “boa vida”.
Desses pressupostos percebidos pelo autor, podemos estabelecer o elo com o âmbito educacional, na medida em que eles geram a transformação das “distinções individuais de aptidão, percepção e conhecimento [...] em diferentes graus de perícia e treinamento”. (p. 78). Como a própria manutenção da vida requer dos indivíduos um constante esforço de adequação aos imperativos estabelecidos (sob risco de marginalização), a orientação do quê, como e por quê instruir-se, por exemplo, liga-se, em grande medida, a um sentido estrito e pragmático do que seja desenvolver-se: ser bem-sucedido na vida. E ser bem-sucedido, nestes termos, “é o mesmo que adaptar-se ao aparato. Não há mais lugar para a autonomia. A racionalidade individualista viu-se transformada em eficiente submissão à sequência predeterminada de meios e fins”. (80).
Quer ser bem-sucedido no processo de escolarização enquanto docente ou discente? Siga as regras, os processos, as técnicas, os conteúdos e os padrões pré-estabelecidos de desempenho e eficiência. Quer ser bem-sucedido na empresa? Adapte-se às exigências de eficácia, aos protocolos, à máquina e ao ritmo da produção. Quer ser bem-sucedido academicamente? Adapte-se às demandas de produtividade e competência. Siga sempre o aparato racional, combinando a máxima eficiência com a máxima conveniência, economizando tempo, energia e eliminando o desperdício. De acordo com Marcuse, mesmo àquilo que poderia ser apontado como idiossincrasias culturais individuais, no sentido de atitudes e hábitos cotidianos específicos da individualidade, sofre a programação da racionalidade tecnológica, posto que organizados como cultura de massa. (p. 90).
Neste mesmo sentido, Adorno e Horkheimer (1985) dispõem que a padronização e a massificação decorrem, nuclearmente, da atuação dos detentores da indústria cultural, que tornam os meios de comunicação e informação um negócio lucrativo e as “utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem”, sacrificando “o que fazia a diferença entre a lógica da obra [artística] e a do sistema social” (1985, p. 57). Para os autores, estas disposições efetivam-se tanto mais quanto:
Os tipos das canções de sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas o conteúdo específico do espetáculo só varia na aparência. Os detalhes tornam-se fungíveis. A breve sequência de intervalos, fácil de memorizar, como mostrou a canção de sucesso; o fracasso temporário do herói, que ele sabe suportar como bom perdedor [...] são, como todos os detalhes, clichés prontos para serem empregados arbitrariamente [...] Desde o começo do filme já se sabe como ele termina, quem é recompensado [...] (p. 59).
Nestes termos, o sentido que emerge da produção cultural estrita é sua circunscrição voltada ao entretenimento, à diversão, já que tal produção cultural simplifica ao máximo os produtos e imprime neles um caráter repetitivo, empobrecendo a produção artística e asfixiando o potencial de enriquecimento e de reflexão crítica dos sujeitos. Importa ressaltar que, para Adorno e Horkheimer (1985), os efeitos perversos da indústria cultural na vida humana não são atribuídos ao desenvolvimento da técnica e da tecnologia, mas por seu profundo vínculo ao “espírito ávido de lucro”. Ambos distinguem entre formas de tecnologias de informação e comunicação, que abrigam a expressão dos indivíduos como sujeitos e formas que concorrem para uma comunicação unilateral, de “mão única”, como é o caso da televisão e do rádio.
TDIC: rupturas e continuidades
Considerando os problemas dispostos pelos autores da Teoria Crítica e problematizando a relação dialética entre mensagem e interpretador, imbricada às tecnologias informacionais e comunicacionais, Castells (2010) aponta que o surgimento da comunicação mediada pelas TDIC proporciona a subversão da unidirecionalidade da informação e da mensagem, escancarando espaços e vias para troca, para autoria pessoal e comunitária. O sociólogo também sinaliza que a aliança multimidiática proporcionada por elas unifica e devolve ao ser humano uma comunicação multissensorial, já que possibilita o amálgama da escrita, do áudio e do vídeo, ocasionando transformações na linguagem, que agora assume um caráter hipermidiático. Pontuando essa modificação como linguagem e cultura digital, Santaella (2005) salienta que ela passa a engendrar estruturas de comunicação e informação fluídas, articuladas à criação do hipertexto1, que permitem ao receptor colocar-se em posição de coautor e mesmo de autor, na rede informacional.
