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Percursos e experiências no ensino superior: múltiplas aprendizagens para docências na cultura digital
Routes and experiences in higher education: multiple learning for teaching in digital culture
Recorrido y experiencias en la educación superior: múltiples aprendizajes para docencias en la cultura digital
Laplage em Revista, vol. 3, núm. 2, pp. 24-33, 2017
Universidade Federal de São Carlos

Dossiê Temático

Atribuição não comercial internacional. Direitos de compartilhar igual e dar crédito aos autores e periódico.

Recepción: 10 Mayo 2017

Aprobación: 10 Junio 2017

DOI: https://doi.org/10.24115/S2446-6220201732340p.24-33

Resumo: As docências são múltiplas. São complexas. São plásticas. Por sua dimensão plural, implicada na gama de significados e sentidos produzidos para sua (co)existência, entendemos como Docências. Se temos mais clareza sobre a potencialidade e a amplitude que envolvem o docente e a docência, e ainda, que adentramos o século XXI com recursos, ideias, processos híbridos em meio à cultura digital - que altera as relações entre humanos e com o conhecimento -, a formação docente não pode estagnar. O presente artigo traz recortes de duas pesquisas realizadas pelas autoras, respectivamente em níveis de pós- doutorado e de doutorado. Percebe-se que há avanços no que tange os processos de formação continuada para a docência no Ensino Superior (ES), porém são desenvolvidos de modo pouco conexo à composição de uma cultura contemporânea que tem nas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), potencializadores de aprendizagens convergentes para/com estudantes do século XXI.

Palavras-chave: Docências, Formação, Ensino Superior.

Abstract: Teachings are multiple. They are complex. They are plastic. By its plural dimension, implied in the range of meanings and meanings produced for its (co) existence, today we are thinking of Teachings. If we have more clarity about the potentiality and breadth of teachers and teaching, and also that we get into the 21st century with resources, ideas, hybrid processes in the midst of the digital culture - that change the relationships between humans and knowledge -, Teacher training could not stagnate. The present article brings out the results of two researches carried out by the authors, respectively at postdoctoral and doctoral levels. It is noticed that there are advances in the processes of continuing training for teaching in Higher Education, but they are developed in a way that is somewhat connected to the composition of a contemporary culture that has in the digital technologies of information and communication (TDIC) potentializers of convergent learning To / with students of the 21st century.

Keywords: Teaching, Formation, Higher education.

Resumen: Las docencias son múltiples. Son complejas. Son plásticas. Por su dimensión plural, implicada en la gama de significados y sentidos producidos para su co-existencia, hoy estamos pensando en Docencia. Si tenemos más claridad sobre la potencialidad y la amplitud que involucran al docente y la docencia, y aún, que adentramos el siglo XXI con recursos, ideas, procesos híbridos en medio de la cultura digital - que altera las relaciones entre humanos y con el conocimiento -, la formación docente no podría estancarse. El presente artículo trae resultados de dos investigaciones realizadas por las autoras, respectivamente en niveles de postdoctorado y de doctorado. Se percibe que hay avances en lo que se refiere a los procesos de formación continuada para la docencia en la Educación Superior, pero se desarrollan de modo poco conexo a la composición de una cultura contemporánea que tiene en las tecnologías digitales de información y comunicación (TDIC), potencializadores de aprendizajes convergentes para e con estudiantes del siglo XXI.

Palabras clave: Docencias, Formación, Enseñanza superior.

Introdução

Pensar e mexer com formação humana é um pensar nossa própria formação, nosso próprio percurso. (ARROYO, 2000)

A docência se constitui histórica e socialmente como parte integrante da identidade profissional do professor. Bruno, Hessel e Pesce (2009) já alertavam, fazendo coro com Nóvoa (1991), sobre a impossibilidade de cisão entre as dimensões pessoal e profissional na formação docente e, uma vez profissionais da educação, tornamo-nos também inquiridores de nós mesmos e de tudo que envolve nossa docência, ação que nos situa como eternos aprendizes.