Xavier (2005) chama atenção para o fato de que há qualidades inerentes aos dispositivos digitais, ao hipertexto e aos hiperlinks, que possibilitam o redimensionamento do acesso à informação, posto abrangerem múltiplos formatos e possibilitarem a “ubiquidade, acessibilidade ilimitada e a presença de outras mídias como o som e as imagens em movimento em sua superfície virtual” (p. 175). Sendo assim, a formação do que o autor denomina de pluritextualidade margeia o potencial de organizar melhor e mais ricamente o discurso e, consequentemente, sua compreensão, pois:
[...] o ato de ler/compreender se viabiliza com muito mais totalidade e amplitude, haja vista que, estando esses aparatos midiáticos bem organizados e devidamente interrelacionados, o usuário, mesmo inconscientemente, será beneficiado pela convergência dessas interfaces [...] (2005, p. 175-176).
Neste sentido, Lévy (2010), aponta que o “hipertexto e a multimídia interativa adequam-se particularmente aos usos educativos”, tanto porque enriquece as possibilidades de ensino e aprendizagem, quanto porque “favorece uma atitude exploratória, ou mesmo lúdica, face ao material a ser assimilado” (p. 40). Ao ressaltar que a característica fundamental destes processos é seu desenvolvimento pautado na interatividade, Nova e Lynn (2002) asseveram que ela coloca em cheque os processos comunicativos anteriores, por abrir o fluxo entre emissor e receptor. Interatividade, na acepção das autoras, diz respeito a um:
[...] processo de permuta contínua das funções de emissão e recepção comunicativa [...] no sentido de criar produtos cujos resultados semióticos derivariam de uma intervenção direta dos emissores. Uma obra que nunca estaria pronta e cujo conteúdo só se concretizaria no momento de sua atualização, de interação do emissor que, nesse sentido, se constituiria num co-autor desse produto. (NOVA e ALVES, 2002, p. 5).
Apesar das possibilidades elencadas, que contribuem para o enriquecimento e constituição do sujeito é necessário ter em vista que não são poucos os problemas advindos destas transformações. Segundo Xavier (2005), um deles diz respeito a que, “ao se deixar seduzir pela força da imprevisibilidade latente em tais ligações digitais, o navegador poderá descobrir fatos e histórias interessantes, mas poderá também se emaranhar em uma teia intricada e confusa [...]” (p. 177), porque a abertura informacional também comporta e redimensiona o problema da fonte, da confiabilidade das informações dispostas, inclusas as ligadas às várias ciências. A crescente produção e divulgação das chamadas fake news2 e seus efeitos mordazes sobre a cidadania – vinculando discurso de ódio e explorando os preconceitos latentes na sociedade – é exemplo cabal e preocupante das mazelas geradas por essas transformações.
Outro problema que merece destaque diz respeito à velocidade incessante da produção das informações, da troca comunicacional, da produção imagética, musical etc., que, ligada à tendência da rede em produzir uma “cultura do efêmero” (CASTELLS, 2010), nos remete aos mesmos problemas apontados sobre os efeitos da indústria cultural. Como aponta Lévy (2010), “quanto mais digitais, mais chamativas são as imagens; quanto mais os computadores as sintetizam, mais rapidamente são produzidas e descartadas as músicas” (p. 117) e, sendo assim, podemos apontar que a noção fundamental de perspectiva histórica, cara à constituição dos sujeitos sociais, pode se esvanecer no turbilhão e na velocidade das informações.
Importa ressaltar que, se os sujeitos atualmente estão ligados de forma frequente às redes digitais, trocando todo tipo de mensagem, tendo acesso às informações públicas contidas na rede, construindo juntos mundos virtuais puramente lúdicos ou mais sérios, constituindo uma imensa enciclopédia viva, desenvolvendo projetos políticos, amizades, cooperações – mas também propagação de ódio, enganação e desinformação (LÉVY, idem) – também nos parece fundamental o fato de que a rede informacional demanda, por exemplo, “uma nova forma de competência crítica, uma arte [...] de seleção e dizimação de informação” (ECO, 1996) e, assim, de “um novo tipo de treinamento educacional”. (p. 7). Ora, considerar os diversos fatores socioculturais elencados com o advento das TDIC nos compele, impreterivelmente, a pensar sua inserção no âmbito educacional, considerando o redimensionamento da informação, da comunicação, da pluritextualidade, da hipertextualidade, da interatividade, da cultura mesma que ela proporciona.
Reformas neoliberais na educação: formação e autonomia docente
Segundo Castells (2010), o imbricar das TDIC ao modo de desenvolvimento atual do capitalismo – informacionalismo e globalização – provoca exigências de reconfiguração da esfera educacional. Entre as diversas explicações dadas para este fato, o autor chama atenção para o ponto que tem sido politicamente posto como central, dizendo respeito à baixa produtividade do processo de escolarização:
Opiniões predominantes na OCDE, no FMI e nos círculos governamentais da maioria dos países ocidentais sugerem que, de forma geral, as tendências observadas para o aumento do desemprego, subemprego, desigualdade de renda, pobreza e polarização social resultam de uma combinação inadequada de qualificações [...], seja devido à baixa qualidade do sistema de ensino, seja por causa da inadequação desse sistema no fornecimento das novas qualificações exigidas pela estrutura ocupacional emergente. (2010, p. 346).
Nestes termos e neste direcionamento, temos visto, nas últimas décadas, reformas promovidas pelo e no Estado, que, no âmbito educacional, passa a adotar um “novo” papel: o de definir as orientações e as metas a serem atingidas, enquanto regula e avalia o processo através de um sistema de monitoramento e de avaliação prescrita, acentuando adjetivos como eficiência, desempenho, produtividade e possibilitando a abertura de parcerias com os atores privados. Esse encaminhamento da reforma também se relaciona à reforma dos docentes e da sua formação, que não se resume a uma renovação de conhecimentos propagada pelas “novas necessidades” econômicas e socioculturais, mas, segundo Adrião (2006) à feitura mesma de uma nova identidade e de uma “nova” pedagogia. A autora aponta que sua fundamentação se pauta, notadamente, no âmbito produtivo, enfatizando uma abordagem tecnocrática para os processos de ensino e aprendizagem. De acordo com Saviani (1991), as características desses termos dizem respeito a que:
[...] inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico. (p. 23).
Como o mote passa a ser a administração eficiente do trabalho, da dinâmica escolar e dos resultados formais que deles procedem, intensifica-se a separação entre concepção e execução, dando primazia às considerações pragmáticas (GIROUX, 1997). Com os fins educacionais determinados e dispostos através de materiais didáticos pré-concebidos e massificados, distribuídos e imbricados ao sistema avaliador prescritivo, resta aos docentes a maximizar ao máximo o desempenho, trabalhando sob os valores e os materiais estabelecidos externamente. Tal papel os priva, virtualmente, de organizar o próprio trabalho, com autonomia de cátedra. A esse respeito, Adrião (2006) tece valiosa crítica, quando dispõe que:
Se se entende como autonomia da escola a condição para elaboração de um projeto pedagógico que leve em conta as necessidades e realidades dos usuários [...], a autonomia para a escola nunca esteve tão distante de ser efetivada. Isto porque a variação no grau de autonomia, do ponto de vista pedagógico, dá-se pela maior ou menor possibilidade de as escolas elaboraram e executarem seus próprios programas [...] (p. 179).
Decorre dessas disposições que as políticas públicas da educação estão marcadas pelo caráter da racionalidade tecnológica (MARCUSE, 1999), restringindo o âmbito educacional ao potencial de produtividade que possa ser desenvolvido. Ao fazê-lo, as políticas públicas educacionais acabam por reduzir a educação a algo extremamente tacanho, que em muito se distancia do anunciado nos discursos: formação para o exercício da plena cidadania. Como disposto por Saviani (1991):
Marginalizado será o incompetente (no sentido técnico da palavra), isto é, o ineficiente e improdutivo. A educação estará contribuindo para superar o problema da marginalidade na medida em que formar indivíduos eficientes, portanto, capazes de darem sua parcela de contribuição para o aumento da produtividade da sociedade. (p. 25)
A formação de docentes não pode se dissociar das tensões atuais. Assim como o anacronismo da perspectiva de transmissão de conhecimento nos processos de ensino e aprendizagem, a linguagem e a cultura digital, a massificação escolar, a diversidade de públicos na escola, as dinâmicas socioculturais e econômicas ligadas às TDIC, as novas demandas para o trabalho (a partir do advento as TDIC) configuram transformações históricas nas formas de agir. Tais transformações, no âmbito educacional, se demandam novos saberes e processos específicos, devem estar para muito além do desenvolvimento do potencial produtivo do ser humano, em prol do capital. Para Roldão (2007), a característica fundamental do trabalho docente diz respeito ao seu lugar de mediação da cultura e do conhecimento, já que conhecer é mais do que obter informações, mas significa analisar, organizar, identificar fontes criticamente, contextualizar, relacionar as informações à organização da sociedade e ao papel que as atravessa. Nesse sentido, a autora sinaliza que, de fato, há uma série de especificidades para o trabalho docente, mas que estão para além de um saber pragmático, porque apontam a necessidade de reflexão sobre o saber fazer e de questionamento sobre saber como e saber por que se faz (p. 98).