Partindo desta premissa acreditamos ser importante investigar os tipos de ações formativas para as docências no Ensino Superior que estão sendo desenvolvidas no interior das instituições públicas federais, e verificar quais os avanços para os processos de ensino e de aprendizagem neste segmento são encontrados. O presente texto discute a formação para a docências, compreendendo esse processo como plural, pois envolve múltiplas dimensões e segmentos.

Docências: alguns desdobramentos

Nóvoa (1991) é sem dúvida um dos grandes nomes neste cenário e é a partir de algumas de suas ideias que apresentaremos nossa compreensão da docência. Até o século XVI a educação concentrava-se nas mãos da igreja e a partir do século XVIII o Estado passa a assumir o controle desta área. Neste processo, o trabalho docente foi se constituindo, sendo a este profissional do Estado atribuídas ações e responsabilidades que delineavam a docência de modo a torná-la mais especializada, com currículo, técnicas e recursos pedagógicos etc.

No Ensino Superior vivemos movimentos de ruptura com a ideia de ‘professor sabe-tudo’, doutrinário, cujas práticas pedagógicas são centradas na reprodução linear dos conteúdos, para um docente que que desenvolve práticas pedagógicas em meio a uma cultura digital que, segundo Moreira e Januário (2014, p. 67) “têm estimulado de forma decisiva a aprendizagem, para além das estruturas educativas formais”. Desta forma, é de se esperar que novas abordagens pedagógicas possam vir a surgir para dar conta das práticas de ensino e de aprendizagem em um cenário de ambientes virtuais e redes.

Algumas pesquisas (ver GATTI; BARRETO, 2009) têm sinalizado que os cursos de formação para a docência precisam equilibrar em seus processos formais as dimensões voltadas à teoria e à prática. Há uma evidente prevalência de disciplinas e tratamentos curriculares que privilegiam os fundamentos em detrimento às práticas; isso sem falar da falta de articulação entre teoria e prática nos cursos. Longe de indicar uma solução para este problema, mas fomentar debates e reflexões, a Linguagem Emocional, conceito desenvolvido por Bruno (2002), ratifica e potencializa as múltiplas formas em que os seres humanos estabelecem relações, utilizando-se das diversas linguagens, meios e recursos para a aprendizagem, considerando o fator emocional como importante desencadeador das transformações decorrentes neste processo. Cabe ressaltar ainda que toda linguagem é emocional, uma vez que a emoção é uma manifestação/reação orgânica integrada ao que que Bruno (2002) chamou de afetivação, ou seja, a ação consciente e crítica freireana de afetar o outro por meio dos dispositivos emocionais – articulando assim emoção e razão.

Nessa direção, precisamos nos assumir como indutores de emoções (DAMÁSIO, 2000), e este pode ser o diferencial para as docências, pois as reações de um sujeito da aprendizagem provocam no interlocutor outras reações (respostas) convergentes (na mesma direção), ao passo que pelo contraste emocional a resposta se dará por reações defensivas dos sujeitos relacionais. Conforme Bruno (2002), como educadores, somos provocadores de emoções e, uma vez que tenhamos a intenção de promover emoções no outro (induzir emoções), podemos abrir campos operacionais mais ou menos favoráveis à aprendizagem. Destarte, a linguagem emocional, nos processos formativos educacionais, é intencional, pois advém do processo consciente e deliberado de provocar (induzir) emoções que potencializem os objetivos desejados para a aprendizagem.