Trata-se, então, de saberes que se articulam aos contextos de aprendizagem, considerando a necessidade de ressignificação do conhecimento, de mobilizar e articular situações vividas pelos docentes e discentes, ao ensino e à aprendizagem. Saberes que consideram a premência por um distanciamento crítico sobre o trabalho, para releitura e transformação dos rumos, por identificar sentidos nos conhecimentos e na construção de bases educacionais, de forma conjunta com os colegiados. Saberes que versam sobre as características de conhecimentos do trabalho pedagógico, que estão ligados, fundamentalmente, a um processo de reflexão crítica e que devem, necessariamente, estar presentes na formação dos licenciandos.
As pesquisas sobre a formação do pedagogo para o uso educacional das tecnologias digitais da informação e comunicação (2006-2014)
As produções levantadas na busca realizada nas bases de dados mencionadas tiveram, inicialmente, seus títulos e resumos submetidos à leitura, realizadas de forma exploratória, tendo como ponto de partida a temática central abordada em cada trabalho e sua relação com os aludidos descritores. Após a leitura integral e exploratória dos títulos e resumos, foram selecionadas 13 obras, para uma avaliação analítica aprofundada.
Iniciamos pela pesquisa realizada por Olívia Paiva Fernandes, que, em artigo que sintetiza sua dissertação de mestrado, nomeado “O computador/internet na formação de pedagogos: um diálogo possível?”, apresentado em 2006, busca compreender, através das vozes dos alunos do Curso de Pedagogia de uma Instituição Federal de Ensino Superior, qual o uso que estes fazem do computador/Internet no seu processo de formação inicial e o que pensam a respeito da presença dessa tecnologia no ambiente escolar. O destaque dado à palavra “uso” não é sem razão. Segundo a autora, a universidade pública em questão não trazia, naquele momento, a inserção das TDIC no Plano Político Pedagógico. Em sua dissertação, a autora demonstra que um dos principais problemas identificados na relação Educação-TDIC, é o de compreender as tecnologias apenas no seu caráter técnico, instrumental, maquinário. A autora aponta que as licenciandas em Pedagogia não conseguiram pensá-lo como potencializador de inúmeras mediações, que podem ocorrer principalmente quando se está conectado em rede. Neste sentido, nossas investigações se aproximam, não apenas por seu caráter metodológico, mas também na percepção do problema da instrumentalização tecnicista auferida às TDIC, em vigor com tanto ou maior força na atual data.
Em artigo publicado em 2008, de nome “Perfil do professor na era da cibercultura: implicações para sua formação inicial”, Ana Paula Pontes de Castro e Mariana Henrichs Ribeiro, em síntese de dissertação, apresentam o desenvolvimento de uma pesquisa que focaliza a utilização do infocentro de uma Faculdade de Educação, por alunos da Pedagogia. Procurando compreender os sentidos que os licenciandos constroem para o uso do infocentro e as relações que o uso do computador/internet tem com sua aprendizagem e futura docência, as autoras apontam resultados que coincidem com as dispostas na dissertação anterior, como a ausência da temática no currículo e o fato de os licenciandos atribuírem às TDIC uma perspectiva tecnicista, não levando em conta os aspectos reflexivos e pedagógicos desse uso.
Também de 2008, em dissertação de mestrado intitulada “A formação inicial de professores para o uso das TICs: um estudo exploratório do curso de pedagogia de duas universidades da cidade de São Paulo”, Gisele Soares Gama procura investigar como se realiza a formação do aluno do Curso de Pedagogia frente às TDIC. Para tanto, analisa a oferta de disciplinas que as contemplavam na matriz curricular de cursos de Pedagogia e se a proposta curricular dessas disciplinas abordava questões e conteúdos, que permitiam aos licenciandos conhecer e compreender por que e como as integrar em sua prática pedagógica. Neste sentido, a autora analisa se havia adequação entre a proposta curricular das disciplinas levantadas e a prática dos professores que as ministram. Em seus achados, o principal problema apontado diz respeito à obstrução do acesso a espaço e a recursos tecnológicos, por questões de ordem eminentemente burocrática. Suas conclusões procuram demonstrar que a maioria dos professores possui formação e experiência adequadas para ministrar as disciplinas relativas às TDIC e que o futuro Pedagogo está sendo efetivamente capacitado durante o processo formativo. Diferentemente das pesquisas anteriores, problemas como a hegemonia do paradigma tecnicista, a cisão entre planejamento e execução presentes nas políticas públicas para o trabalho docente e a emersão de novas configurações culturais provocadas pelas TDIC não são tratados.
O artigo de Ezicléia Tavares Santos, intitulado “A formação dos professores para o uso das tecnologias digitais nos GTs formação de professores e educação e comunicação da ANPED – 2000 a 2008” foi publicado nos anais da 32ª ANPED, no GT 08, realizada em 2009. A investigação tem como propósito refletir sobre como a questão da formação dos professores para uso das tecnologias digitais está sendo contemplada nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED, traçando, para tanto, um levantamento dos trabalhos apresentados na modalidade “comunicação”, nos Grupos de Trabalho Formação de Professores (GT 8) e no grupo Educação e Comunicação (GT 16), apresentados entre 2000 e 2008. Neste trabalho, identificamos não só um significativo levantamento bibliográfico contextual, mas também aproximações e mesmo recomendações importantes para nossa pesquisa.
Em suas reflexões e achados sobre as diversas modalidades de formação, a autora aponta que um dos principais problemas versa sobre a necessidade de compreensão da construção da subjetividade dos sujeitos, que lidam e têm que aprender com um objeto técnico como o computador e os dispositivos móveis, sem formação específica. Aponta como consenso que, embora as TDIC façam parte do cotidiano da vida das pessoas, esses dispositivos são pouco utilizados na escola e a formação dos docentes ainda não potencializa a exploração de suas possibilidades, no processo de ensino e aprendizagem. Outro aspecto que destacamos, por seu cunho de problematização e incitação a questões investigativas, diz respeito às considerações – ou falta de – sobre o papel da universidade na formação docente. Segundo a autora, o levantamento demonstra que, no tocante à formação imbricada às tecnologias, esses processos, ao contrário de favorecer um desenvolvimento profissional significativo, de valorização da docência, de reflexão crítica sobre o papel desses recursos na educação, na maioria das vezes, ocorrem à deriva de como os sujeitos aprendem e se sentem.
Um trabalho acadêmico relevante – que diz respeito, especificamente, à questão da formação do pedagogo, ainda que não integrada às TDIC – é o artigo de Margarida Montejano Silva e Mara Regina Lemes de Sordi, intitulado “A Organização do Trabalho Pedagógico: Limites e Possibilidades do Curso de Pedagogia”, apresentado em 2006, no GT 08 da ANPED. A pesquisa tem como objetivo refletir, com base em Projetos Político-Pedagógicos e na verificação dos contextos de três cursos de Formação de Professores do Ensino Superior nos Cursos de Pedagogia, como se ensina e como se aprende a organização do trabalho pedagógico, compreendendo o curso de Pedagogia como um local de formação e como um espaço de luta pela melhoria da qualidade educacional. A respeito da análise sobre as políticas públicas, as pesquisadoras denunciam a forma utilitarista e neoliberal adotada no momento (e ainda persistente), compreendendo que essas políticas foram marcadas pelo caráter tecnicista e conteudista, pelo aligeiramento, pela fragilização e pela degradação da formação de professores.
Suas discussões e achados sugerem que os projetos pedagógicos não orientavam a ação e reflexão para a construção do conhecimento, o que demarca, na prática, a existência de ações desgarradas dos objetivos e finalidades dos cursos. Também que, apesar do consenso sobre a importância do trabalho coletivo, uma formação que procure conscientizar sobre sua importância encontrava entraves para se realizar, porque exige o levantamento de questões pouco contempladas ou estruturadas no processo, como a da cidadania, do diálogo e da democracia. Por fim, a de que a organização do trabalho pedagógico não garante autonomia para os professores na elaboração e execução de trabalhos educativos, no interior e exterior da sala de aula, pois valoriza o saber pragmático, tecnicista, em detrimento da autonomia e da reflexão contextual.