Somado a tais aspectos, o processo de docência pode/deve se alicerçar no que D’Ávila (2012) chama de didática crítico-criativa, nas múltiplas referências, sem abrir mão dos saberes pedagógicos para a docência. A atividade docente pautada pela transmissão de conhecimentos, prontos, acabados e inquestionáveis, foi por muito tempo o mote dos processos de ensino e da ação do professor. Para Rocha e Aguiar (2012, p. 3) “ter o domínio dos conteúdos disciplinares não nos garante mais uma prática docente necessária à construção do conhecimento hoje”. Tal premissa, que acompanha muitas práticas pedagógicas - das chamadas pedagogia tradicional-, é questionada nos tempos atuais, especialmente numa sociedade mediada pelas tecnologias digitais e em rede. Já o autor espanhol Zabalza (2004) tem voltado seu olhar para o docente universitário e propõe nove competências necessárias para todo aquele que almeja assumir a função docente:

Primera competencia: capacidad de planificar el proceso de enseñanza y el de aprendizaje; Segunda competencia: seleccionar y presentar los contenidos disciplinares; Tercera competencia: ofrecer informaciones y explicaciones comprensibles; La cuarta competencia tiene que ver con la alfabetización tecnológica y el manejo didáctico de las TIC;La quinta competencia tiene que ver com gestionar las metodologías de trabajo didáctico y las tareas de aprendizaje; La sexta competencia tiene que ver con relacionarse constructivamente com los alunos; La séptima competencia está relacionada com las tutorías y el acompañamiento a los estudiantes; Octava competencia: reflexionar e investigar sobre la enseñanza; Y la última competencia, que es un poco más cualitativa, significa implicarse institucionalmente. (ZABALZA, 2004, p. 108-121)

Destacamos a competência relacionada à questão da “alfabetização tecnológica”, bem como ao relacionamento e orientação junto aos alunos como aquelas que começam a ganhar mais espaço e destaque e, consequentemente, passam a ser mais exigidas na atualidade. É notório que a maioria dos alunos chegam às universidades alfabetizados digitalmente e se mostram muito ativos no processo formativo, rompendo de vez com os propósitos até pouco tempo vigentes que coadunavam com os estudantes como “tábulas rasas”. Ainda que evidenciem-se carência no letramento digital de muitos estudantes, considerando lacunas na capacidade analítica e de discernimento crítico perante a cultura digital, o fato é que eles já estão inseridos nesses ambientes de informação da web e na cibercultura. Cabe portanto ao docente hodierno não somente a apropriação desta alfabetização tecnológica para que a linguagem entre eles possa fluir, mas trabalho intenso de letramento digital que, consequentemente, afetará a comunicação e a produção de conhecimento contemporâneas.

O docente universitário “em campo”

Ao longo da história das universidades brasileiras, a instalação do que foi denominado por muitos autores (CHAUÍ, 2003, FÁVERO, 2006, dentre outros), de Estado avaliador - impregnado de políticas de controle e de tentativa de implementação de sistemas avaliativos quantitativos com propósitos claros de criação de ranques -, o docente se encontrava em relativa zona de conforto. Para Morosni (2000, p. 19), “até então, a formação docente baseava-se no princípio do laissez-faire, entretanto, com a chegada do estado avaliativo, as instituições, inicialmente, elaboraram políticas de capacitação em cursos de pós-graduação”.

Compreendemos que a chegada da CAPES, com o propósito de qualificar os docentes das IES em cursos de mestrado e doutorado, é parte desta política e paralela a este movimento. Desde o decreto 2026 de 20/10/96, que definiu o sistema de avaliação do sistema de educação brasileiro, vimos chegar uma série de iniciativas reforçando este processo. A década de 1990 foi marcada pela pressão não só imposta pelas IES para que o docente se capacitasse, mas pela legislação, que oferecia às IES a liberdade para que criassem programas que tanto visassem à capacitação dos seus docentes, como também, a criação de mecanismos de avaliação destas capacitações.

Assim, o docente seria alvo de modelos de capacitação e ou de avaliação, dependendo da natureza da IES a que ele estivesse vinculado. Ou seja, se ele atuava numa universidade pública que oferecesse ensino, pesquisa e extensão, as cobranças junto a ele iriam passar por indicadores que englobassem todas estas funções. Por isso, é muito difícil identificar um modelo de docente universitário porque, como afirma Morosini (2000), “a pedagogia universitária no Brasil é exercida por professores que não têm uma identidade única”. Além destas especificidades de cada IES, ainda existe a diversidade entre as cinco regiões do país com características étnicas, sociais e econômicas diferentes e que, consequentemente, influenciam o modelo das IES.