Outra investigação que emergiu como fundamental foi a realizada por Suzane Da Rocha Vieira, em sua dissertação defendida em 2007, intitulada “Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia: pedagogo, docente ou professor?”. Se na investigação apresentada acima, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia – Resolução CNE/CP n. 1/06 (BRASIL, 2006) – ainda estavam em processo de discussão, neste trabalho, a autora procura compreender o processo que culminou na aprovação das novas diretrizes, bem como verificar o perfil de pedagogo proposto pelo documento. Para tanto, empreende uma análise dos documentos norteadores do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação acerca da formação no curso de Pedagogia, problematizando o processo que levou à aprovação das DCN e das inúmeras posições que disputavam o conceito Pedagogia e a formação do Pedagogo.
Para a autora, o perfil de pedagogo apresentado assume uma concepção de docência alargada, significando simultaneamente ser docente, gestor e pesquisador. Uma de suas críticas incide na questão de que, apesar de o léxico “pesquisa” ter sido colocado como parte da docência, aparece essencialmente como uma das tarefas do gestor. Tratado ambiguamente – ora como pesquisa, ora como produção de conhecimento – o âmbito da elaboração de conhecimento é pensado de forma restrita, reduzido à busca de solução para o saber prático, gerando a supervalorização do pragmatismo como perspectiva de formação. A conclusão é a de que a imposição de uma formação polivalente no curso contribui para a formação de um profissional flexível, adaptável às demandas do mercado e em consonância com as demandas do status quo.
Apresentado em 2010, no GT 08 da ANPED, o artigo de Rosemara Perpetua Lopes e Monica Fürkotter, intitulado “Formação para o uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) nas licenciaturas presenciais das universidades estaduais paulistas”, discute a inserção e a ressignificação das tecnologias digitais no programa de diversas licenciaturas, em 3 universidades públicas paulistas, tomadas como locus de pesquisa, que resultou em dissertação defendida no mesmo ano. Apesar de o curso de Pedagogia não figurar como um dos analisados, a pesquisa situa-se como significativa, pois delineia, quantitativa e qualitativamente, um esboço geral da incorporação das TDIC nos processos formativos nos cursos de licenciatura, apontando os avanços, os entraves e a medida da importância que se tem dado à questão. Cabe observar que, até 2009, a quantidade de pesquisas sobre o tema rareava e aquelas que constam no presente levantamento demonstram, em sua maioria, a falta de oferta de disciplinas que incorporam as TDIC ao processo formativo dos futuros docentes.
Os achados demonstram que, à exceção de cursos articulados diretamente à área de tecnologia – principalmente Informática, Física e Química – a maioria da oferta de disciplinas que tematizam as TDIC está inserida como optativa, à semelhança do que ocorre com a Pedagogia da Unifesp: locus da pesquisa acadêmica em que se insere a presente revisão de literatura. Portanto, o licenciando não tem a responsabilidade de cursar e também depende da formação de quórum para que a disciplina seja efetivada. Segundo a autora, mesmo as obrigatórias são do tipo “Introdução à”, que têm por finalidade promover somente a aquisição de conhecimentos computacionais. Outro ponto que merece destaque diz respeito ao fato de as disciplinas apresentarem conteúdos apenas a serem discutidos, o que incide na constatação de que a presença temática das TDIC nas disciplinas não pode ser tomada como indício de que os cursos estejam formando professores para seu uso, em contextos educacionais. Também que o formato do currículo, ao alocar majoritariamente essas disciplinas como optativas, indiretamente indicam ao futuro licenciando uma importância secundária das tecnologias nos processos de ensino e aprendizagem, podendo resultar na adoção de práticas de subutilização das TDIC.