Cabe, portanto, ao docente universitário não só atender as exigências de formação já apregoadas pelas legislações, como também, entender que as demandas das instituições são variadas e estão associadas ao contexto micro (se no meio público ou privado) mas também ao momento atual em que vivemos. Por isso, vale a pena reforçar o que foi dito no resumo deste artigo: As docências são múltiplas. São complexas. São plásticas (...). Por isso, faz-se necessário que tenhamos mais clareza sobre a potencialidade e a amplitude que envolvem o docente e a docência no século XXI.

O contemporâneo fomentador das mudanças nas práticas educacionais

A dificuldade do ser e do fazer autônomo, ou seja, de migrarmos do modelo heterônimo, tratado por Piaget (1994) e resgatado por Bruno (2007), para a prática efetiva da autonomia, é ainda muito evidenciado nos espaços formativos. Bruno (2007) chama-nos atenção para os espaços formativos que privilegiam a heteronomia ou heteroformação – que é mais centrada em si mesmo (anomia) ou na autoridade do outro (heteronomia), mas pouco ou nada na autonomia, e propõe que os processos formativos desenvolvam uma aprendizagem integradora, um processo que articula hetero e autonomia, num movimento que encontra hoje no hibridismo as possibilidades de sua concretização.

O hibridismo, movimento que mistura, integra, mescla processos culturais e que, portanto, redimensiona os espaços de aprendizagem, vindo ao encontro de processos de democratização do acesso à informação e no diálogo entre indivíduos, fortalece as possibilidades educacionais emancipadoras e abre espaço para o exercício da autonomia. Uma Educação Híbrida questiona as cisões, as fragmentações vivenciadas nos processos educacionais e formativos. Não mais dividimos modalidades – online ou presencial —, mas integramos espaços. Por meio de tecnologias digitais e em rede os sujeitos e suas ações redimensionam a produção e o acesso aos conhecimentos, bem como seus usos, em acordo com suas necessidades e emergências.

Freire (1997), ao nos apontar a questão da não neutralidade da prática educativa, convidava-nos a debater acerca da necessidade de mudanças posturais do educador no processo de conscientização. No flanco de tais premissas, Bruno (2002) tem proposto articulação entre os processos de conscientização e de afetivação, compreendendo a impossibilidade de cisão entre razão e emoção já alertadas, e também porque as transformações, individuais e coletivas, se fazem em meio ao imbricamento desses aspectos. Tais ideias ganham força em Nóvoa, que nos dizia:

A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim por meio de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante ‘investir na pessoa’ e dar um estatuto ao ‘saber da experiência’. (NÓVOA, 1992, p. 25)

Como insinua Latour (1994): somos pós-modernos ou precisamos compreender que a modernidade não se findou? Pelo menos não como desejávamos! Sim, muita coisa está acontecendo e fomentando o novo, convocando-nos a novos modos de pensar, de ser e de agir. Nessa direção, o nosso Grupo de Pesquisa Aprendizagem em Rede (GRUPAR) tem realizado estudos e pesquisas sobre as docências no contemporâneo, mediadas pelas tecnologias digitais e em rede, e os achados são instigantes. Somos produtores, usuários, socializadores, coautores em rede de informações e produtos diversos.

Todos que possuem bom acesso à Internet assumem outra posição diante do conhecimento e das informações. Falamos de hibridismo, gameficação, plataformas digitais, comunicação por nuvem, paredes holográficas, inteligência artificial, redes sociais digitais, dispositivos móveis, geolocalização, conteúdos abertos, aulas investidas, aplicações semânticas, software livre, Educação Aberta, Recursos Educacionais Abertos (REA), Cursos Online Abertos e Múltiplos (MOOC), Percursos Online Múltiplos Abertos e Rizomáticos (POMAR), educação online, interatividade, aprendizagem do adulto, redes rizomáticas, pedagogia hacker, braconagem e tantos outros estudos e produtos que apenas sinalizam as transformações socioeducacionais que potencialmente emergem.

Estas ocorrências nos tiram do lugar, da zona de conforto. Nossos estudantes fazem parte disso, produzem o tempo todo e, por isso, não temos mais como realizar processos de docência (lembrando que implicam docentes e discentes) apartados das mudanças sociais que são, definitivamente, mediadas por tecnologias digitais e em rede. E isso, muda tudo! Mas muda a educação? Muda a escola? O professor? Os cursos de formação para a docência?

As docências no ES em meio à Cultura Digital: o que mostram as pesquisas

A formação de professores tem ignorado, sistematicamente, o desenvolvimento pessoal, confundindo ‘formar’ e ‘formar-se’, não compreendendo que a lógica da actividade educativa nem sempre coincide com as dinâmicas próprias da formação. Mas também não tem valorizado uma articulação entre a formação e os projetos das escolas. (NÓVOA, 1992, p. 24).

Nóvoa e também Fazenda (2003) e Freire (1987, 1997, 2005) anunciavam que espera, reciprocidade, diálogo, humildade, perplexidade, tolerância, desafio, envolvimento, espontaneidade, comprometimento, coerência, compromisso, respeito, responsabilidade, mentalidade aberta, alegria, encontro, revelação, amorosidade, são condicionais para os processos de ensino e de aprendizagem e, portanto, apresentam-se como estados afetivo/emocionais ou indutores de emoção que, imbricados à razão, viabilizam, permeiam, facilitam, sustentam, as relações entre os sujeitos nos ambientes de aprendizagem – potencializando a criação de campos férteis para as emergências, as experiências, as aprendizagens. Em pesquisa recente, Bruno (2016) pesquisou os processos formativos no Ensino Superior em Lisboa, Portugal. Esta pesquisa investigou "como as universidades públicas portuguesas de Lisboa tem desenvolvido, institucionalmente, a formação continuada de seus professores no/para o Ensino Superior", considerando as demandas atuais que suscitam a integração de áreas/conhecimentos, de saberes e de processos de aprendizagem, mediados por uma cultura digital.

Em todas as instituições foram identificadas ações formativas voltadas para a docência dos professores da instituição, com oferecimento em periodicidade diversa, de mensal a semestral. Na pesquisa realizada por Silva (2016), junto as universidades públicas brasileiras, foi possível identificar que, a maioria, ou seja, 31 das 37 (86%) universidades pesquisadas em um total de 53 Instituições, desenvolve ações de formação continuada para seus docentes. Das restantes, 3 estão desenvolvendo programas formativos e 3 não realizam formação. Em relação ao tipo de ação formativa desenvolvida, a pesquisa apontou que a maioria (76%) realiza cursos com carga horária variada e apenas 44% realizam cursos com carga horária fixa.

O tipo de atividade predominante foi a palestra (85%), seguido de oficinas (73%) e de outros tipos de atividade (26%). Quanto a questão da participação nestas atividades de formação, em 50% das IES o docente é obrigado a participar, condicionando seu estágio probatório a tais ações formativas. Ainda que as opções de ações formativas sejam diversificadas, percebe-se uma concentração de atividades voltadas para o acolhimento dos docentes, com foco nas informações institucionais e de forma mais branda é dado destaque para as ações pedagógicas envolvendo letramento digital.

Compreendemos que as ações formativas promovidas pela integração de processos de investigação e formação, como quer Estrela (2002), e por um sistema em que todos os docentes participem, como propõe Esteves (2010), materializam o que seria um processo formativo inovador. No entanto, a pesquisa realizada por Silva (2016) no Brasil aponta que é a minoria das IES que faculta ao docente o desenvolvimento de um percurso de formação. Para tal, os aspectos autonomia docente e da docência, interação/interatividade, colaboração/cooperação emergem como importantes elementos a serem desenvolvidos nas ações formativas inovadoras. Tais premissas encontram na mediação partilhada possibilidades para sua materialização. Bruno (2007) propôs um processo de produção coletiva e colaborativa do conhecimento denominada “mediação partilhada”.