Em dissertação de mestrado defendida em 2010, por Eva Graciela Reyes Coracini, intitulada “A formação de professores para o uso das tecnologias digitais nos cursos de pedagogia”, a autora procura investigar como os futuros professores estão sendo formados com relação ao uso pedagógico das TDIC. Para tanto, analisa os Projetos Pedagógicos dos Cursos de Pedagogia (PPC) de instituições públicas nacionais de todas as regiões do País. O objetivo principal do estudo é identificar as concepções de tecnologia presentes (ou não) nestes documentos e como estes cursos se estruturam para promover a formação para o uso pedagógico das tecnologias digitais. Foram analisados 32 Projetos Pedagógicos de Cursos de Pedagogia, de um total de 70 instituições públicas que oferecem este curso. O levantamento da autora mostra que apenas 13 instituições ofereciam disciplinas obrigatórias (2 delas oferecem 2 na sua matriz curricular), representando percentual de 40%. A respeito da oferta de disciplinas estritamente optativas, 12 instituições as ofereciam, representando 37%. No tocante a disciplinas tanto obrigatórias quanto optativas, foram identificadas 6 instituições, representando 18%. Apenas uma instituição não oferecia disciplina que tematizasse TDIC no processo de formação, representando 1%.
A autora também procura investigar se havia atualização dos PPP (Plano Político Pedagógico) às recomendações da Resolução CNE/CP n. 1/06. Neste sentido, 79% dos projetos analisados mostram-se atualizados. Os principais resultados indicam que um número significativo de cursos oferecia disciplinas relacionadas ao uso das TDIC, mas geralmente eram de caráter optativo, sem a garantia de compor a formação nuclear dos futuros pedagogos. Também que à maioria das disciplinas analisadas subjazia uma concepção essencialmente instrumental das TDIC na educação, sem promover uma reflexão crítica do seu uso.
A pesquisa de mestrado acadêmico, desenvolvida por Rafael Da Cunha Lara e defendida em 2011, intitulada “Impressões digitais entre professores e estudantes: um estudo sobre o uso das TIC na formação inicial de professores nas universidades públicas de Santa Catarina” problematizou os usos que estudantes e professores dos cursos de licenciatura fazem das TDIC, tanto no contexto social quanto no âmbito da formação. Tendo como locus duas universidades públicas de Santa Catarina, o investigador seleciona oito cursos, de distintas de áreas de formação de professores, para integrar a pesquisa; sendo um deles o curso de Pedagogia. Seus achados demonstram que o uso das TDIC, no contexto social, é mais frequente e intenso entre os estudantes. No âmbito acadêmico, os dados indicam que seu uso era bastante limitado, recaindo na digitação de trabalhos (94,1%), em pesquisas na internet (91,8%) e na criação de slides para apresentações de trabalhos (90,6%); quer dizer, ligados a um paradigma que as engendra apenas como ferramentas, como facilitadores do trabalho, ao invés de as incorporarem como estratégia pedagógica e como dispositivos e interfaces, por meio dos quais muitos estudantes exercem práticas sociais e culturais.
A investigação realizada por Nadir Rodrigues Pereira, em nível de mestrado, defendida em 2013 e intitulada “Educomunicação na Pedagogia”, tem como objetivo geral compreender, a partir da literatura sobre educomunicação e formação inicial de profissionais, como poderiam ser introduzidos paradigmas conceituais que imbricam Educação e TDIC no currículo de Pedagogia, considerando a produção de intervenção sociopolítica, voltada para o aporte de uma consciência ética e da formação de cidadãos críticos, participativos e inseridos no ambiente social e digital. Seus achados revelam que os sujeitos manifestaram a necessidade de conhecer mais sobre o uso das TDIC e de exercitar essa prática no âmbito das diversas disciplinas, desde o início da sua formação, de forma integrada e transversal. Nesse sentido, questionaram a falta de aprofundamento do tema em sua formação, defendendo que essa questão fosse mais bem pensada e incorporada ao curso de Pedagogia.
O artigo de Analigia Miranda da Silva, publicado na ANPED, GT 08, em 2013, socializa a pesquisa desenvolvida em nível de mestrado, defendida no ano anterior, intitulada “O Computador na Educação e a Formação Docente: Perspectivas de Professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental”. Apesar de o artigo não ter como objetivo investigar a formação de licenciandos em Pedagogia, ele oferece um retrato do cenário de atuação dos futuros docentes, assim como a ressignificação, no cotidiano laboral, das possíveis contribuições do processo formativo, em relação às TDIC, pelo(a)s pedagogo(a)s. A pesquisa analisa a inserção do computador na educação escolar e suas relações com a formação docente, sob a perspectiva dos sujeitos: os docentes de educação básica que articulam as TDIC ao processo educativo. A pesquisadora procura, assim, identificar se os sujeitos consideram dispor de formação sólida para aliar o uso das TDIC à sua prática pedagógica e se ainda havia necessidade formativa, para que o processo se efetivasse de forma qualitativa. Os achados da investigadora apontam que, do total de professores que receberam formação específica voltada à temática (52,4%), apenas cinco (11,9%) expressam que o percurso na graduação foi satisfatório para subsidiar sua prática pedagógica, indicando que a grande maioria dos sujeitos participantes não contou com formação adequada para o uso das TDIC na prática docente. Os discursos também revelam (41,3% dos argumentos) a necessidade de um saber técnico sobre o computador, não obtido durante o percurso da graduação.
Em investigação stricto sensu, em nível de mestrado, defendida em 2013 por Albano De Goes Souza e intitulada “Entre a Teoria e a Prática: A Inserção das Tecnologias da Informação e comunicação (TIC) na Formação Docente inicial da Universidade Estadual de Feira de Santana”, foram analisadas as relações formativas estabelecidas entre TDIC e Educação, nas licenciaturas da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), destacadamente as de Pedagogia e Geografia, em face da constatação de que só essas duas graduações ofereciam, em suas matrizes curriculares, discussão sobre o tema. O autor traz resultados observados reiteradamente, no presente levantamento: em relação aos PPP das licenciaturas, sua análise constata que quase não existe lugar para essas tecnologias nos currículos formativos e, quando existe, este papel é minimizado, tecnicista e com uma disposição que não atende à complexidade da temática. O autor destaca, por exemplo, o fato de que a temática se restringe a uma disciplina de 60 (sessenta) horas, em um período determinado.
Por fim, a dissertação de mestrado defendida em 2013, por Marildes Caldeira De Oliveira, intitulada “Letramento Digital em Contexto de Formação de Professores: O Curso de Pedagogia da Faced/Ufba”, identifica e analisa como essa disposição está presente no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA). Seus achados indicam que, apesar de o currículo trazer em seu bojo a necessidade de problematização e uso das TDIC, pelos docentes e discentes, não havia, entretanto, indicação ou detalhamento sobre seu papel na educação e na formação do pedagogo. Também que, apesar das potencialidades que as TDIC oferecem, o que se constata é sua presença inserida de forma restrita.
Considerações finais
Do compêndio de problemas, embates e resultados emergentes das investigações realizadas entre os anos de 2006 e 2014, destaca-se que as políticas de formação de professores têm sido marcadas, de forma ampla, pelo caráter tecnicista, próprio da racionalidade tecnológica (MARCUSE, 1999) – o que incide na degradação da formação e do trabalho dos professores. Também que, apesar do consenso sobre a importância da inserção das TDIC nos processos formativos dos licenciandos, as universidades, de modo geral, têm contribuído de forma tímida para a vivência de experiências formativas imbricadas às TDIC, relegando-as a um papel secundarizado e distante das demandas do atual contexto sociocultural. Nota-se, assim, que desde a publicação das recomendações legais sobre inserção e problematização das TDIC na formação dos pedagogos (BRASIL, 2006), pouco se avançou quanto à inserção crítica, reflexiva e substancial de suas potencialidades, posto que, de maneira geral, as TDIC têm sido tratadas como uma espécie de “apêndice” – seja nos Planos Políticos Pedagógicos e nos currículos, seja em sua utilização geral, nas universidades e na orientação dada aos licenciandos.
Do levantamento aqui traçado, relacionado aos resultados parciais obtidos na pesquisa em desenvolvimento à qual a presente revisão de literatura se insere, emergem os seguintes aspectos convergentes e divergentes. No que concerne à identificação de problemas e a um paradigma de formação que conceba a formação docente articulada ao trabalho contextualizado e crítico-reflexivo, o percurso e a ressignificação formativa dos licenciandos indicam um desenvolvimento consciente, quanto ao papel e à responsabilidade que atravessa o trabalho docente. Apesar disto, as mesmas disposições quanto à insuficiência e insatisfatoriedade formativa, no tocante à relação Educação-TDIC, são também visualizadas, posto o papel periférico auferido às TDIC. Papel esse revelado, entre outras circunstâncias, na prevalência da concepção das TDIC como recurso didático, apenas, bem como na hegemonia da oferta das disciplinas que tematizam, nuclearmente, as TDIC, com status de optativas.
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Notas
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