Este tipo de mediação abre espaço para que a produção do conhecimento seja co-construída; para que o processo de mediação possa ser assumido por um parceiro (aluno) que tenha condições para fazê-lo numa situação específica. [...] em circunstâncias pontuais, um ou mais alunos “tomam as rédeas” de uma discussão e assumem a mediação frente a temas que dominam. A mediação, neste momento, passa a ser partilhada com o professor que, desta forma, transforma-se no mediador desta mediação. (BRUNO, 2007, p. 213)

São as emergências que brotam nos espaços de aprendizagem que alimentam a mediação partilhada. A ideia de partilha, que é compreendida pela autora contendo o “com”, não possui o sentido da permissividade, de inclusão do outro, visto que todos já estão e são o processo em si. Este processo, que é dinâmico e plástico, é possível desde que os adultos interagentes desejem ali estar, colaborar. Partilhar nesse sentido é assumir a docência como uma produção de devires, de enredamentos, de outros olhares, de cocriação de ideias, pensamentos e experiências, via experimentações. Ainda que tais ações pautadas na mediação partilhada inovem e sejam muito potentes para os processos formativos no ES, não foram localizadas na pesquisa realizada em Portugal ações que integrem tais processos à cultura digital, como ação intencional de ações formativas. A única proposta que se coaduna fortemente com tal processo é o Curso de Formação para a Docência online, da Universidade Aberta de Portugal, que prepara seus docentes para atuação nos cursos da instituição que são desenvolvidos via online. Destarte, há de se ter docentes que possam interatuar nestes cursos e daí a necessidade de tal formação.

Considerações finais

Conforme Esteves (2010), os processos formativos dos docentes universitários ou a pedagogia universitária, compreende a articulação entre currículos alicerçados em situações de trabalho (estágios e práticas orientadas e acompanhadas) e docentes formadores que possuam domínio do campo de trabalho profissional. Tais elementos integram as competências estimadas para as docências.

Se considerarmos as mudanças vertiginosas no cenário sócio-técnico mundial das últimas décadas, que interferem e transformam as formas de relacionamento humano e também o acesso, produção e socialização de informações e conhecimentos, a realidade se torna ainda mais sofrível no campo educacional universitário. Um dos caminhos para os processos formativos no Ensino Superior, considerando as relações espaçotemporais dos docentes deste segmento, pauta-se em atividades constituídas no que foi denominado como Educação Híbrida (BRUNO, 2014) - mencionada anteriormente-, com ações fundamentadas na Educação Aberta1, que integram encontros e atividades presenciais e online ou mediadas pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). Este formato tem se ajustado às demandas apresentadas pelos docentes, pois atende às subjetividades e especificidades do contexto dos professores da Universidade.

Apesar das TDIC fazerem parte do cotidiano educacional e acadêmico, alimentando docentes e discentes em suas produções e ações formativas e científicas, elas não têm sido incorporadas como mote para os processos formativos, ou seja, as pesquisas revelam que poucas ações são voltadas para formação dos docentes para a incorporação de tais recursos em suas práticas de ensino e de aprendizagem. Evidenciam-se ações formativas que utilizam estas tecnologias para os processos formativos, mas não com o intuito de se voltar à utilização delas e, principalmente, para a mudança de uma cultura que hoje é notadamente digital.

Referências

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Notas

1 A Educação Aberta é um movimento que ganhou força a partir da década de 1970, baseado nos pensamentos de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), na França, de Liev Tolstói (1828-1910), na Rússia, e no pensamento progressista americano das décadas de 1920-30. Atravessou décadas e tem sido significativamente explorada, especialmente a partir dos estudos sobre Recursos Educacionais Abertos (REA) e Massive Open Online Courses (MOOC). Para aprofundar esta temática recomendamos Peters (2003) e Santos (2012).

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[Artículo corregido , vol1. 3, 24-33] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/340/482



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